sexta-feira, outubro 23, 2015

Rússia destrói o sonho de Israel

Carta Maior


O que é mais frustrante pra Israel é que eles não podem chantagear, coagir ou comprar o governo de Putin.

http://www.informationclearinghouse.info/

O plano corria bem. O conceito de guerras intermináveis para uma Grande Israel funcionava e produzia resultados impressionantes. De modo oportuno, com o agravamento de guerra após guerra, fatia por fatia de território árabe era usurpada e o mapa de Israel pouco a pouco se materializava. Pouco importa a instabilidade e o caos que cercam o Estado israelense pelas últimas sete décadas. Pouco importa a incansável resistência palestina e as violentas intifadas que irrompem internamente. O sonho sionista da Grande Israel persistia consistente e progredia sem grandes obstáculos.

Mas é da natureza do sonho que possa ser abruptamente interrompido - e facilmente transformado em um pesadelo. De fato, um piscar de olhos pode ser o bastante.

Ninguém esperava que o sonho sionista fosse detido de modo tão repentino. Ninguém esperava que a Rússia se impusesse militarmente na região do Levante e, no processo, convertesse o sonho sionista em um pesadelo geopolítico e existencial. Agora, nenhuma expansão territorial é ao menos remotamente possível com a presença das tropas russas no Levante. E os israelenses sabem que os russos chegaram para ficar.

A Rússia não é um inimigo declarado de Israel. Não foi propositalmente que os russos esmagaram o sonho sionista, mas consequência de uma posição que serve aos interesses regionais e globais da Rússia. Acontece que o sonho sionista estava no caminho das ambições russas. Simples assim.

Mas, afinal, quais são os interesses russos em enlaçar o Levante?

Bom, em primeiro lugar, Putin pretende reabastecer a velha pretensão russa de estabilizar bases militares nas “águas mornas” do mundo, mais precisamente no Mediterrâneo, a fim de projetar seu poder e influência em direção ao ocidente com maior facilidade. Além, é claro, de estabelecer bases navais no mediterrâneo enquanto uma primeira linha de defesa contra o avanço das potências à oeste. A crescente presença militar dos russos na Síria é uma questão de “segurança nacional”, como Putin já declarou inúmeras vezes. A consolidação de multiplas bases no mediterrâneo não é possível desde a Guerra dos 6 dias (1967), quando perdeu a disputa pelo Oriente-Médio contra os EUA, simbolizada pela derrocada do Egito, zona de influência dos soviéticos naquele momento cuja estrutura militar foi devastada pela investida israelense. Investida, é óbvio, carregada com armamentos norte-americanos.

Hoje a Rússia compreende seu avanço sobre a Síria enquanto manobra geopolítica vital para restabelecer seu poderio no Oriente-Médio e novamente se consolidar como superpotência. Diante do caos no Levante, a ambição russa precisa ser implementada imediatamente, antes que a região caia nas garras do Estado Islâmico ou do sionismo.

Em segundo lugar, Putin observa a influência do Império Americano claramente se esvair, especialmente no Oriente Médio, e está tirando proveito disso: colocando em andamento sua proposição desafiadora aos EUA. Sim, Vladimir Putin, o presidente da Rússia conhecido pelo sangue-frio e pelo realismo, está tão ciente das fraquezas americanas quanto das potencialidades russas. (...) “Veja bem, você continua extremamente poderoso, mas está sangrando no Oriente-Médio e o estado agora ficou crítico. Você não pode arcar com um novo conflito em larga escala por aqui sem a garantia de reafirmar vitoriosamente sua dominação. E você também foi rebaixado em todas as últimas guerras na região - você ficou sem cartas na manga. Você não pode seguir por esse caminho desvantajoso, não pode ficar parado e tampouco pode retirar-se da região. Todas essas são opções estratégicamente inferiores e você vai continuar sangrando seu poder. Sua única alternativa é o pragmatismo. A única solução é dividir seu controle sobre o Oriente-Médio conosco, os russos. Nós já compartilhamos influência sobre a região durante a Guerra-Fria e, sim, isso gerou perigos e complexidades para ambos os países no passado. Mas hoje é diferente: não há Guerra Fria entre nós e nossa nova parceria pode apenas nos fortalecer”.

Esse, caro leitor, é o pronunciamento diplomático da Rússia, recebido com grande alívio pela Casa Branca e desprezado pelos sionistas em Washington. Resumindo: Putin está na Síria e seu recado realista pros EUA é: “Compartilhem o Oriente-Médio conosco agora ou ambos cairemos no futuro”. E parece que o Obama silenciosamente captou a mensagem, de acordo com o interesse do Império e em nome do realismo, não por covardice ou submissão a Putin. O problema do Obama é que, embora concorde relutantemente com a posição do Putin, não pode respaldá-la em público, pois nesse caso os neoconservadores soltariam os cães da traição sobre ele, obstruindo seu mandato pelos próximos 15 meses e, no pior dos casos, prejudicando as chances de vitória do seu partido nas próximas eleições.

Em terceiro lugar, na minha opinião, a Rússia ocupa a Síria também com o propósito de realçar sua imagem e história de poder militar. Com a devastadora derrota da União Soviética na Guerra do Afeganistão (1979-1989) pelas tropas respaldadas pelos EUA e, considerando o forte nacionalismo impregnado na sociedade russa no que se refere a suas instituições militares, não é de se surpreender que qualquer líder russo moderno que arranque uma vitória militar sobre a nova versão do velho inimigo represente um marco moral e histórico.

Sim, a estrutura militar russa implantada na Síria, sobretudo a marinha e aeronáutica, agora parece relativamente permanente. E é isso que está causando insônia em Israel e em seus amigos sionistas de Washington. Eles sabem que o sonho da Grande Israel não pode ser concretizado com a Rússia dominando os céus e os mares do Levante. Essa é a atual e inescapável realidade. Como uma grande muralha russa que se levanta entre os sionistas e seu sonho imperial.

Alguns veriam nisso certa justiça poética.

O sonho despedaçado enquanto realidade inaudita. Israel deixada sem recursos ou alternativas. Não pode entrar em enfrentamento direto com uma Rússia mais poderosa e recuperar seu domínio sobre o Levante. Não podia nem ao menos derrotar o Hezbollah em 2006, que não dispunha de nenhuma força aérea. E ainda mais frustrante pra Israel: também não pode chantagear, coagir ou comprar o governo de Putin. Em suma, com a gestão Obama, fica claro que os EUA não estão preparados para entrar em conflito direto com qualquer nação em nome de Israel, quanto mais com a Rússia. Os arquitetos do sionismo expansionista estão diante de um absoluto constrangimento. Sem mais pequenas reuniões para definir o próximo país árabe a destroçar ou o próximo território que possa ser usurpado.

Alias, não há qualquer ideia na mesa dos arquitetos sionistas. Apenas um genuíno silêncio.

Algo mais compõe essa catatonia que os sionistas vem experimentando: o fato de que a credibilidade do Estado Israelense nunca esteve tão baixa e, cedo ou tarde, a comunidade internacional - observando a fragilidade geopolítica de Israel - tende a pressioná-lo ainda mais, senão impôr uma solução de segundo Estado, pautado nas fronteiras de 1967. Ou seja, uma martelada ainda mais forte no sonho da Grande Israel. Não apenas deixará de expandir, mas possivelmente perderá uma porção dos territórios que (ilegalmente) ocupa hoje. Algo que o público e as autoridades israelenses não estão preparados para engolir.

Observando o padrão de comportamento dos sionistas, percebemos que aquilo que não podem controlar, geralmente eles destroem. E aparentemente essa é a única coisa que eles podem fazer nesse momento. Sem dúvida, veremos uma tentativa de prolongar os conflitos regionais por mais um século de guerras entre os árabes - eles vivem em função de estragar a vida dos seus vizinhos árabes. Também sabemos que, quando os sionistas não estão dispostos ou hábeis para entrar em conflito, geralmente procuram mandar outras nações desejosas ou capazes. Mas como destaquei anteriormente, isso não será possível durante a administração Obama.

Que fazer então? Será que Israel preferiria que os EUA entrassem em confronto militar direto com a Rússia no Levante? Eu creio que sim. Mesmo com o risco de causar uma Terceira Guerra? Sim. Mesmo com o risco de disparar uma Grande Guerra? Sim.

Três vezes sim: a patologia dos sionistas fornece todos os indicativos. “A tribo acima de tudo” é seu mantra. São uma versão do Estado-Islâmico cheia de mísseis no porão. Suas intenções narcisistas são sempre notórias - e seus motivos e manobras nunca devem ser subestimados.

Nós estamos em um ponto muito sóbrio da série de dramas que se travam no Levante e no Oriente-Médio. Todos procuram se preparar pro desconhecido. A conjunção de desconhecidos tão massacrantes é rara na história. A tensão geopolítica - apesar do nivelamento que os russos representam no Levante - mantém todos os personagens estressados. Todos tem muito a perder com um simples passo em falso. Movimentos hesitantes são feitos e agilmente desfeitos. Se perguntássemos ao Obama ou ao Putin o que aconteceria ao mundo no dia em que as duas nações entrassem em guerra, ambos responderiam sombriamente com um “Não sei”.

Por agora, os sionistas pretendem manter a morte da Grande Israel em segredo, esperando que o próximo presidente americano seja mais maleável e reacionário que Obama. Eles estarão matando tempo e torcendo para que assuma alguém mais sionista que Theodore Herzl. Ideologicamente mais violento que o Estado Islâmico e o Tarantino. Esperando, contra todas as chances, que o pequeno Estado de Israel sobreviva à catástrofe da Terceira Guerra Mundial com pouco estrago dentro de sua fronteiras. Esperando, contra todas as chances, que o mundo árabe ao redor Israel seja bombardeado de volta à idade da pedra, enquanto Israel continua como noiva super tecnológica do Oriente-Médio. Esperando, contra todas as chances, que a Rússia seja novamente derrotada pelos EUA - apenas para que os israelenses retomem as águas e o céu do Levante e revivam o sonho da Grande Israel. Esperando, contra toda e qualquer chance, que uma Terceira Guerra possa resolver os problemas de Israel.


Tradução por Allan Brum

A máquina de triturar nações

O arrocho fiscal tem agora, em um projeto de José Serra, a capacidade de promover um longo ciclo de recessão no país.

por: Saul Leblon

A ideia de que sem o Estado a sociedade funciona melhor está arraigada na efervescência golpista que ronda o país à procura de um pretexto para se consumar.

Não é um simples cacoete conservador.

O calibre superlativo de interesses abrigados sob esse guarda-chuva ideológico explica porque o ruidoso apodrecimento de Eduardo Cunha não basta para devolver o chão firme ao governo Dilma.

É preciso enfrentar a agenda por trás do abusado operador.

A intuição do ex-presidente Lula estava certa ao advertir os mais entusiasmados, na semana passada: o inimigo continua intacto, disse Lula.

O PSDB é a âncora local da ideia-força, que na verdade deixou o campo imaterial desde os anos setenta para se tornar a lógica ubíqua do poder na globalização.

Entre outras determinações, ela estabeleceu uma devastadora desconexão entre desenvolvimento e soberania democrática, jogando as nações em um pântano estratégico do qual estão longe de se livrar.

Assentada na supremacia do capital rentista, a globalização financeira instalou no interior dos Estados nacionais uma contradição nos seus próprios termos.

Governos eleitos para desobstruir canais de crescimento e prover direitos a populações historicamente excluídas, descobrem-se capturados por uma malha de interditos e chantagens.

Um poder inefável e sem rosto exerce a vigilância asfixiante nos principais circuitos de decisão local e supranacional.

Basta uma tecla para desencadear ordens de compra e venda que podem esfarelar o mandato de um Presidente.

Ou reduzir nações a uma montanha desordenada de impossibilidades.

A soberania dos povos, em certa medida, foi sequestrada pelo diuturno escrutínio dos pregões ao redor do planeta.

A abertura e o fechamento dos mercados de câmbio atualiza essa servidão, emitindo pronunciamentos diários em cadeia mundial.

Tudo se passa como se uma junta militar editasse sentenças de vida ou morte sobre o destino das nações e a sorte de seu desenvolvimento.

Nunca como hoje a luta pela sociedade digna remeteu tão diretamente à necessidade de se deter o controle do poder de Estado.

E nunca o Estado esteve tão engessado por um poder prevalecente, quase integralmente subordinado a normas e agendas que o reduzem a pouco mais que uma anexo dos desígnios dos mercados.

