O objetivo deste blog é discutir um projeto de desenvolvimento nacional para o Brasil. Esse projeto não brotará naturalmente das forças de mercado e sim de um engajamento político que direcionará os recursos do país na criação de uma nação soberana, desenvolvida e com justiça social.
quarta-feira, fevereiro 03, 2010
A verdadeira origem da tragédia no Haiti
Chamemos as coisas pelos seu nome. Os milhões de dólares que o mundo rico destina agora ao Haiti não apagam a responsabilidade desse mundo na origem da tragédia: impor políticas económicas injustas, perniciosas e inúteis.
Catástrofes naturais, o que se chama de catástrofes completamente naturais, não existem a cem por cento. Se as descascarmos, encontramos falta de solidariedade e cobiças anteriores, incompetência culposa, numerosas injustiças estruturais mais doses industriais de hipocrisia. Tomemos como exemplo o terramoto do Haiti, o afundamento de Porto Príncipe, sua capital.
Num extraordinário e denso programa informativo elaborado por uma equipe de competentes jornalistas da televisão espanhola (bem escasso nestes tempos) sobre o desastre do Haiti, averiguamos que em catástrofes anteriores não se distribuiu a ajuda humanitária por erros logísticos. Neste terramoto, a ajuda humanitária amontoa-se no aeroporto da capital, mas os haitianos deambulam pelas ruas sem nada do que precisam, muitos obtendo o que podem das lojas de alimentos destruídas... Pelo menos assim é quando escrevo estas linhas.
No programa informativo mencionado, porta-vozes de instituições internacionais, Cruz Vermelha e outras organizações solidárias, concordam em que é um problema enorme resolver a "questão logística" para fazer chegar a ajuda humanitária aos haitianos que dela necessitam, que são quase todos. Falha portanto, como uma espingarda de feira, o "conjunto de meios e infraestruturas necessárias" (a logística é isso) para distribuir equipamentos sanitários, medicamentos, alimentos, água...
Falhou a logística na reunião e repartição de milhões de dólares para salvar os incompetentes, imprudentes e cobiçosos grandes bancos do mundo no início da crise financeira? Que problemas concretos existem para distribuir a ajuda humanitária? Não há pessoal suficiente? Não há meios de transporte? Dizem que no Haiti já não há Estado e isso complica tudo. Não pode a ONU substituir ainda que provisoriamente esse Estado inexistente?
Por que se verificou essa catástrofe? Só ouvi expor a causa final da tragédia no Haiti por parte do bom jornalista que é o repórter Vicente Romero, enviado ao Haiti, e de um porta-voz da Intermón Oxfam. A tragédia foi tão considerável porque em Porto Príncipe, a capital, amontoavam-se milhares e milhares de pessoas pobres que fugiram há anos das zonas rurais e ali se instalaram em habitações precária, vilas miséria, favelas, bidonvilles ou como queiram chamar a esse buracos de pobreza e marginalidade.
E por que se deslocaram em massa do campo para a capital? Porque ficaram sem trabalho e sem possibilidade de tê-lo. E por que esse desemprego maciço? Porque os génios do Fundo Monetário Internacional decidiram "liberalizar" o mercado do arroz no altar no livre comércio. Ou seja, retiraram ao Haiti o poder de impor tarifas ao arroz estrangeiro.
O resultado foi que os cultivadores de arroz do Haiti ficaram a mercê do sector arrozeiro estado-unidense, subvencionado pelo governo dos Estados Unidos. Arruinaram o arroz haitiano, vendendo os Estados Unidos o seu muito mais barato; de facto abaixo do preço de custo. Essa é a liberdade de comércio que entendem os Estados poderosos, as organizações económicas internacionais e a minorias privilegiadas e cobiçosas a cujo leal serviço estão.
O filme real dos factos é este: o sector arrozeiro haitiano afunda-se, os camponeses haitianos emigram para a sua capital e amontoam-se em habitações precárias, produz-se o terramoto e as frágeis habitações (e outras que parecem que não são) afundam-se. Muito haitianos morrem, muitos outros ficam feridos e todos sem lar nem meios nem nada de nada deambulam pelas ruas de Porto Príncipe sem futuro nem horizonte.
Por que no Japão (terra de terramotos) quando treme a terra não há mortos ou muito poucos? Será porque os edifícios estão construídos com todos os avanços construtivos contra terramotos? Terá a ver com o grau de pobreza ou riqueza de um país que as catástrofes naturais sejam letais ou não?
E esse grau de pobreza ou riqueza, de desenvolvimento, tem a ver com a justiça e equidade (ou não) de um sistema voraz, cobiçoso e predador como é o capitalista neoliberal?
Chamemos as coisas pelo seu nome. Os milhões de dólares que o mundo rico destina agora ao Haiti não apagam a responsabilidade desse mundo na origem da tragédia: impor políticas económicas injustas e perniciosas, além de inúteis. Para não falar o histórico abandono do Haiti pela França ou Estados Unidos, por exemplo, no altar dos seus interesses nacionais.
por Xavier Caño Tamayo
[*] Jornalista e escritor
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário