Francisco de Oliveira* – O Estado de S.Paulo – caderno Aliás
O desmoronamento do Democratas com os escândalos do Arrudagate e do quase já consolidado desmascaramento do Kassabgate assinala, felizmente, o ponto final da ditadura civil-militar que formalmente durou até 1985. Como se sabe, o Democratas se originou no bipartidismo imposto pela ditadura, quando Castelo Branco extinguiu os partidos pré-64 e enfiou todos na Arena e no MDB. Na reforma partidária de 1978, o MDB transformou-se em PMDB e a Arena em PFL. Sucessivas operações plásticas o fizeram chegar à atual denominação, que nem sequer guarda o nome de “partido”. A diferença entre o sucesso da transformação, no caso do MDB, e o fiasco da Arena é que o segundo não passava de um fantoche da ditadura, enquanto o MDB respondia aos anseios e à vontade política da maior parte da cidadania para sair da “camisa de força” ditatorial. Já em 1980, o PMDB transformado abria a porta para que sua ala esquerda criasse o PT e sua ala social-democrata evoluísse para o PSDB. Partidos menores também puderam ajustar-se ao novo sistema político-partidário.
Todos os partidos fazem parte do novo ciclo de “organizações paraestatais”, uma transformação que Gramsci não previu, pois as formas do capitalismo contemporâneo fazem do Estado não apenas o garantidor das condições gerais da produção, mas sua vértebra insubstituível. O barbudo de Tiers também deixou passar a oportunidade teórica de introduzir na sua equação da mercadoria a passagem necessária pelos fundos públicos, mas concedamos que o fenômeno estava apenas em seus começos.
O velho PSD mineiro já sabia que “fora do Estado não há salvação”. Essa sentença do anedotário político das raposas mineiras é mais do que certeira nas condições do capitalismo contemporâneo. Onde é que o Democratas não entendeu o recado? Em primeiro lugar, por refugiar-se nos chamados “grotões” que tanto o desenvolvimento capitalista quanto as reformas do Estado e finalmente o assistencialismo do Bolsa-Família liquidaram. Aí o Democratas acreditou que, mudando o nome e dirigindo-se às classes médias urbanas, voltaria a ser protagonista principal e não apenas coadjuvante (um Oscar para ele!). Acreditou que as classes médias urbanas são liberais, não gostam do Estado, e pagam tudo pela liberdade. Não entendeu nada de Brasil, e não leu, certamente, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr. e Florestan Fernandes. Ficou em Casa Grande & Senzala.
Daí para resvalar na vala comum da corrupção não há uma distância muito grande, sobretudo em Brasília, cidade campeã e emblema do patrimonialismo. Quanto a Kassab, sobreviveu graças à estratégia política do atual governador de São Paulo, que lhe transmitiu o cargo de prefeito , cujos rendimentos ainda lhe deram fôlego para a reeleição. Mas por aí termina. Entendamo-nos: não é que inexista corrupção e patrimonialismo nos outros partidos políticos, principalmente nos dois principais. Mas eles conseguem administrar interesses bem definidos, o que não foi o caso do Democratas. Mas estão também no modelo “partidos paraestatais”: a irrelevância do PSDB em certas regiões do País o afirma: aliás os tucanos não são propriamente um partido, mas como no Vaticano, um colégio de cardeais.
Desde o fim da República Velha não há lugar para o liberalismo no Brasil, nem nas periferias capitalistas. O último liberal brasileiro, Rui Barbosa, lutou várias vezes para chegar à Presidência, fracassando em todas elas; é certo que “coronelismo, enxada e voto” – a obra maestra de Victor Nunes Leal – não consentia que um liberal estivesse no topo do Estado. Depois, o Brasil entrou definitivamente – com Vargas, um caudilho gaúcho – na senda da industrialização sustentada no Estado, e então as chances liberais sumiram pelo ralo da indústria e da urbanização acelerada. Os neoliberais tomaram emprestado do avô sua primitiva designação, mas aí a fraude já era evidente, pois mercado nas economias periféricas e no capitalismo contemporâneo só com uma dose cavalar de Estado – que me permita minha querida Maria da Conceição Tavares usar assim de graça seu bordão, e Obama por acréscimo.
O Democratas chegou tarde. É uma pena, pois teriam sido um elemento civilizador no começo do século 20. Já no século 21, é apenas um anacronismo. Não quer isso dizer que desaparecerá, pois a diversidade regional, política, social e econômica do Brasil permite várias formações e agrupamentos de interesses. Mas está condenado a ser satélite – e não é do Banco do Brasil que estamos falando – enquanto o ciclo dos partidos paraestatais não se esgota. É bom para a República que a lição que o Democratas não aprendeu esteja sendo dada em Brasília, antiga capital da esperança. Quem sabe ela volta?
*Professor emérito da FFLCH-USP, autor de Crítica à Razão Dualista: o Ornitorrinco (Boitempo)
O objetivo deste blog é discutir um projeto de desenvolvimento nacional para o Brasil. Esse projeto não brotará naturalmente das forças de mercado e sim de um engajamento político que direcionará os recursos do país na criação de uma nação soberana, desenvolvida e com justiça social.
domingo, fevereiro 28, 2010
NOVO PARADIGMA EM MARCHA?
O Estado
A crise internacional pôs a nu a fragilidade financeira, monetária e fiscal dos países desenvolvidos, que estão sendo obrigados, para estimular o consumo, a operar com taxas de juros reais (excluída a inflação) negativas. A ajuda governamental ao sistema financeiro insolvente criou déficits fiscais e endividamentos públicos sem precedentes.
Os endividamentos elevados vão causar proximamente taxas de juros crescentes, ampliando os já elevados déficits fiscais, que por sua vez ampliarão ainda mais os endividamentos. O elevado nível de desemprego e o endividamento da população reduzem o consumo e os investimentos e isso atinge em cheio a arrecadação pública e amplia a demanda social.
Receitas públicas menores e necessidades de despesas sociais e de juros crescentes agravarão ainda mais os déficits fiscais dos países desenvolvidos e contaminarão as condições de vida de suas populações. Não se exclui, por causa da contração do consumo, a possibilidade de terem de enfrentar a deflação – queda de preços por causa da postergação das compras.
O mais grave é a possibilidade de aparecimento de crises sociais, com desestabilização política. Na Grécia, as crises sociais já começaram.
O presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet, afirmou que a situação fiscal dos Estados Unidos e do Japão não era muito melhor do que a da Grécia.
Segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), os déficits fiscais previstos para este ano em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) da Irlanda de 12,2% e da Inglaterra de 13,3% superam o da Grécia de 9,8%. E, em tamanho da dívida líquida, Itália (100,8%) e Japão (105%) superam o da Grécia (94,6%). Como destacou Celso Ming, em sua coluna de 21 de fevereiro no Estado, com dados da OCDE: “Ficha por ficha, a dos Estados Unidos está pior do que a maioria dos países europeus. Ostenta um déficit fiscal de 10,7% do PIB e uma dívida (líquida) de 65,2% do PIB ante 6,7% e 57,9%, respectivamente, da área do euro.”
Segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da agência Bloomberg, nos últimos dez anos (2000 a 2009), o crescimento da economia em escala global foi de 42%, tendo os países desenvolvidos crescido 17,1% e os países emergentes, 75,1%, ou seja, os emergentes cresceram em média nesse período 4,4 vezes mais do que os desenvolvidos.
Para os próximos anos, a maioria das análises prevê que a diferença entre o desempenho de emergentes e desenvolvidos será reforçada, impulsionada, principalmente, pela Ásia, com grande peso para China. A previsão continua sendo de que a demanda doméstica (consumo e investimento privado) será o carro-chefe desse processo.
Ao que tudo indica, a crise serviu para acelerar um novo arranjo geopolítico em construção nas últimas décadas com o avanço da globalização, que radicalizou o processo de concorrência internacional.
A regulação de preços vai se deslocando gradualmente das políticas monetárias locais para os preços ditados pela concorrência internacional. Assim, a política monetária perde força face ao avanço da globalização comercial, que interconectou os mercados. A tendência dos preços a nível global passou a ser mais ditada pelo preço das commodities.
Dentro desse processo da globalização, a expansão natural do capital foi na direção da minimização de custos de mão de obra, de menor tributação e de localização da expansão geográfica do consumo mundial. Os países desenvolvidos têm custos elevados de mão de obra e mercados estagnados ou em declínio e, por isso foram e continuarão perdendo a atratividade que tiveram frente aos emergentes, notadamente da Ásia e em algum grau da América Latina. A consequência desse processo foi a transferência de oferta de empregos dos desenvolvidos para os emergentes, com uma incorporação sem precedentes de elevado contingente de pessoas no mercado de trabalho e de consumo nos emergentes. Essa expansão de consumo, por sua vez, reforça os movimentos do capital para esses países.
Esse movimento caminhou juntamente com os processos migratórios de mão de obra na busca de melhores oportunidades de emprego ocorrendo com a crise retorno da mão de obra a seus países de origem. A tendência desses dois movimentos é uma diminuição das desigualdades salariais em termos locais e globais. Em outras palavras, os salários mais altos e o emprego dos países desenvolvidos vão continuar cedendo terreno para os emergentes.
Ao lado desse processo, vem se desenvolvendo um enfraquecimento de controle político dos países desenvolvidos nos fóruns internacionais. Os países do G-7 (grupo dos sete mais industrializados) começam a ceder espaço aos países componentes do G-20 e são questionadas as representações dos desenvolvidos nesses fóruns.
Esse novo arranjo geopolítico está em processo e, com a crise internacional, que enfraqueceu os países desenvolvidos e fortaleceu os emergentes, a tendência é para aceleração do novo arranjo.
Outra forma de analisar esse processo de crise econômica, financeira e social dos países desenvolvidos é a do esgotamento do modelo de desenvolvimento experimentado desde o início da revolução industrial. Esse modelo se baseou numa concentração de renda e riqueza, o que levou inevitavelmente a crises de superprodução.
O novo modelo, em fase de implantação, se apoia na ascensão de forte contingente de novos consumidores pela geração de emprego e renda de populações antes marginalizadas da sociedade de consumo. Tudo leva a crer que esse novo modelo apresenta maior dinamismo e estabilidade do que o anterior. Dinamismo pela concorrência internacional sem paralelo e estabilidade por se apoiar numa base de consumo bem maior.
Dentro desse quadro, não é de esperar sustentação para a tentativa de retomada do modelo anterior, onde os países desenvolvidos detinham parcela significativa do crescimento da demanda mundial. A gangorra pende cada vez mais para a liderança dos emergentes no papel antes desempenhado pelos países desenvolvidos.
É possível que o novo paradigma econômico já esteja em fase de formação e, caso isso aconteça, a redistribuição de renda tende a beneficiar as populações dos emergentes.
Será que o capitalismo experimentará uma nova fase na qual sua viabilização se dê apoiada numa melhor distribuição de renda e riqueza?
Especialista em finanças públicas
Amir Khair, mestre em Finanças Públicas pela FGV-SP, é consultor. Foi secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo na gestão da prefeita Luiza Erundina (1989-1992). Atualmente é consultor na área fiscal, orçamentária e tributária.
Coordenou a elaboração do Manual de Orientação para Crescimento da Receita Própria Municipal da FGV-SP, sob o patrocínio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Elaborou o Guia de Orientação para as Prefeituras – Lei de Responsabilidade Fiscal do BNDES – e do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, em 2000.
Dentre os trabalhos que realizou, destacam-se as assessorias em gestão financeira nas prefeituras de Belo Horizonte, Salvador, Goiânia, Guarulhos, Ipatinga, Londrina, Angra dos Reis e Juiz de Fora e a criação de um sistema de acompanhamento de gestão fiscal para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
A crise internacional pôs a nu a fragilidade financeira, monetária e fiscal dos países desenvolvidos, que estão sendo obrigados, para estimular o consumo, a operar com taxas de juros reais (excluída a inflação) negativas. A ajuda governamental ao sistema financeiro insolvente criou déficits fiscais e endividamentos públicos sem precedentes.
Os endividamentos elevados vão causar proximamente taxas de juros crescentes, ampliando os já elevados déficits fiscais, que por sua vez ampliarão ainda mais os endividamentos. O elevado nível de desemprego e o endividamento da população reduzem o consumo e os investimentos e isso atinge em cheio a arrecadação pública e amplia a demanda social.
Receitas públicas menores e necessidades de despesas sociais e de juros crescentes agravarão ainda mais os déficits fiscais dos países desenvolvidos e contaminarão as condições de vida de suas populações. Não se exclui, por causa da contração do consumo, a possibilidade de terem de enfrentar a deflação – queda de preços por causa da postergação das compras.
O mais grave é a possibilidade de aparecimento de crises sociais, com desestabilização política. Na Grécia, as crises sociais já começaram.
O presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet, afirmou que a situação fiscal dos Estados Unidos e do Japão não era muito melhor do que a da Grécia.
Segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), os déficits fiscais previstos para este ano em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) da Irlanda de 12,2% e da Inglaterra de 13,3% superam o da Grécia de 9,8%. E, em tamanho da dívida líquida, Itália (100,8%) e Japão (105%) superam o da Grécia (94,6%). Como destacou Celso Ming, em sua coluna de 21 de fevereiro no Estado, com dados da OCDE: “Ficha por ficha, a dos Estados Unidos está pior do que a maioria dos países europeus. Ostenta um déficit fiscal de 10,7% do PIB e uma dívida (líquida) de 65,2% do PIB ante 6,7% e 57,9%, respectivamente, da área do euro.”
Segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da agência Bloomberg, nos últimos dez anos (2000 a 2009), o crescimento da economia em escala global foi de 42%, tendo os países desenvolvidos crescido 17,1% e os países emergentes, 75,1%, ou seja, os emergentes cresceram em média nesse período 4,4 vezes mais do que os desenvolvidos.
Para os próximos anos, a maioria das análises prevê que a diferença entre o desempenho de emergentes e desenvolvidos será reforçada, impulsionada, principalmente, pela Ásia, com grande peso para China. A previsão continua sendo de que a demanda doméstica (consumo e investimento privado) será o carro-chefe desse processo.
Ao que tudo indica, a crise serviu para acelerar um novo arranjo geopolítico em construção nas últimas décadas com o avanço da globalização, que radicalizou o processo de concorrência internacional.
A regulação de preços vai se deslocando gradualmente das políticas monetárias locais para os preços ditados pela concorrência internacional. Assim, a política monetária perde força face ao avanço da globalização comercial, que interconectou os mercados. A tendência dos preços a nível global passou a ser mais ditada pelo preço das commodities.
Dentro desse processo da globalização, a expansão natural do capital foi na direção da minimização de custos de mão de obra, de menor tributação e de localização da expansão geográfica do consumo mundial. Os países desenvolvidos têm custos elevados de mão de obra e mercados estagnados ou em declínio e, por isso foram e continuarão perdendo a atratividade que tiveram frente aos emergentes, notadamente da Ásia e em algum grau da América Latina. A consequência desse processo foi a transferência de oferta de empregos dos desenvolvidos para os emergentes, com uma incorporação sem precedentes de elevado contingente de pessoas no mercado de trabalho e de consumo nos emergentes. Essa expansão de consumo, por sua vez, reforça os movimentos do capital para esses países.
Esse movimento caminhou juntamente com os processos migratórios de mão de obra na busca de melhores oportunidades de emprego ocorrendo com a crise retorno da mão de obra a seus países de origem. A tendência desses dois movimentos é uma diminuição das desigualdades salariais em termos locais e globais. Em outras palavras, os salários mais altos e o emprego dos países desenvolvidos vão continuar cedendo terreno para os emergentes.
Ao lado desse processo, vem se desenvolvendo um enfraquecimento de controle político dos países desenvolvidos nos fóruns internacionais. Os países do G-7 (grupo dos sete mais industrializados) começam a ceder espaço aos países componentes do G-20 e são questionadas as representações dos desenvolvidos nesses fóruns.
Esse novo arranjo geopolítico está em processo e, com a crise internacional, que enfraqueceu os países desenvolvidos e fortaleceu os emergentes, a tendência é para aceleração do novo arranjo.
Outra forma de analisar esse processo de crise econômica, financeira e social dos países desenvolvidos é a do esgotamento do modelo de desenvolvimento experimentado desde o início da revolução industrial. Esse modelo se baseou numa concentração de renda e riqueza, o que levou inevitavelmente a crises de superprodução.
O novo modelo, em fase de implantação, se apoia na ascensão de forte contingente de novos consumidores pela geração de emprego e renda de populações antes marginalizadas da sociedade de consumo. Tudo leva a crer que esse novo modelo apresenta maior dinamismo e estabilidade do que o anterior. Dinamismo pela concorrência internacional sem paralelo e estabilidade por se apoiar numa base de consumo bem maior.
Dentro desse quadro, não é de esperar sustentação para a tentativa de retomada do modelo anterior, onde os países desenvolvidos detinham parcela significativa do crescimento da demanda mundial. A gangorra pende cada vez mais para a liderança dos emergentes no papel antes desempenhado pelos países desenvolvidos.
É possível que o novo paradigma econômico já esteja em fase de formação e, caso isso aconteça, a redistribuição de renda tende a beneficiar as populações dos emergentes.
Será que o capitalismo experimentará uma nova fase na qual sua viabilização se dê apoiada numa melhor distribuição de renda e riqueza?
Especialista em finanças públicas
Amir Khair, mestre em Finanças Públicas pela FGV-SP, é consultor. Foi secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo na gestão da prefeita Luiza Erundina (1989-1992). Atualmente é consultor na área fiscal, orçamentária e tributária.
Coordenou a elaboração do Manual de Orientação para Crescimento da Receita Própria Municipal da FGV-SP, sob o patrocínio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Elaborou o Guia de Orientação para as Prefeituras – Lei de Responsabilidade Fiscal do BNDES – e do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, em 2000.
Dentre os trabalhos que realizou, destacam-se as assessorias em gestão financeira nas prefeituras de Belo Horizonte, Salvador, Goiânia, Guarulhos, Ipatinga, Londrina, Angra dos Reis e Juiz de Fora e a criação de um sistema de acompanhamento de gestão fiscal para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
sábado, fevereiro 27, 2010
Assim é se lhe parece
por Luiz Carlos Azenha
Jornalismo não é Ciência exata. Jornais erram. Jornalistas erram. Erros admitidos e reparados, tocamos em frente. Às vezes o erro tem consequências gravíssimas, como no caso paradigmático da Escola Base. O famoso "espírito de manada" muitas vezes contribui para que pecados originais de pequena dimensão se agravem. O espírito de manada funciona assim: por decisão superior ou por interesse próprio, um jornalista decide "repercutir" uma notícia que dá como fato, sem fazer a confirmação independente daquela informação. Corre o risco de repercutir o erro. De ampliar o erro. De reproduzir a premissa falsa. Já vivi essa situação, "repercutindo" reportagens da revista "Veja", na TV Globo: é como se você validasse um bilhete premiado sem ter tido a oportunidade de confirmar antes a premiação.
Assim se deram algumas das grandes "crises" que o Brasil enfrentou desde que o governo Lula se instalou no poder, como o "caos aéreo", a "epidemia de febre amarela" e a "gripe suína". Má fé, incapacidade técnica, preguiça, preconceito ideológico e a crença de que a mídia deve ser "de oposição" a qualquer custo, mesmo que ao fazer isso atropele a verdade, levaram a mídia corporativa a exagerar, distorcer ou repercutir acriticamente informações que, mais tarde, se demonstrou serem exageradas ou simplesmente fictícias.
No episódio da febre amarela, por exemplo, o texto-símbolo em minha opinião foi o "Alerta Amarelo", de Eliane Cantanhêde, da Folha de S. Paulo, em que a jornalista incentivou todos os brasileiros a correr para o posto de saúde e tomar a vacina, independentemente das contra-indicações existentes.
Ela escreveu:
Bem, o Orçamento, os impostos e os cortes de gastos estão a mil por hora em Brasília neste pós-CPMF, com ministros do Executivo, todo o Legislativo e o Judiciário em pânico diante da tesoura da área econômica do governo. O fantasma da febre amarela, portanto, paira sobre o país como um alerta num momento crucial, para que a saúde e a educação sejam preservadas antes de tudo o mais. Senão, Lula, o aedes aegypti vem, pica e mata sabe-se lá quantos neste ano --e nos seguintes.
O alerta da colunista foi apenas um texto irresponsável no conjunto da obra do mau jornalismo. A vacinação disparou. Gente que não precisava ou não podia ter tomado a vacina, tomou. Houve pelo menos um caso de morte que poderia ter sido evitada. E a febre amarela? O número de casos foi inferior ao registrado em anos anteriores, quando não houve o mesmo alarde.
No "caos aéreo", um conjunto de acontecimentos distintos e vagamente relacionados foi utilizado para provocar a demissão do ministro da Defesa, Waldir Pires, substituído por Nelson Jobim. Problemas reais de infraestrutura e de mau gerenciamento foram reunidos sob a tarja do "caos aéreo" à greve de controladores de vôo e ao acidente com o avião da TAM em Congonhas. O acidente, uma fatalidade causada por erro humano, foi atribuído ao presidente da República por um colunista da Folha de S. Paulo. Lula foi acusado, na primeira página, pelo homicidio de 200 passageiros.O psicanalista Francisco Daudt escreveu:
Gostaria imensamente de ter minha dor amenizada por uma manchete que estampasse, em letras garrafais, “GOVERNO ASSASSINA MAIS DE 200 PESSOAS”. O assassino não é só aquele que enfia a faca, mas o que, sabendo que o crime vai ocorrer, nada faz para impedi-lo. O que ocorreu não pode ser chamado de acidente, vamos dar o nome certo: crime.
No caso da gripe suína, uma epidemia real foi de tal forma "espetacularizada" que colocou autoridades públicas sob pressão para tomar medidas que, em retrospectiva, sabemos agora terem sido exageradas -- especialmente o adiamento do início das aulas em vários estados brasileiros. Na Folha de S. Paulo, o filósofo Hélio Schwartsman escreveu:
A pandemia de gripe provocada pela nova variante do vírus A H1N1 poderá atingir entre 35 milhões e 67 milhões de brasileiros ao longo das próximas cinco a oito semanas. De 3 milhões a 16 milhões desenvolverão algum tipo de complicação a exigir tratamento médico e entre 205 mil e 4,4 milhões precisarão ser hospitalizados.
A repórter Conceição Lemes desmontou de forma primorosa o texto doidivanas da Folha.
Só posso especular sobre os motivos que levaram ao surgimento desse novo jornalismo, à brasileira: decadência relativa dos jornais como formadores de opinião; denuncismo manchetista, como forma de enfrentar a competição com o infotainment; briga por um público mobilizado por outras formas e meios de entretenimento e informação (TV a cabo, DVDs, internet, celulares); demissão dos jornalistas mais experientes das redações e a centralização do poder nos aquários dos chefes; estridência de quem luta para evitar ou mascarar sua própria irrelevância; compromisso ideológico dos donos da mídia com o projeto político e econômico do PSDB/DEM.
Mas o que mais me preocupa é um fenômeno paralelo a esse, que diz respeito exclusivamente ao campo da informação, já que qualquer um é livre para dizer as besteiras que quiser nas colunas de opinião: uma certa "flexibilização" das regras do que deve ou não ser publicado, uma tentativa de legitimar novos critérios que afastam ainda mais o jornalismo da verdade factual.
Um exemplo disso foi o texto publicado na revista Veja, de autoria do repórter Márcio Aith, na famosa denúncia das contas (falsas, soubemos depois) de autoridades do governo Lula no Exterior. Na ocasião, Aith escreveu:
Por todos os meios legais, VEJA tentou confirmar a veracidade do material. Submetido a uma perícia contratada pela revista, o material apresentou inúmeras inconsistências, mas nenhuma suficientemente forte para eliminar completamente a possibilidade de os papéis conterem dados verídicos.
Leia aqui o texto que escrevi a respeito
Aqui, o texto completo publicado na revista
Antes, um repórter se esforçava para provar o conteúdo de um documento, antes de publicá-lo. Caso contrário, a reportagem ia para a gaveta ou o lixo.
Agora, pelo critério enunciado por Aith, você publica se não conseguir provar que aquele conteúdo é falso. Não parece, mas isso representa uma enormidade, já que abre as portas para publicar qualquer coisa.
É como se, no Direito, o ônus da prova fosse transferido para o acusado. Preso, teria de desprovar as acusações que o levaram à cadeia.
Isso abre espaço para, por exemplo, na véspera de uma eleição importante, você publicar qualquer denúncia, de qualquer origem, desde que não tenha conseguido desprovar a autenticidade de um documento. Falsificadores, mãos à obra: seu trabalho pode sair na capa de um jornal ou numa revista de circulação nacional. Quem sabe no Jornal Nacional.
Sim, porque mais adiante, depois dos episódios relativos ao chamado "caos aéreo", o diretor de jornalismo da TV Globo, Ali Kamel, chegou a enunciar uma teoria geral desse jornalismo frouxo, no famoso "testando hipóteses".
Em artigo publicado no jornal O Globo, em defesa da cobertura que os jornais fizeram do acidente da TAM, Kamel argumentou:
Na cobertura da tragédia da TAM, a grande imprensa se portou como devia. Não é pitonisa, como não é adivinha, desde o primeiro instante foi, honestamente, testando hipóteses, montando um quebra-cabeça que está longe do fim.
O teste de hipóteses de Kamel é uma espécie de carta branca para a especulação em busca da verdade factual. Como bom mistificador, Kamel inclui um "honestamente" ali na frase: nós, leitores, devemos acreditar piamente na honestidade dos jornais, tanto quanto acreditamos em Deus ou no ataque do Corinthians. É um convite à especulação, desde que precedido pela confissão de que, sim, estamos procurando a verdade factual.
Aith e Kamel, na prática, pregam o afrouxamento dos critérios tradicionais do jornalismo e abrem espaço ainda maior para os assassinatos de caráter, o jornalismo de dossiê e outras práticas que afastam nossa profissão do ideal de serviço público e a tornam ainda mais sujeita a ser usada como ferramenta em disputas políticas e sobretudo econômicas (como o notório comprometimento de setores da mídia com os interesses do banqueiro Daniel Dantas didaticamente expôs).
Mais recentemente, no episódio da publicação de uma ficha policial falsa da ministra Dilma Rousseff, a Folha de S. Paulo parece ter endossado esses novos critérios.
Fez isso, curiosamente, em uma reportagem em que admitia ter errado.
O texto está aqui.
No texto, intitulado Autenticidade de ficha de Dilma não é provada, escreveu o jornal:
O primeiro erro foi afirmar na Primeira Página que a origem da ficha era o "arquivo [do] Dops". Na verdade, o jornal recebeu a imagem por e-mail. O segundo erro foi tratar como autêntica uma ficha cuja autenticidade, pelas informações hoje disponíveis, não pode ser assegurada -- bem como não pode ser descartada.
Nesse caso, a Folha criou uma nova categoria para a notícia. Temos as notícias autênticas. As fraudes. E as notícias que frequentam uma espécie de limbo, que merecem ou não credibilidade, de acordo com o gosto do freguês. A essa categoria de notícias pertence a ficha policial da ministra Dilma, cuja autenticidade "não pode ser assegurada -- bem como não pode ser descartada".
No mesmo texto, a Folha cuidou de suscitar dúvidas no leitor sobre sua própria admissão de erro, no parágrafo final:
Pesquisadores acadêmicos, opositores da ditadura e ex-agentes de segurança, se dividem. Há quem identifique indícios de fraude e quem aponte sinais de autenticidade da ficha. Apenas parte dos acervos dos velhos Dops está nos arquivos públicos. Muitos documentos foram desviados por funcionários e hoje constituem arquivos privados.
Ou seja, a ficha falsa da Dilma que a Folha não encontrou nos arquivos oficiais pode estar por aí, em algum "arquivo privado", talvez o mesmo "arquivo privado" que "produziu" a ficha e a remeteu por e-mail ao jornal.
Nesse conjunto de critérios que relacionei acima cabe a publicação de qualquer coisa: dossiês até que sejam autenticados, dossiês cujo conteúdo a gente não consegue provar, nem desprovar; dossiês que a gente acredite, honestamente, serem verdadeiros. O novo jornalismo nos pede licença para mentir, distorcer, omitir, descontextualizar, exagerar, especular, espalhar boatos, lendas e fantasias.
É a vitória da verossimilhança sobre a verdade factual. Assim é se lhe parece
Jornalismo não é Ciência exata. Jornais erram. Jornalistas erram. Erros admitidos e reparados, tocamos em frente. Às vezes o erro tem consequências gravíssimas, como no caso paradigmático da Escola Base. O famoso "espírito de manada" muitas vezes contribui para que pecados originais de pequena dimensão se agravem. O espírito de manada funciona assim: por decisão superior ou por interesse próprio, um jornalista decide "repercutir" uma notícia que dá como fato, sem fazer a confirmação independente daquela informação. Corre o risco de repercutir o erro. De ampliar o erro. De reproduzir a premissa falsa. Já vivi essa situação, "repercutindo" reportagens da revista "Veja", na TV Globo: é como se você validasse um bilhete premiado sem ter tido a oportunidade de confirmar antes a premiação.
Assim se deram algumas das grandes "crises" que o Brasil enfrentou desde que o governo Lula se instalou no poder, como o "caos aéreo", a "epidemia de febre amarela" e a "gripe suína". Má fé, incapacidade técnica, preguiça, preconceito ideológico e a crença de que a mídia deve ser "de oposição" a qualquer custo, mesmo que ao fazer isso atropele a verdade, levaram a mídia corporativa a exagerar, distorcer ou repercutir acriticamente informações que, mais tarde, se demonstrou serem exageradas ou simplesmente fictícias.
No episódio da febre amarela, por exemplo, o texto-símbolo em minha opinião foi o "Alerta Amarelo", de Eliane Cantanhêde, da Folha de S. Paulo, em que a jornalista incentivou todos os brasileiros a correr para o posto de saúde e tomar a vacina, independentemente das contra-indicações existentes.
Ela escreveu:
Bem, o Orçamento, os impostos e os cortes de gastos estão a mil por hora em Brasília neste pós-CPMF, com ministros do Executivo, todo o Legislativo e o Judiciário em pânico diante da tesoura da área econômica do governo. O fantasma da febre amarela, portanto, paira sobre o país como um alerta num momento crucial, para que a saúde e a educação sejam preservadas antes de tudo o mais. Senão, Lula, o aedes aegypti vem, pica e mata sabe-se lá quantos neste ano --e nos seguintes.
O alerta da colunista foi apenas um texto irresponsável no conjunto da obra do mau jornalismo. A vacinação disparou. Gente que não precisava ou não podia ter tomado a vacina, tomou. Houve pelo menos um caso de morte que poderia ter sido evitada. E a febre amarela? O número de casos foi inferior ao registrado em anos anteriores, quando não houve o mesmo alarde.
No "caos aéreo", um conjunto de acontecimentos distintos e vagamente relacionados foi utilizado para provocar a demissão do ministro da Defesa, Waldir Pires, substituído por Nelson Jobim. Problemas reais de infraestrutura e de mau gerenciamento foram reunidos sob a tarja do "caos aéreo" à greve de controladores de vôo e ao acidente com o avião da TAM em Congonhas. O acidente, uma fatalidade causada por erro humano, foi atribuído ao presidente da República por um colunista da Folha de S. Paulo. Lula foi acusado, na primeira página, pelo homicidio de 200 passageiros.O psicanalista Francisco Daudt escreveu:
Gostaria imensamente de ter minha dor amenizada por uma manchete que estampasse, em letras garrafais, “GOVERNO ASSASSINA MAIS DE 200 PESSOAS”. O assassino não é só aquele que enfia a faca, mas o que, sabendo que o crime vai ocorrer, nada faz para impedi-lo. O que ocorreu não pode ser chamado de acidente, vamos dar o nome certo: crime.
No caso da gripe suína, uma epidemia real foi de tal forma "espetacularizada" que colocou autoridades públicas sob pressão para tomar medidas que, em retrospectiva, sabemos agora terem sido exageradas -- especialmente o adiamento do início das aulas em vários estados brasileiros. Na Folha de S. Paulo, o filósofo Hélio Schwartsman escreveu:
A pandemia de gripe provocada pela nova variante do vírus A H1N1 poderá atingir entre 35 milhões e 67 milhões de brasileiros ao longo das próximas cinco a oito semanas. De 3 milhões a 16 milhões desenvolverão algum tipo de complicação a exigir tratamento médico e entre 205 mil e 4,4 milhões precisarão ser hospitalizados.
A repórter Conceição Lemes desmontou de forma primorosa o texto doidivanas da Folha.
Só posso especular sobre os motivos que levaram ao surgimento desse novo jornalismo, à brasileira: decadência relativa dos jornais como formadores de opinião; denuncismo manchetista, como forma de enfrentar a competição com o infotainment; briga por um público mobilizado por outras formas e meios de entretenimento e informação (TV a cabo, DVDs, internet, celulares); demissão dos jornalistas mais experientes das redações e a centralização do poder nos aquários dos chefes; estridência de quem luta para evitar ou mascarar sua própria irrelevância; compromisso ideológico dos donos da mídia com o projeto político e econômico do PSDB/DEM.
Mas o que mais me preocupa é um fenômeno paralelo a esse, que diz respeito exclusivamente ao campo da informação, já que qualquer um é livre para dizer as besteiras que quiser nas colunas de opinião: uma certa "flexibilização" das regras do que deve ou não ser publicado, uma tentativa de legitimar novos critérios que afastam ainda mais o jornalismo da verdade factual.
Um exemplo disso foi o texto publicado na revista Veja, de autoria do repórter Márcio Aith, na famosa denúncia das contas (falsas, soubemos depois) de autoridades do governo Lula no Exterior. Na ocasião, Aith escreveu:
Por todos os meios legais, VEJA tentou confirmar a veracidade do material. Submetido a uma perícia contratada pela revista, o material apresentou inúmeras inconsistências, mas nenhuma suficientemente forte para eliminar completamente a possibilidade de os papéis conterem dados verídicos.
Leia aqui o texto que escrevi a respeito
Aqui, o texto completo publicado na revista
Antes, um repórter se esforçava para provar o conteúdo de um documento, antes de publicá-lo. Caso contrário, a reportagem ia para a gaveta ou o lixo.
Agora, pelo critério enunciado por Aith, você publica se não conseguir provar que aquele conteúdo é falso. Não parece, mas isso representa uma enormidade, já que abre as portas para publicar qualquer coisa.
É como se, no Direito, o ônus da prova fosse transferido para o acusado. Preso, teria de desprovar as acusações que o levaram à cadeia.
Isso abre espaço para, por exemplo, na véspera de uma eleição importante, você publicar qualquer denúncia, de qualquer origem, desde que não tenha conseguido desprovar a autenticidade de um documento. Falsificadores, mãos à obra: seu trabalho pode sair na capa de um jornal ou numa revista de circulação nacional. Quem sabe no Jornal Nacional.
Sim, porque mais adiante, depois dos episódios relativos ao chamado "caos aéreo", o diretor de jornalismo da TV Globo, Ali Kamel, chegou a enunciar uma teoria geral desse jornalismo frouxo, no famoso "testando hipóteses".
Em artigo publicado no jornal O Globo, em defesa da cobertura que os jornais fizeram do acidente da TAM, Kamel argumentou:
Na cobertura da tragédia da TAM, a grande imprensa se portou como devia. Não é pitonisa, como não é adivinha, desde o primeiro instante foi, honestamente, testando hipóteses, montando um quebra-cabeça que está longe do fim.
O teste de hipóteses de Kamel é uma espécie de carta branca para a especulação em busca da verdade factual. Como bom mistificador, Kamel inclui um "honestamente" ali na frase: nós, leitores, devemos acreditar piamente na honestidade dos jornais, tanto quanto acreditamos em Deus ou no ataque do Corinthians. É um convite à especulação, desde que precedido pela confissão de que, sim, estamos procurando a verdade factual.
Aith e Kamel, na prática, pregam o afrouxamento dos critérios tradicionais do jornalismo e abrem espaço ainda maior para os assassinatos de caráter, o jornalismo de dossiê e outras práticas que afastam nossa profissão do ideal de serviço público e a tornam ainda mais sujeita a ser usada como ferramenta em disputas políticas e sobretudo econômicas (como o notório comprometimento de setores da mídia com os interesses do banqueiro Daniel Dantas didaticamente expôs).
Mais recentemente, no episódio da publicação de uma ficha policial falsa da ministra Dilma Rousseff, a Folha de S. Paulo parece ter endossado esses novos critérios.
Fez isso, curiosamente, em uma reportagem em que admitia ter errado.
O texto está aqui.
No texto, intitulado Autenticidade de ficha de Dilma não é provada, escreveu o jornal:
O primeiro erro foi afirmar na Primeira Página que a origem da ficha era o "arquivo [do] Dops". Na verdade, o jornal recebeu a imagem por e-mail. O segundo erro foi tratar como autêntica uma ficha cuja autenticidade, pelas informações hoje disponíveis, não pode ser assegurada -- bem como não pode ser descartada.
Nesse caso, a Folha criou uma nova categoria para a notícia. Temos as notícias autênticas. As fraudes. E as notícias que frequentam uma espécie de limbo, que merecem ou não credibilidade, de acordo com o gosto do freguês. A essa categoria de notícias pertence a ficha policial da ministra Dilma, cuja autenticidade "não pode ser assegurada -- bem como não pode ser descartada".
No mesmo texto, a Folha cuidou de suscitar dúvidas no leitor sobre sua própria admissão de erro, no parágrafo final:
Pesquisadores acadêmicos, opositores da ditadura e ex-agentes de segurança, se dividem. Há quem identifique indícios de fraude e quem aponte sinais de autenticidade da ficha. Apenas parte dos acervos dos velhos Dops está nos arquivos públicos. Muitos documentos foram desviados por funcionários e hoje constituem arquivos privados.
Ou seja, a ficha falsa da Dilma que a Folha não encontrou nos arquivos oficiais pode estar por aí, em algum "arquivo privado", talvez o mesmo "arquivo privado" que "produziu" a ficha e a remeteu por e-mail ao jornal.
Nesse conjunto de critérios que relacionei acima cabe a publicação de qualquer coisa: dossiês até que sejam autenticados, dossiês cujo conteúdo a gente não consegue provar, nem desprovar; dossiês que a gente acredite, honestamente, serem verdadeiros. O novo jornalismo nos pede licença para mentir, distorcer, omitir, descontextualizar, exagerar, especular, espalhar boatos, lendas e fantasias.
É a vitória da verossimilhança sobre a verdade factual. Assim é se lhe parece
Remédios por juros
Sem alarde e com um grupo reduzido de técnicos, coube a um pequeno e organizado órgão de terceiro escalão do Ministério da Saúde, o Departamento Nacional de Auditorias do Sistema Único de Saúde (Denasus), descobrir um recorrente crime cometido contra a saúde pública no Brasil. Em três dos mais desenvolvidos e ricos estados do País, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, todos governados pelo PSDB, e no Distrito Federal, durante a gestão do DEM, os recursos do SUS têm sido aplicados, ao longo dos últimos quatro anos, no mercado financeiro.
A manobra serviu aparentemente para incrementar programas estaduais de choques de gestão, como manda a cartilha liberal, e políticas de déficit zero, em detrimento do atendimento a uma população estimada em 74,8 milhões de habitantes. O Denasus listou ainda uma série de exemplos de desrespeito à Constituição Federal, a normas do Ministério da Saúde e de utilização ilegal de verbas do SUS em outras áreas de governo. Ao todo, o prejuízo gerado aos sistemas de saúde desses estados passa de 6,5 bilhões de reais, sem falar nas consequências para seus usuários, justamente os brasileiros mais pobres.
As auditorias, realizadas nos 26 estados e no DF, foram iniciadas no fim de março de 2009 e entregues ao ministro da Saúde, José Gomes Temporão, em 10 de janeiro deste ano. Ao todo, cinco equipes do Denasus percorreram o País para cruzar dados contábeis e fiscais com indicadores de saúde. A intenção era saber quanto cada estado recebeu do SUS e, principalmente, o que fez com os recursos federais. Na maioria das unidades visitadas, foi constatado o não cumprimento da Emenda Constitucional nº 29, de 2000, que obriga a aplicação em saúde de 12% da receita líquida de todos os impostos estaduais. Essa legislação ainda precisa ser regulamentada.
Ao analisar as contas, os técnicos ficaram surpresos com o volume de recursos federais do SUS aplicados no mercado financeiro, de forma cumulativa, ou seja, em longos períodos. Legalmente, o gestor dos recursos é, inclusive, estimulado a fazer esse tipo de aplicação, desde que antes dos prazos de utilização da verba, coisa de, no máximo, 90 dias. Em Alagoas, governado pelo também tucano Teotônio Vilela Filho, o Denasus constatou operações semelhantes, mas sem nenhum prejuízo aos usuários do SUS. Nos casos mais graves, foram detectadas, porém, transferências antigas de recursos manipulados, irregularmente, em contas únicas ligadas a secretarias da Fazenda. Pela legislação em vigor, cada área do SUS deve ter uma conta específica, fiscalizada pelos Conselhos Estaduais de Saúde, sob gestão da Secretaria da Saúde do estado.
O primeiro caso a ser descoberto foi o do Distrito Federal, em março de 2009, graças a uma análise preliminar nas contas do setor de farmácia básica, foco original das auditorias. No DF, havia acúmulo de recursos repassados pelo Ministério da Saúde desde 2006, ainda nas gestões dos governadores Joaquim Roriz, então do PMDB, e Maria de Lourdes Abadia, do PSDB. No governo do DEM, em vez de investir o dinheiro do SUS no sistema de atendimento, o ex-secretário da Saúde local Augusto Carvalho aplicou tudo em Certificados de Depósitos Bancários (CDBs). Em março do ano passado, essa aplicação somava 238,4 milhões de reais. Parte desse dinheiro, segundo investiga o Ministério Público Federal, pode ter sido usada no megaesquema de corrupção que resultou no afastamento e na prisão do governador José Roberto Arruda.