A política fiscal –ou seja, a ferramenta que dá ao Estado o poder de induzir e ordenar o investimento público e privado-- é o canal estruturante através do qual se exerce o sequestro da agenda do desenvolvimento soberano em nosso tempo.

Não por acaso ela é o alvo central da vigilância das agências de risco, das consultorias infatigáveis, dos departamentos econômicos dos bancos, do anexo acadêmico do rentismo e do jornalismo a serviço dessa maquinaria.

A caçada diuturna visa manter o azeite num eixo de ação que assegura todos os demais interditos.

Urdida na impossibilidade de taxar a riqueza, a camisa de força fiscal leva a sucessivas espirais de endividamento público até, finalmente, enjaular o governante num regime destrutivo de juros altos e investimentos medíocres.

É o ardil dentro do qual o Brasil se debate nesse momento, entre o golpe paraguaio e a paralisia governamental que o lubrifica.

A bonança recente do ciclo de commodities ofereceu ao Brasil uma década trufada por excedentes que ampliaram a margem de manobra do governo e amorteceram a percepção dessa polaridade extrema.

Três gestões petistas sucessivas souberam aproveitar esse atalho para reduzir a perversão social acumulada em 500 anos de capitalismo perverso.

Dobraram a aposta nessa via de resistência durante a crise deflagrada pela desordem neoliberal em 2008.

Os resultados são conhecidos e documentados como um dos estirões mais robustos na luta conta a pobreza e a fome em nosso tempo.

Um dado resume todos os demais: o mercado de massa criado nesse processo acoplou à economia brasileira um outro país, com peso e medida para credenciar-se ao G-20.

Embora o dever de ofício midiático se esmere em negá-lo, o fato é que todo o vapor da caldeira conservadora hoje se concentra em desmontar o avanço da justiça social que seus porta-vozes desmentem ter ocorrido.

Dê-se a isso o nome técnico que for.

O que se mira é a regressão das conquistas sociais, salariais e políticas dos últimos doze anos.

A melhor forma de proceder ao desmonte é no atacado da coleira fiscal.

Ou seja, subordinando o aparelho de Estado ao garrote de um labirinto de cortes e arrocho que reduz a função do governante à de um contador kafkiano.

Coagido a prestar contas de metas irreais, em prazos impossíveis, ele deve ao mesmo tempo saciar a intolerância tributária das elites e a voracidade usurária dos rentistas --sem recorrer a pedaladas, nem hesitar em proceder a cortes drásticos, gerar desemprego, redução do poder de compra das famílias assalariadas e escalpo de direitos para cumprir as metas de superávit fiscal.

Esse tornique de muitas voltas poderá ganhar agora o arremate de um ajuste draconiano, capaz de jogar a pá de cal, por década e meia, na esperança de retomada do desenvolvimento no país.

O senador José Serra é o responsável pela emenda a um projeto de resolução em curso no Senado, que redefine limites para a dívida pública da União.

A contribuição do tucano, se consumada, erguerá uma espécie de linha de Tordesilhas na geografia fiscal do Estado brasileiro.

O ex-governador de São Paulo, de sensibilidade social conhecida, quer tornar impositivos superávits em torno de 3% do PIB até meados de 2030.

O potencial recessivo inerente a esse arrocho -- ainda mais profundo do que o verificado atualmente-- motivou intelectuais, lideranças e economistas, de Maria da Conceição Tavares a Celso Amorin, de Guilherme Boulos a Alfredo Bosi, entre dezenas de outros, a lançarem um chamado de alerta e urgência à nação (leia a íntegra do documento).

Por mais que se dissimule essa truculência em afirmação de responsabilidade fiscal, o fato é que a eventual implantação da ‘mecânica Serra’ só fará aprofundar a anemia do investimento público; por conseguinte aprofundará a rosca da recessão em marcha na economia brasileira.

Pior que isso.

Um longo ciclo de aperto fiscal como o preconizado pelo tucano –que coerentemente se dispõe a entregar o pre-sal às petroleiras internacionais-- privará a sociedade dos investimentos necessários ao salto de infraestrutura e de produtividade que devem caracterizar o passo seguinte do crescimento nacional..

Sem salto de produtividade, o que sobra para se agregar competitividade a uma economia?

Sobra forçar a queda real do salário direto e indireto -- via supressão de ganhos de poder de compra no salários mínimos e com a liquidação de direitos trabalhistas.

Essa dimensão sistêmica embutida na ‘mecânica Serra’ atende à agenda antissocial advogada pelos paladinos da contração expansiva. Qual seja, a dilapidação das estacas civilizatórias de contenção da barbárie capitalista que propiciaria o impulso ao florescimento das inversões privadas.

A Europa em carne viva de estagnação, desemprego e pobreza que enreda 122 milhões de cidadãos é a vitrine mais vistosa dessa receita ali praticada desde o colapso de 2008.

São esses os desdobramentos embutidos na convicção conservadora de que ter menos Estado redundará em uma melhor sociedade.

Redundará, na verdade, em um horizonte, em que o empobrecimento passará a ser o requisito da competitividade, o arrocho fiscal uma vacina de classe à reforma tributária que faça o rentista pagar imposto, e a liquidação da soberania, a salvaguarda preventiva a qualquer ameaça de controle de capital, que devolva à sociedade o comando do seu destino.

Cabe advertir, porém: nem Cunha, nem Serra lavram no deserto.

A margem de manobra de que desfrutam deriva em grande parte do flanco – e dos impasses que irradia — aberto pela política econômica equivocada adotada no segundo governo Dilma.

Ao associar recessão, portanto, queda de receita, e juros siderais, ela reforça as grades de um cativeiro fiscal que literalmente empurra a sociedade para um regime de pura servidão à ganância rentista.

A disjuntiva política intrínseca a uma encruzilhada de empobrecimento e paralisia é o golpe ou a repactuação democrática do futuro.

O curso do enredo golpista tem em Cunha e Serra dois personagens ilustrativos e complementares –um na esfera institucional, o outro no arremate macroeconômico do arrocho.

Resta a alternativa de uma repactuação democrática do desenvolvimento.

Para que seja sólida –e inclusive capaz de reverter a trajetória da dívida pública a confortáveis 60% do PIB—requer um protagonista dotado de força e consentimento, capaz de livrar a sociedade da prostração e docorporativismo em que se encontra, para compartilhar metas, salvaguardas, concessões e avanços que ergam as linhas de passagem a um novo ciclo de construção da democracia social brasileira.

Seu nome é frente popular. Sua viabilidade objetiva está dada. Seu peso efetivo nos acontecimentos em curso depende do discernimento político das lideranças e movimentos sociais para escolher entre o sectarismo ou a grandeza histórica.

segunda-feira, outubro 19, 2015

'Acordos' 'comerciais' 'Trans': Contribuição de Obama para a privatização dos Estados pelas empresas globais

Eric ZUESSE,[1] Strategic Culture Foundation

"Todos os jornais nacionais britânicos são hoje de fato verdadeiros guardiões dessa mesma pequena aristocracia nacional (...), contra o interesse público. – Existem para proteger aquela aristocracia contra o interesse público (porque existem para enganar a opinião pública, como fazem colunistas como Polly Toynbee)."
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Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu





Recentemente, apareceu a questão dos lucros que passariam a fluir para empresas internacionais graças aos 'acordos' 'comerciais' propostos por Obama, que encorajam a privatização de serviços sociais hoje administrados pelo Estado, e a extinção dos sindicatos de trabalhadores. Infelizmente, a coisa foi apenas lembrada de passagem, por Polly Toynbee, colunista do Guardian. OK. Melhor que nada.

A colunista é neta do famoso historiador britânico Arnold Toynbee. A perspectiva dela sobre o tema parece estar em perfeita harmonia com a das grandes empresas da Grã-Bretanha – sempre empenhadamente favoráveis à Parceria Transatlântica para Comércio e Investimento [ing. Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP) – a proposta de 'acordo' para comércio e investimentos que Obama apresentou à UE], e também a a Grã-Bretanha ser incluída na UE (e ao tal 'acordo' proposto por Obama).

Na Grã-Bretanha, o número de famílias da aristocracia e que servem à aristocracia (o pessoal que administra as empresas internacionais e que trabalham para aquelas famílias), são poucos em números, de tal modo que os indivíduos que alcançam alguma voz pública (por exemplo, empregando-se como colunista no Guardian), tendem a ser bem avaliados pela aristocracia que, em termos gerais, é avessa a democracias.

Na coluna mais recente, Toynbee critica os que se opõem à Parceira Transatlântica de Obama e a os britânicos se integrarem à UE, chamando-os de populistas "eurofóbicos", gente que "desavergonhadamente" se opõe à UE e à tal 'parceria' de Obama.

Em sua coluna, ela apresenta o interesse público como principal problema – interesse público, para ela, basicamente, são os interesses de gangues mafiosas controladas por demagogos –, e a aristocracia como a solução. A atitude dela ante a democracia (tudo que seja público) é idêntica à de Barack Obama, como ele a expressou privadamente dia 27/3/2009, a altos executivos de Wall Street reunidos na Casa Branca: "Meu governo é a única coisa entre vocês e a forca (...) Quero ajudar (...) Estou protegendo vocês" da tal "forca". Também para Obama, democratas seriam em tudo iguais aos "desavergonhados eurofóbicos" de Toynbee. Nas duas versões, os operadores financeiros empresariais internacionais são os verdadeiros heróis; e o público que se oponha ao que eles fazem não passa de leva de idiotas perigosos que têm de ser controlados.

Recente artigo de Toynbee, do dia 12 de outubro, sobre a integração entre europeus pró-adesão-à-UE e europeus pró-mega-empresas discute a resistência, na opinião pública, contra o mais recente esforço do deputado britânico Alan Johnson, pró-UE, para promover a tal 'parceria' TTIP de Obama:

"A Parceria Transatlântica para Comércio e Investimento (Transatlantic Trade and Investment Partnership,TTIP) é outra linha vermelha para alguns da esquerda. Johnson acaba de visitar Bruxelas e está convencido de que nunca haverá tribunais comerciais secretos, e de que outros países, com setores públicos maiores que o inglês [p. ex., França, Dinamarca, Suécia] jamais permitirão que os serviços públicos europeus sejam capturados por empresas dos EUA".


Johnson é ex-membro do Gabinete do governo do primeiro-ministro Tony Blair – de fato, foi secretário da Saúde e também secretário da Educação; é pois sujeito que sabe de muitas coisas sobre o vastíssimo patrimônio a ser privatizado, se e quando, por exemplo, o Serviço Nacional de Saúde Pública da Grã-Bretanha vier a ser destripado e vendido em liquidação a empresas transnacionais. – Agora, Johnson dedica-se a argumentar que, sabe-se lá como, o presidente dos EUA só assinará essa 'parceria' TTIP porque o cérebro e o coração da coisa (que estão congelados dentro do corpo, e só voltarão a funcionar depois que se impuserem regulações democráticas às empresas internacionais) foram arrancados; e a coisa só tem braços e pernas (com uma bexiga legal associada). Para Toynbee,

"[Mas] há alarme no ar entre pró-europeus de todos os tipos. Longe vão as pressuposições complacentes de que o status quo sempre vence referendos, de que o medo do desconhecido supera a novidade, ou de que o dinheiro sempre derrota os ideais. O vento parece estar soprando para mar alto, com claras mudanças nas tendências de opinião. Por mais que tentem esconder o óbvio, o crescimento hoje de um novo modelo conservador, que é simultaneamente contra a parceria TTIP e contra a União Europeia, é o retrato de umestablishment que reage contra qualquer mudança. Aí estão o Big business, as grandes lojas, easyJet, as universidades e a polícia. O prospecto da Escócia separada ou a situação no Norte da Irlanda com certeza fazem, de sair da UE, a opção de mais alto risco. E quanto à Rússia? Será que a autopreservação e o bom-senso econômico farão prevalecer o establishment?"

Se a verborragia da moça vem tão carregada de pressupostos, que nem sobra espaço para demonstrar a validade de qualquer deles (por exemplo, o pressuposto de que a 'parceria' TTIP seria basicamente benigna, e de que a UE não foi concebida por fascistas), é porque os pressupostos dela são falsos, e porque competência não é requisito básico para o sucesso, na cultura na qual ela opera.

