por Luiz Carlos Azenha
Quando o repórter Rodrigo Vianna escreveu uma carta denunciando a manipulação grosseira do noticiário da TV Globo em ano eleitoral (2006), enfim ouviu-se uma voz "de dentro" da emissora, de alguem diretamente envolvido com os acontecimentos. Não foi a única. O Rodrigo "representou" um grupo de profissionais, alguns dos quais continuam na emissora, que não se conformaram com os métodos manipuladores de Ali Kamel, novos no sentido de serem mais sofisticados, mais difíceis de perceber, novos por envolverem não só o noticiário, mas também programas de entretenimento da emissora.
Conforme denunciou Marco Aurélio Mello, ex-editor de Economia do Jornal Nacional em São Paulo, no período eleitoral de 2006 a Globo "tirou o pé" das reportagens econômicas produzidas em São Paulo. Supostamente, elas beneficiariam o candidato Lula, já que a economia brasileira ia bem. Por outro lado, a emissora tratou de concentrar os seus recursos econômicos e profissionais na cobertura de assuntos e escândalos que poderiam desgastar o candidato Lula, escondendo assuntos que poderiam afetar a oposição. De repente, como que caído do céu, o comentarista Alexandre Garcia passou a pontificar no programa de Ana Maria Braga, dentre outros episódios que caracterizaram a tentativa de manipulação do eleitorado.
Desde 2006 a série sobre a revista Veja, de autoria do blogueiro Luís Nassif, demonstrou claramente como o Jornalismo da Abril foi colocado a serviço de certos interesses. E Paulo Henrique Amorim, na tradição sarcástica do jornalismo carioca, popularizou a expressão PIG para abarcar um conjunto de ações movidas pela mídia brasileira contra interesses populares, denunciando também a relação carnal entre o PSDB e os donos dos mais importantes grupos de mídia do país, notadamente as Organizações Globo, a Abril, a Folha e o Estadão.
Os últimos dias tem sido pródigos em exemplos de que o que aconteceu em 2006 e nas "crises" subsequentes -- da epidemia de febre amarela ao caos aéreo -- está se repetindo em 2010. Uma pesquisa do Vox Populi, demonstrando que em algumas semanas a candidata governista Dilma Rousseff subiu 9 pontos nas preferências do eleitorado, enquanto o candidato José Serra caiu 5 pontos, teve a sua divulgação adiada por uma semana pela empresa que comprou o levantamento -- a Rede Bandeirantes --, provavelmente para que a notícia, dada na noite de sexta-feira, "coincidisse" com um fim-de-semana, quando cai a leitura de jornais, a audiência de telejornais e o público dos blogs.
Na divulgação da pesquisa, a emissora não apresentou um gráfico comparativo com as pesquisas anteriores, demonstrando que a candidata governista está em ascensão, enquanto José Serra está em queda:
Distorções na forma e na apresentação dos dados de pesquisas eleitorais são preocupantes, uma vez que as três principais empresas pesquisadoras do país fornecem seus resultados a grupos de mídia comprometidos com o candidato Serra: Datafolha, Vox Populi (TV Bandeirantes) e Ibope. O presidente deste último, aliás, deu entrevista prevendo a vitória do candidato Serra em 2010.
Muito embora se possa atribuir à "identidade ideológica" o comportamento partidarizado de grupos de mídia que se apresentam como "neutros" na disputa eleitoral, o Jornalismo ainda nos deve uma investigação sobre se existe ou não uma ação organizada para "escolher" escândalos a serem repercutidos ou notícias a serem escondidos. Nesse sentido, o depoimento de Rodrigo Vianna e de outros profissionais da TV Globo continuam sendo únicos.
A diferença, em relação a 2006, é que agora algumas dezenas de milhares de brasileiros já estão treinados em identificar manipulações, distorções, omissões e falsidades midiáticas, um trabalho antes exclusivo de estudiosos do ramo. Trata-se, pois, de um avanço notável, cujo impacto se multiplica com a expansão do público da blogosfera.
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