Do Tijolaço
A reportagem de José Casado, hoje, em O Globo comprova tudo o que se afirmou aqui desde o primeiro momento, de que nada tinha a ver com “tecnologia” a operação criminosa de espionagem levada a cabo pelo governo americano sobre a Petrobras.
O alvo eram as jazidas do pré-sal, era evidente:
(…)o foco na estatal petroleira se tornou mais fechado a partir de 2006. Foi quando o governo Lula anunciou a existência de uma “bacia gigante” de petróleo, de tamanho equivalente ao território do Pará, a cerca de 600 quilômetros do litoral (são 200 km), com profundidade superior a 3 mil metros e sob a espessa camada do pré-sal brasileiro. Desde então, multiplicou-se por dez o volume de coleta de informações sobre negócios da Petrobras(…)
Logo a seguir, outro obvio: as informações eram repassadas às empresas americanas:
“Com surpresa, eles (os agentes) contaram a história da tímida resposta inicial de empresas americanas. Somente a Exxon Mobil e Hess se sentiram motivadas a fazer apostas relevantes no pré-sal. Ficaram sócias (40% cada) da estatal brasileira (20%) em um dos blocos (BM-S-22) avaliados como mais promissores da área. A Chevron escolheu ficar de fora e, mais tarde, “lamentou a decisão” – registrou o Consulado do Rio em “informe” do final de 2008″.
Já sobre esse bloco, conhecido como Azulão/Guarani, o Brasil precisa verificar o que é correto fazer, reexaminando seu processo de concessão, possivelmente fraudado. É a única área do pré-sal na Bacia de Santos não operada pela Petrobras.
Mas a questão relevante – volto a ela mais tarde – é se manteremos ou não o leilão de Libra.
Vocês vão perceber, já, já, que só os “muy amigos” vão trabalhar pelo adiamento.
É que as coisas ficaram “feias” para os interesses americanos com essa revelação. E quando ficam feias para eles, fica melhor para o Brasil.
Leia a matèria de José Casado:
A cada 72h, EUA são atualizados sobre informações da Petrobras
No foco da espionagem, os enigmas da estatal; por ano, 110 informes são enviados da embaixada americana em Brasília
José Casado
RIO — A cada 72 horas o governo dos Estados Unidos recebe um relatório de atualização de informações sobre a Petrobras. Essa é a rotina americana na espionagem, análise e acompanhamento dos negócios de uma das maiores empresas petroleiras do mundo.
Os dados fluem, basicamente, por dois canais.
Um deles é a própria Petrobras, cujo sistema de criptografia foi decodificado pela Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (National Security Agency, a NSA, na sigla em inglês) – como demonstram os documentos obtidos por Edward Snowden, ex-colaborador da agência, divulgados pelos repórteres Sônia Bridi e Glenn Greenwald, domingo no “Fantástico”.
Outro está centralizado na Embaixada dos EUA em Brasília, que envia a Washington cerca de 110 “informes” específicos por ano (são raros os classificados como ultra-secretos).
Com base em diferentes fontes americanas, é possível afirmar que o foco na estatal petroleira se tornou mais fechado a partir de 2006. Foi quando o governo Lula anunciou a existência de uma “bacia gigante” de petróleo, de tamanho equivalente ao território do Pará, a cerca de 600 quilômetros do litoral, com profundidade superior a 3 mil metros e sob a espessa camada do pré-sal brasileiro.
Desde então, multiplicou-se por dez o volume de coleta de informações sobre negócios da Petrobras e as deficiências brasileiras no setor de energia, o que incluir a alternativa nuclear.
O interesse demonstrado por Washington, levou funcionários dos escritórios de Brasília, Rio e São Paulo a sair em campo e produzir um volume recorde de análises, mais de meio milhar de mensagens, nos 36 meses seguintes à divulgação da descoberta.