Na Grã-Bretanha, o número de famílias na aristocracia e que servem à aristocracia é suficientemente pequeno para que qualquer pessoa que chegue a ser colunista nos grandes veículos da imprensa-empresa seja logo bem vista pela aristocracia; e tudo que os aristocratas exigem é que a tal pessoa apoie a agenda da aristocracia.

Polly Toynbee é neta do famoso historiador britânico Arnold Toynbee. A perspectiva dela no assunto das 'parcerias' de Obama parece estar exatamente de acordo com a das grandes empresas britânicas. É o que basta para que ela ganhe uma coluna no Guardian.

Todos os jornais nacionais britânicos são hoje de fato verdadeiros guardiões dessa mesma pequena aristocracia nacional – ou, no mínimo, de alguma de suas facções, as quais, todas, se unem às demais contra o interesse público –, e existem para proteger aquela aristocracia contra o interesse público (porque existem para enganar a opinião pública, como fazem colunistas como Polly Toynbee).

Assim sendo, ela lida apenas muito superficialmente das objeções, ("Johnson acaba de visitar Bruxelas e está convencido de que nunca haverá tribunais comerciais secretos, e de que outros países, com setores públicos maiores que o inglês [p. ex., França, Dinamarca, Suécia] jamais permitirão que os serviços públicos europeus sejam capturados por empresas dos EUA", como escreveu no Guardian). Mas... como ela sabe disso? Ora, ela não sabe, nem está interessada em saber. E todos esses problemas reais são simplesmente varridos para longe, para que ela possa manifestar a esperança de que "o fogo divino incendeie aqueles que [como Alan Johnson] tentam convencer o próprio lado".

Afinal o público tem de ser comandado. Essa gentinha é tão indisciplinada, tsc-tsc!!*****



[1] Historiador e jornalista, Eric Zuesse é autor, recentemente, de They’re Not Even Close: The Democratic vs. Republican Economic Records, 1910-2010, e de CHRIST’S VENTRILOQUISTS: The Event that Created Christianity.

sexta-feira, outubro 16, 2015

O acordo Trans Pacífico (TPP) e o liberalismo de botequim

Tendo dificuldades para fazer valer plenamente seu ponto de vista na Organização Mundial do Comércio, os EUA tentam outras vias para impor seus interesses.


Com a nossa pauta tupiniquim absolutamente tomada pelas notícias envolvendo o golpichment, o austericídio e as contas suíças milionárias do terceiro colocado na linha sucessória da República, é compreensível que muito pouco espaço esteja sendo conferido a uma importante articulação levada a cabo pela diplomacia norte-americana.

Trata-se da Parceria Trans-Pacífica (TPP, da sigla em inglês “Trans-Pacific Partnership”), uma estratégia em desenvolvimento que pretende ocupar o espaço vazio ainda existente nas relações econômicas internacionais. O governo do Presidente Obama obteve a aprovação de um sistema de “fast track” por parte do Congresso para o assunto, fato que garante maior agilidade ao Poder Executivo na condução das negociações e no desenho final do modelo de diplomacia econômica em curso.

O acordo em gestação prevê a inclusão de temas amplos, como o comércio de bens e de serviços, além de propriedade intelectual, patentes e direitos autorais. Como o próprio nome deixa a entender, os 11 países signatários iniciais estão todos voltados para a costa oeste norte-americana, em direção ao Oceano Pacífico. São eles: Canadá, México, Chile, Peru, Japão, Austrália, Nova Zelândia, Malásia, Cingapura, Vietnã e Brunei. Apesar de não se constituir enquanto bloco econômico, a iniciativa contempla o potencial econômico de 40% do PIB mundial. Ainda que não conte com a participação de gigantes como Índia, China ou Rússia, o mercado do TPP pode ser avaliado pelos 800 milhões de habitantes de seus países.

TPP e o mundo multipolar.

Um diferencial significativo em relação aos acordos congêneres construídos até os dias de hoje refere-se ao poder concedido às grandes corporações multinacionais nas soluções de questões e pendências. Ao contrário do que ocorre atualmente, o setor privado vai ter o mesmo poder conferido aos Estados nacionais na condição de atores e interlocutores nos litígios e nos processos decisórios. Se imaginarmos o poder de fogo dos gigantes dos negócios globais, veremos que muitas das vezes são superiores à dimensão econômica de muitos países. O risco estratégico de se oferecer tamanho poder ao capital nas relações diplomáticas é o retrocesso na mediação e a imposição da lógica explícita do lucro nas negociações internacionais.

O surgimento de tal iniciativa diplomática ocorre num momento em que a cena mundial está marcada pela falta de inciativa consolidada no universo do comércio entre as nações. Desde o fim do antigo bloco do socialismo, paradoxalmente observa-se uma queda paulatina da supremacia exercida pelos Estados Unidos na dinâmica de acumulação global. A superação do mundo bipolar deu origem a um quadro de incerteza e instabilidade, mas com a marca inequívoca da multipolaridade.

Além da trajetória de consolidação do poderio chinês, assistiu-se ao fortalecimento de iniciativas e de blocos regionais, um pouco na sequência da União Européia. Assim foi com o MERCOSUL, com o NAFTA, com os diversos arranjos na África, na Ásia e no Oriente, além da falida tentativa de constituição da ALCA. A experiência mais recente dos BRICS também se soma a esse conjunto amplo de busca de saídas que envolva alguma forma de articulação diplomática e comercial.

EUA passam ao largo da OMC.

Tendo em vista as dificuldades de fazer valer plenamente seu ponto de vista no interior da Organização Mundial do Comércio (OMC), os Estados Unidos tentam várias iniciativas por outras vias. É o caso desse arranjo voltado para o Pacífico, que passa ao largo da União Européia, da África e da China, mas busca uma rearticulação econômico-internacional pelas beiradas, envolvendo um conjunto de países tão díspares quanto distantes.

A constituição de uma organização que se imponha como reguladora das questões relativas ao comércio internacional é um processo longo e de difícil manejo. A própria história da OMC revela tal processo. Desde os tempos em que se tratava apenas de um Acordo Geral de Comércio e Tarifas (GATT) em 1947 até a sua conformação institucional em organismo multilateral do sistema das Nações Unidas em 1995, a realidade do comércio internacional também passou por grandes mudanças. As nações mais desenvolvidas tentam impor aos demais seus interesses em avançar para a área de serviços e propriedade intelectual, uma vez que as querelas envolvendo bens primários ou manufaturas de baixo valor não é mais o centro de suas preocupações. Por outro lado, os países em desenvolvimento pressionam em sentido contrário e busca influir em um modelo que contemple também seus interesses.

Desde as articulações iniciais da Roda Uruguai e a constituição dos TRIPS (acordo envolvendo direitos autorais), a necessária cadência diplomática da OMC não acompanha o ritmo frenético das inovações tecnológicas e das mudanças do perfil da acumulação em escala global. Restam, portanto, várias pendências em setores considerados estratégicos: armamentos, medicamentos, informática, setor financeiro, recursos naturais, entre outros. Os Estados Unidos tentam utilizar o TPP como laboratório para tais avanços sobre os países em desenvolvimento, buscando criar a diplomacia do fato consumado para as etapas a negociar no futuro.

As críticas de nosso liberalismo de botequim.

Um aspecto que chama a atenção é que a crítica liberalóide em nossas terras ainda continua a levantar sua voz e acusar o governo brasileiro de suposta omissão também nesse assunto. De acordo com essa interpretação, estaríamos perdendo o bonde da História outra vez. Ou seja, a mesma lenga-lenga dos tempos da rendição subserviente ao poderio norte-americano, em sua tentativa de construir uma área de livre comércio aqui nas Américas. Com a mudança de orientação diplomática a partir de 2003, o Itamaraty contribuiu de forma decisiva para que não fosse adiante o projeto ianque em torno da ALCA.

Com isso, a ambição da Casa Branca acabou tendo que se resumir mesmo aos parceiros vizinhos na porção norte em torno da NAFTA, bem como impulsionando um conjunto de iniciativas de acordos bilaterais com os países do centro e do sul do continente. Já que não lograram constituir uma área continental, passaram a tentar sabotar os arranjos regionais em torno da América do Sul.

A alternativa apresentada pelos nossos defensores de um falso liberalismo de botequim não resiste a qualquer avaliação mais sensata e muito menos à realidade dos fatos. Buscando se equilibrar ainda nas ondas da liberalização econômica incondicional, os representantes da ortodoxia fingem acreditar na velha história das oportunidades trazidas pela abertura dos portos e nas benesses que seriam trazidas pela sacrossanta exposição às leis de mercado em escala internacional. Tudo muito simples em um mundo tranquilo e cor de rosa.

Ora, nem mesmo os países que se dizem propagadores da doutrina do liberalismo econômico conseguem praticá-lo em seus próprios espaços econômicos, em especial durante os momentos de crise. Os Estados Unidos e a União Européia, por exemplo, são exemplos concretos de práticas protecionistas por décadas e têm sofrido, inclusive, derrotas em instâncias da OMC, em ações levadas a cabo pelo Brasil. Podemos não aceitar que eles ajam assim, mas devemos compreender. Afinal, a obrigação de um Estado é defender os interesses de seus cidadãos e/ou empresas. Isso significa proteger seus empregos e sua renda. Ou seja, tudo aquilo que nossos teóricos livre-mercadistas não aceitam que façamos em causa própria.

Aderir ao TPP é rendição incondicional.

Aderir a esse tipo de protocolo sem a possibilidade de defender seus próprios interesses econômicos é um verdadeiro crime de lesa pátria. Basta ver o que tem acontecido com a sociedade brasileira ao longo dos últimos anos, desde que o Plano Collor resolveu abrir as porteiras sem nenhum mecanismo de transição que assegurasse os interesses nacionais. O processo de desindustrialização tem início ali e foi aprofundado a partir de 1994, com a irresponsável trajetória da política de sobrevalorização cambial.

Nossa indústria não apresenta condições de competir com a deslealdade de condições das exportações provenientes da China, por exemplo. E fomos perdendo nossa capacidade industrial instalada. Voltamos ao modelo clássico do pós-colonialismo dependente. Excelentes exportadores de bens primários de baixo valor agregado e cordiais importadores de bens de maior valor agregado, os manufaturados. Ou seja, apresentamos um déficit estrutural de transferência de nossa riqueza para o exterior.

E a desindustrialização por nossas terras não foi acompanhada pelo crescimento correspondente dos serviços de elevado conteúdo tecnológico, como aconteceu nos países desenvolvidos. Estimulamos toda a cadeia do agronegócio exportador e nos especializamos em serviços de baixo valor agregado e de baixa qualidade, como o setor de telemarketing. Assim, em termos de capacidade econômica instalada e em condições de acompanhar as tendências da vanguarda, regredimos algumas décadas.

E justamente esse é um dos objetivos centrais desse acordo TPP. Incluir a economia do conhecimento no rol da liberalização radical do comércio internacional. E aqui entram os serviços de alta tecnologia de hoje e do futuro, como os processos e as patentes envolvidas em telecomunicações, informática, mundo virtual, nanotecnologia, biotecnologia, economia da natureza e tantas outras.

No entanto, as dificuldades impostas pelos Estados Unidos são tantas no âmbito desse rascunho de TPP que os próprios países signatários enfrentarão dificuldades para votar o acordo em seus respectivos legislativos. Isso indica que o Brasil não perdeu nada pela ausência individual no processo constitutivo do bloco.

Isso não significa que tudo seja um mar de rosas nas negociações atuais envolvendo o MERCOSUL, os BRICS e outros arranjos dos quais participamos. Porém, abrir mão dessas conquistas para entrar de forma isolada em uma aventura transpacífica, com uma posição subalterna frente aos interesses dos norte-americanos, não parece ser uma alternativa compensadora.

* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

"As farmacêuticas bloqueiam medicamentos que curam, porque não são rentáveis"

Essa entrevista é de 2011, mas permanece atual


O Prémio Nobel da Medicina Richard J. Roberts denuncia a forma como funcionam as grandes farmacêuticas dentro do sistema capitalista, preferindo os benefícios económicos à saúde, e detendo o progresso científico na cura de doenças, porque a cura não é tão rentável quanto a cronicidade.

