O objetivo deste blog é discutir um projeto de desenvolvimento nacional para o Brasil. Esse projeto não brotará naturalmente das forças de mercado e sim de um engajamento político que direcionará os recursos do país na criação de uma nação soberana, desenvolvida e com justiça social.
segunda-feira, novembro 11, 2013
Obsessão pela macroeconomia é um dos pilares da crise
Pode o atual modelo de economia global, comandado pelo setor financeiro, sobreviver à crise? Se essa sobrevivência não ocorrer, quais são as alternativas?
A atual crise do capitalismo só será resolvida quando se reformularem as alianças políticas entre os diversos setores sociais envolvidos. É o que dizem no livro Contemporary Capitalism and Its Crises – Social Structure of Accumulation Theory for the 21st Century vários estudiosos, coordenados pelos professores de Economia Terrence McDonough, da Universidade Nacional da Irlanda, Michael Reich, da Universidade da Califórnia em Berkeley, e David W. Kotz, da Universidade de Massachusetts em Amherst. O título em português seria “O capitalismo contemporâneo e suas crises – A teoria da estrutura social da acumulação para o século 21”. A obra foi publicada em inglês pela editora da Universidade de Cambridge.
Esses autores põem em xeque a chamada “macroeconomia”, cultuada pela esmagadora maioria de seus colegas, que, com a ascensão do neoliberalismo, julgavam que nunca mais o capitalismo entraria em grandes crises. Na verdade, a equipe que compôs o livro fez parte de um pequeno grupo que há décadas sustentava que o capitalismo estava longe de ter superado os seus desequilíbrios funcionais.
Agora, eles discutem dois problemas principais: pode o atual modelo de economia global integrada segundo os ditames do neoliberalismo, comandada pelo setor financeiro, sobreviver à atual crise? Se essa sobrevivência não ocorrer, quais são as alternativas para esse modelo? Os críticos do atual modelo de gestão das principais economias do mundo tentam mostrar a inutilidade da macroeconomia neoliberal, baseada apenas no estudo isolado, e quase que plenamente matemático, segundo a ótica de uma suposta racionalidade econômica. Pois os autores levam em conta também fatores políticos e sociais que influenciam e modificam a economia.
Pouco conhecida do grande público, a teoria da estrutura social da acumulação começou a ser desenvolvida em meados dos anos 1970, quando os governos começaram a abandonar as teses de John Maynard Keynes de regulamentações dos mercados e passaram a aceitar as desregulamentações neoliberais, aquelas em que vale o que o “mercado” pensa que vale. Segundo um dos organizadores do livro, Michael Reich, essa teoria postula que uma estrutura social de acumulação é o quadro institucional em que o capitalismo se desenvolve em épocas e lugares específicos.
Cada estrutura social de acumulação passaria por um longo período, de 20 a 25 anos, de estabilidade e alto crescimento, seguido de outro igualmente longo de instabilidade e baixo crescimento. Desse modo, o capitalismo passa por crises periódicas, chamadas crises sistêmicas, que exigem reestruturações intensivas e extensivas das instituições que moldam o sistema. Uma nova estrutura social de acumulação – e um novo período de estabilidade e de alto crescimento – só emerge quando ocorre um realinhamento das coalizões políticas.
Diz Reich: “É necessário realizar numerosos experimentos com novas instituições e com contestações políticas, antes que surja uma coalizão que ao mesmo tempo seja politicamente dominante e tenha desenvolvido novas instituições que possam ser economicamente bem-sucedidas”.
O pesquisador considera que, para ter êxito econômico, a “nova coalizão dominante” precisa criar um conjunto de instituições que sejam coerentes, que possam recriar a estabilidade e possam garantir melhoras econômicas para pelo menos alguns dos grupos incluídos na coalizão. “Uma vez instalado, um conjunto particular de instituições se torna bem--sucedido por um longo período. Mas os comprometimentos a longo prazo e os interesses criados impedem as mudanças graduais para um novo modelo. A estrutura social de acumulação fica assim estressada por problemas econômicos e políticos que se acumulam, levando a uma nova crise sistêmica.”