Com surpresa, eles contaram a história da tímida resposta inicial de empresas americanas. Somente a Exxon Mobil e Hess se sentiram motivadas a fazer apostas relevantes no pré-sal. Ficaram sócias (40% cada) da estatal brasileira (20%) em um dos blocos (BM-S-22) avaliados como mais promissores da área. A Chevron escolheu ficar de fora e, mais tarde, “lamentou a decisão” – registrou o Consulado do Rio em “informe” do final de 2008.
Aparentemente, a coleta de dados sobre o pré-sal brasileiro nos últimos sete anos tem como objetivo central acompanhar em tempo real alguns enigmas que a Petrobras possa vir a decifrar.
Por exemplo: 1) como superar as dificuldades financeiras e técnicas na perfuração em profundidade extrema, através de uma espessa camada de sal, até o depósito de óleo situado a quase oito quilômetros abaixo da lâmina d`água; 2) confirmar se é correta a percepção difundida de um “campo gigante”, ou se seriam grandes depósitos isolados, nos quais o custo de perfuração supera US$ 60 por barril a ser extraído.
Os resultados da Petrobras na sua batalha por respostas a questões assim equivalem ao desenho do mapa da mina, que inclui o bilionário negócio dos equipamentos necessários. Esse mapa interessa aos EUA, à Inglaterra, à Austrália, ao Canadá e à Nova Zelândia, países-parceiros da NSA no ramo da espionagem eletrônica.
Confirma-se agora que está comprometido todo o esforço e investimento feito pela estatal petroleira na criptografia dos dados que circulam por sua rede. Da mesma forma, reafirma-se que estão expostas todas as informações – sobretudo as codificadas – que circulam pela rede da administração pública e pelos serviços privados individuais, abertos ou não.
Desde julho, quando O GLOBO publicou as primeiras informações sobre as operações da NSA na América Latina, sabe-se que o Brasil é um país de portas abertas à espionagem. Na época, o governo Dilma Rousseff anunciou investigações de “denúncias de envolvimento de empresas” com a espionagem e, também, sobre as “vulnerabilidades” das redes e equipamentos pelos quais fluem os dados produzidos no país. Passaram-se dois meses e não há informação sobre resultados, nem mesmo sobre o que efetivamente esteja sendo feito, ou se pensa em fazer, para proteção do sigilo de dados dos cidadãos, do governo e das empresas.
A iniciativa pública limitou-se, até agora, a pedidos de “explicações” a Washington, secundados pela retórica diplomática sobre a conveniência de um debate nas Nações Unidas.
Prevalecem insuficiências objetivas. Uma delas é a indecisão sobre o papel da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) na eventual política de defesa cibernética, da qual só existe um breve rascunho.
O banco de dados da Anatel registra um crescimento de “incidentes/ ataques”, como ela mesmo define, nas redes de telecomunicações em Curitiba (2012), na Bahia (2010/2011) e em São Paulo (2008/2009).
Possui, também, informações sobre uma “sequência de ataques ao governo”, a partir do dia 22 de junho de 2011. Não significa, necessariamente, que governos de outros países sejam responsáveis – embora se atribua à China a façanha de ter “desviado” cerca de 15% do volume de tráfego mundial da internet em 2010.
Os registros oficiais brasileiros confirmam a dimensão da vulnerabilidade do país e demonstram a profundidade da miopia governamental. Exemplar é o uso da fatia do orçamento federal aprovada para investimento na construção de um sistema nacional de “defesa contra ameaças” cibernéticas e para produção de “mecanismos de proteção de dados sensíveis”. No ano passado, de cada R$ 100 aprovados para esse programa, somente R$ 31 foram usados. Neste ano, até junho, de cada R$ 100 previstos, só haviam sido gastos R$ 8.
Na liderança política de um país que mantém a quase totalidade do seu fluxo de dados via internet – sem infraestrutura de redes, cabos submarinos ou satélites próprios-, tem 90% do seu comércio feito por linhas marítimas e produz no mar 80% do seu petróleo, Dilma Rousseff parece ter optado pelo “samba” de uma nota só: reclamar de Barack Obama. Como a fila é grande, talvez precise de senha não-criptografada.
Por: Fernando Brito
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