Há poucos dias, foi revelado que as grandes empresas farmacêuticas dos EUA gastam centenas de milhões de dólares por ano em pagamentos a médicos que promovam os seus medicamentos. Para complementar, reproduzimos esta entrevista com o Prémio Nobel Richard J. Roberts, que diz que os medicamentos que curam não são rentáveis e, portanto, não são desenvolvidos por empresas farmacêuticas que, em troca, desenvolvem medicamentos cronificadores que sejam consumidos de forma serializada. Isto, diz Roberts, faz também com que alguns medicamentos que poderiam curar uma doença não sejam investigados. E pergunta-se até que ponto é válido e ético que a indústria da saúde se reja pelos mesmos valores e princípios que o mercado capitalista, que chega a assemelhar-se ao da máfia.

A investigação pode ser planeada?

Se eu fosse Ministro da Saúde ou o responsável pelas Ciência e Tecnologia, iria procurar pessoas entusiastas com projectos interessantes; dar-lhes-ia dinheiro para que não tivessem de fazer outra coisa que não fosse investigar e deixá-los-ia trabalhar dez anos para que nos pudessem surpreender.

Parece uma boa política.

Acredita-se que, para ir muito longe, temos de apoiar a pesquisa básica, mas se quisermos resultados mais imediatos e lucrativos, devemos apostar na aplicada ...

E não é assim?

Muitas vezes as descobertas mais rentáveis foram feitas a partir de perguntas muito básicas. Assim nasceu a gigantesca e bilionária indústria de biotecnologia dos EUA, para a qual eu trabalho.

Como nasceu?

A biotecnologia surgiu quando pessoas apaixonadas começaram a perguntar-se se poderiam clonar genes e começaram a estudá-los e a tentar purificá-los.

Uma aventura.

Sim, mas ninguém esperava ficar rico com essas questões. Foi difícil conseguir financiamento para investigar as respostas, até que Nixon lançou a guerra contra o cancro em 1971.

Foi cientificamente produtivo?

Permitiu, com uma enorme quantidade de fundos públicos, muita investigação, como a minha, que não trabalha directamente contra o cancro, mas que foi útil para compreender os mecanismos que permitem a vida.

O que descobriu?

Eu e o Phillip Allen Sharp fomos recompensados pela descoberta de introns no DNA eucariótico e o mecanismo de gen splicing (manipulação genética).

Para que serviu?

Essa descoberta ajudou a entender como funciona o DNA e, no entanto, tem apenas uma relação indirecta com o cancro.

Que modelo de investigação lhe parece mais eficaz, o norte-americano ou o europeu?

É óbvio que o dos EUA, em que o capital privado é activo, é muito mais eficiente. Tomemos por exemplo o progresso espectacular da indústria informática, em que o dinheiro privado financia a investigação básica e aplicada. Mas quanto à indústria de saúde... Eu tenho as minhas reservas.

Entendo.

A investigação sobre a saúde humana não pode depender apenas da sua rentabilidade. O que é bom para os dividendos das empresas nem sempre é bom para as pessoas.

Explique.

A indústria farmacêutica quer servir os mercados de capitais ...

Como qualquer outra indústria.

É que não é qualquer outra indústria: nós estamos a falar sobre a nossa saúde e as nossas vidas e as dos nossos filhos e as de milhões de seres humanos.

Mas se eles são rentáveis investigarão melhor.

Se só pensar em lucros, deixa de se preocupar com servir os seres humanos.

Por exemplo...

Eu verifiquei a forma como, em alguns casos, os investigadores dependentes de fundos privados descobriram medicamentos muito eficazes que teriam acabado completamente com uma doença ...

E por que pararam de investigar?

Porque as empresas farmacêuticas muitas vezes não estão tão interessadas em curar as pessoas como em sacar-lhes dinheiro e, por isso, a investigação, de repente, é desviada para a descoberta de medicamentos que não curam totalmente, mas que tornam crónica a doença e fazem sentir uma melhoria que desaparece quando se deixa de tomar a medicação.

É uma acusação grave.

Mas é habitual que as farmacêuticas estejam interessadas em linhas de investigação não para curar, mas sim para tornar crónicas as doenças com medicamentos cronificadores muito mais rentáveis que os que curam de uma vez por todas. E não tem de fazer mais que seguir a análise financeira da indústria farmacêutica para comprovar o que eu digo.

Há dividendos que matam.

É por isso que lhe dizia que a saúde não pode ser um mercado nem pode ser vista apenas como um meio para ganhar dinheiro. E, por isso, acho que o modelo europeu misto de capitais públicos e privados dificulta esse tipo de abusos.

Um exemplo de tais abusos?

Deixou de se investigar antibióticos por serem demasiado eficazes e curarem completamente. Como não se têm desenvolvido novos antibióticos, os microorganismos infecciosos tornaram-se resistentes e hoje a tuberculose, que foi derrotada na minha infância, está a surgir novamente e, no ano passado, matou um milhão de pessoas.

Não fala sobre o Terceiro Mundo?

Esse é outro capítulo triste: quase não se investigam as doenças do Terceiro Mundo, porque os medicamentos que as combateriam não seriam rentáveis. Mas eu estou a falar sobre o nosso Primeiro Mundo: o medicamento que cura tudo não é rentável e, portanto, não é investigado.

Os políticos não intervêm?

Não tenho ilusões: no nosso sistema, os políticos são meros funcionários dos grandes capitais, que investem o que for preciso para que os seus boys sejam eleitos e, se não forem, compram os eleitos.

Há de tudo.

Ao capital só interessa multiplicar-se. Quase todos os políticos, e eu sei do que falo, dependem descaradamente dessas multinacionais farmacêuticas que financiam as campanhas deles. O resto são palavras…

18 de Junho, 2011

Publicado originalmente no La Vanguardia. Retirado de Outra Política

Tradução de Ana Bárbara Pedrosa para o Esquerda.net

O Desafio Japonês

Encontrei esse texto na internet, dá para entender muita coisa sobre a economia japonesa atual


Autor: Maria da Conceição Tavares
Publicado na Folha de São Paulo em 15/12/96
Os que previam o fim da hegemonia americana a partir das sucessivas crises do padrão dólar da década de 70 estavam equivocados. Fiz essa afirmação em vários artigos desde 1984 (Revista da CEPAL) e quero voltar ao tema, lembrando que o debilitamento do poder financeiro e industrial da potência dominante se enfrentava, aquela altura, com a crescente importância da economia japonesa. O Japão expandiu-se mais rapidamente do que todas as economias industrializadas desde os anos 50, fez uma revolução tecnológica que lhe permitiu acumular superávits comerciais crescentes, sobretudo com os Estados Unidos e tornou-se provedor de financiamentos de longo prazo possibilitando ao governo americano ampliar sem susto seu endividamento interno e externo.

Como bem assinalou, em trabalho recente, meu colega da UFRJ e parceiro em trabalhos sobre o Japão, Ernani Teixeira Torres Filho, "a perspectiva de um desafio japonês foi, no entanto, afastada no início da década de 90. A despeito da continuidade dos déficits comerciais e fiscais dos EUA, o Japão deixou de ser visto como a grande ameaça potencial aos interesses e à liderança norte-americana no mundo. Desde o Acordo de Plaza de 1985, as sucessivas valorizações do iene, a relocalização das indústrias nipônicas no exterior e, em particular, o surto especulativo verificado recentemente nos mercados de ativos de Tóquio, levaram o Japão a uma crise econômica e política sem precedentes".

Essa crise configurou o enfraquecimento de uma potência industrial que foi considerada, ao longo de todo pós-guerra, um paradigma de resposta nacional tanto ao desafio do atraso econômico (anos 50 e 60) quanto aos choques externos - elevação do preço do petróleo (1973 e 1979), aumento dos juros norte-americanos (1980) e valorização do iene (1985). Para que se possam identificar os fatores que levaram à atual crise da economia japonesa é necessário, antes de mais nada, voltar ao início da década de 80 e analisar as estratégias de ajuste adotadas pelo governo, pelas empresas e pelos bancos nipônicos, frente às pressões e aos desafios impostos pelo cenário internacional, marcado pela "Reaganomics".

Desde a política de Reagan o Japão foi o principal beneficiário direto dos déficits comerciais norte-americanos. Entre 1982 e 1986, o desequilíbrio do comércio bilateral aumentou de US$ 18 bilhões para US$ 51 bilhões, mantendo-se posteriormente em torno de US$ 45,5 bilhões. A acumulação desses mega-superávits fez com que o Japão se tornasse já em 1985 o principal credor líquido do mundo, posição tradicionalmente ocupada pelos Estados Unidos.

Diante desse quadro os Estados Unidos passaram a pressionar o Japão para que este flexibilizasse os limites às importações de bens e serviços estrangeiros e liberalizasse seu mercado financeiro. A pressão pela a "liberalização" veio acompanhada da iniciativa do governo americano, apoiada pelas principais economias capitalistas desenvolvidas, de promover uma desvalorização gradual da moeda norte-americana.

Através dos Acordos de Plaza de 1985 a expectativa era de que o iene deveria valorizar-se de 240 unidades por dólar para 160-170 unidades. Na realidade, a partir de 1987, o iene ficou em torno de 130, oscilando até menos de 100 por dólar na recente crise financeira. Esta sobrevalorização brutal reduziu consideravelmente a taxa de crescimento da economia japonesa e as margens de lucro dos setores exportadores. Para compensar essas perdas, o governo japonês decidiu ampliar a demanda interna adotando uma política monetária expansionista, que reduziu a taxa de redesconto de 5% para 2,5% ao ano. A queda dos juros mal conseguiu aquecer a economia, mas permitiu que as empresas japonesas obtivessem grandes lucros em operações de arbitragem, já que os juros dos Fundos Federais norte-americanos flutuaram entre 5,5% e 7,5%. Atualmente estima-se que os investidores japoneses detenham 30% dos "treasuries" em circulação no mercado.

As empresas produtivas japonesas lançaram-se com grande apetite em operações especulativas numa busca desenfreada por lucros não operacionais. Essa fome especulativa, acompanhada da liberalização do mercado financeiro, permitiu que as companhias nipônicas fizessem da gerência financeira uma atividade mais lucrativa do que os investimentos em bens reais. A Sony obtinha com operações de arbitragem financeira 56% de seus lucros antes dos impostos. A Toyota passou a ser conhecida como Banco Toyota e o mesmo aconteceu com outros grandes grupos empresariais, como a Matsushita, a Nissan e a Sharp.

Essa foi a gênese da bolha especulativa que jogou a economia japonesa numa profunda crise nos anos 90 e que tem como um de seus sinais mais evidentes uma enorme massa de créditos improdutivos sujeitos à reestruturação. Créditos esses que chegavam a US$ 400 bilhões em março de 1995, de acordo com o Ministério das Finanças japonês, mas que fontes não oficiais admitiam alcançar o dobro, ou seja, perto de US$ 800 bilhões.

A crise japonesa não tem, porém, apenas uma face financeira. Sua face real é igualmente importante. Para consolidar sua conquista dos mercados externos e aplicar seus excedentes de caixa, as empresas japonesas passaram a um movimento de internacionalização crescente a partir dos anos 80. Bancos, "tradings companies" e empresas industriais se tornaram globalizadas e isso acabou levando a uma deterioração dos laços de solidariedade vertical e horizontal que caracterizavam a sociedade japonesa, tornando mais difícil a coordenação de decisões empresariais e estratégicas e a distribuição equilibrada dos frutos do progresso técnico. Todo o esquema de contratos estáveis de longo prazo e de cooperação técnica que ligavam grandes e pequenas empresas ficou em xeque e, finalmente, a famosa estabilidade no emprego ficou sob ameaça. Assim começaram a ser erodidas as próprias bases internas de sustentação do paradigma japonês.

No jogo financeiro global os japoneses desempenham um papel de auxiliar de primeira linha para a continuação do financiamento externo norte-americano. Mais recentemente decidiram apoiar a prática imperial de adotar as teses do liberalismo comercial e da desregulamentação do investimento direto "para os outros", em particular seus sócios menores, os "ex-tigres asiáticos".

Na atual reunião de Cingapura o comando do jogo ficou totalmente por conta dos Estados Unidos. O Japão parece ter adotado a velha tática dos que, ao não poder lutar com um parceiro mais forte, se associam. Os demais membros da reunião são apenas parceiros menores ou comparsas claramente submetidos, a quem cabe apenas o direito de espernear.

quinta-feira, outubro 15, 2015

500 empresas devem R$ 392 bilhões à União; mineradora Vale lidera o ranking

17% do montante das dívidas equivalem aos R$ 66 bilhões da meta do ajuste fiscal deste ano.

Por Márcio Zonta e José Coutinho Júnior
Da Página do MST


O Ministério da Fazenda divulgou uma lista com as 500 empresas que mais devem à União. Juntas, as dívidas somadas chegam a mais de R$ 392 bilhões. Caso 17% desse valor voltasse aos cofres públicos de uma vez, já alcançaria os R$ 66 bilhões da meta do ajuste fiscal deste ano, que vem cortando investimentos de diversas áreas sociais, como saúde e educação. Além disso, o rombo nas contas públicas de 2014, que é de R$ 32,5 bilhões, também poderia ser compensado com parte do montante das dívidas.


A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou, por meio de nota, que a divulgação da lista faz parte da gestão do ministro da Fazenda Joaquim Levy de “promover um incremento da recuperação de créditos inscritos em Dívida Ativa da União, na busca pela justiça fiscal", e que "o objetivo é dar a máxima transparência aos dados da Dívida Ativa da União”.


Primeiro lugar


A mineradora Vale é a maior devedora, com R$ 41,9 bilhões em dívidas. Desta quantia, o pagamento de R$ 32,8 bilhões está suspenso por decisões judiciais. A empresa deve cerca de R$ 17 bilhões a mais do que a segunda devedora da lista, a empresa Carital Brasil LTDA, antiga Parmalat, com R$ 24,9 bilhões de dívidas.


Apesar de dever para a União, a Vale recebe investimentos estatais para continuar operando no país. Estudo da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) aponta que, para minerar na Amazônia, a Vale obteve 70% do valor de R$ 506,96 milhões que foi distribuído para as mineradoras que atuam na Amazônia, via Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), entre 2007 e 2012. Esse montante foi injetado na mineração altamente lucrativa do ferro e cobre nas minas de Carajás.


Segundo o governo do Pará, por consequência da Lei Kandir, criada em 1996 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, a Vale está isenta de pagar tributos às operações relativas à circulação de mercadorias e serviços (ICMS). Isso já subtraiu dos cofres públicos do estado R$ 25 bilhões.


De acordo com o Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (Cepasp), os acionistas da empresa em diversas partes do mundo embolsaram US$ 4,5 bilhões, no ano de 2013. A mineradora ainda aprovou uma segunda parcela de US$ 1,74 bilhão, chamada de remuneração mínima, ao mesmo grupo, paga no fim de 2013, além de um valor adicional de US$ 500 milhões.


“O Estado brasileiro deveria tomar uma atitude mais contundente para com os devedores do próprio Estado, começando pela Vale, ao cobrar a dívida através das ações que a mineradora distribui”, afirma Jarbas Vieira, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).


Bancos


Entre os que receberam essas quantias da Vale, está a JP Morgan Chase & Company. O Banco J.P. Morgan S.A. figura na lista de devedores da fazenda em 79º lugar, com dívida de R$ 841 milhões.


Os bancos, setor que tem lucrado muito este ano, mesmo com a crise econômica, também registram dívidas na Receita. Bradesco, Santander e Itaú juntos somam R$ 7,900 bilhões em dívidas.


O lucro do Bradesco no primeiro semestre de 2015 foi acima de R$ 8,7 bilhões; sua dívida com a Receita é a sétima maior da lista, em mais de R$ 4,8 bilhões. Somado com a dívida de R$ 408 milhões da filial Bradesco Financiamentos S.A., em 222º lugar na lista, o banco deve um total de R$ 5,279 bilhões.


O Itaú, por sua vez, teve lucro de R$ 11,7 bilhões, e deve, por conta da Itaucard S.A., braço responsável pela emissão e administração de cartões de crédito, a 44ª maior dívida na lista; R$ 1,35 bilhão.


Já o Santander, que teve lucro de R$ 3,3 bilhões, tem duas dívidas, a do Banco Santander Brasil S.A. está em 69º lugar, com R$ 978 bilhões, e a da Santander Leasing S.A, que é a 353ª maior, com R$ 288 milhões, que totalizam R$ 1,266 bilhão em dívidas.


Confira a lista das 10 empresas mais devedoras (em bilhões)

1 - Vale: R$ 41,9

2 - Carital Brasil Ltda: R$ 24,9

3 - Petrobras: R$ 15,6

4 - Industrias de Papel R Ramenzoni S/A: R$ 9,7

5 - Duagro Adm e Participações: R$ 6,5

6 - Viação Aérea São Paulo (Vasp): 6,2

7 - Banco Bradesco: 4,8

8 - Varig: 4,6

9 - American Virginia Ind e Comércio Exp. De Tabacos Ltda: 4,1

10 - Condor Factoring Fomento Comercial: 4,1

terça-feira, outubro 13, 2015

Teoria da conspiração ? : O que está em jogo por trás do golpe no Brasil

Evaristo Almeida*

Desde o início do governo Lula em 2003, a subelite brasileira, que defende os interesses de outros países, vem tentando tomar o poder. Primeiro tentaram com o chamado processo do mensalão, que muito adequadamente foi apelidado de mentirão.

Nesse processo várias irregularidades jurídicas foram cometidas para atingir os objetivos da direita brasileira, como condenações sem provas como reconheceu uma ministra do Supremo Tribunal Federal, réus sem direito a fórum privilegiado que foram julgados diretamente pelo STF, o que não ocorreu com o mensalão tucano que foi desmembrado; usaram a chamada teoria do domínio de fato, cuja aplicabilidade nesse caso foi criticada pelo próprio Claus Roxin, o criador da tese.

E o pior, o objetivo era acabar com o governo e não com a corrupção, pois o mensalão do PSDB, mesmo sendo mais antigo, até o momento não foi julgado e provavelmente nunca será.

Ainda assim, com todas essas armações, a subelite brasileira continuou perdendo as eleições, mesmo tendo a grande imprensa como aliada, difundindo mentiras e principalmente o ódio contra o governo e o PT. Diariamente a classe média brasileira recebe uma dose de veneno dos três grandes jornais brasileiros e semanalmente, através das três grandes revistas semanais.

Isso fomentou em membros dessa classe um ódio visceral contra o PT, chegando a ser patológico. Agressões contra petistas passaram a ser constantes nas ruas, restaurantes e locais públicos em geral. Recentemente, uma pessoa vinda do litoral paulista esteve em risco, junto com a família, porque ainda tem o adesivo da campanha de 2014 aderida no carro.

Dois carrões, esses SUVs, fecharam-no e quase provocaram uma batida só por causa disso, além das agressões verbais que foram muitas.

Com a perda da eleição em 2010, a subelite brasileira, através dos seus partidos, dos meios de comunicação e estamentos do Estado brasileiro, começaram a unificar o pensamento e as ações. A imprensa praticamente reproduz as mesmas matérias, provavelmente construídas pelas mesmas pessoas que usam processos semióticos para induzir um conjunto de conceitos ideológicos, de interesse dessa classe social, que vão sendo assimilados pela população.

A partir de 2011, várias ações foram sendo feitas para que a oposição ao governo federal ganhasse as eleições de 2014. Estavam certos que venceriam essas eleições.

Para isso além do que já vinham fazendo, trouxeram a tona a operação lava jato e as acusações contra a Petrobras.
Esses dois movimentos, mas o ataque cerrado da grande imprensa brasileira garantiria a vitória da oposição.

Nessa operação entram em cena dois fatos importantes, um é a espionagem da agência estadunidense NSA, que teve acesso a informações do governo federal e da Petrobras, divulgado pelo Wikileaks, fato que fez com que a presidenta cancelasse sua viagem aos Estados Unidos.

O outro é a chegada em 2013 da embaixadora dos Estados Unidos Liliana Ayalde, que chefiava a embaixada paraguaia, antes do golpe contra Fernando Lugo.

Várias matérias publicadas referendaram os indícios do envolvimento da embaixadora no golpe daquele país, inclusive o Whikileaks, https://wikileaks.org/plusd/cables/09ASUNCION675_a.html, pela EBC, http://www.ebc.com.br/noticias/internacional/2013/02/paraguai-os-eua-e-o-impeachment e também na Carta Maior http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/O-Golpe-de-Estado-no-Paraguai-e-a-America-do-Sul%0D%0A/6/25446.

O motivo econômico para o golpe de estado

O petróleo é o principal motivo para um golpe no Brasil, advindo de que os Estados Unidos estão perdendo o controle no Oriente Médio, com a ação russa na Síria.

O petróleo para os Estados Unidos tem dois pontos principais, o principal deles é a garantia do fornecimento para o maior consumidor mundial, junto com a China. O segundo é o petrodólar, acordo que faz com a transação na compra e venda de petróleo seja efetuada em dólar. Isso garante ao emissor dessa moeda um cheque especial, podendo se endividar eternamente pagando com a impressão do dólar. Como o resto do mundo demanda essa moeda, não traz efeitos inflacionários.

Quem se insurgiu contra essa prática como o Iraque e a Líbia foram invadidos e o país destruído.

Para sorte e azar do Brasil, descobrimos a principal província petrolífera do século XXI, chamada de pré-sal que pode ter 300 bilhões de barris de óleo de excelente qualidade.

A sorte prevalecerá se conseguirmos o controle nacional sobre essas reservas, com a Petrobras sendo a única exploradora e mantido o regime de partilha, o Brasil poderá ser um país desenvolvido, com uma indústria offshore e com essa riqueza distribuída, o nosso povo terá um padrão de vida muito melhor.

O nosso risco ou azar, é que exceto a Noruega, país com grandes reservas petrolíferas, os demais foram alvos de todos os meios usados para que as reservas petrolíferas passassem para o controle estrangeiro.

Uma das pragas do Oriente Médio é justamente a riqueza abrigada no seu subsolo, com governos despóticos apoiados pelo Ocidente, invasão e guerra permanente.

E neste cenário da operação Lava Jato segue metódica, com informações privilegiadas e seletividade, junto com a grande imprensa, ajudou nos objetivos das petroleiras estrangeiras na desconstrução da Petrobras, apesar da empresa valer muitas vezes mais no mercado, estar mais rentável e ter aumentado as reservas de petróleo, tendo por base o ano de 2002.

Juntaram as empresas de engenharia nacional no chamado petrolão para martelar diuturnamente de que deveriam acabar com essas empresas, porque estavam metidas em corrupção. Agiram como se em outros países, ricos ou pobres a corrupção não existisse.

Passaram para a população a idéia de que a corrupção é um mal que afeta unicamente o povo brasileiro. Essa é a síntese desse processo todo.

Como se as empresas capitalistas não fossem em sua essência corruptas e se medidas saneadoras já não tivessem sido tomadas.

O escândalo do trensalão em São Paulo foi praticado por empresas francesa, japonesa, alemã e brasileira, que provocaram um rombo de pelo menos R$ 1 bilhão nos cofres públicos, segundo o Ministério Público.
A corrupção de militares alemães por uma grande empresa estadunidense na venda de caças na década de 1960 provocou um grande escândalo, mas nem por isso a empresa foi fechada. Esse fato está em https://en.wikipedia.org/wiki/Lockheed_bribery_scandals,
O grande golpe de corrupção privado foi o de 2008, em que grandes empresas financeiras, da área de seguros e bancos provocaram a crise do subprime, que causou um prejuízo de US$ 780 bilhões aos contribuintes dos Estados Unidos, desemprego e crise econômica e ninguém foi preso, tema do documentário Inside Job em http://www.filmesonlinegratis.net/assistir-trabalho-interno-dublado-online.html.

A grande mídia brasileira e estrangeira, junto com funcionários públicos, inclusive alguns que estudaram nos Estados Unidos, montaram um grande esquema para tirar o pré-sal do controle da Petrobras e num futuro próximo a empresa ser privatizada, sob o argumento de que empresa pública é essencialmente corrupta e a privada não, outra falácia.

Quem ganharia com tudo isso seriam as grandes empresas petrolíferas estadunidenses e européias.

E o Brasil veria de novo sua riqueza ir enriquecer outros povos, como aconteceu no ciclo da cana-de-açúcar e do ouro, que os europeus ganharam tudo e nós ficamos com a herança da escravidão e os buracos em Ouro Preto.

Além do petróleo e da Petrobras, os países que ganham com o golpe ainda ocupariam o espaço das empresas de engenharia nacionais e poderiam exportar bens, como navios e plataformas para a exploração do pré-sal no Brasil, o que atualmente não é possível.