Essa constatação deixou em alerta o Ministério da Saúde. As demais equipes do Denasus, até então orientadas a analisar somente as contas dos anos 2006 e 2007, passaram a vasculhar os repasses federais do SUS feitos até 2009. Nem sempre com sucesso. De acordo com os relatórios, em alguns estados como São Paulo e Minas os dados de aplicação de recursos do SUS entre 2008 e 2009 não foram disponibilizados aos auditores, embora se tenha constatado o uso do expediente nos dois primeiros anos auditados (2006-2007). Na auditoria feita nas contas mineiras, o Denasus detectou, em valores de dezembro de 2007, mais de 130 milhões de reais do SUS em aplicações financeiras.
O Rio Grande do Sul foi o último estado a ser auditado, após um adiamento de dois meses solicitado pelo secretário da Saúde da governadora tucana Yeda Crusius, Osmar Terra, do PMDB, mesmo partido do ministro Temporão. Terra alegou dificuldades para enviar os dados porque o estado enfrentava a epidemia de gripe suína. Em agosto, quando a equipe do Denasus finalmente desembarcou em Porto Alegre, o secretário negou-se, de acordo com os auditores, a fornecer as informações. Não permitiu sequer o protocolo na Secretaria da Saúde do ofício de apresentação da equipe. A direção do órgão precisou recorrer ao Ministério Público Federal para descobrir que o governo estadual havia retido 164,7 milhões de recursos do SUS em aplicações financeiras até junho de 2009.
O dinheiro, represado nas contas do governo estadual, serviu para incrementar o programa de déficit zero da governadora, praticamente único argumento usado por ela para se contrapor à série de escândalos de corrupção que tem enfrentado nos últimos dois anos. No início de fevereiro, o Conselho Estadual de Saúde gaúcho decidiu acionar o Ministério Público Federal, o Tribunal de Contas do Estado e a Assembleia Legislativa para apurar o destino tomado pelo dinheiro do SUS desde 2006.
Ainda segundo o relatório, em 2007 o governo do Rio Grande do Sul, estado afetado atualmente por um surto de dengue, destinou apenas 0,29% dos recursos para a vigilância sanitária. Na outra ponta, incrivelmente, a vigilância epidemiológica recebeu, ao longo do mesmo ano, exatos 400 reais do Tesouro estadual. No caso da assistência farmacêutica, a situação ainda é pior: o setor não recebeu um único centavo entre 2006 e 2007, conforme apuraram os auditores do Denasus.
Com exceção do DF, onde a maioria das aplicações com dinheiro do SUS foi feita com recursos de assistência farmacêutica, a maior parte dos recursos retidos em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul diz respeito às áreas de vigilância epidemiológica e sanitária, aí incluído o programa de combate à Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Mas também há dinheiro do SUS no mercado financeiro desses três estados que deveria ter sido utilizado em programas de gestão de saúde e capacitação de profissionais do setor.
Informado sobre o teor das auditorias do Denasus, em 15 de fevereiro, o presidente do Conselho Nacional de Saúde, Francisco Batista Júnior, colocou o assunto em pauta, em Brasília, na terça-feira 23. Antes, pediu à Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, à qual o Denasus é subordinado, para repassar o teor das auditorias, em arquivo eletrônico, para todos os 48 conselheiros nacionais. Júnior quer que o Ministério da Saúde puna os gestores que investiram dinheiro do SUS no mercado financeiro de forma irregular. "Tem muita coisa errada mesmo."
No caso de São Paulo, a descoberta dos auditores desmonta um discurso muito caro ao governador José Serra, virtual candidato do PSDB à Presidência da República, que costuma vender a imagem de ter sido o mais pródigo dos ministros da Saúde do País, cargo ocupado por ele entre 1998 e 2000, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Segundo dados da auditoria do Denasus, dos 77,8 milhões de reais do SUS aplicados no mercado financeiro paulista, 39,1 milhões deveriam ter sido destinados a programas de assistência farmacêutica, 12,2 milhões a programas de gestão, 15,7 milhões à vigilância epidemiológica e 7,7 milhões ao combate a DST/Aids, entre outros programas.
Ainda em São Paulo, o Denasus constatou que os recursos federais do SUS, tanto os repassados pelo governo federal como os que tratam da Emenda nº 29, são movimentados na Conta Única do Estado, controlada pela Secretaria da Fazenda. Os valores são transferidos imediatamente para a conta, depois de depositados pelo ministério e pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS), por meio de Transferência Eletrônica de Dados (TED). "O problema da saúde pública (em São Paulo) não é falta de recursos financeiros, e, sim, de bons gerentes", registraram os auditores.
Pelos cálculos do Ministério da Saúde, o governo paulista deixou de aplicar na saúde, apenas nos dois exercícios analisados, um total de 2,1 bilhões de reais. Destes, 1 bilhão, em 2006, e 1,1 bilhão, em 2007. Apesar de tudo, Alckmin e Serra tiveram as contas aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado. O mesmo fenômeno repetiu-se nas demais unidades onde se constatou o uso de dinheiro do SUS no mercado financeiro. No mesmo período, Minas Gerais deixou de aplicar 2,2 bilhões de reais, segundo o Denasus. No Rio Grande do Sul, o prejuízo foi estimado em 2 bilhões de reais.
CartaCapital solicitou esclarecimentos às secretarias da Saúde do Distrito Federal, de São Paulo, de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul. Em Brasília, em meio a uma epidemia de dengue com mais de 1,5 mil casos confirmados no fim de fevereiro, o secretário da Saúde do DF, Joaquim Carlos Barros Neto, decidiu botar a mão no caixa. Oriundo dos quadros técnicos da secretaria, ele foi indicado em dezembro de 2009, ainda por Arruda, para assumir um cargo que ninguém mais queria na capital federal. Há 15 dias, criou uma comissão técnica para, segundo ele, garantir a destinação correta do dinheiro do SUS para as áreas originalmente definidas. "Vamos gastar esse dinheiro todo e da forma correta", afirma Barros Neto. "Não sei por que esses recursos foram colocados no mercado financeiro."
O secretário da Saúde do Rio Grande do Sul, Osmar Terra, afirma jamais ter negado atendimento ou acesso à documentação solicitada pelo Denasus. Segundo Terra, foram os técnicos do Ministério da Saúde que se recusaram a esperar o fim do combate à gripe suína no estado e se apressaram na auditoria. Mesmo assim, garante, a equipe de auditores foi recebida na Secretaria Estadual da Saúde. De acordo com ele, o valor aplicado no mercado financeiro encontrado pelos auditores, em 2009, é um "retrato do momento" e nada tem a ver com o fluxo de caixa da secretaria. Terra acusa o diretor do Denasus, Luís Bolzan, de ser militante político do PT e, por isso, usar as auditorias para fazer oposição ao governo. "Neste ano de eleição, vai ser daí para baixo", avalia.
Em nota enviada à redação, a Secretaria da Saúde de Minas Gerais afirma estar regularmente em dia com os instrumentos de planejamento do SUS. De acordo com o texto, todos os recursos investidos no setor são acompanhados e fiscalizados por controle social. A aplicação de recursos do SUS no mercado financeiro, diz a nota, é um expediente "de ordem legal e do necessário bom gerenciamento do recurso público". Lembra que os recursos de portarias e convênios federais têm a obrigatoriedade legal da aplicação no mercado financeiro dos recursos momentaneamente disponíveis.
Também por meio de uma nota, a Secretaria da Saúde de São Paulo refuta todas as afirmações constantes do relatório do Denasus. Segundo o texto, ao contrário do que dizem os auditores, o Conselho Estadual da Saúde fiscaliza e acompanha a execução orçamentária e financeira da saúde no estado por meio da Comissão de Orçamento e Finanças. Também afirma ser a secretaria a gestora dos recursos da Saúde. Quanto ao investimento dos recursos financeiros, a secretaria alega cumprir a lei, além das recomendações do Tribunal de Contas do Estado. "As aplicações são referentes a recursos não utilizados de imediato e que ficariam parados em conta corrente bancária." A secretaria também garante ter dado acesso ao Denasus a todos os documentos disponíveis no momento da auditoria.
Fonte: Vi o Mundo
Crise abalou a ideologia do FMI, diz Paulo Nogueira Batista Jr.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) está mudando. Depois de publicar um estudo que ataca um de seus principais dogmas, as metas de inflação muito baixas, agora é a vez de economistas da instituição darem uma guinada em antiga posição do Fundo: um novo estudo sugere que os países recorram a controles de fluxos de capital para frear a vasta movimentação de recursos e evitar o surgimento de bolhas financeiras no futuro.
Um FMI heterodoxo, crítico de recomendações tidas antes como modelares? “Não iria tão longe, mas há uma mudança de paradigmas em curso”, afirma ao iG, de Washington, o economista Paulo Nogueira Batista Jr., diretor-executivo no FMI para o Brasil e mais oito países da nossa região.
Segundo o diretor, vários fatores explicam a mudança de rota na visão do Fundo, mas a crise financeira internacional dos últimos dois anos foi o seu principal motor. “Por ter seu epicentro nos países desenvolvidos, essa crise abalou profundamente as certezas existentes sobre um certo receituário”, diz Nogueira Batista.
Crítico desse receituário, o professor licenciado da Fundação Getulio Vargas de São Paulo aproveita para ironizar o impacto das mudanças entre analistas brasileiros: “Isso facilita a aceitação de medidas que o Brasil tomou e possa vir a tomar. Afinal, em muitos meios influentes no País, tudo o que é feito e dito em inglês logo assume ares de sabedoria”.
iG: O FMI acaba de publicar dois trabalhos que sugerem mudanças significativas nas análises e recomendações da instituição. Embora haja uma observação expressa nos dois estudos, a de que eles não necessariamente representam a opinião da direção da instituição, é possível dizer que o Fundo está mudando?
Paulo Nogueira Batista Jr.: A ressalva de que o trabalho não representa a visão da instituição é mais ou menos padrão. Mas convém lembrar que os dois documentos foram publicados e amplamente divulgados pelo próprio Fundo. Foram feitos por economistas da casa, entre os quais o economista-chefe Olivier Blanchard. Por isso têm um caráter significativo de mudança. Não é como se fosse apenas um estudo do Blanchard, há um peso da instituição aí.
_____________
iG: Mudança para um FMI heterodoxo?
Paulo Nogueira: Eu não iria tão longe. Mas diria que há uma certa mudança de paradigmas. Parece existir agora uma disposição de rever e até mesmo abandonar algumas ortodoxias antigas e arraigadas, que vinham sendo criticadas pelo Brasil e por outros países em desenvolvimento.
iG: As mudanças decorrem das críticas ou da crise?
Paulo Nogueira: São vários fatores. Primeiro é preciso reconhecer a atuação do próprio Dominique Strauss-Kahn (desde 2007 o diretor-geral do FMI), que tem trabalhado para mover a instituição de uma maneira mais eclética. Outro fator é a atuação dos países em desenvolvimento, como o Brasil, não só para as críticas que fizeram ao Fundo como para as políticas que adotaram de forma bem-sucedida. Mas, sem dúvida nenhuma, o mais importante para essa mudança nas análises e recomendações foi a crise financeira dos últimos dois anos.
Por ter seu epicentro nos países desenvolvidos, essa crise abalou profundamente as certezas existentes sobre um certo receituário. Abalou as estruturas ideológicas e hegemônicas não só no Fundo, como nos governos, na imprensa e nos meios acadêmicos. Digamos, todo o mainstream economics foi abalado. Obviamente isso afetou o FMI, que era parte desse esquema mais amplo. Daí o aggiornamento que o Fundo está fazendo.
iG: Mas, em geral, o mundo rico e organismos internacionais como o FMI sempre pregaram para os países em desenvolvimento algo diferente do que as nações desenvolvidas fizeram. Pelo menos é o que dizem analistas como Ha-Joon Chang num livro que se tornou célebre, o “Kicking Away the Ladder” (na edição brasileira, Chutando a escada). Com a crise tendo o epicentro no mundo desenvolvido, essa mudança não significa apenas que o foco das recomendações mudou?
Paulo Nogueira: É verdade que o estudo do Olivier Blanchard (Repensando a política macroeconômica) diz respeito mais aos países desenvolvidos. Não que tenha comentários relevantes para os países em desenvolvimento. Mas o sentido importante da mudança é que esses estudos estão fazendo críticas às políticas do centro, que eram consideradas modelares para os países em desenvolvimento. Criticam, por exemplo, políticas financeiras que foram um fracasso retumbante nos Estados Unidos e na Europa. Eram consideradas o melhor caminho a serem seguidas pelos outros. A sorte é que nunca embarcamos inteiramente nessas ideias. Embarcamos em parte, em alguns períodos mais do que outros.
iG: Por exemplo?
Paulo Nogueira: Em determinados momentos o Brasil aderiu mais às ideias que hoje o Fundo começa a criticar: no governo Collor, na maior parte do governo Fernando Henrique, no primeiro mandato do presidente Lula.
iG: Qual o momento da mudança de direção no governo Lula?
Paulo Nogueira: Foi com a saída do ministro Antonio Palocci do Ministério da Fazenda, a entrada do ministro Guido Mantega, o lançamento do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e uma certa flexibilização da política do Banco Central no segundo mandato, que ocorreu apesar de não ter havido mudança completa na direção do banco. Aliás, o Banco Central nunca abandonou totalmente os instrumentos regulatórios.
Nossa regulação de supervisão do sistema financeiro, no geral, foi melhor que nos países desenvolvidos, o que nos ajudou no enfrentamento da crise internacional. Mas também é possível dizer que nosso sistema financeiro não teve tempo de embarcar em todas as maluquices que americanos e europeus estavam fazendo (risos). Talvez se tivessem tido mais tempo seguiríamos as maluquices também.
iG: Como diretor-executivo do FMI, o senhor participa das discussões internas sobre essas análises e recomendações. Internamente há mesmo um ambiente de mudança?
Paulo Nogueira: Essas ideias que estão presentes nos dois estudos publicados agora foram debatidas constantemente na diretoria nos últimos dois anos. Foram temas recorrentes, mesmo antes da chegada do Olivier Blanchard.
iG: Há divisões internas?
Paulo Nogueira: Não há uma divisão mecânica simples, mas de maneira geral os mais apegados ao receituário que agora está sendo revisto eram os países desenvolvidos. Mas, como se vê, eles estão perdendo o debate.
iG: Uma mudança maior no FMI diz respeito à alteração no sistema de distribuição de poder decisório. No fim do ano passado, Brasil, China, Índia e Rússia obtiveram o direito de veto sobre as principais decisões do NAB (sigla, em inglês, para New Arrangements to Borrow, ou Novos Acordos de Empréstimos, destinado a suplementar as cotas de financiamento do Fundo). Mas esse debate ainda está indefinido. Caminhará de fato para um fortalecimento da participação dos países em desenvolvimento nas decisões da instituição?
Paulo Nogueira: O primeiro passo para isso foi dado na reforma de 2008, que desconcentrou o poder decisório e aumentou o peso dos países em desenvolvimento. Outras reformas importantes também já ocorreram, em relação a empréstimos e condicionalidades. Essas mudanças foram feitas em grande parte por iniciativa e influência do Brasil. A reforma de 2008 ainda precisa de ratificação parlamentar. A ratificação já passou na Câmara, mas ainda não no Senado. Esse é um passo inicial. Mas a reforma mais importante é agora.
iG: A reforma das cotas do FMI?
Paulo Nogueira: Essa reforma do peso dos votos de cada país ou grupos de países é, sem dúvida, a mais importante e mais difícil. Os acordos no âmbito do G-20 definiram o prazo de janeiro de 2011 para a conclusão da reforma. Nosso objetivo é que ela seja significativa e provoque um realinhamento das cotas do Fundo. A grande disputa é entre os países emergentes, em especial Brasil, China e Índia, contra europeus, que quase sempre estão sobrerepresentados, com algumas exceções. Para você ter uma ideia, a União Europeia tem mais de 1/3 dos votos, mas o seu peso no Produto Interno Bruto mundial é um pouco mais de 20%. A Europa tem de reduzir seu peso, encolher para abrir espaço aos países emergentes. EUA e Japão têm peso mais ou menos semelhante ao peso deles no PIB mundial.
iG: Americanos e japoneses apoiam a redistribuição de poder de voto no FMI?
Paulo Nogueira: Apoiam. Até porque não têm muito medo de perder poder. O medo é entre os europeus.
iG: Os dois estudos tratam de temas-tabus, o questionamento de metas de inflação muito baixas e o controle no fluxo de capitais. Como o senhor analisa a relação do Brasil com esses dois temas?
Paulo Nogueira: O Brasil tem certa experiência de controle de capital. Fez nos anos 70, nos anos 90 e agora, durante a crise, fez de novo. A nossa experiência não é ruim. Desde o fim do governo Sarney (1985-1990), a onda predominante foi de liberalização da conta de capitais. Isso vingou nos governos Collor, Fernando Henrique e primeiro mandato de Lula. Isso começou a mudar no segundo mandato de Lula. Aí o Brasil começou a ter uma preocupação maior com os controles de capital. No caso da inflação, em 2007, quando cheguei aqui, o FMI recomendava que o Brasil reduzisse a meta de inflação e estreitasse o intervalo de confiança.
O Ministério da Fazenda não aceitou a sugestão (a meta de inflação permanece até hoje no nível em que estava na época: 4,5%, com intervalo de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, em torno do centro da meta. A maioria dos principais países tem meta de 2% como alvo da política monetária). O Brasil também foi criticado por alguns diretores que diziam que o Banco Central estava comprando muitos dólares nas suas intervenções no mercado de câmbio e que o acúmulo de reservas internacionais era exagerado, tinha custos fiscais muito altos. A crise mostrou que não estavam certos.
Um FMI heterodoxo, crítico de recomendações tidas antes como modelares? “Não iria tão longe, mas há uma mudança de paradigmas em curso”, afirma ao iG, de Washington, o economista Paulo Nogueira Batista Jr., diretor-executivo no FMI para o Brasil e mais oito países da nossa região.
Segundo o diretor, vários fatores explicam a mudança de rota na visão do Fundo, mas a crise financeira internacional dos últimos dois anos foi o seu principal motor. “Por ter seu epicentro nos países desenvolvidos, essa crise abalou profundamente as certezas existentes sobre um certo receituário”, diz Nogueira Batista.
Crítico desse receituário, o professor licenciado da Fundação Getulio Vargas de São Paulo aproveita para ironizar o impacto das mudanças entre analistas brasileiros: “Isso facilita a aceitação de medidas que o Brasil tomou e possa vir a tomar. Afinal, em muitos meios influentes no País, tudo o que é feito e dito em inglês logo assume ares de sabedoria”.
iG: O FMI acaba de publicar dois trabalhos que sugerem mudanças significativas nas análises e recomendações da instituição. Embora haja uma observação expressa nos dois estudos, a de que eles não necessariamente representam a opinião da direção da instituição, é possível dizer que o Fundo está mudando?
Paulo Nogueira Batista Jr.: A ressalva de que o trabalho não representa a visão da instituição é mais ou menos padrão. Mas convém lembrar que os dois documentos foram publicados e amplamente divulgados pelo próprio Fundo. Foram feitos por economistas da casa, entre os quais o economista-chefe Olivier Blanchard. Por isso têm um caráter significativo de mudança. Não é como se fosse apenas um estudo do Blanchard, há um peso da instituição aí.
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iG: Mudança para um FMI heterodoxo?
Paulo Nogueira: Eu não iria tão longe. Mas diria que há uma certa mudança de paradigmas. Parece existir agora uma disposição de rever e até mesmo abandonar algumas ortodoxias antigas e arraigadas, que vinham sendo criticadas pelo Brasil e por outros países em desenvolvimento.
iG: As mudanças decorrem das críticas ou da crise?
Paulo Nogueira: São vários fatores. Primeiro é preciso reconhecer a atuação do próprio Dominique Strauss-Kahn (desde 2007 o diretor-geral do FMI), que tem trabalhado para mover a instituição de uma maneira mais eclética. Outro fator é a atuação dos países em desenvolvimento, como o Brasil, não só para as críticas que fizeram ao Fundo como para as políticas que adotaram de forma bem-sucedida. Mas, sem dúvida nenhuma, o mais importante para essa mudança nas análises e recomendações foi a crise financeira dos últimos dois anos.
Por ter seu epicentro nos países desenvolvidos, essa crise abalou profundamente as certezas existentes sobre um certo receituário. Abalou as estruturas ideológicas e hegemônicas não só no Fundo, como nos governos, na imprensa e nos meios acadêmicos. Digamos, todo o mainstream economics foi abalado. Obviamente isso afetou o FMI, que era parte desse esquema mais amplo. Daí o aggiornamento que o Fundo está fazendo.
iG: Mas, em geral, o mundo rico e organismos internacionais como o FMI sempre pregaram para os países em desenvolvimento algo diferente do que as nações desenvolvidas fizeram. Pelo menos é o que dizem analistas como Ha-Joon Chang num livro que se tornou célebre, o “Kicking Away the Ladder” (na edição brasileira, Chutando a escada). Com a crise tendo o epicentro no mundo desenvolvido, essa mudança não significa apenas que o foco das recomendações mudou?
