Despojos foram recebidos por Dilma Rousseff e três ex-presidentes da redemocratização. Familiares se emocionaram com honras militares que João Goulart nunca teve
por Redação RBA publicado
Perícias nos restos mortais de Jango começam amanhã; não há prazo para divulgação de resultados
São Paulo – Os restos mortais de João Goulart foram recebidos hoje (14) em Brasília com as honras que o ex-presidente, derrubado pelo golpe de 1964, nunca teve. Retirado ontem da sepultura em que se encontrava, em São Borja (RS), o caixão foi recepcionado no final da manhã pela presidenta Dilma Rousseff e por três de seus antecessores no Palácio do Planalto: Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Collor de Mello e José Sarney.
Entre os chefes de Estado da redemocratização, apenas Fernando Henrique Cardoso, por razões de saúde, e Itamar Franco, já falecido, não participaram da cerimônia. Ministros e parlamentares, além de familiares de Jango, engrossaram a homenagem.
“Este é um gesto do Estado brasileiro para homenagear o ex-presidente João Goulart e sua memória”, afirmou a presidenta, em seu perfil no Twitter. “Essa cerimônia que o Estado brasileiro promove hoje com a memória de João Goulart é uma afirmação da nossa democracia. Uma democracia que se consolida com este gesto histórico”, concluiu Dilma, ressaltando o fato de Jango ter sido o único presidente brasileiro a morrer no exílio, “em circunstâncias ainda a serem esclarecidas por exames periciais”.
Dilma assistiu às honrarias ao lado da viúva de João Goulart, Maria Teresa Goulart. Ambas não seguraram as lágrimas quando a banda das Forças Armadas executou o Hino Nacional, enquanto canhões deram uma salva de 21 tiros na pista da Base Aérea de Brasília, palco da cerimônia.
Morto em 1976, durante seu exílio na Argentina, Jango foi sepultado em sua cidade natal sem qualquer homenagem oficial. O país ainda vivia sob a mesma ditadura que, 12 anos antes, o havia derrubado. Não havia interesse em causar comoção nacional com a morte do líder trabalhista. Por isso, seu cadáver foi enterrado rapidamente. “Não houve luto oficial, houve silêncio oficial”, lembra Christopher Goulart, neto do ex-presidente.
O avião da Força Aérea Brasileira (FAB) que trouxe os restos mortais de Jango chegou ao hangar onde se realizaria a cerimônia por volta das 11h40. Além do caixão de Jango, a aeronave trouxe alguns familiares do ex-presidente e a equipe de 12 peritos brasileiros, argentinos, uruguaios e um cubano que conduziram a exumação e realizarão as análises dos despojos.
Parte da pesquisa será feita no Instituto Nacional de Criminalística sob coordenação da Polícia Federal. Contudo, a etapa mais importante, que tentará identificar substâncias tóxicas nos ossos de João Goulart, ocorrerá em laboratórios no exterior. O objetivo é fornecer provas conclusivas sobre a causa mortis do ex-presidente. A versão oficial aponta para ataque cardíaco. Familiares defendem a tese do envenenamento. Jamais houve autópsia.
O esquife de Jango foi carregado com dificuldade pelos oito militares destacados para a tarefa. Uma vez posicionado diante da presidenta Dilma Rousseff, da viúva Maria Teresa Goulart e dos demais presentes, soldados retiraram do caixão a bandeira que o recobria. Dobraram e entregaram à presidenta, que a repassou a Maria Teresa. Antes disso, ambas colocaram uma coroa de flores sobre a urna de madeira.
Além do Hino Nacional, também se pôde ouvir a marcha fúnebre – indícios de que Jango recebeu, hoje, cerimônias de recepção e de adeus. Logo depois, o esquife foi colocado numa van da Polícia Federal e seguiu para o Instituto Nacional de Criminalística. Não houve discursos. Os trabalhos científicos devem começar amanhã.
Apesar de estar ansiosa para finalmente saber se Jango morreu de causas naturais ou foi assassinado, a família acredita que a maior importância da exumação não é a perícia, mas sim o resgate histórico do ex-presidente.
“Depois do golpe, começa processo de dilapidação de sua reputação, por um lado, e de esquecimento de sua figura, por outro”, acusa o historiador Jorge Ferreira, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e biógrafo de Goulart. “As direitas civil e militar, que o derrubaram, passaram a criar imagens negativas do ex-presidente: corrupto, subversivo, incompetente, alcoólatra. As esquerdas também atacaram, acusando como líder burguês de massa e manipulador dos operários. Essa ideia de que Jango foi covarde e fugiu da ditadura, isso quem criou foi a esquerda.”
Após as análises, os despojos do ex-presidente voltarão a São Borja. Essa foi uma das exigências dos são-borjenses para a remoção dos restos mortais de Jango, que consideram um patrimônio histórico da cidade.
O presidente derrubado pelo golpe de 1964 está enterrado no mesmo cemitério onde descansam os corpos de Getúlio Vargas e Leonel Brizola. Isso faz com que os munícipes vejam São Borja como um santuário do trabalhismo brasileiro. Jango deve retornar ao jazigo da família Goulart no dia 6 de dezembro, quando sua morte completa 37 anos. Na ocasião, receberá novamente honras de chefe de Estado.
Nada indica, porém, que o resultado das perícias será divulgado antes disso. Até o momento, o governo federal afirma que não existe qualquer prazo para a revelação dos laudos forenses que poderão colocar um ponto final numa das dúvidas históricas mais importantes que a política nacional já produziu.
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