Para tentar isso eles contam com apoio de senadores e deputados que apresentaram projetos leis para tentar tirar o pré-sal do povo brasileiro. Os projetos estão tramitando e o processo está em andamento.

A traição em 1789 por Joaquim Silvério dos Reis causou a morte de Tiradentes e o Brasil continuou como colônia, essa trama se for efetivada por esses parlamentares, condenará o Brasil a ser ad perpetum um país subdesenvolvido, causará pobreza, tirando a chance de uma vida melhor à milhões de brasileiros e o país voltará à condição do que já foi um dia, colônia.

É um crime de lesa pátria, que vai contra os interesses do nosso povo.

Os motivos geopolíticos para o golpe

Um novo mundo está em nascimento, mas o velho, baseado na unipolaridade dos Estados Unidos, recusa-se a acabar.

A maior porção de terra, a Eurásia, ou a hurt land, na qual fazem parte a Russia e a China, novos atores no cenário mundial, estão construindo laços comerciais, culturais e estratégicos que mudam o eixo estratégico do mundo.

Construção de ferrovias de alta velocidade, de exploração de gás petróleo e formação de blocos, como o BRICS, estão avançando rapidamente, sob liderança desses países.

Os Estados Unidos, com a pax americana já não convencem ninguém e a Europa perdeu o protagonismo, principalmente com a crise econômica que está assolando países como Grécia, Espanha e Portugal, ameaçando a unidade da União Européia e do euro.

Enquanto isso, no continente latino americano vários países se reconstruíram das ditaduras implantadas pelos Estados Unidos com as subelites locais nas décadas de 1960 e 1970, e da derrocada do neoliberalismo, fundamentalismo econômico, sem base científica, que afundou o nosso continente em crises econômicas e sociais na década de 1990.

O Brasil é o país mais importante dessa porção de terra do mundo, sem nenhuma pretensão imperialista. E o nosso país tem garantido a democracia em vários países que sofreram processos de golpes de estado, como a Venezuela, Bolívia, Equador e Argentina, através de instituições como o Mercosul e a Unasul.

Mesmo com esses instrumentos não conseguimos barrar os golpes em Honduras e no Paraguai.

Outro fator importante são os acordos comerciais, como o Trans-Pacífico (TPP), o Trans-Atlântico (TPA) e o Tratado de Serviços (TISA).
Quem está puxando esses tratados são os Estados Unidos e os países europeus e representam a morte da democracia nos países que aderirem a eles, pois todos os direitos sociais, o parlamento e iniciativas governamentais seguirão ritos que beneficiam as grandes empresas transnacionais.

Então, um Brasil, sob controle da oposição, como escreveu Fernando Henrique Cardoso, aderiria a um tratado desses, em nome da modernidade. Ser colônia para ele é ser moderno.

E sairia dos BRICS, para tentar enfraquecer esse bloco, principalmente depois da criação do banco de desenvolvimento, que substituirá o Banco Mundial e do arranjo financeiro, que substituirá o FMI. É uma libertação do mundo do acordo de Bretton Woods.

É tudo o que os países centrais não querem, pois contam com a chantagem financeira feita através do BIRD e do FMI, que eles controlam para conseguirem o controle político e econômico de países que são obrigados a abrir mão da soberania para acessarem linhas de crédito oferecidas por esses organismos.

E a América Latina ficaria sem pai nem mãe, pois os golpistas estariam livres para derrubar regimes democráticos, pintados de ditaduras pela grande imprensa, como a Venezuela.

Essa é a essência o que está por trás desse golpe de estado que estão tentando implantar no Brasil.


Final

O Brasil passa por um momento crucial em que a democracia conquistada a duras penas, a ascensão social, direitos trabalhistas e civis, a soberania brasileira e o futuro do país estão em risco.

A oposição, que não conseguiu ganhar as quatro últimas eleições para a presidência, resolveu partir para o golpe de estado, junto com a grande imprensa brasileira e partes de instituições estatais.

Subjacente a tudo isso, de forma dissimulada, estão interesses estrangeiros no Brasil e na América Latina que querem de novo o protagonismo colonialista que sempre tiveram.

A cobiça do pré-sal por povos estrangeiros, a privatização da Petrobras e a abertura do mercado brasileiro para produtos de exploração offshore de petróleo, é parte da força que se esconde atrás desse processo.

A saída do Brasil dos BRICS, a entrada subalterna no TPP, TPA ou TISA, poriam fim a qualquer projeto de inserção soberana do país no mundo.
As democracias da América Latina também estariam em risco.

Assim como na batalha de Stalingrado, a nossa luta de hoje é entre a civilização ou a barbárie.

A oposição brasileira quer o retrocesso do país e além de representar os próprios interesses oligárquicos estão a serviço de interesses obscuros de outros povos.

Defender a democracia e o resultado da eleição de 2014 é garantir um futuro promissor para o nosso país.

Como escreveu Ricardo Semler, nunca se roubou tão pouco como agora, que pode ser lido em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/196552-nunca-se-roubou-tao-pouco.shtml.

Graças aos governos do PT, a corrupção que já foi de 5% do PIB, passou para 3,1% e seria de 0,8%. E vai continuar diminuindo.

Isso demonstra o quanto a roubalheira vem sendo combatida desde 2003, o que está assustando muita gente da subelite brasileira que se acostumou a usar o Estado brasileiro em benefício próprio e isso está acabando.

Estão usando a corrupção como falsa bandeira; não é para acabar com os maus feitos, mas para que eles continuem por mais 500 anos.

·Economista, Mestre em Economia Política – PUC-SP

domingo, outubro 11, 2015

Wikileaks release of TPP deal text stokes 'freedom of expression' fears

Intellectual property rights chapter appears to give Trans-Pacific Partnership countries greater power to stop information from going public

The Guardian

Sam Thielman in New York

Wikileaks has released what it claims is the full intellectual property chapter of the Trans-Pacific Partnership (TPP), the controversial agreement between 12 countries that was signed off on Monday.

TPP was negotiated in secret and details have yet to be published. But critics including Democrat presidential hopefuls Hillary Clinton and Bernie Sanders, unions and privacy activists have lined up to attack what they have seen of it. Wikileaks’ latest disclosures are unlikely to reassure them.


Hillary Clinton's TPP deal disapproval is 'a critical turning point'
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One chapter appears to give the signatory countries (referred to as “parties”) greater power to stop embarrassing information going public. The treaty would give signatories the ability to curtail legal proceedings if the theft of information is “detrimental to a party’s economic interests, international relations, or national defense or national security” – in other words, presumably, if a trial would cause the information to spread.

A drafter’s note says that every participating country’s individual laws about whistleblowing would still apply.

“The text of the TPP’s intellectual property chapter confirms advocates warnings that this deal poses a grave threat to global freedom of expression and basic access to things like medicine and information,” said Evan Greer, campaign director of internet activist group Fight for the Future. “But the sad part is that no one should be surprised by this. It should have been obvious to anyone observing the process, where appointed government bureaucrats and monopolistic companies were given more access to the text than elected officials and journalists, that this would be the result.”

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Among the provisions in the chapter (which may or may not be the most recent version) are rules that say that each country in the agreement has the authority to compel anyone accused of violating intellectual property law to provide “relevant information [...] that the infringer or alleged infringer possesses or controls” as provided for in that country’s own laws.

The rules also state that every country has the authority to immediately give the name and address of anyone importing detained goods to whoever owns the intellectual property.

That information can be very broad, too: “Such information may include information regarding any person involved in any aspect of the infringement or alleged infringement,” the document continues, “and regarding the means of production or the channels of distribution of the infringing or allegedly infringing goods or services, including the identification of third persons alleged to be involved in the production and distribution of such goods or services and of their channels of distribution.”

TPP is now facing a rough ride through Congress where President Obama’s opponents on the right argue the agreement does not do enough for business while opponents on the left argue it does too much.

Analysis TPP or not TPP? What's the Trans-Pacific Partnership and should we support it?
Twelve Pacific rim countries have signed a sweeping trade deal but will it cut red tape and boost commerce or is it a sellout to big business that will cost jobs?
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Obama has pledged to make the TPP public but only after the legislation has passed.

Michael Wessel was one of the advisers who was asked by the US government to review what he said were woefully inadequate portions of the document. Wessel said the thrust of the TPP does nothing for Americans. “This is about increasing the ability of global corporations to source wherever they can at the lowest cost,” he said.

“It is not about enhancing or promoting production in the United States,” Wessel said. “We aren’t enforcing today’s trade agreements adequately. Look at China and Korea. Now we’re not only expanding trade to a far larger set of countries under a new set of rules that have yet to be tested but we’re preparing to expand that to many more countries. It would be easier to accept if we were enforcing today’s rules.”

Wessel said that ultimately, the countries currently benefiting from increased outsourcing of jobs by American firms aren’t likely to see wages rise above a certain level. “If you look in other countries, Mexico and India and others – there’s been a rise in the middle class but there’s been stagnation for those we’re hoping to get into the middle class,” Wessel said. “Companies are scouring the globe for countries they can get to produce most cheaply.”

That, he said, results in constant downward pressure on American wages. “Companies are not invested here the way we’d like them to; they’re doing stock buybacks and higher dividends,” Wessel continued. “They may yield support for the stock-holding class but it’s not creating jobs.”

sexta-feira, outubro 09, 2015

Com nova metodologia, pobreza no Brasil tem queda mais acentuada, diz Banco Mundial

Alessandra Corrêa
De Winston-Salem (EUA) para a BBC Brasil

O número de pessoas vivendo em situação de pobreza extrema no Brasil caiu 64% entre 2001 e 2013, passando de 13,6% para 4,9% da população, segundo dados divulgados nesta semana pelo Banco Mundial.

A redução - que pode perder força com a atual crise econômica - foi calculada com base em uma nova linha de pobreza estabelecida pelo banco, de US$ 1,90 (cerca de R$ 7,32) por dia, e é maior do que a divulgada anteriormente.

Antes, quando se levava em conta linha de pobreza anterior, de renda de US$ 1,25 (cerca de R$ 4,81 no cotação atual) por dia, o declínio da pobreza extrema no Brasil no período havia sido de 59%, passando de 10,2% em 2001 para 4,2% em 2013.

A linha anterior tinha como base preços de 2005. A atualização preserva o real poder de compra, considerando fatores como inflação, taxa de câmbio e preços de matérias-primas e incorporando dados sobre diferenças no custo de vida nos países.

De acordo com o Banco Mundial, com base na nova linha, o número de pessoas em situação de extrema pobreza no Brasil em 2013 era de 9,5 milhões.

Até então, pela metodologia antiga, o número de pessoas nessa situação no mesmo ano era de cerca de 8,4 milhões, considerando-se população de cerca de 200 milhões de brasileiros.

O que de fato mudou é o declínio mais acentuado da pobreza, percentualmente.

Os dados foram divulgados durante reunião do Banco Mundial e do FMI (Fundo Monetário Internacional) em Lima, no Peru.

'Declínio mais rápido'

Segundo o economista Emmanuel Skoufias, especialista do Banco Mundial em América Latina e redução de pobreza, o declínio nos índices de pobreza no Brasil foi mais rápido do que em outros países da região.

"Verificamos a mesma tendência na maioria dos países da América Latina, de queda na pobreza com a nova linha. Em muitos países, a uma velocidade maior do que a verificada com a linha anterior", disse Skoufias à BBC Brasil.

"Mas de maneira geral o Brasil é um dos países mais bem-sucedidos na redução da pobreza nos últimos 15 anos", afirma. "Apesar de todos os países latino-americanos terem se beneficiado do boom das commodities nos anos 2000, no Brasil o declínio da taxa de pobreza foi mais rápido do que no resto da região."

Inclusão social

O economista atribui o sucesso a programas como o Bolsa Família e o Brasil sem Miséria, que considera "muitos eficazes para evitar que pessoas caiam na pobreza e para ajudá-las a sair da pobreza".

Os dados do Banco Mundial para o Brasil vão até 2013 e não levam em conta a crise econômica atual. Segundo o FMI, a economia brasileira deve encolher 3% neste ano.

O Banco Mundial diz que a desaceleração econômica em muitas economias emergentes representa um desafio na luta contra a pobreza.
Para Skoufias, as redes de proteção em vigor no país deverão evitar que muitas pessoas voltem para uma situação de pobreza. No entanto, é possível que que a atual crise econômica interrompa o avanço na redução da pobreza no Brasil quando analisados os dados de 2014 e 2015.