Paulo Nogueira: É verdade que o estudo do Olivier Blanchard (Repensando a política macroeconômica) diz respeito mais aos países desenvolvidos. Não que tenha comentários relevantes para os países em desenvolvimento. Mas o sentido importante da mudança é que esses estudos estão fazendo críticas às políticas do centro, que eram consideradas modelares para os países em desenvolvimento. Criticam, por exemplo, políticas financeiras que foram um fracasso retumbante nos Estados Unidos e na Europa. Eram consideradas o melhor caminho a serem seguidas pelos outros. A sorte é que nunca embarcamos inteiramente nessas ideias. Embarcamos em parte, em alguns períodos mais do que outros.
iG: Por exemplo?
Paulo Nogueira: Em determinados momentos o Brasil aderiu mais às ideias que hoje o Fundo começa a criticar: no governo Collor, na maior parte do governo Fernando Henrique, no primeiro mandato do presidente Lula.
iG: Qual o momento da mudança de direção no governo Lula?
Paulo Nogueira: Foi com a saída do ministro Antonio Palocci do Ministério da Fazenda, a entrada do ministro Guido Mantega, o lançamento do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e uma certa flexibilização da política do Banco Central no segundo mandato, que ocorreu apesar de não ter havido mudança completa na direção do banco. Aliás, o Banco Central nunca abandonou totalmente os instrumentos regulatórios.
Nossa regulação de supervisão do sistema financeiro, no geral, foi melhor que nos países desenvolvidos, o que nos ajudou no enfrentamento da crise internacional. Mas também é possível dizer que nosso sistema financeiro não teve tempo de embarcar em todas as maluquices que americanos e europeus estavam fazendo (risos). Talvez se tivessem tido mais tempo seguiríamos as maluquices também.
iG: Como diretor-executivo do FMI, o senhor participa das discussões internas sobre essas análises e recomendações. Internamente há mesmo um ambiente de mudança?
Paulo Nogueira: Essas ideias que estão presentes nos dois estudos publicados agora foram debatidas constantemente na diretoria nos últimos dois anos. Foram temas recorrentes, mesmo antes da chegada do Olivier Blanchard.
iG: Há divisões internas?
Paulo Nogueira: Não há uma divisão mecânica simples, mas de maneira geral os mais apegados ao receituário que agora está sendo revisto eram os países desenvolvidos. Mas, como se vê, eles estão perdendo o debate.
iG: Uma mudança maior no FMI diz respeito à alteração no sistema de distribuição de poder decisório. No fim do ano passado, Brasil, China, Índia e Rússia obtiveram o direito de veto sobre as principais decisões do NAB (sigla, em inglês, para New Arrangements to Borrow, ou Novos Acordos de Empréstimos, destinado a suplementar as cotas de financiamento do Fundo). Mas esse debate ainda está indefinido. Caminhará de fato para um fortalecimento da participação dos países em desenvolvimento nas decisões da instituição?
Paulo Nogueira: O primeiro passo para isso foi dado na reforma de 2008, que desconcentrou o poder decisório e aumentou o peso dos países em desenvolvimento. Outras reformas importantes também já ocorreram, em relação a empréstimos e condicionalidades. Essas mudanças foram feitas em grande parte por iniciativa e influência do Brasil. A reforma de 2008 ainda precisa de ratificação parlamentar. A ratificação já passou na Câmara, mas ainda não no Senado. Esse é um passo inicial. Mas a reforma mais importante é agora.
iG: A reforma das cotas do FMI?
Paulo Nogueira: Essa reforma do peso dos votos de cada país ou grupos de países é, sem dúvida, a mais importante e mais difícil. Os acordos no âmbito do G-20 definiram o prazo de janeiro de 2011 para a conclusão da reforma. Nosso objetivo é que ela seja significativa e provoque um realinhamento das cotas do Fundo. A grande disputa é entre os países emergentes, em especial Brasil, China e Índia, contra europeus, que quase sempre estão sobrerepresentados, com algumas exceções. Para você ter uma ideia, a União Europeia tem mais de 1/3 dos votos, mas o seu peso no Produto Interno Bruto mundial é um pouco mais de 20%. A Europa tem de reduzir seu peso, encolher para abrir espaço aos países emergentes. EUA e Japão têm peso mais ou menos semelhante ao peso deles no PIB mundial.
iG: Americanos e japoneses apoiam a redistribuição de poder de voto no FMI?
Paulo Nogueira: Apoiam. Até porque não têm muito medo de perder poder. O medo é entre os europeus.
iG: Os dois estudos tratam de temas-tabus, o questionamento de metas de inflação muito baixas e o controle no fluxo de capitais. Como o senhor analisa a relação do Brasil com esses dois temas?
Paulo Nogueira: O Brasil tem certa experiência de controle de capital. Fez nos anos 70, nos anos 90 e agora, durante a crise, fez de novo. A nossa experiência não é ruim. Desde o fim do governo Sarney (1985-1990), a onda predominante foi de liberalização da conta de capitais. Isso vingou nos governos Collor, Fernando Henrique e primeiro mandato de Lula. Isso começou a mudar no segundo mandato de Lula. Aí o Brasil começou a ter uma preocupação maior com os controles de capital. No caso da inflação, em 2007, quando cheguei aqui, o FMI recomendava que o Brasil reduzisse a meta de inflação e estreitasse o intervalo de confiança.
O Ministério da Fazenda não aceitou a sugestão (a meta de inflação permanece até hoje no nível em que estava na época: 4,5%, com intervalo de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, em torno do centro da meta. A maioria dos principais países tem meta de 2% como alvo da política monetária). O Brasil também foi criticado por alguns diretores que diziam que o Banco Central estava comprando muitos dólares nas suas intervenções no mercado de câmbio e que o acúmulo de reservas internacionais era exagerado, tinha custos fiscais muito altos. A crise mostrou que não estavam certos.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC DÁ RESPOSTA AO ESTADÃO
A reitoria da Universidade, por meio da Assessoria de Comunicação e Imprensa, solicitou ao jornal “O Estado de São Paulo” a publicação de uma resposta ao editorial publicado no referido periódico em 24 de fevereiro. Confira e íntegra do texto encaminhado.
Universidade Federal do ABC – um projeto que já é realidade
No dia 5 de julho de 2006, ano de eleições presidenciais, o Estado de São Paulo publicou uma reportagem de título “Universidade do ABC fica no papel”. Nela, os leitores do jornal eram informados de que as aulas teriam início “em um prédio improvisado, pois o terreno cedido pela prefeitura de Santo André para virar campus ainda funciona como garagem municipal.”
Poucas semanas depois, no dia 14 de setembro do mesmo ano, o jornal publicou o editorial “Demagogia no ensino superior” em que, na mesma tecla, os leitores eram informados de que “a improvisação é tanta que a UFABC vem funcionando provisoriamente num prédio alugado.”
Dois dias depois o jornal publicava a carta resposta do Reitor Hermano Tavares, a qual registrava que “Iniciar as atividades acadêmicas de uma instituição nova em instalações provisórias é simplesmente a melhor prática. Foi o que fizeram ITA e Unicamp, para citar apenas dois exemplos. Absurdo seria começar construindo o prédio.”
Agora, em 2010, sintomaticamente mais um ano de eleições presidenciais, O Estado de São Paulo volta à carga contra a UFABC em editorial de 24 de fevereiro intitulado “As inaugurações de projetos”.
Nele, sempre com a mesma obsessão centrada nos prédios, os leitores são informados de que “as obras em Santo André estão atrasadas, tendo sido inaugurado, até agora, um único prédio”. Adiante, o mesmo editorial informa que a pedra fundamental do campus de São Bernardo do Campo foi lançada em agosto do ano passado, mas que “até hoje, a obra não passou disso.”. Informa ainda que “a taxa média de evasão foi de 42%” e cita uma frase do Reitor Helio Waldman “Há uma certa lentidão crônica, cuja origem não saberia reconhecer”, frase que o editorial associa ao problema da evasão e qualifica de “afirmação exemplar, pois mostra o saldo das inaugurações de projetos que continuam sendo projetos”.
Com relação a cada um dos aspectos acima, cumpre registrar:
O “único prédio” a que se refere o editorial é uma torre de 11 andares que tem 14 mil metros de área construída. Com quase 90% das obras concluídas, o próximo bloco a ser entregue agregará ao campus mais 40 mil metros de área construída.
A afirmação de que a obra de São Bernardo do Campo nunca passou do lançamento da pedra fundamental é simplesmente falsa. As licitações de terraplenagem do terreno e da construção do “primeiro prédio” foram concluídas no 2º semestre de 2009, dentro do previsto, e as duas obras já foram iniciadas, como pode ser constatado por uma simples visita ao local.
A informação de que “a taxa média de evasão foi de 42%” parte de uma conta precária, para dizer o mínimo, como explica a carta do Reitor Helio Waldman publicada na mesma edição de 24 de fevereiro do referido jornal e ignorada pelo editorial.
Finalmente, a frase citada do Reitor é colocada completamente fora de contexto, já que ela foi pronunciada em referência às obras de Santo André. Não há nela, portanto, qualquer indício de concordância com a opinião de que a UFABC seja um “projeto que continua projeto”.
E ilustramos, com brevidade:
Fosse apenas “um projeto que continua projeto”, a UFABC não poderia registrar que com menos de três anos e meio de atividades ela já conta com mais de 400 docentes em regime de dedicação exclusiva, todos eles doutores – fato inédito no ensino superior público federal – que compõem um conjunto de jovens talentos com reconhecimento crescente no meio científico nacional a partir de conquistas como esta: em 2009, a UFABC foi a 3ª demandante de novos projetos de pesquisa junto à FAPESP, atrás apenas da USP e da Unicamp e à frente de todas as outras instituições públicas e privadas do Estado de São Paulo.
Fosse apenas “um projeto que continua projeto”, a UFABC não teria os 10 cursos de pós-graduação stricto sensu recomendados pela CAPES, sendo seis em nível de mestrado e quatro de doutorado, todos eles em pleno funcionamento, com cerca de 300 alunos regularmente matriculados e com 30 dissertações de mestrado já defendidas com sucesso.
Fosse ainda “um projeto que continua projeto” a UFABC não poderia registrar que conta com mais de 2.600 alunos de graduação que, até quatro anos atrás, não tinham onde fazer um curso público, gratuito e de qualidade. Ou que a eles se juntarão, nas próximas semanas, mais 1.700 jovens que conquistaram uma vaga em um processo seletivo de âmbito nacional, no qual o Bacharelado em Ciência e Tecnologia da UFABC, com quase 20 mil candidatos apenas na primeira etapa das inscrições, figurou em primeiro lugar na lista de procura dos estudantes que participaram do Sistema de Seleção Unificada do MEC.
A UFABC conta com um projeto pedagógico que é, de fato, ousado, pioneiro e inovador. Sua implantação vem sendo atentamente observada por educadores do Brasil todo, os quais acreditam que ele possa dar contribuição significativa ao ensino superior nacional. Tratá-lo com desdém e ironia, sem entrar no seu mérito, é miopia, como foi a posição adotada pelos que, nos anos 1950, não queriam a criação do ITA com base no famoso bordão “um país que não sabe fabricar bicicletas não pode se arvorar a ambição de fabricar aviões”. Ou mesmo dos que, nos anos 1930, faziam restrições à criação da USP e sua Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, uma ousada inovação para o ambiente acanhado da época. Hoje, um ano de faturamento da Embraer corresponde a vários séculos de orçamento do ITA, e a USP figura entre as 200 melhores Universidades do mundo.
Os riscos em empreendimentos desse porte são consideráveis. Admitimos nossos problemas. Reconhecemos que algumas obras atrasaram, mas estamos lutando para concluí-las, em parceria e com o apoio do MEC. Cada nova turma de alunos da UFABC encontrou melhores instalações físicas do que a turma que a precedeu, tendência que será mantida neste e nos próximos anos. A evasão, também em parte decorrente do medo do novo, é um problema grande a ser combatido. Há que se registrar, todavia, que os indicadores apontam para sua queda.
A UFABC é uma instituição de ensino superior que pratica os melhores valores acadêmicos. Nesse contexto, estaremos sempre abertos ao diálogo e à crítica, inclusive a destrutiva, histérica, míope ou de mau gosto. Mas não podemos permanecer calados diante da crítica vilipendiosa.
Em 2006, o Estadão afirmou que a UFABC não sairia do papel, o que não era verdade. Em 2010, ele diz que a UFABC não passa de um projeto, o que não é verdade. Qual será a nossa maldição de 2014?
Helio Waldman
Reitor da Universidade Federal do ABC
Assessoria de Comunicação e Imprensa
26/2/2010
Universidade Federal do ABC – um projeto que já é realidade
No dia 5 de julho de 2006, ano de eleições presidenciais, o Estado de São Paulo publicou uma reportagem de título “Universidade do ABC fica no papel”. Nela, os leitores do jornal eram informados de que as aulas teriam início “em um prédio improvisado, pois o terreno cedido pela prefeitura de Santo André para virar campus ainda funciona como garagem municipal.”
Poucas semanas depois, no dia 14 de setembro do mesmo ano, o jornal publicou o editorial “Demagogia no ensino superior” em que, na mesma tecla, os leitores eram informados de que “a improvisação é tanta que a UFABC vem funcionando provisoriamente num prédio alugado.”
Dois dias depois o jornal publicava a carta resposta do Reitor Hermano Tavares, a qual registrava que “Iniciar as atividades acadêmicas de uma instituição nova em instalações provisórias é simplesmente a melhor prática. Foi o que fizeram ITA e Unicamp, para citar apenas dois exemplos. Absurdo seria começar construindo o prédio.”
Agora, em 2010, sintomaticamente mais um ano de eleições presidenciais, O Estado de São Paulo volta à carga contra a UFABC em editorial de 24 de fevereiro intitulado “As inaugurações de projetos”.
Nele, sempre com a mesma obsessão centrada nos prédios, os leitores são informados de que “as obras em Santo André estão atrasadas, tendo sido inaugurado, até agora, um único prédio”. Adiante, o mesmo editorial informa que a pedra fundamental do campus de São Bernardo do Campo foi lançada em agosto do ano passado, mas que “até hoje, a obra não passou disso.”. Informa ainda que “a taxa média de evasão foi de 42%” e cita uma frase do Reitor Helio Waldman “Há uma certa lentidão crônica, cuja origem não saberia reconhecer”, frase que o editorial associa ao problema da evasão e qualifica de “afirmação exemplar, pois mostra o saldo das inaugurações de projetos que continuam sendo projetos”.
Com relação a cada um dos aspectos acima, cumpre registrar:
O “único prédio” a que se refere o editorial é uma torre de 11 andares que tem 14 mil metros de área construída. Com quase 90% das obras concluídas, o próximo bloco a ser entregue agregará ao campus mais 40 mil metros de área construída.
A afirmação de que a obra de São Bernardo do Campo nunca passou do lançamento da pedra fundamental é simplesmente falsa. As licitações de terraplenagem do terreno e da construção do “primeiro prédio” foram concluídas no 2º semestre de 2009, dentro do previsto, e as duas obras já foram iniciadas, como pode ser constatado por uma simples visita ao local.
A informação de que “a taxa média de evasão foi de 42%” parte de uma conta precária, para dizer o mínimo, como explica a carta do Reitor Helio Waldman publicada na mesma edição de 24 de fevereiro do referido jornal e ignorada pelo editorial.
Finalmente, a frase citada do Reitor é colocada completamente fora de contexto, já que ela foi pronunciada em referência às obras de Santo André. Não há nela, portanto, qualquer indício de concordância com a opinião de que a UFABC seja um “projeto que continua projeto”.
E ilustramos, com brevidade:
Fosse apenas “um projeto que continua projeto”, a UFABC não poderia registrar que com menos de três anos e meio de atividades ela já conta com mais de 400 docentes em regime de dedicação exclusiva, todos eles doutores – fato inédito no ensino superior público federal – que compõem um conjunto de jovens talentos com reconhecimento crescente no meio científico nacional a partir de conquistas como esta: em 2009, a UFABC foi a 3ª demandante de novos projetos de pesquisa junto à FAPESP, atrás apenas da USP e da Unicamp e à frente de todas as outras instituições públicas e privadas do Estado de São Paulo.
Fosse apenas “um projeto que continua projeto”, a UFABC não teria os 10 cursos de pós-graduação stricto sensu recomendados pela CAPES, sendo seis em nível de mestrado e quatro de doutorado, todos eles em pleno funcionamento, com cerca de 300 alunos regularmente matriculados e com 30 dissertações de mestrado já defendidas com sucesso.
Fosse ainda “um projeto que continua projeto” a UFABC não poderia registrar que conta com mais de 2.600 alunos de graduação que, até quatro anos atrás, não tinham onde fazer um curso público, gratuito e de qualidade. Ou que a eles se juntarão, nas próximas semanas, mais 1.700 jovens que conquistaram uma vaga em um processo seletivo de âmbito nacional, no qual o Bacharelado em Ciência e Tecnologia da UFABC, com quase 20 mil candidatos apenas na primeira etapa das inscrições, figurou em primeiro lugar na lista de procura dos estudantes que participaram do Sistema de Seleção Unificada do MEC.
A UFABC conta com um projeto pedagógico que é, de fato, ousado, pioneiro e inovador. Sua implantação vem sendo atentamente observada por educadores do Brasil todo, os quais acreditam que ele possa dar contribuição significativa ao ensino superior nacional. Tratá-lo com desdém e ironia, sem entrar no seu mérito, é miopia, como foi a posição adotada pelos que, nos anos 1950, não queriam a criação do ITA com base no famoso bordão “um país que não sabe fabricar bicicletas não pode se arvorar a ambição de fabricar aviões”. Ou mesmo dos que, nos anos 1930, faziam restrições à criação da USP e sua Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, uma ousada inovação para o ambiente acanhado da época. Hoje, um ano de faturamento da Embraer corresponde a vários séculos de orçamento do ITA, e a USP figura entre as 200 melhores Universidades do mundo.
Os riscos em empreendimentos desse porte são consideráveis. Admitimos nossos problemas. Reconhecemos que algumas obras atrasaram, mas estamos lutando para concluí-las, em parceria e com o apoio do MEC. Cada nova turma de alunos da UFABC encontrou melhores instalações físicas do que a turma que a precedeu, tendência que será mantida neste e nos próximos anos. A evasão, também em parte decorrente do medo do novo, é um problema grande a ser combatido. Há que se registrar, todavia, que os indicadores apontam para sua queda.
A UFABC é uma instituição de ensino superior que pratica os melhores valores acadêmicos. Nesse contexto, estaremos sempre abertos ao diálogo e à crítica, inclusive a destrutiva, histérica, míope ou de mau gosto. Mas não podemos permanecer calados diante da crítica vilipendiosa.
Em 2006, o Estadão afirmou que a UFABC não sairia do papel, o que não era verdade. Em 2010, ele diz que a UFABC não passa de um projeto, o que não é verdade. Qual será a nossa maldição de 2014?
Helio Waldman
Reitor da Universidade Federal do ABC
Assessoria de Comunicação e Imprensa
26/2/2010
Brasil tem tarifa mais cara de celular, diz UIT
GENEBRA – O consumidor brasileiro continua a pagar a fatura mais cara do mundo pelo uso do telefone celular, de acordo com o índice de Paridade de Poder de Compra (PPP), apesar de estar gastando menos de sua renda com esse serviço. É o que mostra a União Internacional de Telecomunicações (UIT) numa comparação entre 159 países.
O preço da tarifa do celular no Brasil caiu 25%, da banda larga 52% e da telefonia fixa 63%, levando em conta a renda per capita, que aumentou. Mas o relatório da UIT mostra que esses custos continuam elevados e representam ” sério obstáculo ” ao acesso e desenvolvimento das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) no país. A utilização de TIC aumenta no mundo, enquanto os preços caem. A demanda é mais forte nos países em desenvolvimento, onde as operadoras devem continuar investindo.
Segundo a entidade, o custo de uso de banda larga caiu 42% no mundo, comparado a 25% para celular e 20% para tele fonia fixa. A UIT calcula que 57% das pessoas nos países em desenvolvimento tenham agora acesso a celular, comparado a 23% há cinco anos. Os usuários de celular chegarão a 5 bilhões no fim do ano, segundo a entidade. Nos países desenvolvidos, a penetração é de mais de 100%.
Sem surpresa, a população dos países ricos gasta menos de sua renda, em percentual, para ter acesso a tecnologia, do que os consumidores dos países em desenvolvimento. O índice coloca a Suécia como o país mais desenvolvido em termos de acesso, uso e conhecimento de TIC, seguido por Luxemburgo, Coreia do Sul, Dinamarca e Holanda. Os Estados Unidos ficam na 19ª posição, atrás da França. O Brasil continua em 60º lugar no Índice de Desenvolvimento de TIC. A classificação é a mesma do ano passado.
O brasileiro continua a pagar mais na comparação internacional, apesar de desde o ano passado destinar menos de sua renda para os serviços de telecomunicações. Um preço-chave, para a UIT, é o uso de internet veloz, que continua a ser um luxo reservado a poucos. No Brasil, o preço do pacote de banda larga leva em conta o custo da assinatura e ficaria em média em US$ 34 em paridade de poder de compra (PPC), comparado a US$ 7 em Israel e US$ 20 nos EUA. A PPC corresponde a taxa de câmbio entre duas moedas, calculada conforme a quantidade de cada moeda que é necessária para comprar um determinado produto e serviço idêntico no país.