Bifurcação
Exemplos de crises sistêmicas nos Estados Unidos seriam: a crise dos anos 1890, resolvida politicamente pela eleição de 1896, pela onda de fusões entre 1893-1897, pela fundação da Reserva Federal em 1913 e pela derrota das greves operárias por volta da Primeira Guerra Mundial; a Grande Depressão de 1929-1941, resolvida politicamente em 1932 e economicamente pelo New Deal, pelas medidas keynesianas durante a Segunda Guerra Mundial e, depois, por um acordo limitado entre o capital e o trabalho e pelo Estado do Bem-Estar Social; e a estagflação (termo que define um cenário em que há elevados índices de inflação e de desemprego e baixo ou nenhum crescimento) dos anos 1970, resolvida politicamente em 1980 e economicamente pela ofensiva contra as classes trabalhadoras, pelo corte dos impostos e pelas desregulamentações, especialmente no setor financeiro.
Desde 2007 estamos numa nova crise sistêmica. Notemos que a cada crise sistêmica no passado se sucederam longos períodos de complicados reajustamentos até que uma nova estrutura social de acumulação se consolidasse. O mesmo deverá ocorrer. Os principais componentes de uma estrutura social de acumulação são: as relações entre o capital e o trabalho, as relações entre os diferentes capitais, as instituições financeiras, o papel do governo, as relações e instituições internacionais, a coalizão política dominante.
Na atual estrutura social de acumulação temos, por exemplo, nas relações entre o capital e o trabalho: o declínio dos sindicatos de trabalhadores do setor privado, crescimento da produtividade sem aumento dos salários, introdução da informática e flexibilização do trabalho, expansão do segmento de baixos salários no setor de serviços, baixos salários mínimos, empregos temporários e imigração.
Quanto ao futuro, parecem concorrer dois modelos: um corporativo de livre-mercado, em que as classes trabalhadoras continuam fracas e os grandes negócios, particularmente os setores financeiros, controlam as reformas; um novo modelo social-democrata, em que os ganhos dos salários (e também dos benefícios sociais) acompanham os ganhos da produtividade.
Enquanto o modelo corporativo não parece capaz de impedir o surgimento de novas bolhas e de novos estouros de bolhas, o social-democrata impõe restrições aos ganhos dos altos executivos, o renascimento das classes trabalhadoras como fator político de peso e um salário mínimo indexado e uma estrita regulação financeira – inclusive em termos internacionais.
Teria de envolver uma forte tendência para a aplicação de grandes verbas sociais em saúde, educação, meio ambiente e infraestrutura. Esse modelo, para se instituir, teria de envolver muito mais tempo e muito mais confrontos do que o modelo corporativo. Em compensação, parece mais coerente.
Vemos assim que o livro proporciona não só um claro entendimento da crise atual – e torçamos para que seja logo traduzido para ser consumido aqui. Proporciona armas para as classes trabalhadoras, sobretudo nos países desenvolvidos mais atingidos, intervirem no cenário político e econômico. Especialmente são necessárias duas condições: a eleição de governos progressistas e a movimentação organizada das grandes massas.
Essas condições, no entanto, não se estão combinando no tempo e no espaço. Nos Estados Unidos, foi eleito um governo progressista, mas falta a movimentação organizada das grandes massas, pois o Occupy Wall Street só envolveu setores intelectualizados empobrecidos. Na Europa se sucedem greves gerais sem maiores efeitos, pois não foram eleitos governos progressistas, a não ser na França, onde, porém, não têm ocorrido maiores movimentações das classes menos privilegiadas, parte das quais inclusive se tem deixado iludir pelo xenofobismo da extrema direita.
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