Pesquisa de um ano atrás do IBGE apontava o estacionamento dos índices de desigualdade no Brasil, após anos de queda constante. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2013, o chamado Índice Gini, que varia de 0 a 1 e é usado para medir a desigualdade, piorou de 0,496 em 2012 para a 0,498 em 2013, o primeiro aumento desde pelo menos 2001.

Redução global

O Banco Mundial projeta que o número global de pessoas em situação de pobreza extrema vai cair de 902 milhões (ou 12,8% da população global) em 2012 para 702 milhões (9,6%) até o fim deste ano.
Será a primeira vez que menos de 10% da população mundial vive em situação de pobreza extrema.
Em 1990, a pobreza extrema atingia 37,1% da população global.
Na América Latina, o número de pessoas nessa situação vai cair de 37,1 milhões (6,2% da população da região) em 2012 para 29,7 milhões (5,6%) até o fim deste ano.
Segundo o Banco Mundial, a África Subsaariana terá queda de 42,6% para 35,2% no período, mas ainda assim vai concentrar metade de todas as pessoas do mundo em situação de extrema pobreza.

Um Banco Central refém (Parte 1)

O Cafezinho

Miguel do Rosário

Um dos melhores, senão o melhor livro sobre o funcionamento da execução de política monetária e macroeconomia é o Bancos Centrais: Teoria e Prática de Alan S. Blinder.

O capítulo que trata do Banco Central e os mercados é um pouco longo, no entanto, vale a pena ler.
Segue: “Até agora, falei sobre independência em relação ao resto do governo, e portanto, por interferência, tanto em relação à política partidária quanto à opinião pública. Esse tipo de independência pare ser o que as pessoas têm em mente quando falam de bancos centrais independentes e é certamente o conceito de independência no qual tanto a literatura acadêmica quanto o Tratado de Maastricht se concentram. Parace ser independente, o banco central precisa ter a liberdade de fazer coisas politicamente impopulares. Mas há outro tipo de independência que, mesmo sendo igualmente importante na minha opinião, é raramente discutida: a independência em relação aos mercados financeiros.

Em um sentido literal, a independência em relação aos mercados financeiros é tanto inatingível quanto indesejável. A política monetária funciona através dos mercados, por isso as percepções de reações prováveis do mercado devem ser relevantes ao timing e à magnitude dos efeitos da política monetária. Não há como escapar disso. É importante e muito interessante para dirigentes de bancos centrais práticos.

Quando falo em tornar o banco central “independente” em relação aos mercados, quero dizer algo bastante diferente. Dirigentes de bancos centrais frequentemente ficam tentados a “seguir os mercados”, ou seja, a produzir a sequência de taxas de juros que os mercados embutiram nos preços dos ativos. Trabalhar em um banco central por algum tempo ensinou-me como uma tentação dessas surge. Dirigentes de bancos centrais são humanos, querem tirar notas altas – seja quem for que os esteja avaliando. Mesmo sendo o veredito da história o único que realmente importa, é necessária uma constituição extremamente forte para esperar tanto. Em um contraste gritante, os mercados fornecem um tipo de máquina de feedback gigante que monitora e avalia publicamente o desempenho dos bancos centrais em tempo real. Por isso, os dirigentes de bancos centrais naturalmente recorrem aos mercados para obter uma avaliação instantânea – ou melhor, essa avaliação é constantemente jogada em sua cara.

Seguir os mercados pode ser uma boa maneira de evitar surpresas. Mas temo que possa produzir uma política monetária bastante fraca, por várias razões. Uma é que os mercados especulativos tendem a andar em manadas e ter reações exageradas a quase tudo. Os dirigentes de bancos centrais precisam ser mais cautelosos e prudentes. Outra é que os mercados financeiros parecem ser extremamente suscetíveis a modas e bolhas especulativas que às vezes se distanciam muito do que é fundamental. Os dirigentes de bancos centrais precisam inocular-se contra caprichos e manter seus olhos no que é fundamental.

Finalmente, os traders dos mercados financeiros – mesmo os de instrumentos de longo prazo – frequentemente comportam-se como se tivessem uma visão grotescamente míope, sendo que manter um horizonte de longo prazo é a essência das atividades corretas dos bancos centrais. Aqui há um impressionante exemplo quantitativo do que quero dizer. Você pode usar o perfil das taxas de juros sobre a dívida do Tesouro americano para calcular taxas futuras embutidas até 30 anos no futuro. Quando trabalhava no Fed, eu pedi à equipe para usar dados diários para calcular a correlação entre mudanças na taxa de juros anual atual e mudanças na taxa de juros futuras, de doze meses, embutida para 29 anos depois. Usando 1994 como exemplo, a resposta era 0,54!. Agora, você tem que ser um crente bastante devoto em mercados eficientes para afirmar que o fluxo diário de notícias tem realmente tanta importância durável. Acho esta afirmação totalmente inacreditável. Acho , em vez disso, que traders lidando com títulos de 30 anos comportam-se como se estivessem lidando com, digamos, um instrumento de um ano.

Percebam a ironia aqui. Talvez a principal razão pela qual os bancos centrais ganham independência em relação a políticos eleitos seja que o processo político tende a ser míope demais. Sabendo disso, políticos voluntária e sabiamente cedem a autoridade diária sobre a política monetária a um grupo de dirigentes de bancos centrais independentes que devem manter a inflação sob controle. Mas se o banco central se esforçar demais para agradar aos mercados, é provável que tacitamente adote os horizontes extremamente curtos dos mercados como seus próprios. Isso pode criar um perigoso fenômeno do tipo “cachorro perseguindo o próprio rabo”, em que o mercado reage, ou melhor, reage exageradamente, a percepções sobre o que o banco central poderia fazer e o banco central recorre aos mercados para orientação sobre o que deveria fazer. No jargão técnico dos economistas, isso pode chegar perigosamente perto de criar uma equação diferencial com raiz unitária.

Não me entendam mal. Eu não acredito que um dirigente de banco central possa dar-se ao luxo de ignorar os mercados. Ele também não deveria querer fazer isso, já que os mercados reúnem informações sobre a política monetária futura esperada. Durante meu tempo no conselho do Federal Reserve, eu constantemente olhava e avaliava as informações dos mercados de ações, títulos, moeda estrangeira e outros como forma de prever como os mercados poderiam reagir a uma mudança na política do Federal Reserve. O que quero dizer é simplesmente que elaborar as políticas que os mercados esperam – ou, de fato, exigem – pode levar a uma política muito fraca.

Este perigo é maior hoje do que nunca, acredito, porque atualmente a opinião que prevalece sobre mercados financeiros entre dirigentes de bancos centrais é de profundo respeito. Os mercados amplos, profundos, fluidos, são vistos como repositórios de enorme poder e sabedoria. Na minha opinião, o poder está fora de discussão, mas a sabedoria é um tanto quanto discutível”. – Alan S. Blinder 1999

Pois bem, esse livro foi escrito em 1999, portanto 9 anos antes da crise que abalou o mundo financeiro, onde os bancos centrais seguiram em demasia as estimativas e anseios dos mercados, não se dando conta do tamanho das alavancagens em derivativos e por fim, em nome da estabilidade dos sistema financeiro e da preservação da economia real evitaram o chamado risco sistêmico não punindo como deveria os responsáveis pelo desastre.

Hoje se torna evidente que os bancos centrais perderam credibilidade diante de tantos problemas. Mesmo após centenas de cortes nas taxas de juros e trilhões de dólares em programas de flexibilização quantitativa, as estimativas para inflação se aproximam perigosamente para zero ou negativas, comprometendo a retomada do crescimento e normalização financeira nas principais economias, como americana, europeia, japonesa e outras.

No Brasil o cenário é muito diferente. Não falo do cenário econômico de ajuste que passamos, com taxas de juros estratosféricas, com política monetária restritiva que só encontra pares semelhantes em dois países Gana e Ucrânia, falo da forma como a política monetária é determinada e operacionalizada pelo Banco central do Brasil.*

Desde quando adotamos, sem o menor empirismo no Brasil, o malfadado Sistema de Metas para Inflação em 1999, que nosso Banco Central foi perdendo gradativamente o poder de decisão, se entregando cada dia mais aos anseios e projeções do mercado financeiro, não operacionalizando e controlando as expectativas e exercendo a função que dele se espera, de condutor e indutor de política econômica/monetária, classicamente chamado de policy maker (decisor de política). Lembrando que quando digo malfadado Sistema de Metas, é porque nesses 16 anos em vigor, 2015 inclusive, só cumprimos o centro da meta parcamente em 4 anos, prova cabal que a política de juros alta praticada nesse período e a forma como é conduzida só contribuiu para aumentar o endividamento do governo, tornando-se a maior responsável pelos gastos públicos e pelo crescimento das dívidas, pública federal e estaduais, e por consequência a maior inibidora de investimentos privados e governamentais.



Na parte 2 , dia 13/10, irei comentar mais detalhadamente de que forma vem sendo conduzidas as atuações do Banco Central do Brasil na determinação da taxa de juros e operacionalidade dos mercados monetário e cambial e suas consequências para a economia brasileira.

Estratificação social e base tributária: Quem paga mais imposto?

No Brasil, aqueles que detêm 22,7% de toda a riqueza só pagam 6,51% de imposto de renda, e se aproveitam da ignorância econômica da população.

Carta Maior

Fernando Nogueira da Costa - Brasil Debate

Estratificação, em Sociologia, é o processo de diferenciação das diversas camadas sociais que compõem uma sociedade, agrupadas a partir de suas relações e dos valores culturais, o que vem a constituir sua separação em classes, estados ou castas. É também a operação que, em uma sondagem estatística, consiste em distribuir previamente por estratos determinado conjunto que se quer estudar.

Tenho achado o conceito de castas mais útil para entender a estratificação social brasileira. Ele é mais abrangente do que classe, segmentando os vários tipos de grupos funcionais, desde os burocratas e sacerdotes até os capitalistas e trabalhadores. Quem fica de fora? O pária – ele é o indiano não pertencente a qualquer casta, considerado impuro e desprezível pela tradição cultural hinduísta. Casta inclui a perspectiva cultural, além dos interesses econômicos.

As castas constituem-se por membros de diversas redes e instituições de poder, cada uma apresentando sua própria cultura e incentivando determinado estilo de vida. Elas tendem a dar a seus integrantes determinadas atitudes para com a autoridade, a organização e a política. Permitem ilustrar melhor a complexidade social de toda a História da Humanidade do que o simplista modelo dicotômico – tipo “nós” (pobres) contra “eles” (ricos) – do século 19.

Como eu resumo, em números, a estratificação social no Brasil? Em uma população economicamente ativa em torno de 100 milhões de pessoas, 9 milhões aplicam no mercado financeiro e recebem também renda do capital. É o mesmo número de pessoas (8.979.706) que tem formação universitária completa.

Além dessas, 451.209 pessoas têm mestrado e 170.247 têm doutorado. Pelos cálculos da OCDE, um adulto com idade entre 25 e 64 anos que termina o ensino superior, no Brasil, receberá em média 157% mais renda do que quem só terminou o ensino médio. Essa média nos países da OCDE é de 57%.

Nos últimos 13 anos, a taxa de juros média real foi de 6,6% aa, cinco vezes maior do que o aumento anual do salário médio real, isto é, da renda do trabalho (1,3% aa). Reconhecendo esta dependência de trajetória em relação ao juro real médio de 0,5% am, os profissionais com ensino superior estabelecem sua estratégia de complementar a Previdência Social. Com investimento perseverante de 20% de sua renda mensal, em 360 meses (30 anos) eles já obtêm renda do capital equivalente à renda do trabalho.

Se, a cada 10 anos, ele muda de faixa salarial (graduado com R$ 5.000, mestre com R$ 10.000 e doutor com R$ 15.000), devido à titulação (mestrado-doutorado) ou à experiência, fazendo aporte inicial com o acumulado na faixa anterior, com mais 18 anos ele terá acumulado o suficiente para poder se aposentar com renda do capital similar à renda de trabalho dessa última faixa salarial.

Essa classe média se distingue da maioria da população brasileira em investimentos financeiros. Em março de 2015, 8.940.787 pessoas (descontando dupla contagem de CPFs) investiam em fundos e títulos e valores mobiliários (ações, títulos públicos e privados). A média de cada qual era de R$ 79.299,53.