No caso do telefone celular, o Brasil fica em 121º lugar entre os 159 países no custo dos serviços. Mas levando em conta a paridade de poder de compra, fica em último. O custo por um pacote de 25 chamadas e 30 torpedos é estimado em US$ 42 por mês, comparado a US$ 1 em Hong Kong, US$ 9,8 na Suíça e US$ 14,6 no México. A taxa de penetração de celular no Brasil está próxima da taxa de oito anos atrás na Suécia, por exemplo. Para a UIT, isso está claramente ligado aos custos do s serviços no país, apesar da redução na tarifa em 2009. O estudo revela diferenças enormes nos preços entre países. No caso da telefonia fixa, o pacote básico no Brasil custa US$ 13,4 pela assinatura, enquanto no Irã seria de apenas US$ 0,20. A média é de US$ 9 nos países em desenvolvimento.
(Assis Moreira | Valor)
O preço da tarifa do celular no Brasil caiu 25%, da banda larga 52% e da telefonia fixa 63%, levando em conta a renda per capita, que aumentou. Mas o relatório da UIT mostra que esses custos continuam elevados e representam ” sério obstáculo ” ao acesso e desenvolvimento das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) no país. A utilização de TIC aumenta no mundo, enquanto os preços caem. A demanda é mais forte nos países em desenvolvimento, onde as operadoras devem continuar investindo.
Segundo a entidade, o custo de uso de banda larga caiu 42% no mundo, comparado a 25% para celular e 20% para tele fonia fixa. A UIT calcula que 57% das pessoas nos países em desenvolvimento tenham agora acesso a celular, comparado a 23% há cinco anos. Os usuários de celular chegarão a 5 bilhões no fim do ano, segundo a entidade. Nos países desenvolvidos, a penetração é de mais de 100%.
Sem surpresa, a população dos países ricos gasta menos de sua renda, em percentual, para ter acesso a tecnologia, do que os consumidores dos países em desenvolvimento. O índice coloca a Suécia como o país mais desenvolvido em termos de acesso, uso e conhecimento de TIC, seguido por Luxemburgo, Coreia do Sul, Dinamarca e Holanda. Os Estados Unidos ficam na 19ª posição, atrás da França. O Brasil continua em 60º lugar no Índice de Desenvolvimento de TIC. A classificação é a mesma do ano passado.
O brasileiro continua a pagar mais na comparação internacional, apesar de desde o ano passado destinar menos de sua renda para os serviços de telecomunicações. Um preço-chave, para a UIT, é o uso de internet veloz, que continua a ser um luxo reservado a poucos. No Brasil, o preço do pacote de banda larga leva em conta o custo da assinatura e ficaria em média em US$ 34 em paridade de poder de compra (PPC), comparado a US$ 7 em Israel e US$ 20 nos EUA. A PPC corresponde a taxa de câmbio entre duas moedas, calculada conforme a quantidade de cada moeda que é necessária para comprar um determinado produto e serviço idêntico no país.
No caso do telefone celular, o Brasil fica em 121º lugar entre os 159 países no custo dos serviços. Mas levando em conta a paridade de poder de compra, fica em último. O custo por um pacote de 25 chamadas e 30 torpedos é estimado em US$ 42 por mês, comparado a US$ 1 em Hong Kong, US$ 9,8 na Suíça e US$ 14,6 no México. A taxa de penetração de celular no Brasil está próxima da taxa de oito anos atrás na Suécia, por exemplo. Para a UIT, isso está claramente ligado aos custos do s serviços no país, apesar da redução na tarifa em 2009. O estudo revela diferenças enormes nos preços entre países. No caso da telefonia fixa, o pacote básico no Brasil custa US$ 13,4 pela assinatura, enquanto no Irã seria de apenas US$ 0,20. A média é de US$ 9 nos países em desenvolvimento.
(Assis Moreira | Valor)
quarta-feira, fevereiro 24, 2010
Forrest Hylton: As relações ocultas entre EUA e Colômbia
sincronia entre os programas dos EUA e do governo colombiano é, com frequência, surpreendente, em especial quando se trata de contrainteligência.
Por Forrest Hylton*, em Anncol
O dia seguinte à pose do presidente colombiano Álvaro Uribe, que assumiu o cargo em 7 de agosto de 2002, junto com um Congresso em que o bloco narco-paramilitar de direita controlava cerca de um terço das cadeiras, estabeleceu amplas redes de denunciantes nas cidades e no campo – redes que levaram a um recorde nos níveis de deslocamentos forçados de supostos simpatizantes da guerrilha.
Durante o mesmo verão, apesar de todos os esforços de Joe Lieberman, a Operação TIPS (Sistemas de informação e prevenção do terrorismo) - criado para fazer que os cidadãos norte-americanos informassem uns dos outros – fracassou no Senado dos EUA, uma vez que se soube que o programa proporcionaria ao FBI mais informantes per capita do que a Stasi (serviço secreto) da antiga Alemanha Oriental.
Agora, quase oito anos depois, os governos de ambos os países estão aumentando as apostas. Em 27 de janeiro, Uribe, buscando um terceiro mandato apesar das objeções de Washington, anunciou sua meta de colocar mil espiões nas salas de aula das universidades: "Necessitamos que os cidadãos se comprometam a informar à Força Pública, e que jovens maiores de idade possam nos ajudar nesta tarefa de informação e de participação em redes de informação, pois isso nos ajuda tremendamente". Uribe ofereceu pagar 50 dólares por mês aos universitários para informarem sobre quaisquer idéias ou comportamentos suspeitos para a polícia e as forças armadas colombianas.
A polícia e as forças armadas são, certamente, instituições cujos crimes têm sido numerosos e variados durante o regime de Uribe, como se evidencia no escândalo dos "falsos positivos" em 2008, onde veio à tona que, desde 2002, o exército colombiano tem dado incentivos e recompensas a oficiais e soldados pelo desaparecimento e assassinato de até 1.700 jovens desempregados em todo o país para apresentá-los como se fossem guerrilheiros.
Em janeiro, 46 oficiais e soldados acusados de tais crimes foram libertados graças a um tecnicismo e confinados em uma base ao sul de Bogotá, onde permanecerão à espera do processo. O Exército deu-lhes uma festa de boas-vindas que incluiu oficinas terapêuticas e aromaterapia, massagens e tratamentos de beleza para suas esposas, e palhaços para as crianças. É o mesmo Exército que recebeu a maior parte dos sete bilhões de dólares do governo dos EUA gastos por meio do Plano Colômbia e seus sucessores, nos governos dos presidentes Clinton, Bush e Obama.
Como o antropólogo e historiador David Price relata em Counter Punch, o empenho de Uribe para recrutar informantes entre os estudantes universitários é semelhante ao que acontece nos EUA, onde Washington serviu como um projeto piloto. Com operações em 22 campus estabelecidas desde 2006, os chamados Centros Comunitários de Inteligência de Excelência Acadêmica representam o maior esforço de recrutamento em universidades dos EUA desde o início da Guerra Fria. O recrutamento atual, porém, é aberto e de conhecimento público, embora não seja motivo de manifestações públicas, já que o corpo docente tem, até agora, mantido silêncio sobre o assunto.
Em Medellín, a reação pública de professores, do sindicato dos professores, estudantes e grupos de jovens foi imediata e concertada o suficiente para fazer que Uribe revertesse a medida em 24 horas.
Quando seu secretário de imprensa mencionou o assunto no Quartel de Polícia, em 28 de janeiro, não mencionou os estudantes em particular, mas sim os cidadãos em geral: "A cooperação no combate ao crime é dever de todos os cidadãos. Nós não podemos ficar indiferentes diante do assassinato”.
É a mesma retórica que Uribe tem usado desde a sua primeira campanha, em 2002, derivada da contrainsurgência da Guerra Fria: o público se vê como uma extensão das FARC, do crime organizado, ou as forças armadas colombianas.
Destacados políticos, intelectuais e meios de informação rapidamente se manifestaram contra a medida, apontando o óbvio, ou seja, que os informantes universitários corriam o risco de sofrer represálias, assim como suas famílias. O destino dos informantes na Colômbia é, freqüentemente, atroz, e ao envolver os estudantes universitários na compilação de dados de inteligência, a política proposta por Uribe poderia ajudar a estourar e trazer a guerra, que atualmente está no alto das colinas próximas de Medellín, para o centro da cidade, onde se encontram as universidades.
O colunista Alfredo Molano acha que Uribe vai tentar estender o programa-piloto a todo o país, especialmente se "ganhar" um terceiro mandato em maio, mas se o fizer, provavelmente enfrentará mais resistência de estudantes e professores, especialmente nas universidades públicas. No entanto, Uribe pode aproveitar a situação como uma oportunidade para introduzir mais medidas neoliberais, de contrainsurgência, no Ensino Superior. Certamente é muito cedo para dizer até onde levará o programa-piloto ou o que se fará se surgir mais resistência, mas o ministro da Defesa, Gabriel Silva, disse à BBC que a medida "não tem volta".
Nos EUA, como o relatório de Price deixa claro, a Trinity Washington University foi um alvo fácil porque a escola é pobre e depende das matriculas; estima-se que o novo clima de austeridade no Ensino Superior dos EUA deixará muitas universidades vulneráveis, particularmente as estatais.
Em Medellín, a situação é muito pior do que nos EUA porque mais de 65% dos habitantes são pobres e muitos estudantes de universidades públicas provêm de classes menos privilegiadas, o que significa que a necessidade direta é muito mais intensa em Medellín do que nos EUA.
A iniciativa de Uribe tem como objetivo ajudar a polícia e o exército a combater o crime organizado e as gangues juvenis na cidade natal do presidente, onde já aconteceram, somente em janeiro, mais de 180 homicídios, e que após vários anos de relativa paz, caminha rumo a recuperar seu lugar como a capital mundial do homicídio e do crime juvenil.
Oficialmente, em 2009, houve mais de 1.800 homicídios (embora a BBC fale de 2.178), mais do dobro do que em 2008. Cerca de 60% dos mortos tinham menos de 30 anos. O prefeito Alonso Salazar estabeleceu escritórios móveis em alguns dos bairros mais perigosos nos morros, como Santo Domingo Nº1 e Manrique, mas sua equipe de segurança foi acusada de cometer abusos contra jovens do bairro, e aqueles que ousaram falar do crime são ameaçados, deslocados e, ou assassinados por bandidos locais.
Entre janeiro e outubro de 2009, mais de 2.000 pessoas foram deslocadas à força em Medellín, e juntamente com o homicídio e deslocamento forçado, aumentaram todas as formas de crime organizado, depois da extradição aos EUA, em 2008, de Diego Fernando Murillo, vulgo Don Berna.
Já que Uribe vê as universidades, pelo menos as públicas, como antros de criminalidade, anarquia, desordem e subversão terrorista, é lógico que tente recrutar informantes para fortalecer o Estado repressor e a presença paraestatal nelas. Como de costume, o ex-ministro da Defesa e atual candidato à presidência, Juan Manuel Santos, disse que: "A política dos informantes tem sido muito bem sucedida. O fato de envolver jovens universitários onde existe muita delinquência me parece que pode ajudar a acalmar e a melhorar a situação da ordem pública que vive uma cidade como Medellín”.
Ironicamente, a prisão Bela Vista seria o lugar óbvio para recrutar informantes já que o crime organizado do lado de fora é em grande parte coordenado do seu interior. Mas as prisões continuarão a ser os centros nervosos para crimes juvenis, enquanto as universidades (públicas) podem ser criminalizadas, militarizadas e sofrer mais cortes de orçamento.
Embora as semelhanças entre a Colômbia e os EUA sejam alarmantes, podem existir tanto conexões como paralelos. Segundo o relatório anual apresentado ao Congresso colombiano pelo ministro da Defesa daquela época, Santos, em 2008, Washington e Bogotá coordenaram estreitamente os seus esforços de inteligência.
Santos disse que "entre 16 e 27 de abril de 2007 foi realizado, pela equipe de assessores da Embaixada dos Estados Unidos, um seminário sobre o manejo dos informantes, evento que foi assistido por 2 Oficiais, 6 Suboficiais e 2 civis, pessoal pertencente ao Chefatura da Inteligência Naval, permitindo com esse tipo de atividade o treinamento permanente do pessoal de inteligência, atualizando, fortalecendo e complementando as táticas empregadas contra a ameaça interna".
De fato, a Colômbia é apresentada como um modelo de como uma contrainsurgência bem sucedida que poderia ser aplicada no Afeganistão e no Iraque e, em março de 2009, o almirante Jim Stavridis, do Comando Sul dos EUA, participou de uma conferência de dois dias em Bogotá, para estudar as lições da Colômbia que poderiam ser aplicados em outros lugares.
Junto com os expoentes da contrainsurgência como David Kilcullen – ex-chefe dos assessores dos generais David Petraeus e Stanley McChrystal – Santos foi um dos oradores oficiais na conferência.
Refletindo sobre os progressos realizados desde a implementação do Plano Colômbia, Stavridis escreveu: "Neste ano, Bogotá está entre os destinos turísticos ‘que devem ser visitados’ do New York Times e navios de cruzeiro invadem o maravilhoso porto caribenho de Cartagena. A Colômbia chegou muito longe em matéria de controle de uma insurgência profundamente arraigada e que está a apenas duas horas de vôo de Miami – e podemos aprender muito com o seu sucesso”.
Só podemos esperar que, no futuro, os estudantes universitários espiões não se transformem em parte da receita para o "êxito na contrainsurgência global".
* Forrest Hylton leciona história e política na Universidad de los Andes (Bogotá) e é autor de “Evil Hour in Colombia” (Verso, 2006).
Por Forrest Hylton*, em Anncol
O dia seguinte à pose do presidente colombiano Álvaro Uribe, que assumiu o cargo em 7 de agosto de 2002, junto com um Congresso em que o bloco narco-paramilitar de direita controlava cerca de um terço das cadeiras, estabeleceu amplas redes de denunciantes nas cidades e no campo – redes que levaram a um recorde nos níveis de deslocamentos forçados de supostos simpatizantes da guerrilha.
Durante o mesmo verão, apesar de todos os esforços de Joe Lieberman, a Operação TIPS (Sistemas de informação e prevenção do terrorismo) - criado para fazer que os cidadãos norte-americanos informassem uns dos outros – fracassou no Senado dos EUA, uma vez que se soube que o programa proporcionaria ao FBI mais informantes per capita do que a Stasi (serviço secreto) da antiga Alemanha Oriental.
Agora, quase oito anos depois, os governos de ambos os países estão aumentando as apostas. Em 27 de janeiro, Uribe, buscando um terceiro mandato apesar das objeções de Washington, anunciou sua meta de colocar mil espiões nas salas de aula das universidades: "Necessitamos que os cidadãos se comprometam a informar à Força Pública, e que jovens maiores de idade possam nos ajudar nesta tarefa de informação e de participação em redes de informação, pois isso nos ajuda tremendamente". Uribe ofereceu pagar 50 dólares por mês aos universitários para informarem sobre quaisquer idéias ou comportamentos suspeitos para a polícia e as forças armadas colombianas.
A polícia e as forças armadas são, certamente, instituições cujos crimes têm sido numerosos e variados durante o regime de Uribe, como se evidencia no escândalo dos "falsos positivos" em 2008, onde veio à tona que, desde 2002, o exército colombiano tem dado incentivos e recompensas a oficiais e soldados pelo desaparecimento e assassinato de até 1.700 jovens desempregados em todo o país para apresentá-los como se fossem guerrilheiros.
Em janeiro, 46 oficiais e soldados acusados de tais crimes foram libertados graças a um tecnicismo e confinados em uma base ao sul de Bogotá, onde permanecerão à espera do processo. O Exército deu-lhes uma festa de boas-vindas que incluiu oficinas terapêuticas e aromaterapia, massagens e tratamentos de beleza para suas esposas, e palhaços para as crianças. É o mesmo Exército que recebeu a maior parte dos sete bilhões de dólares do governo dos EUA gastos por meio do Plano Colômbia e seus sucessores, nos governos dos presidentes Clinton, Bush e Obama.
Como o antropólogo e historiador David Price relata em Counter Punch, o empenho de Uribe para recrutar informantes entre os estudantes universitários é semelhante ao que acontece nos EUA, onde Washington serviu como um projeto piloto. Com operações em 22 campus estabelecidas desde 2006, os chamados Centros Comunitários de Inteligência de Excelência Acadêmica representam o maior esforço de recrutamento em universidades dos EUA desde o início da Guerra Fria. O recrutamento atual, porém, é aberto e de conhecimento público, embora não seja motivo de manifestações públicas, já que o corpo docente tem, até agora, mantido silêncio sobre o assunto.
Em Medellín, a reação pública de professores, do sindicato dos professores, estudantes e grupos de jovens foi imediata e concertada o suficiente para fazer que Uribe revertesse a medida em 24 horas.
Quando seu secretário de imprensa mencionou o assunto no Quartel de Polícia, em 28 de janeiro, não mencionou os estudantes em particular, mas sim os cidadãos em geral: "A cooperação no combate ao crime é dever de todos os cidadãos. Nós não podemos ficar indiferentes diante do assassinato”.
É a mesma retórica que Uribe tem usado desde a sua primeira campanha, em 2002, derivada da contrainsurgência da Guerra Fria: o público se vê como uma extensão das FARC, do crime organizado, ou as forças armadas colombianas.
Destacados políticos, intelectuais e meios de informação rapidamente se manifestaram contra a medida, apontando o óbvio, ou seja, que os informantes universitários corriam o risco de sofrer represálias, assim como suas famílias. O destino dos informantes na Colômbia é, freqüentemente, atroz, e ao envolver os estudantes universitários na compilação de dados de inteligência, a política proposta por Uribe poderia ajudar a estourar e trazer a guerra, que atualmente está no alto das colinas próximas de Medellín, para o centro da cidade, onde se encontram as universidades.
O colunista Alfredo Molano acha que Uribe vai tentar estender o programa-piloto a todo o país, especialmente se "ganhar" um terceiro mandato em maio, mas se o fizer, provavelmente enfrentará mais resistência de estudantes e professores, especialmente nas universidades públicas. No entanto, Uribe pode aproveitar a situação como uma oportunidade para introduzir mais medidas neoliberais, de contrainsurgência, no Ensino Superior. Certamente é muito cedo para dizer até onde levará o programa-piloto ou o que se fará se surgir mais resistência, mas o ministro da Defesa, Gabriel Silva, disse à BBC que a medida "não tem volta".
Nos EUA, como o relatório de Price deixa claro, a Trinity Washington University foi um alvo fácil porque a escola é pobre e depende das matriculas; estima-se que o novo clima de austeridade no Ensino Superior dos EUA deixará muitas universidades vulneráveis, particularmente as estatais.
Em Medellín, a situação é muito pior do que nos EUA porque mais de 65% dos habitantes são pobres e muitos estudantes de universidades públicas provêm de classes menos privilegiadas, o que significa que a necessidade direta é muito mais intensa em Medellín do que nos EUA.
A iniciativa de Uribe tem como objetivo ajudar a polícia e o exército a combater o crime organizado e as gangues juvenis na cidade natal do presidente, onde já aconteceram, somente em janeiro, mais de 180 homicídios, e que após vários anos de relativa paz, caminha rumo a recuperar seu lugar como a capital mundial do homicídio e do crime juvenil.
Oficialmente, em 2009, houve mais de 1.800 homicídios (embora a BBC fale de 2.178), mais do dobro do que em 2008. Cerca de 60% dos mortos tinham menos de 30 anos. O prefeito Alonso Salazar estabeleceu escritórios móveis em alguns dos bairros mais perigosos nos morros, como Santo Domingo Nº1 e Manrique, mas sua equipe de segurança foi acusada de cometer abusos contra jovens do bairro, e aqueles que ousaram falar do crime são ameaçados, deslocados e, ou assassinados por bandidos locais.
Entre janeiro e outubro de 2009, mais de 2.000 pessoas foram deslocadas à força em Medellín, e juntamente com o homicídio e deslocamento forçado, aumentaram todas as formas de crime organizado, depois da extradição aos EUA, em 2008, de Diego Fernando Murillo, vulgo Don Berna.
Já que Uribe vê as universidades, pelo menos as públicas, como antros de criminalidade, anarquia, desordem e subversão terrorista, é lógico que tente recrutar informantes para fortalecer o Estado repressor e a presença paraestatal nelas. Como de costume, o ex-ministro da Defesa e atual candidato à presidência, Juan Manuel Santos, disse que: "A política dos informantes tem sido muito bem sucedida. O fato de envolver jovens universitários onde existe muita delinquência me parece que pode ajudar a acalmar e a melhorar a situação da ordem pública que vive uma cidade como Medellín”.
Ironicamente, a prisão Bela Vista seria o lugar óbvio para recrutar informantes já que o crime organizado do lado de fora é em grande parte coordenado do seu interior. Mas as prisões continuarão a ser os centros nervosos para crimes juvenis, enquanto as universidades (públicas) podem ser criminalizadas, militarizadas e sofrer mais cortes de orçamento.
Embora as semelhanças entre a Colômbia e os EUA sejam alarmantes, podem existir tanto conexões como paralelos. Segundo o relatório anual apresentado ao Congresso colombiano pelo ministro da Defesa daquela época, Santos, em 2008, Washington e Bogotá coordenaram estreitamente os seus esforços de inteligência.
