Entre todas as barbaridades observadas no julgamento da AP 470, a do tal mensalão, há uma que ficou quase despercebida pelas poucas pessoas que acompanham a vida política do país: a extrema crueldade da nossa elite, exposta com todas as suas vísceras sangrentas no Supremo Tribunal Federal.
Ali, em todo o decorrer do longo julgamento, certos ministros não tiveram nenhum pudor em atropelar as mais comezinhas regras do direito, como beneficiar o réu em caso de dúvida.
Claro que esse estupro, que descabelou inúmeros juristas insignes, não teve causa espontânea e foi, sim, provocado por interesses políticos, de classe e de ideologia evidentes.
Ora, o STF é composto por pessoas que estão lá no cimo da pirâmide social, gozando de todos os privilégios que a nossa sociedade permite aos abastados - muitos deles graças a um sistema judiciário de visão distorcida e seletiva.
É impossível pedir que essas pessoas, em suas atribuições na mais alta corte do país, ajam como robôs, sem sentimentos ou sem as contradições normais dos seres humanos.
Num julgamento como esse, porém, no qual a oligarquia investiu praticamente todas as suas fichas, com o interesse de ferir mortalmente o partido político que governa o país desde 2003, era de se esperar que os ministros tivessem, ao menos, um comportamento mais dissimulado, que não explicitasse inteiramente a quais interesses eles servem.
Mas não.
Alguns dos togados simplesmente abandonaram qualquer resquício de pudor na tentativa de acabar logo com o trabalho que lhes foi encomendado.
Nem se preocuparam em disfarçar.
Acobertados por um descomunal esquema midiático que os isenta de qualquer crítica e se proclama como a "voz das ruas", estão, como o espião britânico de ficção, autorizados a matar.
Terminada essa execrável pantomina, é bem provável que tais pessoas retornem, em seu dia a dia profissional, ao caminho da sensatez, ou, ao menos, à trilha dos ensinamentos e preparo que certamente receberam em suas vidas.
É bem possível também que, daqui a algum tempo, sejam lembrados apenas como meros instrumentos de vingança de uma classe social reacionária, infensa a qualquer mudança, detentora de imensos recursos econômicos e privilégios, contra aqueles que ousaram enfrentá-la.
De certa forma, o julgamento da AP 470 é um recado que a nossa elite dá ao restante da sociedade brasileira - ponham-se nos seus lugares, não ousem mexer com a gente.
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