Enquanto isso, eram cerca de 98 milhões de depositantes de poupança com a média individual de R$ 6.690,33. Deles, 87,4% do total de clientes (cerca de 85 milhões) tinham depósitos em média per capita de apenas R$ 481,79, ou seja, a grande maioria das cadernetas de poupança tinha apenas uma espécie de saldo de conta corrente. Era forma de evitar o pagamento de tarifas bancárias.

O top dos investidores pessoas físicas era constituído de 57.919 clientes de Private Banking. A média per capita de investimentos financeiros dessa casta era de – pasmem – R$ 11.507.492,23.

Pelas declarações de Imposto de Renda, os “super-ricos” no Brasil representam só 0,3% do total de contribuintes do IR ou 0,05% da PEA do país. Os 71.440 indivíduos que receberam no mínimo 160 salários mínimos (R$ 126.080,00) ao mês ou R$ 1,5 milhão no ano, obtiveram renda anual média, no ano-base de 2013, de R$ 4,170 milhões.

Sem abater as dívidas, a média per capita de bens e direitos desta faixa mais rica atingiu R$ 17,7 milhões. Este patrimônio líquido (contendo imóveis registrados em valores históricos) desse reduzido grupo equivale a 22,7% de toda a riqueza em bens e direitos no DIRPF 2014/13.

No entanto, o imposto de renda pago por essa faixa de rendimento acima de 160 salários mínimos equivale apenas a 6,51% de sua renda total. A faixa entre 20 e 40 salários mínimos (com renda anual per capita de R$ 226.273,37) é a que paga percentual maior: 11,96%.

Quanto à reforma tributária, imposto sobre herança e/ou doação os demais grandes países emergentes do BRIC não cobram, o que incentivará a fuga de capital caso o Brasil eleve suas alíquotas. Imposto sobre grandes fortunas quase nenhum país adota, devido ao mesmo risco de fuga. Porém, isenção sobre lucros e dividendos pagos por Pessoa Jurídica para Pessoa Física, só a Estônia, além do Brasil, concede! Cerca de 51 mil daqueles 71 mil “super-ricos” recebem essa isenção. Esta casta de comerciantes-financistas deveria dar sua contribuição ao ajuste fiscal.

O fim dessa isenção evitaria a ressurreição da CPMF. Esta, de fato, representa aumento da carga tributária. Mas, devido a seus poucos defeitos – cumulatividade e regressividade – as castas dos sábios e comerciantes-financistas usam a ignorância econômica das outras castas como massa de manobra, escondendo as maiores virtudes desse “imposto do cheque”: fácil arrecadação e difícil sonegação; tributar o setor informal; combater a sonegação de outros impostos pelo cruzamento de dados de movimentações financeiras; permitir a arrecadação independentemente de ciclo econômico.

Com alíquota de 0,38%, as receitas com a CPMF, antes de 2007, eram praticamente constantes, em torno de 1,3% do PIB ao ano. Esse montante arrecadado hoje seria o suficiente para o cobrir o déficit orçamentário.

OPINIÃO DO LEITOR: “No xadrez, o vencedor é aquele que faz a jogada seguinte ao último erro da partida.” – Savielly Tartakower

Tratar dos conflitos do médio oriente sempre é uma missão desgastante, não devido a sempre apontada complexidade, mais aparente que verdadeira, mas devido a massacrante obviedade dos atos e eventos perpetrados pelos atores interessados, que não são poucos e sim muitos. Neste contexto, pode-se abordar a tão propalada “Primavera Árabe”, que na época do seu desenrolar já evidenciava, ao menos para os dotados de perspicácia, não ser nada mais que uma farsa, no entanto, muito bem elaborada e adornada da fantasia da democracia, tão cara aos veículos da mídia ocidental e aos nossos ternos corações.

As farsas e engodos, como bem se sabe, são recursos para ocultar a real intenção de uma ação objetiva, e no tocante ao oriente próximo, também chamado de médio, tem-se a geopolítica do petróleo como pedra angular para a real compreensão da cadeia de eventos que por lá se desenrola. Em função do domínio pleno da exploração e transporte, movem-se as potências, e a mais influente, os EUA com especial avidez, não só devido ao seu consumo exorbitante da referida commodity, mas pelo fato de seu poder emanar da conjunção da sua moeda a comercialização do petróleo. Quando os maiores produtores, no caso aquela com reservas maiores, Arábia Saudita, aceita apenas dólares americanos como pagamento, a posição da moeda nacional dos EUA vê-se reforçada e não ameaçada como moeda de referência, meio internacional de troca. Desta forma, os déficits norte-americanos não se tornam um problema, sendo isto apenas uma retórica econômica a ser dirigida às economias débeis.

Dá-se que o drama do Oriente Médio ocorre em torno da commodity de uso global. A Arábia Saudita utiliza-se da ideologia wahab como pedra de toque da expansão da sua influência na região, em especial nas áreas de confissão sunita, como ferramenta para a sua ascensão ao sonhado posto de potência regional. Em nome deste sonho, neste presente momento, ataca o pobre vizinho, Yemên, com aquilo que de melhor pode o dinheiro comprar em termos de materiais bélicos do ocidente. Se o paupérrimo Yemên resiste, isto se dá devido ao fato de ainda não ser a coragem, bravura e determinação artigos vendáveis. Todavia, no Iraque, bem como na Síria, devido a uma cadeia de eventos o uso de forças irregulares, denominadas de takfiris, pode ser lançada à mão. A insurgência sunita, caracterizada como espontânea, disso nada possui, pois antes é uma obra de inteligência, no caso de um conluio entre um eminente príncipe saudita, Bandar Bin Sultan, e a afamada agência de desestabilização de regimes dos EUA, CIA. Não se engane, caro leitor, lutar custa caro, muito caro. E custará ainda mais caro se você pretende manter e gerir territórios. Não existe possibilidade alguma que o atual nível de combatividade das siglas que hoje combatem no levante, Al – Nusra, Estado Islâmico, Ansar Al Islam, serem entidades independentes e providas de recursos românticos. Impossível. Existe por trás uma fonte de financiamento estável, estruturada e poderosa, da qual a Arábia Saudita é partícipe, os EUA, cúmplices. Idem para as nações europeias que fazem parte da OTAN.

A intervenção russa que agora observamos, exibe o notório profissionalismo da chancelaria eslava, clara, objetiva e com irrepreensível senso de oportunidade. As ações em curso, bem como a infraestrutura empreendida denotam que não houve pouco planejamento, que o improviso, por certo, não se fez presente. Esperava-se o momento adequado, este providenciado pelas dantescas imagens dos refugiados aportando nas praias europeias, bem como dos corpos inertes dos afogados, cujo fracasso na travessia, representado pelo corpo singelo de uma criança em uma praia turca, gravou-se de forma indelével no inconsciente coletivo, estampada que foi como registro iconográfico desta tragédia humana. Esta imagem, que correu o mundo, de certa forma, é a condenação das ações norte – americanas e da OTAN, posto que no que tange à Síria houve apenas o agravo da situação, jamais uma melhora. A ação russa, incisiva no plano bélico, desmonta o conjunto retórico dos EUA pelo fato simples de não haver resultado concreto das ações deste país. Mas, como poderia haver, se os grupos armados na Síria são todos eles ativos estratégicos dos EUA e da Arábia Saudita? A resposta é simples: não poderia.

A Rússia efetua com a sua intervenção o ataque a objetivos múltiplos em termos políticos: dá combate a jihadistas do Cáucaso fora das suas fronteiras; afasta a possibilidade de uma vitória dos grupos rebeldes ao restabelecer o equilíbrio de forças na região; evita o estabelecimento de uma No Fly Zone na Síria por parte da OTAN; aproxima-se ainda mais do Iraque em termos políticos; retira da Turquia a perspectiva de grandes ganhos políticos e econômicos com o esfacelamento da Síria e com isso aumenta a importância estrutural do acordo turco-russo em relação aos oleodutos/gasodutos TANAP; reforça a posição do Irã como nação indispensável ao diálogo político no Oriente Médio; impõe a Israel, forçosamente, uma posição defensiva; expõe a retórica da União Europeia e dos EUA como contraditória e desprovida de sentido face à realidade; desnuda perante ao mundo a ajuda dos EUA e da Arábia Saudita aos grupos terroristas e alça Bashar al Assad a sua condição original: dignitário de uma nação reconhecida, a Síria.

Por não ter pudor quanto aos grupos armados que espalham terror na Síria, a Rússia consegue colher em dias aquilo que a OTAN foi incapaz de o fazer em meses. A VKS, Força Aeroespacial da Federação Russa, destruiu, por exemplo, o Quartel General do Estado Islâmico localizado na cidade Palmira, ataque este que resultou na morte de 40 extremistas, bem como destruiu uma extensa coluna de caminhões tanque com derivados de petróleo, fonte de renda do Estado Islâmico. Aliás, este evento, o ataque a coluna de caminhões tanque, demonstra de maneira inarredável a hipócrita relação dos EUA e das antigas potências coloniais europeias perante o conflito, pois os compradores destes derivados e do óleo cru do Estado Islâmico são as grandes empresas de energia destes países, que financiam o Estado Islâmico ao comprar por preço ínfimo o petróleo e seus derivados. Compreende-se, pois, o fato de em meses de campanha aérea dos EUA contra o EI nunca ter-se visto um ataque a tais comboios…

Todavia, ficam as perguntas: Putin subestimou o conflito na Síria? Não tem em mente que a intervenção na Síria pode-se tornar um atoleiro? Respondê-las não é fácil e pode parecer um exercício de adivinhação, principalmente pelo fato conhecido de que lutar jogando bombas em cabeças de terroristas ser algo muito caro, dispendioso. Não são raras as imagens do novo SU-34 equipado com bombas KAB-500, arma guiada por sinais GLONASS e GPS. Ademais, para haver vitória contra insurgentes é indispensável a presença de infantes. Ora, é justamente a carência de infantes das armas sírias frente a uma torrente contínua de mercenários da jihad, provindos dos quatro cantos do mundo islâmico, o problema maior da liderança síria. Percebe-se, portanto, que alguma ajuda neste campo, infantaria, se faz necessário. O Exército Árabe da Síria recebe, como sabido, apoio do Hezzbolah, mas este grupo libanês, de confissão muçulmana xiita, possui um efetivo limitado em termos numéricos, apesar de ser extremamente experiente e combativo. Por isso Irã é apontado imperiosamente como o fornecedor de instrutores e combatentes, dado a percepção de que as tropas russas presentes lá estão em função da proteção da base de Latakia. As notícias sobre efetivos chineses não devem ser consideradas como dignas de crédito, estando Pequim na posição de fiador das ações bélicas russas, mas não de participante ativo.

Entretanto, tudo mudará se houver o emprego de efetivos terrestres russos na Síria. O trânsito de navios de transporte da classe Ropucha entre o Mar Negro e o Mediterrâneo foi constatado. Para se ter uma ideia, cada navio desta classe pode transportar 10 Carros de Combate e 340 fuzileiros. A presença de carros de combate T-90S já foi registrada, bem como de unidades de Forças Especiais sem distintivos (Spetnaz), além disto, o envio de fuzileiros navais foi anunciado pelo Governo da Federação Russa. Neste contexto, haverá com certeza o recrudescimento do apoio logístico da Arábia Saudita e do Qatar aos grupos insurgentes que movem a sua guerra por procuração, pois não se desiste de uma aventura de monta de maneira tão fácil. Pode-se dizer, que o envio de MANPADS e de mísseis anti-carro por partes das monarquias do golfo é certo, com o objetivo, óbvio, de se formar um atoleiro, elevando os custos russos a um nível inaceitável.

Por fim veremos o mesmo de sempre: notícias desencontradas, farsescas, inventadas, forjadas no frisson que uma guerra causa em qualquer redação. Além das distorções premeditadas, pautadas pelos rancores ideológicos e pela guerra de propaganda. Como foi dito e percebido, as “vítimas civis” dos ataques russos apareceram antes mesmo da decolagem do primeiro jato de ataque da VKS. Não será uma novidade. Nunca é. Apenas o martelar de sempre das palavras selecionadas para o devido resultado neurolínguistico, para fazer você acreditar em uma ilusão. Ilusão esta que terás como realidade, pela qual lutarás com unhas e dentes. Não é algo novo, principalmente em terras brasileiras, mas, é cansativo, desgastante, para não dizer, entediante.

Comentários do leitor: César A. Ferreira