Santos disse que "entre 16 e 27 de abril de 2007 foi realizado, pela equipe de assessores da Embaixada dos Estados Unidos, um seminário sobre o manejo dos informantes, evento que foi assistido por 2 Oficiais, 6 Suboficiais e 2 civis, pessoal pertencente ao Chefatura da Inteligência Naval, permitindo com esse tipo de atividade o treinamento permanente do pessoal de inteligência, atualizando, fortalecendo e complementando as táticas empregadas contra a ameaça interna".
De fato, a Colômbia é apresentada como um modelo de como uma contrainsurgência bem sucedida que poderia ser aplicada no Afeganistão e no Iraque e, em março de 2009, o almirante Jim Stavridis, do Comando Sul dos EUA, participou de uma conferência de dois dias em Bogotá, para estudar as lições da Colômbia que poderiam ser aplicados em outros lugares.
Junto com os expoentes da contrainsurgência como David Kilcullen – ex-chefe dos assessores dos generais David Petraeus e Stanley McChrystal – Santos foi um dos oradores oficiais na conferência.
Refletindo sobre os progressos realizados desde a implementação do Plano Colômbia, Stavridis escreveu: "Neste ano, Bogotá está entre os destinos turísticos ‘que devem ser visitados’ do New York Times e navios de cruzeiro invadem o maravilhoso porto caribenho de Cartagena. A Colômbia chegou muito longe em matéria de controle de uma insurgência profundamente arraigada e que está a apenas duas horas de vôo de Miami – e podemos aprender muito com o seu sucesso”.
Só podemos esperar que, no futuro, os estudantes universitários espiões não se transformem em parte da receita para o "êxito na contrainsurgência global".
* Forrest Hylton leciona história e política na Universidad de los Andes (Bogotá) e é autor de “Evil Hour in Colombia” (Verso, 2006).
terça-feira, fevereiro 23, 2010
Especialista: TSE inviabiliza investigação de fraude em urna
Marcela Rocha
Para a advogada Maria Cortiz, falta de transparência e o custo da urnas eletrônicas brasileiras são dignos de maior atenção. Contudo, alerta, o Tribunal Superior Eleitoral "inviabiliza" investigação sobre fraudes e "ridiculariza" quem levanta essas questões. Em entrevista a Terra Magazine, a especialista em auditoria de processo eleitoral aponta essas e mais uma série de falhas no sistema que adota o voto eletrônico desde 1996.
- As urnas não são invioláveis - pontua Cortiz.
A advogada presta consultoria para o PDT e PT, mais recentemente. Por conta disso, conta ter visto e denunciado uma série de fraudes envolvendo as urnas eletrônicas brasileiras. Na entrevista abaixo ela detalha casos em que elas foram violadas e, segundo a advogada, nada foi feito. Segundo ela, pelo contrário, "os pedidos foram indeferidos". "Estão parados".
Para fundamentar suas críticas, Maria Cortiz destaca desfechos de processos como o descrito abaixo:
- Como o TSE não tinha como contestar aquelas provas, a única forma de auditá-las era subindo o preço. No TSE, então, estipularam quem faria a perícia e o preço seria este (R$ 2 milhões). Ou seja, inviável.
"A pessoa que questionou o Tribunal declarou não ter esse dinheiro todo", relata. O órgão, por sua vez, "deu a sentença, encerrou o processo e condenou o impetrante por litigância de má fé" (utilizar procedimentos jurídicos desonestos para vencer ou prolongar o andamento processual, causando dano à parte contrária).
Leia abaixo a íntegra da entrevista:
Terra Magazine - Quais críticas a senhora nutre em relação ao processo eleitoral brasileiro?
Maria Cortiz - A minha maior crítica é em relação ao custo do processo, que foi realizado unilateralmente pela Justiça Eleitoral. Para que um partido consiga fazer uma fiscalização eficiente, ele teria que gastar muito. São oito etapas e, na primeira, que seria uma análise dos códigos fontes de todos os programas das urnas - à disposição dos partidos por seis meses-, ficaria em torno de R$ 300 mil e seriam necessárias 15 pessoas para realizá-la em Brasília. Quem tentou fazer não conseguiu.
Por quê?
Porque é muito caro e os partidos não dispõem desse valor para fazer isso. Além disso, ao final das oito etapas, ainda não é possível ter certeza que a fonte analisada é a mesma que rodou na urna durante o processo eleitoral. Essa forma de verificação é muito cara, então, ela se torna proibitiva.
A senhora mencionou o custo...
A minha segunda crítica ao processo é em relação à dificuldade que enfrentamos de obter- da Justiça Eleitoral - os documentos que são gerados pelos arquivos das urnas no final das votações. É uma dificuldade enorme. Na hora em que o juiz está à frente do processo, ele não é um juiz, ele é um administrador. Então, ele deveria entregar a documentação e não julgar o pedido. Eles indeferem diversos pedidos e é preciso recorrer.
Para os leigos, falta o quê? Participação da sociedade, dos partidos...
Olha, os partidos até que tentaram. O PT e o PDT sempre vão.
Já houve fraudes denunciadas?
Sim e foram indeferidas. Foram julgadas pelo Tribunal e indeferidas. O caso mais patológico foi o de Alagoas, que até hoje não se fez uma apuração decente, eficaz. E eu tenho também uma representação em Marília (SP), que deixou evidente a emissão de dois boletins de urna. Um totalizado às 6 horas da manhã no dia da eleição. Nem tinham começado a votar e já tinha um boletim com os resultados. Eu reclamei, mudaram a data e colocaram 18 horas. Isso está na representação 751 no TSE, aguardando julgamento desde 2005.
Esse processo, então, está parado. E o de Alagoas?
Fizemos um relatório preliminar. Tínhamos um prazo curto, mas, ainda assim, descobrimos problemas sérios. 22% das urnas estavam dando problemas nos arquivos. O boletim de urna era válido, foi para a totalização. Mas ela tinha coisas incoerentes como: após emitido o comprovante de que a urna estava vazia, sem nenhum voto, começaram as votações; até aí, tudo ok. Ao longo dos votos, o software passou a mudar de cidade, de número de urna e trabalhou o dia todo assim. Tinha um comando dentro dessa máquina dizendo para trabalhar de determinada forma e, no momento da totalização, programou-a para voltar ao normal. Por que esses boletins foram aceitos na totalização? Pois estavam com a característica da urna oficial, contudo, durante o dia, essa urna trabalhou com características de não oficial.
Mas, e aí?
O Tribunal pediu R$ 2 milhões ao candidato que estava impetrando as urnas. E assim, pararam o processo. Fizemos um relatório preliminar. Eles, então, contrataram um perito da Unicamp para fazer um segundo relatório, que saiu muito pior, no sentido de que denunciou muito mais. Entraram com processo e tudo mais, com advogado que, inclusive era ex-ministro. Como não tinha como contestar aquelas provas, a única forma de auditá-las era subindo o preço. No TSE, então, estipularam quem faria a perícia e o preço seria este (R$ 2mi). Ou seja, inviável. Como a pessoa que impetrou declarou não ter esse dinheiro todo, eles deram a sentença, encerraram o processo e ainda condenaram o impetrante por litigância de má fé. Ele sabia que a urna era inviolável e ele entrou com uma ação temerária, por isso a acusação do TSE, que acabou encobrindo isto.
Algum outro caso emblemático?
No ano passado, fui para Itajaí, peguei um outro problema. Olha, eles são criativos, viu? O candidato tinha certeza de que ganharia o pleito e não ganhou. Nos chamou e queria saber o que havia acontecido. Conseguimos pegar os documentos, que estavam dentro da urna. A legislação prevê um teste, quando está acontecendo a carga da urna.
Sim...
Os partidos deveriam estar dormindo e eles escolheram somente uma urna para fazer o teste. Não me conformo com isso. Alguém foi lá e carregou a urna com outro cartão de memória oficial. O pessoal testou, viu que estava tudo certo e sabe o que aconteceu depois? Essa urna não foi usada na votação. Ou seja, as urnas que foram usadas em Itajaí sofreram fraude no teste.
As campanhas são sempre questionadas. Por que a segurança das urnas não é?
Porque as pessoas que falam de urna são ridicularizadas perante o Tribunal. Os juízes costumam tratar de maneira diferente as pessoas que questionam as urnas eletrônicas. Em Itajaí, por exemplo, foram 15 advogados importantes, mas ninguém tem coragem de abordar isso. Os partidos até conhecem, sabem, mas a base não conhece. A hora que eles levam uma derrota é que eles se alertam. Aí, bom, é tarde, mesmo que haja algum resultado ilegítimo.
A Lei de Licitações prevê alternância de fornecedor no caso das urnas eletrônicas?
A Diebold já ganhou várias vezes a licitação. Nesse problema da licitação, eu discuto muito o preço que se paga. É muito alto, compram urnas desnecessariamente. Mas enfim, isso já foi muito falado. Na questão da licitação em si, eu defendo o consórcio. A Diebold não tem todos os componentes, então, ela terceiriza coisas que ela não pode fazer. Ela terceiriza até a montagem das urnas. Em 2008, acharam uma urna na Radial Leste.
E ninguém foi responsabilizado?
Exatamente. Ninguém. Quem pegou essa urna, sabia o porquê. Os programas estavam lá dentro. Quem está fabricando não é a Diebold.
Como assim? Mas não foi ela que venceu a licitação para fornecer?
Mas não fabrica. Podemos questionar a segurança. Essa pessoa que fabrica não pode vender para outro comprador? Pode. Os partidos não têm acesso às essas informações. E mais, quem transporta é uma empresa de logística. Qual a segurança desse procedimento?
O TSE, recentemente, divulgou um teste de segurança das urnas. A senhora estava presente nesse teste...
Esse teste aconteceu por conta de um pedido feito pelo PT e PDT em 2006. Queríamos que eles entregassem uma urna com o programa, em um ambiente fechado, controlado, com a presença dos partidos e sem imprensa. Nós atacaríamos a urna, porque sabemos como se faz para atacar. Não são invioláveis. O TSE resolveu chamar uma comissão de pesquisadores indicados pelos partidos e pelo Tribunal. Quando foi proposto na Câmara o voto impresso - que barateia e aumenta a segurança -, começaram a articular uma forma de mostrar que seria desnecessário colocar o voto impresso, cuja existência fiscalizaria o TSE. Mas e o teste?
Então, com essa ameaça iminente, fizeram uma nova resolução para o teste, excluindo os partidos da participação. Esse teste seria totalmente controlado por pessoas CONVIDADAS (NR: destaque dado pela entrevistada) pelo Tribunal.
E qual a legitimidade do teste?
Nenhuma. Desistimos, então, do teste. O TSE, por sua vez, afirmou que estávamos de acordo com a urna.
Fala-se muito em auditorias externas, ao se tratar de tecnologia da informação. Isso é feito? Qual a importância?
Para confiarmos num sistema, ele tem que ser auditado de forma externa, não só de pessoas isentas, mas externas ao próprio sistema. Os testes que são propostos são mais ou menos como se eu perguntasse para a própria urna se ela é honesta e, é óbvio, ela diria que sim. Para a auditoria ser eficaz e válida, ela precisa ser feita externamente ao software e por uma pessoa externa ao sistema.
Algum caso?
No teste feito nas urnas equatorianas, eu participei como ouvinte e conversei com dois representantes da Organização dos Estados Americanos (OEA), mas que não estavam em caráter oficial para avaliar o sistema. Depois, eu descobri que esse pessoal da OEA estava envolvido no escândalo do Equador.
Sou uma eleitora. Vou lá e voto. Como eu faço para ter certeza de que meu voto foi computado?
Olha, arranja um bom pai de santo. Estamos buscando justamente isso: A segurança. Poderíamos pegar 2% das urnas e ver se os votos batem. Se baterem, ótimo. Quem sabe fazer isso? Qualquer um. Não precisa contratar uma empresa de auditoria, um advogado especializado.
Mas isso não ocorre? Nenhum tipo de verificação, nem primária como essa?
Pois é. O TSE diz que esse processo brasileiro é o melhor do mundo. O Equador, que poderia ter ganhado urnas do Brasil, não aceitou o sistema porque não dava pra conferir. Quando uma pessoa vota, a urna grava o voto num registro. Como fazer para saber se gravou certo? Não dá. Se não fizermos auditoria, esse modelo não serve para nós.
Sobre a biometria (tecnologia que permite o reconhecimento do eleitor pela digital e pela foto), a senhora acredita que isso pode melhorar a condição de segurança?
O processo de biometria começou em 2004. Não existia verba no orçamento para fazer esse processo de biometria. Indeferiram meu pedido de comprovação de verba, dizendo que ela viria depois. No TCU, o processo ficou lá e está até hoje sem solução. Descobrimos, então, que a verba viria toda do FBI. Mas isso não tem por escrito porque foi um acordo feito entre o ministro do TSE e o FBI. Seria um compartilhamento de dados em troca da tecnologia do processo. O processo foi suspenso.
E agora?
Voltaram a falar nele agora, mas com a nossa verba. Contudo, o compartilhamento de informações será feito da mesma forma e de todos os brasileiros. Por que não dizer aos brasileiros que isso será, também, para um banco de dados? Essa é a minha crítica. A biometria não é um método de reconhecimento de eleitor, mas de criminoso. Para que tudo isso? Pinta o dedo, oras. Mas o TSE quer o espetacular, o fantástico. Mas usa esse mantra para esconder esse reconhecimento de digitais e faces. Custava devolver a foto para o título de eleitor? Para o voto, sabe qual é a consequência jurídica disso? Nenhuma. Se o eleitor não for identificado, ele pode votar do mesmo jeito. Quem vai verificar as identificações depois? Ninguém.
Terra Magazine
COMENTÁRIO E&PJá imaginou a Dilma liderar a campanha para presidência da República com ampla folga e depois ganhar o candidato da oposição? Isso é possível, pois segundo vários técnicos as nossas urnas não invioláveis e os oposicionistas estão desesperados. É melhor o PT e demais partidos montarem uma Comissão de acompanhamento de urnas no Brasil inteiro, para não correr o risco de ganhar e não levar. E isso deveria começar imediatamente, pois para formar fiscais de urnas é preciso treino. O melhor seria o TSE possibilitar a fiscalização com a impressão do voto pela urna que depois seria colocado numa urna comum, como queria o Brizola.Nessa eleição está em jogo muito mais do que nós suspeitamos. Há até interesses estrangeiros que a oposição possa levar o pleito, para depois se apossar das nossas riquezas, como aconteceu com o governo do FHC. Não é pouca coisa.
segunda-feira, fevereiro 22, 2010
Serra quer “internar” o rejeitado FHC
Altamiro Borges
A doentia vaidade de FHC, o rejeitado ex-presidente, não tem cura mesmo. Ou ele é rapidamente internado ou vai acabar enterrando de vez a candidatura do tucano José Serra. Pesquisas indicam que cada vez que ele abre a boca, o governador paulista perde alguns pontos nas pesquisas.
Por Altamiro Borges, em seu blog
Até a Folha de S.Paulo pede, em tom desesperado, que o “príncipe da Sorbonne” se finja de morto para não atrapalhar os planos da oposição neoliberal-conservadora. Já José Serra foge como diabo da cruz de uma disputa sucessória baseada em comparações entre os governos FHC e Lula.
Mas não tem jeito. FHC não se contém. Em artigo no jornal O Globo, intitulado “Sem medo do passado”, ele voltou a fazer suas comparações desastradas. “Esqueceu-se [Lula] dos ganhos que a privatização do sistema Telebrás trouxe para o povo brasileiro”, jactou-se, esquecendo-se que o Copom registra recorde de queixa contra as operadoras privadas de telefonia. Ele ainda se gabou da privatização da Vale, exatamente na semana que esta empresa causou abalo na Bovespa. E, na maior caradura, esta marionete dos rentistas acusou Dilma Rousseff de ser manipulada por Lula.
“Fernando Henrique precisa de amigos”
Poucos dias depois, já nos EUA, o ex-presidente colonizado voltou a estrebuchar. Em entrevista ao jornal Miami Herald, controlado pela máfia cubana de extrema-direita, ele radicalizou os seus ataques – agravando a insônia do notívago José Serra. FHC rotulou a ministra de “autoritária” e “dogmática” e disse que “o coração da Dilma está mais para a esquerda”. O entrevistador Andres Oppenheimer, um fascista convicto que odeia Hugo Chávez, “o líder da corrente dos narcisistas-leninistas”, e que adora o presidente narcoterrorista Álvaro Uribe, quase foi ao orgasmo!
Diante de tantas besteiras, o jornalista Gilson Caroni sugeriu maior compreensão para com FHC. “Afinal, deve ser duro para quem esteve no poder durante oito anos, constatar que o resto do mundo político não reconhece sua importância... Somente os exércitos de colunistas destacados pelas famílias que controlam os meios de comunicação garantem a sua vida política vegetativa... As palavras do ex-presidente devem ser vistas como movimentos de descompressão da realidade. Quando, a partir da melancolia e solidão da maturidade, um ator político faz a volta à infância, o ridículo se apodera do cenário. Fernando Henrique precisa de amigos”, ironizou na Carta Maior.
Camisa de força para o ex-presidente
Sem ironias e, talvez, mais preocupado, Janio de Freitas, o colunista da Folha, também lamentou as recentes besteiras de FHC. No artigo intitulado “nos ombros de Serra”, ele alerta que a postura agressiva do ex-presidente somente prejudica a candidato tucano. “Por mais que Lula avisasse do seu desejo pelo confronto plebiscitário com o PSDB, ainda assim Fernando Henrique Cardoso, Sérgio Guerra, presidente do partido, e Tasso Jereissati caíram na esparrela — e quem vai pagar outra vez por ideias que nunca teve é José Serra”. Para ele, a disputa polarizada deixa “o governo Fernando Henrique sem condições reais de comparação” — ele perde em todos os quesitos.
A vida do presidenciável José Serra realmente não está fácil. O seu “vice-careca”, o governador José Roberto Arruda, passou o carnaval numa cela da Polícia Federal de Brasília. O outro vice, o governador mineiro Aécio Neves, preferiu tomar chá de sumiço. Seu capacho na capital paulista, o prefeito demo Gilberto Kassab, afundou nas enchentes e despenca nas pesquisas. O tal “choque de gestão” de José Serra coleciona apagões elétricos, mortes nas enchentes, recordes de violência e outros desgraceiras. E o patético FHC continua abrindo a boca. Que tal uma camisa de força?
A doentia vaidade de FHC, o rejeitado ex-presidente, não tem cura mesmo. Ou ele é rapidamente internado ou vai acabar enterrando de vez a candidatura do tucano José Serra. Pesquisas indicam que cada vez que ele abre a boca, o governador paulista perde alguns pontos nas pesquisas.
Por Altamiro Borges, em seu blog
Até a Folha de S.Paulo pede, em tom desesperado, que o “príncipe da Sorbonne” se finja de morto para não atrapalhar os planos da oposição neoliberal-conservadora. Já José Serra foge como diabo da cruz de uma disputa sucessória baseada em comparações entre os governos FHC e Lula.
Mas não tem jeito. FHC não se contém. Em artigo no jornal O Globo, intitulado “Sem medo do passado”, ele voltou a fazer suas comparações desastradas. “Esqueceu-se [Lula] dos ganhos que a privatização do sistema Telebrás trouxe para o povo brasileiro”, jactou-se, esquecendo-se que o Copom registra recorde de queixa contra as operadoras privadas de telefonia. Ele ainda se gabou da privatização da Vale, exatamente na semana que esta empresa causou abalo na Bovespa. E, na maior caradura, esta marionete dos rentistas acusou Dilma Rousseff de ser manipulada por Lula.
“Fernando Henrique precisa de amigos”
Poucos dias depois, já nos EUA, o ex-presidente colonizado voltou a estrebuchar. Em entrevista ao jornal Miami Herald, controlado pela máfia cubana de extrema-direita, ele radicalizou os seus ataques – agravando a insônia do notívago José Serra. FHC rotulou a ministra de “autoritária” e “dogmática” e disse que “o coração da Dilma está mais para a esquerda”. O entrevistador Andres Oppenheimer, um fascista convicto que odeia Hugo Chávez, “o líder da corrente dos narcisistas-leninistas”, e que adora o presidente narcoterrorista Álvaro Uribe, quase foi ao orgasmo!
Diante de tantas besteiras, o jornalista Gilson Caroni sugeriu maior compreensão para com FHC. “Afinal, deve ser duro para quem esteve no poder durante oito anos, constatar que o resto do mundo político não reconhece sua importância... Somente os exércitos de colunistas destacados pelas famílias que controlam os meios de comunicação garantem a sua vida política vegetativa... As palavras do ex-presidente devem ser vistas como movimentos de descompressão da realidade. Quando, a partir da melancolia e solidão da maturidade, um ator político faz a volta à infância, o ridículo se apodera do cenário. Fernando Henrique precisa de amigos”, ironizou na Carta Maior.
