Sobre ACM
Conheci Antonio Carlos Magalhães nos começos dos anos 70, e tive com ele uma relação de mais de 30 anos, a seu modo muito singular. Em visita à Editora Abril, então ancorada às margens do Tietê, ACM fez questão de conhecer o diretor de redação de Veja. Foi muito cordial. Fora prefeito nomeado de Salvador e há pouco tempo a ditadura militar o alçara à governança do seu estado. Dois, ou três anos depois, quando eu ainda dirigia Veja, fui dar uma palestra em um convescote de jornalistas em Salvador. Pronunciei as coisas de sempre, e como sempre destinadas a irritar os donos do poder. Nem por isso, o governador deixou de me convidar para um jantar em família no Palácio da Ondina, residencial oficial no topo de um morro. Como da vez anterior, muito afável e disposto a ouvir as minhas criticas. Sem pestanejar. Pouco tempo depois, sai de Veja, em beneficio da chantagem que o então ministro da Justiça (Justiça?), Armando Falcão, exercia há tempo sobre a Editora Abril. Aprovaria um empréstimo de 50 milhões de dólares da Caixa Econômica Federal à editora, desde que eu fosse demitido. Preferi me demitir. Enquanto o governador nomeado de São Paulo, Paulo Egydio Martins, escondia-se para evitar qualquer contato comigo, ACM ligou e me convidou para seguir para a Bahia, para assumir o controle da operação que visava a criação de um jornal. Carlista, obviamente. Declinei, mas não me envergonho de dizer que fiquei tocado, embora identificasse no gesto o desafio do mandatário da capitania hereditária. Oito anos após, ao se formar a chamada Aliança Democrática e foi lançada a candidatura de Tancredo Neves às indiretas, fui ancora de um programa na TV Record, então de propriedade da família Machado de Carvalho. Chamava-se “Jogo de Carta”, e ali, por mais de uma hora, entrevistei ACM, que figurava entre os cabos eleitorais de Tancredo. Mais um galope do tempo, e eis que o programa começa a desagradar o governo Sarney. O presidente não se dá bem com criticas, e seu ministro das Comunicações, Antonio Carlos Magalhães, inaugura uma temporada de pressões sobre Paulinho Machado de Carvalho, no comando da Record. É crise arrastada, que atinge o ponto de ruptura no momento da demissão de Dílson Funaro do ministério da Fazenda, primeiro terço de 1987. Prevista a saída do ministro em uma segunda, sei de tudo na sexta anterior, graças a um informante especial, o professor Luis Gonzaga Belluzzo, assessor de Funaro, com quem janto naquele dia. Combinamos uma gravação do meu programa na tarde de domingo, iria ao ar na noite de segunda, quando a demissão já estaria consumada. A gravação se deu, convoquei Luis Nassif para colaborar na tarefa. O suave professor não é de fazer estardalhaço e muito menos fofocas, disse algo, com comedimento, sobre as interferências do genro de Sarney, Jorge Murad, e da filha Roseana, coisa pouca, a bem da verdade, a despeito de entrelinhas mais ricas para bons entendedores. A demissão ocorreu dentro da programação, e na noite de segunda o “Jogo de Cartas” foi transmitido após o fato consumado. Naquele tempo, eu dirigia a revista Senhor, na Editora Três, e ao chegar de manhã à redação fui alvejado por um telefonema de Ulysses Guimarães. Estava muito agitado, disse, em tom insolitamente alterado: “Que vocês inventaram ontem a noite, o Planalto está em polvorosa”. Expliquei. Pediu-me uma cópia do tape. A agitação alcançou a Record. Fui claro com Paulinho Machado de Carvalho: “O próximo programa é com prefeitos do interior de São Paulo, mas o outro é com o Brizola”. O primeiro não deu problemas, está claro. Por ocasião do segundo, ao chegar o engenheiro Leonel percebi a inquietação geral. Uma equipe de censores estava de prontidão atrás dos vidros de uma salinha de controle. O programa foi ao ar às 2,30 da manhã, depois de um filme interminável que vagamente evocava as aventuras submarinas do capitão Nemo. De manhã fui à Record e disse ao Paulinho: “Olha, estou fora, mas entendo seus problemas com o ACM, e nós vamos ficar amigos”. Somos até hoje. Paulinho lançou um livro de memórias, recentemente, e eu entrei na fila dos autógrafos. Dedicou-me uma frase afetuosa, com referência às malvadezas daquele tempo. ACM ganhou mais uma parada, Sarney perdeu um crítico. Levei na esportiva, sou sincero. E em relação ao imperador da Bahia passei a me portar pragmaticamente. Sem panos quentes e sem rancores vãos. De sorte que, quando ele se tornou o condestável da candidatura de Fernando Henrique Cardoso em 1994, fui entrevistá-lo em Salvador, juntamente com Bob Fernandes. Foi a capa da segunda edição de CartaCapital, então ainda mensal. Estive em Salvador faz dias, ouvi de opositores ferrenhos de ACM: “Foi a melhor entrevista do homem”. Anos após, a mesma CartaCapital publicou mais de uma reportagem sobre as malvadezas de Toninho, mas só nos tempos da chamada crise do mensalão ele agrediu a mim e a revista de maneiras diversas e sempre injuriosas. Como se sabe, a morte não falha. Não me regozijo com esta, no entanto. Sei apenas que ACM foi um modelo de oligarca, intérprete perfeito de nossa história medieval, ainda em pleno andamento.
enviada por mino
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