Camisa de força para o ex-presidente
Sem ironias e, talvez, mais preocupado, Janio de Freitas, o colunista da Folha, também lamentou as recentes besteiras de FHC. No artigo intitulado “nos ombros de Serra”, ele alerta que a postura agressiva do ex-presidente somente prejudica a candidato tucano. “Por mais que Lula avisasse do seu desejo pelo confronto plebiscitário com o PSDB, ainda assim Fernando Henrique Cardoso, Sérgio Guerra, presidente do partido, e Tasso Jereissati caíram na esparrela — e quem vai pagar outra vez por ideias que nunca teve é José Serra”. Para ele, a disputa polarizada deixa “o governo Fernando Henrique sem condições reais de comparação” — ele perde em todos os quesitos.
A vida do presidenciável José Serra realmente não está fácil. O seu “vice-careca”, o governador José Roberto Arruda, passou o carnaval numa cela da Polícia Federal de Brasília. O outro vice, o governador mineiro Aécio Neves, preferiu tomar chá de sumiço. Seu capacho na capital paulista, o prefeito demo Gilberto Kassab, afundou nas enchentes e despenca nas pesquisas. O tal “choque de gestão” de José Serra coleciona apagões elétricos, mortes nas enchentes, recordes de violência e outros desgraceiras. E o patético FHC continua abrindo a boca. Que tal uma camisa de força?
Nassif: Serra e o fim da era paulista na política
Saiu no Nassif:
21/02/2010 – 09:53
Por que José Serra vacila tanto em anunciar-se candidato?
Para quem acompanha a política paulista com olhos de observador e tem contatos com aliados atuais e ex-aliados de Serra, a razão é simples.
Seu cálculo político era o seguinte: se perde as eleições para presidente, acaba sua carreira política; se se lança candidato a governador, mas o PSDB consegue emplacar o candidato a presidente, perde o partido para o aliado. Em qualquer hipótese, iria para o aposentadoria ou para segundo plano. Para ele só interessava uma das seguintes alternativas: ele presidente ou; ele governador e alguém do PT presidente. Ou o PSDB dava certo com ele; ou que explodisse, sem ele.
Esta foi a lógica que (des)orientou sua (in)decisão e que levou o partido a esse abraço de afogado. A ideia era enrolar até a convenção, lá analisar o que lhe fosse melhor.
De lá para cá, muita água rolou. Agora, as alternativas são as seguintes:
1. O xeque que recebeu de Aécio Neves (anunciando a saída da disputa para candidato a presidente) demoliu a estratégia inicial de Serra. Agora, se desiste da presidência e sai candidato a governador, leva a pecha de medroso e de sujeito que sacrificou o partido em nome de seus interesses pessoais.
2. Se sai candidato a presidente, no dia seguinte o serrismo acaba.
O balanço que virá
O clima eleitoral de hoje, mais o poder remanescente de Serra, dificulta a avaliação isenta do seu governo. Esse quadro – que vou traçar agora – será de consenso no ano que vem, quando começar o balanço isento do seu governo, sem as paixões eleitorais e sem a obrigatoriedade da velha mídia de criar o seu campeão a fórceps. Aí se verá com mais clareza a falta de gestão, a ausência total do governador do dia-a-dia da administração (a não ser para inaugurações), a perda de controle sobre os esquemas de caixinha política.
Hoje em dia, a liderança de Serra sobre seu governo é próxima a zero. Ele mantém o partido unido e a administração calada pelo medo, não pelas ideias ou pela liderança.
Há mágoas profundas do covismo, mágoas dos aliados do DEM – pela maneira como deserdou Kassab -, afastamento daqueles que poderiam ser chamados de serristas históricos – um grupo de técnicos de alto nível que, quando sobreveio a inércia do período FHC-Malan, julgou que Serra poderia ser o receptador de ideias modernizantes.
Outro dia almocei com um grande empresário, aliado de primeira hora de Serra. Cauteloso, leal, não avançou em críticas contra Serra. Ouviu as minhas e ponderou uma explicação que vale para todos, políticos, homens de negócio e pensadores: “As ideias têm que levar em conta a mudança das circunstâncias e do país”. Serra foi moderno quando parlamentar porque, em um período de desastre fiscal focou seu trabalho na responsabilidade fiscal.
No governo paulista, não conseguiu levantar uma bandeira modernizadora sequer. Pior: não percebeu que os novos tempos exigiam um compromisso férreo com o bom estar do cidadão e a inclusão social. Mas continuou preso ao modelito do administrador frio e do sujeito que comprometeu o aparato regulatório do Estado com concessões descabidas a concessionárias.
O castigo veio a cavalo. A decisão de desviar todos os recursos para o Rodoanel provocou o segundo maior desastre coletivo da moderna história do país, produzido por erros de gestão: o alagamento de São Paulo devido à interrupção das obras de desassoreamento do rio Tietê. O primeiro foi o “apagão” do governo FHC.
O fim das ideias
O Serra que emergiu governador decepcionou aliados históricos. Mostrou-se ausente da administração estadual, sem escrúpulos quando tornou-se o principal alimentador do macartismo virulento da velha mídia – usando a Veja e a Folha – e dos barra-pesadas do Congresso. Quando abriu mão dos quadros técnicos, perdeu o pé das ideias. Havia meia dúzia de intelectuais que o abastecia com ideias modernizantes. Sem eles, sua única manifestação intelectual foi o artigo para a Folha criticando a posição do Brasil em relação ao Irã – repetindo argumentos do seu blogueiro.
É bobagem taxar o PSDB histórico de golpista. Na origem, o partido conseguiu aglutinar quadros técnicos de alto nível, de pensamento de centro-esquerda e legalistas por excelência. E uma classe média que também combateu a ditadura, mas avessa a radicalizações ideológicas.
Ao encampar o estilo Maluf – virulência ideológica (através de seus comandados na mídia), insensibilidade social, (falsa) imagem de administrador frio e insensível, ênfase apenas nas obras de grande visibilidade, desinteresse em relação a temas centrais, como educação e segurança – Serra destruiu a solidariedade partidária criada duramente por lideranças como Mário Covas, Franco Montoro e Sérgio Motta.
Quadros acadêmicos do PSDB, de alto nível, praticamente abandonaram o sonho de modernizar a política e ou voltaram para a Universidade ou para organizações civis que lhe abriram espaço.
O personalismo exacerbado
Principalmente, chamaram a atenção dois vícios seus, ambos frutos de um personalismo exacerbado – para o qual tantas e tantas vezes FHC tinha alertado.
O primeiro, a tendência de chamar a si todos os méritos, não admitir críticas e tratar todos subordinados com desprezo, inclusive proibindo a qualquer secretário sequer mostrar seu trabalho. Principalmente, a de exigir a cabeça de jornalistas que o criticavam.
O mal-estar na administração é geral. Em vez de um Estadista, passaram a ser comandados por um chefe de repartição que não admite o brilho de ninguém, nem lhes dá reconhecimento, não é eficiente e só joga para a torcida.
O segundo, a deslealdade. Duvido que exista no governo Serra qualquer estrela com luz própria que lhe deva lealdade. A estratégia política de FHC e Lula sempre foi a de agregar, aparar resistências, afagar o ego de aliados. A de Serra foi a do conflito maximizado não por posições políticas, mas pelo ego transtornado.
O uso do blogueiro terceirizado da Veja para ataques descabidos (pela virulência) contra Geraldo Alckmin, Chalita, Aécio, deixou marcas profundas no próprio partido.
Alckmin não lhe deve lealdade, assim como Aloizio Nunes – que está sendo rifado por Serra. Alberto Goldmann deve? Praticamente desapareceu sob o personalismo de Serra, assim como Guilherme Afif e Lair Krähenbühl – sujeito de tão bom nível que conseguiu produzir das poucas coisas decentes do malufismo e não se sujar.
No interior, há uma leva enorme de prefeitos esperando o último sopro de Serra para desvencilhar-se da presença incômoda do governador.
O que segura o serrismo, hoje em dia, é apenas o temor do espírito vingativo de Serra. E um grupo de pessoas que será varrida da vida pública com sua derrota por absoluta falta de opção. Mas que chora amargamente a aposta na pessoa errada.
Aliás, se Aécio Neves foi esperto (e é), tratará de reasgatar esses quadros para o partido.
Saindo candidato a presidente e ficando claro que não terá chance de vitória, o PSDB paulista se bandeará na hora para o novo rei. Pelas possibilidades eleitorais, será Alckmin, político limitado, sem fôlego para inaugurar uma nova era. Por outro lado, o PT paulista também não logrou se renovar, abrir espaço para novos quadros, para novas propostas. Continua prisioneiro da polarização virulenta com o PSDB, sem ter conseguido desenvolver um discurso novo ou arregimentado novas alianças.
O resultado final será o fim da era paulista na política nacional, um modelo que se sustentou décadas graças ao movimento das diretas e à aliança com a velha mídia.
Acaba em um momento histórico, em que o desenvolvimento se interioriza e o monopólio da opinião começa a cair.
A história explica grande parte desse fim de período. Mas o desmonte teria sido menos traumático se conduzido por uma liderança menos deletéria que a de Serra.
(*) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista
Do Conversa Afiada
21/02/2010 – 09:53
Por que José Serra vacila tanto em anunciar-se candidato?
Para quem acompanha a política paulista com olhos de observador e tem contatos com aliados atuais e ex-aliados de Serra, a razão é simples.
Seu cálculo político era o seguinte: se perde as eleições para presidente, acaba sua carreira política; se se lança candidato a governador, mas o PSDB consegue emplacar o candidato a presidente, perde o partido para o aliado. Em qualquer hipótese, iria para o aposentadoria ou para segundo plano. Para ele só interessava uma das seguintes alternativas: ele presidente ou; ele governador e alguém do PT presidente. Ou o PSDB dava certo com ele; ou que explodisse, sem ele.
Esta foi a lógica que (des)orientou sua (in)decisão e que levou o partido a esse abraço de afogado. A ideia era enrolar até a convenção, lá analisar o que lhe fosse melhor.
De lá para cá, muita água rolou. Agora, as alternativas são as seguintes:
1. O xeque que recebeu de Aécio Neves (anunciando a saída da disputa para candidato a presidente) demoliu a estratégia inicial de Serra. Agora, se desiste da presidência e sai candidato a governador, leva a pecha de medroso e de sujeito que sacrificou o partido em nome de seus interesses pessoais.
2. Se sai candidato a presidente, no dia seguinte o serrismo acaba.
O balanço que virá
O clima eleitoral de hoje, mais o poder remanescente de Serra, dificulta a avaliação isenta do seu governo. Esse quadro – que vou traçar agora – será de consenso no ano que vem, quando começar o balanço isento do seu governo, sem as paixões eleitorais e sem a obrigatoriedade da velha mídia de criar o seu campeão a fórceps. Aí se verá com mais clareza a falta de gestão, a ausência total do governador do dia-a-dia da administração (a não ser para inaugurações), a perda de controle sobre os esquemas de caixinha política.
Hoje em dia, a liderança de Serra sobre seu governo é próxima a zero. Ele mantém o partido unido e a administração calada pelo medo, não pelas ideias ou pela liderança.
Há mágoas profundas do covismo, mágoas dos aliados do DEM – pela maneira como deserdou Kassab -, afastamento daqueles que poderiam ser chamados de serristas históricos – um grupo de técnicos de alto nível que, quando sobreveio a inércia do período FHC-Malan, julgou que Serra poderia ser o receptador de ideias modernizantes.
Outro dia almocei com um grande empresário, aliado de primeira hora de Serra. Cauteloso, leal, não avançou em críticas contra Serra. Ouviu as minhas e ponderou uma explicação que vale para todos, políticos, homens de negócio e pensadores: “As ideias têm que levar em conta a mudança das circunstâncias e do país”. Serra foi moderno quando parlamentar porque, em um período de desastre fiscal focou seu trabalho na responsabilidade fiscal.
No governo paulista, não conseguiu levantar uma bandeira modernizadora sequer. Pior: não percebeu que os novos tempos exigiam um compromisso férreo com o bom estar do cidadão e a inclusão social. Mas continuou preso ao modelito do administrador frio e do sujeito que comprometeu o aparato regulatório do Estado com concessões descabidas a concessionárias.
O castigo veio a cavalo. A decisão de desviar todos os recursos para o Rodoanel provocou o segundo maior desastre coletivo da moderna história do país, produzido por erros de gestão: o alagamento de São Paulo devido à interrupção das obras de desassoreamento do rio Tietê. O primeiro foi o “apagão” do governo FHC.
O fim das ideias
O Serra que emergiu governador decepcionou aliados históricos. Mostrou-se ausente da administração estadual, sem escrúpulos quando tornou-se o principal alimentador do macartismo virulento da velha mídia – usando a Veja e a Folha – e dos barra-pesadas do Congresso. Quando abriu mão dos quadros técnicos, perdeu o pé das ideias. Havia meia dúzia de intelectuais que o abastecia com ideias modernizantes. Sem eles, sua única manifestação intelectual foi o artigo para a Folha criticando a posição do Brasil em relação ao Irã – repetindo argumentos do seu blogueiro.
É bobagem taxar o PSDB histórico de golpista. Na origem, o partido conseguiu aglutinar quadros técnicos de alto nível, de pensamento de centro-esquerda e legalistas por excelência. E uma classe média que também combateu a ditadura, mas avessa a radicalizações ideológicas.
Ao encampar o estilo Maluf – virulência ideológica (através de seus comandados na mídia), insensibilidade social, (falsa) imagem de administrador frio e insensível, ênfase apenas nas obras de grande visibilidade, desinteresse em relação a temas centrais, como educação e segurança – Serra destruiu a solidariedade partidária criada duramente por lideranças como Mário Covas, Franco Montoro e Sérgio Motta.
Quadros acadêmicos do PSDB, de alto nível, praticamente abandonaram o sonho de modernizar a política e ou voltaram para a Universidade ou para organizações civis que lhe abriram espaço.
O personalismo exacerbado
Principalmente, chamaram a atenção dois vícios seus, ambos frutos de um personalismo exacerbado – para o qual tantas e tantas vezes FHC tinha alertado.
O primeiro, a tendência de chamar a si todos os méritos, não admitir críticas e tratar todos subordinados com desprezo, inclusive proibindo a qualquer secretário sequer mostrar seu trabalho. Principalmente, a de exigir a cabeça de jornalistas que o criticavam.
O mal-estar na administração é geral. Em vez de um Estadista, passaram a ser comandados por um chefe de repartição que não admite o brilho de ninguém, nem lhes dá reconhecimento, não é eficiente e só joga para a torcida.
O segundo, a deslealdade. Duvido que exista no governo Serra qualquer estrela com luz própria que lhe deva lealdade. A estratégia política de FHC e Lula sempre foi a de agregar, aparar resistências, afagar o ego de aliados. A de Serra foi a do conflito maximizado não por posições políticas, mas pelo ego transtornado.
O uso do blogueiro terceirizado da Veja para ataques descabidos (pela virulência) contra Geraldo Alckmin, Chalita, Aécio, deixou marcas profundas no próprio partido.
Alckmin não lhe deve lealdade, assim como Aloizio Nunes – que está sendo rifado por Serra. Alberto Goldmann deve? Praticamente desapareceu sob o personalismo de Serra, assim como Guilherme Afif e Lair Krähenbühl – sujeito de tão bom nível que conseguiu produzir das poucas coisas decentes do malufismo e não se sujar.
No interior, há uma leva enorme de prefeitos esperando o último sopro de Serra para desvencilhar-se da presença incômoda do governador.
O que segura o serrismo, hoje em dia, é apenas o temor do espírito vingativo de Serra. E um grupo de pessoas que será varrida da vida pública com sua derrota por absoluta falta de opção. Mas que chora amargamente a aposta na pessoa errada.
Aliás, se Aécio Neves foi esperto (e é), tratará de reasgatar esses quadros para o partido.
Saindo candidato a presidente e ficando claro que não terá chance de vitória, o PSDB paulista se bandeará na hora para o novo rei. Pelas possibilidades eleitorais, será Alckmin, político limitado, sem fôlego para inaugurar uma nova era. Por outro lado, o PT paulista também não logrou se renovar, abrir espaço para novos quadros, para novas propostas. Continua prisioneiro da polarização virulenta com o PSDB, sem ter conseguido desenvolver um discurso novo ou arregimentado novas alianças.
O resultado final será o fim da era paulista na política nacional, um modelo que se sustentou décadas graças ao movimento das diretas e à aliança com a velha mídia.
Acaba em um momento histórico, em que o desenvolvimento se interioriza e o monopólio da opinião começa a cair.
A história explica grande parte desse fim de período. Mas o desmonte teria sido menos traumático se conduzido por uma liderança menos deletéria que a de Serra.
(*) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista
Do Conversa Afiada
sexta-feira, fevereiro 19, 2010
A hora e a vez de Dilma Rousseff
Por Marcelo Carneiro da Cunha, colunista do SigaMpost e membro do Conselho Editorial
Estimados leitores do SigaMPost. Como todo mundo, e o senhor aqui ao lado, sabem, o PT realiza nesse momento o seu 4º Congresso Nacional e deve aclamar Dilma como sua candidata à Presidência da República na eleição deste ano.
Acho que todo brasileiro, independentemente da sua orientação ou preferência política, deve refletir sobre o significado desse momento.
Em primeiro lugar, porque não estamos assim tãaaao acostumados a eleger presidentes. Nas nossas vidas adultas, elegemos um Collor e dois presidentes. Não é muito, concordam? Portanto, uma nova eleição tem que ser algo incomum e relevante o suficiente para pararmos o bonde de nossos dias comuns, para nos darmos um tempo para mirar e ver, como diria Riobaldo no Grande Sertão: Veredas. Do outro lado, ainda precisamos ver quem o PSDB vai mandar para o embate. Mas não é isso o que realmente mais importa, nesse instante: o que importa, é que a Dilma vem aí.
Como um gaúcho recentemente transportado para São Paulo, eu vi o surgimento da Dilma, como Secretária das Minas e Energia, durante o governo Olívio Dutra. Dizem que a Dilma impressionou, muito, pela eficiência com que enfrentou o desafio de não deixar que o Rio Grande ficasse sem energia, enquanto o Sudeste apagava durante o governo FHC. Eu morava lá, e posso garantir a todos que, o que quer que a Secretária Dilma tenha feito, deu certo.
E isso a catapultou para o governo Lula, começando com Energia e passando para a Casa Civil e virando a mãe do PAC. Ali, acho que muitos e muitos brasileiros, especialmente os eleitores do PT se perguntaram algo como, “Dilma?”.
Todos enfatizam a capacidade técnica da ministra. Também falam uns de seu temperamento dificil, outros de sua provável orientação mais para a esquerda do que Lula, em uma evidente tentativa de começar o emparedamento antes mesmo de tudo começar.
Pois eu comecei a levar realmente a sério a Dilma para presidente naquela memorável sessão no Congresso, na qual Dilma incinerou o senador Agripino Maia, enquanto ele olhava e pagava o maior mico dos últimos anos, ao menos ao vivo e em transmissão nacional. O pessoal que adorava a Arena não compreende esse tipo de coração e mente, que aceita o enfrentamento como necessário, que entende que os momentos são o que são, e que os melhores vão, enquanto os outros ficam.
De resto, eu não queria ser a Dilma e ter que ocupar o lugar do Lula, especialmente porque ninguém é o Lula, mas quem vier depois vai ser, necessariamente, comparado a ele. Lula é um caso de genialidade e temos outros, mas nenhum na presidência, que eu tenha percebido, ao menos. Mas, se ela aceita a prova, deve ter seus motivos para confiar na sua capacidade de dar conta do recado. E, dar conta do recado é, acima de tudo, garantir a continuidade do que vem sendo feito no país.
O recente exemplo de São Paulo, que não manteve o que ia bem e escolheu o prefeito Kassab e paga o custo dessa escolha é apenas uma demonstração da importância de preservarmos o que está sendo feito no país. São Paulo desistiu do seu movimento de mudança e crescimento e hoje, mal governada por uma direita sem projeto real, sofre. Todos sofrem, mas os que mais precisam sofrem muito mais. Não devemos deixar que o mesmo aconteça com o Brasil, e a Dilma é a nossa maior garantia de manter o que temos e ir adiante; de melhorar o que é bom, fazer o que falta ser feito, sem passos para o lado ou retrocessos.
Temos muito pela frente. O Brasil é um caso de copo meio cheio e meio vazio. Do lado cheio, temos méritos e realizações pra ninguém botar defeito. Do lado do copo vazio, temos desafios e coisas por fazer que assustam o mais otimista dos homens – eu.
Melhor seguirmos enchendo o copo, é o que eu digo a todos. Melhor deixar a torneira na mão de quem tem feito as coisas certas e enchido o copo direitinho, sem maiores derrames.
2010 é um momento histórico, e nele o Brasil define o seu século 21. Qual sociedade vamos ser, o que vamos ter. Prefiro o projeto que temos hoje, com autonomia, democracia, afirmação diante do mundo. Portanto, hora e vez da Dilma Rousseff.
E, curiosamente, alguém aí percebeu que o fato de ela ser mulher, pouco, quase nada, nada, tem sido mencionado? Se superamos esse passado de preconceitos e conceitos sem sentido, será que estamos mesmo, finalmente, prontos para nós mesmos?
Acho que sim, parece que sim, e por isso vamos em frente. Sorte a nossa.
Marcelo Carneiro da Cunha é escritor e jornalista. Escreveu o argumento do curta-metragem "O Branco", premiado em Berlim e outros importantes festivais. Entre outros, publicou o livro de contos "Simples" e o romance "O Nosso Juiz", pela editora Record. Acaba de escrever o romance "Depois do Sexo", que foi publicado em junho pela Record. Dois longas-metragens estão sendo produzidos a partir de seus romances "Insônia" e "Antes que o Mundo Acabe", publicados pela editora Projeto.
Postado por Mpost em 19 fevereiro 2010 às 10:00
Estimados leitores do SigaMPost. Como todo mundo, e o senhor aqui ao lado, sabem, o PT realiza nesse momento o seu 4º Congresso Nacional e deve aclamar Dilma como sua candidata à Presidência da República na eleição deste ano.
Acho que todo brasileiro, independentemente da sua orientação ou preferência política, deve refletir sobre o significado desse momento.
Em primeiro lugar, porque não estamos assim tãaaao acostumados a eleger presidentes. Nas nossas vidas adultas, elegemos um Collor e dois presidentes. Não é muito, concordam? Portanto, uma nova eleição tem que ser algo incomum e relevante o suficiente para pararmos o bonde de nossos dias comuns, para nos darmos um tempo para mirar e ver, como diria Riobaldo no Grande Sertão: Veredas. Do outro lado, ainda precisamos ver quem o PSDB vai mandar para o embate. Mas não é isso o que realmente mais importa, nesse instante: o que importa, é que a Dilma vem aí.
Como um gaúcho recentemente transportado para São Paulo, eu vi o surgimento da Dilma, como Secretária das Minas e Energia, durante o governo Olívio Dutra. Dizem que a Dilma impressionou, muito, pela eficiência com que enfrentou o desafio de não deixar que o Rio Grande ficasse sem energia, enquanto o Sudeste apagava durante o governo FHC. Eu morava lá, e posso garantir a todos que, o que quer que a Secretária Dilma tenha feito, deu certo.
E isso a catapultou para o governo Lula, começando com Energia e passando para a Casa Civil e virando a mãe do PAC. Ali, acho que muitos e muitos brasileiros, especialmente os eleitores do PT se perguntaram algo como, “Dilma?”.
Todos enfatizam a capacidade técnica da ministra. Também falam uns de seu temperamento dificil, outros de sua provável orientação mais para a esquerda do que Lula, em uma evidente tentativa de começar o emparedamento antes mesmo de tudo começar.
Pois eu comecei a levar realmente a sério a Dilma para presidente naquela memorável sessão no Congresso, na qual Dilma incinerou o senador Agripino Maia, enquanto ele olhava e pagava o maior mico dos últimos anos, ao menos ao vivo e em transmissão nacional. O pessoal que adorava a Arena não compreende esse tipo de coração e mente, que aceita o enfrentamento como necessário, que entende que os momentos são o que são, e que os melhores vão, enquanto os outros ficam.
De resto, eu não queria ser a Dilma e ter que ocupar o lugar do Lula, especialmente porque ninguém é o Lula, mas quem vier depois vai ser, necessariamente, comparado a ele. Lula é um caso de genialidade e temos outros, mas nenhum na presidência, que eu tenha percebido, ao menos. Mas, se ela aceita a prova, deve ter seus motivos para confiar na sua capacidade de dar conta do recado. E, dar conta do recado é, acima de tudo, garantir a continuidade do que vem sendo feito no país.
O recente exemplo de São Paulo, que não manteve o que ia bem e escolheu o prefeito Kassab e paga o custo dessa escolha é apenas uma demonstração da importância de preservarmos o que está sendo feito no país. São Paulo desistiu do seu movimento de mudança e crescimento e hoje, mal governada por uma direita sem projeto real, sofre. Todos sofrem, mas os que mais precisam sofrem muito mais. Não devemos deixar que o mesmo aconteça com o Brasil, e a Dilma é a nossa maior garantia de manter o que temos e ir adiante; de melhorar o que é bom, fazer o que falta ser feito, sem passos para o lado ou retrocessos.
Temos muito pela frente. O Brasil é um caso de copo meio cheio e meio vazio. Do lado cheio, temos méritos e realizações pra ninguém botar defeito. Do lado do copo vazio, temos desafios e coisas por fazer que assustam o mais otimista dos homens – eu.
Melhor seguirmos enchendo o copo, é o que eu digo a todos. Melhor deixar a torneira na mão de quem tem feito as coisas certas e enchido o copo direitinho, sem maiores derrames.
2010 é um momento histórico, e nele o Brasil define o seu século 21. Qual sociedade vamos ser, o que vamos ter. Prefiro o projeto que temos hoje, com autonomia, democracia, afirmação diante do mundo. Portanto, hora e vez da Dilma Rousseff.
E, curiosamente, alguém aí percebeu que o fato de ela ser mulher, pouco, quase nada, nada, tem sido mencionado? Se superamos esse passado de preconceitos e conceitos sem sentido, será que estamos mesmo, finalmente, prontos para nós mesmos?
Acho que sim, parece que sim, e por isso vamos em frente. Sorte a nossa.
Marcelo Carneiro da Cunha é escritor e jornalista. Escreveu o argumento do curta-metragem "O Branco", premiado em Berlim e outros importantes festivais. Entre outros, publicou o livro de contos "Simples" e o romance "O Nosso Juiz", pela editora Record. Acaba de escrever o romance "Depois do Sexo", que foi publicado em junho pela Record. Dois longas-metragens estão sendo produzidos a partir de seus romances "Insônia" e "Antes que o Mundo Acabe", publicados pela editora Projeto.
Postado por Mpost em 19 fevereiro 2010 às 10:00
Marco Aurélio: Brasil do governo Lula nunca foi subalterno, mas sim protagonista
O Seminário Internacional do PT teve prosseguimento na tarde desta quinta-feira (18), no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. A mesa com o tema A nova situação internacional e latinoamericana contou com a participação do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, do assessor para assuntos internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia e do sociólogo e professor Emir Sader. O secretário de Relações Internacionais do PT, Valter Pomar, coordenou os trabalhos.
O assessor para assuntos internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, ressaltou o novo modo de agir nas questões externas. “A oposição dizia que deveríamos resolver os grandes problemas nossos e não nos preocupar com os problemas daqueles que precisavam de apoio. Que não deveríamos pensar na politica externa e sim pensar no Brasil internamente. Contudo, engana-se quem pensa que a América Latina não é fundamental para o Brasil. A oposição acreditava que deveríamos nos tornar subalternos, mas hoje somos um país que está há frente de grandes negociações”, enfatizou.
“A América Latina é melhor de todos os lugares, com território rico, multicultural, com uma população lutadora, tem a maior reserva hidrelétrica do mundo, a maior agricultura do mundo e , claro, o mercado industrial que mais cresce. Temos que valorizar nossas fronteiras, mesmo porque não temos grandes conflitos e as eleições no continente são democráticas”, ressaltou.
Já Celso Amorim afirmou durante a sua exposição que “nunca em 200 anos de história um presidente havia se preocupado com a América a Latina na história do mundo. Mas, o Brasil uniu a América Latina e se tornou uma grande potência”.
Amorim também destacou a unificação do continente comandada pelo Brasil. “Unificamos as realidades, não só de maneira solidária, mas de maneira enconômica. Antes, não havia vontade política, hoje há além disso, vontade que o mundo seja melhor e que todos tenham qualidade de vida suficiente, há um mundo multipolar. Não dependemos de uma só potência, temos relações com vários paises. No Haiti, por exemplo, além da segurança estamos na frente apoio de reconstrução do país, evitando mortes e levando a paz, tão necessitada no momento”, afirmou.
O chanceler brasileiro afirmou ainda que a prioridade das prioridades é a América Latina e destacou a importância do Brasil no cenário mundial. “O Brasil realmente é um ator global. Nossa agenda, ainda no Governo Lula, será extensa. Em abril trataremos dos Brics, o presidente ainda irá ao Oriente Médio, Palestina e em Israel e em maio no Irã. Além da reunião das civilizações que será realizada no Rio de Janeiro”.
O assessor para assuntos internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, ressaltou o novo modo de agir nas questões externas. “A oposição dizia que deveríamos resolver os grandes problemas nossos e não nos preocupar com os problemas daqueles que precisavam de apoio. Que não deveríamos pensar na politica externa e sim pensar no Brasil internamente. Contudo, engana-se quem pensa que a América Latina não é fundamental para o Brasil. A oposição acreditava que deveríamos nos tornar subalternos, mas hoje somos um país que está há frente de grandes negociações”, enfatizou.
“A América Latina é melhor de todos os lugares, com território rico, multicultural, com uma população lutadora, tem a maior reserva hidrelétrica do mundo, a maior agricultura do mundo e , claro, o mercado industrial que mais cresce. Temos que valorizar nossas fronteiras, mesmo porque não temos grandes conflitos e as eleições no continente são democráticas”, ressaltou.
Já Celso Amorim afirmou durante a sua exposição que “nunca em 200 anos de história um presidente havia se preocupado com a América a Latina na história do mundo. Mas, o Brasil uniu a América Latina e se tornou uma grande potência”.
Amorim também destacou a unificação do continente comandada pelo Brasil. “Unificamos as realidades, não só de maneira solidária, mas de maneira enconômica. Antes, não havia vontade política, hoje há além disso, vontade que o mundo seja melhor e que todos tenham qualidade de vida suficiente, há um mundo multipolar. Não dependemos de uma só potência, temos relações com vários paises. No Haiti, por exemplo, além da segurança estamos na frente apoio de reconstrução do país, evitando mortes e levando a paz, tão necessitada no momento”, afirmou.
O chanceler brasileiro afirmou ainda que a prioridade das prioridades é a América Latina e destacou a importância do Brasil no cenário mundial. “O Brasil realmente é um ator global. Nossa agenda, ainda no Governo Lula, será extensa. Em abril trataremos dos Brics, o presidente ainda irá ao Oriente Médio, Palestina e em Israel e em maio no Irã. Além da reunião das civilizações que será realizada no Rio de Janeiro”.
quinta-feira, fevereiro 18, 2010
Uma opção radical... pelo centro ideológico
VALOR – 18.02.10
Maria Inês Nassif
Basta um pouco de bom senso para rejeitar a ideia que se tenta impor, como senso comum, de que o governo Lula deu um passo à esquerda e que a ministra Dilma Rousseff dará a guinada final em direção a alguma coisa parecida com o ex-socialismo soviético, um capítulo arquivado da história que poucos líderes e partidos no mundo tentam ressuscitar. A chance de radicalização à esquerda numa coalizão como a que dá sustentação ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva - e dará apoio a um governo Dilma, se o PMDB oficialmente apoiar a sua candidatura e se ela vencer a eleição - é quase próxima a zero. O debate sobre o tamanho e o poder de intervenção do Estado, que se tornou central depois da crise financeira mundial do ano passado, está sendo feito no interior do capitalismo e não é determinante para se apontar o grau de esquerdização de um candidato, de um governo ou de um partido.
O PT não está radicalmente ao centro como quando assumiu o governo, em 2003, mas as alianças feitas para ganhar eleição e governar não autorizam previsões de que o partido caminha inexoravelmente para a extrema-esquerda. Nenhuma tendência de esquerda do PT alimenta essa fantasia porque ela simplesmente não é razoável.
No primeiro governo de Lula, de 2003 a 2005, a gestão foi o produto de um "pacto de governabilidade" que impediu qualquer passo à esquerda, exceto uma política de transferência de renda que inicialmente soou apenas como política compensatória. Aliás, o Bolsa Família só ganhou corpo e se expandiu sem enfrentar uma forte oposição conservadora porque não esteve no centro das atenções até ter se consolidado como instrumento efetivo de distribuição de renda. Daí foi impossível acabar com o programa.
No pós-eleições de 2002, o grupo de centro era amplamente hegemônico no PT e estava totalmente comprometido com a tarefa de mostrar ao mercado que seu governo era confiável, numa conjuntura de grave crise econômica e fuga de capitais. Não existia espaço para debates à esquerda. Esse partido que se fincava no centro era aliado, no governo, a outras pequenas agremiações à esquerda e à direita - era inevitável que o ponto de equilíbrio fosse o centro, com concessões eventuais à direita e à esquerda.
No segundo mandato, se a reeleição deu alguma sustentação ao presidente Lula para fazer uma inflexão à esquerda - quer como resposta à radicalização da oposição à direita, quer pelo fato de ter sido consagrado por uma população de baixa renda que é altamente penalizada em conjunturas de políticas econômicas conservadoras -, a aliança com o PMDB, que aderiu ao governo depois das eleições de 2006, colocou limites muito precisos a isso. O segundo governo Lula foi à esquerda do primeiro, mas nem tanto. O PMDB é um partido que, na sua trajetória pós-redemocratização, perdeu qualquer referência de esquerda e abriga bolsões ultraconservadores - a maior parte da bancada ruralista, a mais ativa oposição a qualquer política fundiária de qualquer governo, está abrigada naquele partido; lá se acomodam as principais lideranças regionais estaduais mais apegadas a antigas práticas de clientelismo. Os setores mais conservadores do PMDB tiveram protagonismo nas questões fundiárias - o ministro pemedebista Reinholds Stephanes (PMDB-PR) tem maior poder de influência do que Guilherme Cassel, ministro do Desenvolvimento Agrário e integrante da esquerda do PT; Stephanes tem ganhado também as quedas de braço com o Meio Ambiente. O PMDB também foi a referência conservadora na disputa entre o Ministério da Defesa e a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), na questão da criação de uma Comissão da Verdade destinada a apurar excessos cometidos pelo aparelho de repressão do Estado.
O PMDB é o parceiro eleitoral que o PT quer e o governo e o partido têm feito todos os esforços para ter um pemedebista como vice na chapa encabeçada por Dilma Rousseff. Não existe razão alguma para imaginar que, se o PT vencer em outubro, um governo de Dilma terá enormes diferenças em relação ao seu antecessor. O PMDB se beneficia eleitoralmente de medidas populares de esquerda do governo Lula, mas os setores mais conservadores do partido estabelecem limites muito claros, que são os seus interesses. Existe uma certa organicidade nessa agremiação de centro partida em pedaços, que é a consciência de que a defesa dos interesses de grupos cimentam a unidade que dá a ela poder de barganha junto a qualquer governo. Como é uma grande agremiação, com grande peso no Congresso, isso tem muita importância na definição ideológica de um governo ao qual está aliado.
Internamente, o PT também tem maiorias consolidadas que por si só mantêm o partido longe dos discursos de ruptura do passado. A queda do Muro de Berlim, há 20 anos, foi um baque para todos os partidos de esquerda no mundo. Muito antes disso, a denúncia dos crimes de Joseph Stálin, em 1956, pelo governo soviético de Nikita Kruschev, já havia colocado a questão democrática no centro dos debates da esquerda mundial. O fracasso da esquerda armada no Brasil e na América Latina, e a vitória de brutais regimes militares de direita que praticamente dizimaram esses grupos revolucionários, são dados que se somaram e solidificaram um processo contínuo de aproximação das esquerdas brasileiras da ideia de socialismo democrático. Quando a democracia passou a ser o instrumento fundamental de formação de hegemonias para esses grupos, logicamente o limite de radicalização à esquerda fica muito claro, independentemente das alianças na política institucional que um partido que se diga socialista faça. Como toda essa água rolou desde que a UDN e os militares udenistas tomaram o poder pela força em 1964, com a justificativa de evitar que a esquerda fizesse uma revolução pela força, o discurso eleitoral que atribui a qualquer partido de esquerda hoje situado na política institucional brasileira intenções de ruptura é, no mínimo, fora de moda; no máximo, terrorismo político-eleitoral.
Maria Inês Nassif
Basta um pouco de bom senso para rejeitar a ideia que se tenta impor, como senso comum, de que o governo Lula deu um passo à esquerda e que a ministra Dilma Rousseff dará a guinada final em direção a alguma coisa parecida com o ex-socialismo soviético, um capítulo arquivado da história que poucos líderes e partidos no mundo tentam ressuscitar. A chance de radicalização à esquerda numa coalizão como a que dá sustentação ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva - e dará apoio a um governo Dilma, se o PMDB oficialmente apoiar a sua candidatura e se ela vencer a eleição - é quase próxima a zero. O debate sobre o tamanho e o poder de intervenção do Estado, que se tornou central depois da crise financeira mundial do ano passado, está sendo feito no interior do capitalismo e não é determinante para se apontar o grau de esquerdização de um candidato, de um governo ou de um partido.
O PT não está radicalmente ao centro como quando assumiu o governo, em 2003, mas as alianças feitas para ganhar eleição e governar não autorizam previsões de que o partido caminha inexoravelmente para a extrema-esquerda. Nenhuma tendência de esquerda do PT alimenta essa fantasia porque ela simplesmente não é razoável.
No primeiro governo de Lula, de 2003 a 2005, a gestão foi o produto de um "pacto de governabilidade" que impediu qualquer passo à esquerda, exceto uma política de transferência de renda que inicialmente soou apenas como política compensatória. Aliás, o Bolsa Família só ganhou corpo e se expandiu sem enfrentar uma forte oposição conservadora porque não esteve no centro das atenções até ter se consolidado como instrumento efetivo de distribuição de renda. Daí foi impossível acabar com o programa.
No pós-eleições de 2002, o grupo de centro era amplamente hegemônico no PT e estava totalmente comprometido com a tarefa de mostrar ao mercado que seu governo era confiável, numa conjuntura de grave crise econômica e fuga de capitais. Não existia espaço para debates à esquerda. Esse partido que se fincava no centro era aliado, no governo, a outras pequenas agremiações à esquerda e à direita - era inevitável que o ponto de equilíbrio fosse o centro, com concessões eventuais à direita e à esquerda.
No segundo mandato, se a reeleição deu alguma sustentação ao presidente Lula para fazer uma inflexão à esquerda - quer como resposta à radicalização da oposição à direita, quer pelo fato de ter sido consagrado por uma população de baixa renda que é altamente penalizada em conjunturas de políticas econômicas conservadoras -, a aliança com o PMDB, que aderiu ao governo depois das eleições de 2006, colocou limites muito precisos a isso. O segundo governo Lula foi à esquerda do primeiro, mas nem tanto. O PMDB é um partido que, na sua trajetória pós-redemocratização, perdeu qualquer referência de esquerda e abriga bolsões ultraconservadores - a maior parte da bancada ruralista, a mais ativa oposição a qualquer política fundiária de qualquer governo, está abrigada naquele partido; lá se acomodam as principais lideranças regionais estaduais mais apegadas a antigas práticas de clientelismo. Os setores mais conservadores do PMDB tiveram protagonismo nas questões fundiárias - o ministro pemedebista Reinholds Stephanes (PMDB-PR) tem maior poder de influência do que Guilherme Cassel, ministro do Desenvolvimento Agrário e integrante da esquerda do PT; Stephanes tem ganhado também as quedas de braço com o Meio Ambiente. O PMDB também foi a referência conservadora na disputa entre o Ministério da Defesa e a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), na questão da criação de uma Comissão da Verdade destinada a apurar excessos cometidos pelo aparelho de repressão do Estado.
O PMDB é o parceiro eleitoral que o PT quer e o governo e o partido têm feito todos os esforços para ter um pemedebista como vice na chapa encabeçada por Dilma Rousseff. Não existe razão alguma para imaginar que, se o PT vencer em outubro, um governo de Dilma terá enormes diferenças em relação ao seu antecessor. O PMDB se beneficia eleitoralmente de medidas populares de esquerda do governo Lula, mas os setores mais conservadores do partido estabelecem limites muito claros, que são os seus interesses. Existe uma certa organicidade nessa agremiação de centro partida em pedaços, que é a consciência de que a defesa dos interesses de grupos cimentam a unidade que dá a ela poder de barganha junto a qualquer governo. Como é uma grande agremiação, com grande peso no Congresso, isso tem muita importância na definição ideológica de um governo ao qual está aliado.
Internamente, o PT também tem maiorias consolidadas que por si só mantêm o partido longe dos discursos de ruptura do passado. A queda do Muro de Berlim, há 20 anos, foi um baque para todos os partidos de esquerda no mundo. Muito antes disso, a denúncia dos crimes de Joseph Stálin, em 1956, pelo governo soviético de Nikita Kruschev, já havia colocado a questão democrática no centro dos debates da esquerda mundial. O fracasso da esquerda armada no Brasil e na América Latina, e a vitória de brutais regimes militares de direita que praticamente dizimaram esses grupos revolucionários, são dados que se somaram e solidificaram um processo contínuo de aproximação das esquerdas brasileiras da ideia de socialismo democrático. Quando a democracia passou a ser o instrumento fundamental de formação de hegemonias para esses grupos, logicamente o limite de radicalização à esquerda fica muito claro, independentemente das alianças na política institucional que um partido que se diga socialista faça. Como toda essa água rolou desde que a UDN e os militares udenistas tomaram o poder pela força em 1964, com a justificativa de evitar que a esquerda fizesse uma revolução pela força, o discurso eleitoral que atribui a qualquer partido de esquerda hoje situado na política institucional brasileira intenções de ruptura é, no mínimo, fora de moda; no máximo, terrorismo político-eleitoral.
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