Evaristo Almeida
Ontem caminhei na Avenida Paulista acompanhando as manifestações contra o aumento da tarifa de ônibus, como ocorreu em várias outras cidades do país.
A primeira constatação que tive é que há uma pauta vazia, sem densidade política e muitos manifestantes nem tinham a clareza de que um movimento dessa dimensão é sim um movimento político.
Apesar da multidão nas ruas do país, não dá para considerar esse movimento como o das Diretas Já, ou do impeachment do Collor.
No primeiro caso havia a necessidade da luta contra a ditadura civil-militar no Brasil. Essa ditadura impediu o desenvolvimento do país por ter impedido pautas importantes que o governo João Goulart tinha colocado em 1964, como investimento em educação e a reforma agrária. Foi justamente o que a Coreia do Sul fez naquele período e graças a isso e o processo induzido de desenvolvimento, atualmente é um país rico, com benefícios para toda a sua população.
O Brasil atualmente vive o mais longo processo democrático da nossa história junto com o melhor momento econômico, reduzindo as desigualdades sociais. Hoje há mais gente na universidade do que em qualquer outro período histórico. Nunca se investiu tanto em educação, em saúde, segurança e transportes.
É preciso preservar tudo isso e fiquei preocupado quando vi grupos fascistas dentro da manifestação pregando a volta da ditadura civil-militar, que por 21 anos atrasou o nosso país. Esses mesmos grupos são contra o Bolsa Família, o Prouni, a cotas sociais e raciais nas universidades federais e pior ainda, defendem sistemas políticos totalitários.
No caso do impeachment do Collor havia um país destruído moralmente e em profunda crise econômica e este não é o caso do Brasil atualmente. Em momento algum da nossa história houve tanta transparência nos gastos dos governos, da liberdade de ação dos órgãos de fiscalização.
E a economia brasileira resiste a um tsunami econômico que arrasta a Europa e os Estados Unidos.
Enquanto na Europa o desemprego é acima de 20% da população, chegando a 60% dos jovens na Europa, aqui no Brasil a taxa é de 5,8%.
Os jovens da Primavera Árabe estão brigando pela democracia, visto que são países com governos totalitários e os da Europa, por direito ao trabalho. A taxa de suicídios na Espanha por pessoas que perderam as moradias é extremamente alta.
Aqui no Brasil vivemos uma situação totalmente diferente, por isso dizer que o país acordou, não é correto. Acordou de quê? Se há melhoria de vida nos últimos dez anos para todas as classes sociais. E a melhoria do salário mínimo, do poder de compra dos trabalhadores, do acesso à universidade, da redução da pobreza entre outras conquistas?
Está bom? Ainda não, pois temos um passivo de 500 nos de exploração do nosso povo, mas estamos sinalizando que cada dia será melhor.
Temos as descobertas do petróleo do pré-sal que poderá alavancar o desenvolvimento do país e resolver por vez os problemas estruturais em educação, saúde, segurança e mobilidade urbana.
Vivemos hoje bombardeados pelo terrorismo midiático que passa a idéia aos jovens de que o Brasil é o país mais corrupto do mundo, de que estamos numa profunda crise econômica, como a Europa e que trabalham para a baixa estima do povo brasileiro.
Há corrupção no Brasil, como em qualquer outro país do mundo, como os Estados Unidos, a França, a Inglaterra, o Japão, a China, a Índia, etc.
Quem assistiu o documentário Inside Job pode ver como a corrupção do sistema financeiro estadunidense com os órgãos de controle provocou uma perda de US$ 780 bilhões ao povo estadunidense. Em anos anteriores houve uma denúncia do órgão fiscalizador o GAO, de falcatruas envolvendo aquisição de material militar. Uma das causas da renúncia do Papa Bento XVI foi a corrupção na Igreja.
A corrupção é um mal que precisamos lutar contra ela todos os dias e cada vez mais criar mecanismos de controle e transparência.
Outra pauta muito presente nas ruas foi contrabandeada pelo Ministério Público, que é a PEC 37. Será que os garotos que postavam cartazes sabem que o Ministério Público constitucionalmente não deveria investigar e que cabe à polícia? E que isso é no mundo inteiro assim?
Cabe ao Ministério Público a denúncia, a polícia a investigação e ao judiciário o julgamento. Porque o Ministério Público nunca investigou os incêndios nas favelas de São Paulo na gestão anterior? E as chacinas que acontecem nas periferias das cidades brasileiras, porque não são de interesse do Ministério Público? Ou os males que afligem os pobres raramente são do interesse do MP?
Quanto a negação da política pelos manifestantes, lembro que a política rege tudo que diz respeito à vida dos seres humanos. Na Grécia antiga só os cidadãos livres, a quem eram chamados de cidadãos, participavam da política e os escravos e pobres não podiam. Isso é muito simbólico, pois participar da política é ser cidadão e livre. Não podemos abdicar dela.
E os partidos políticos? Não existe democracia sem partidos políticos que representam todas as forças ideológicas sociais. São os partidos que apresentam as demandas da sociedade.
Eu acho que precisamos radicalizar a democracia para que todos se sintam representados e participantes da política na sociedade.
Como militante do Partido dos Trabalhadores desde 1982, acho o PT um instrumento muito importante de transformação social do país. Tenho orgulho do quanto o PT ajudou o Brasil a melhorar. E até acho que o PT deve incorporar a luta contra a corrupção, afinal essa é uma pauta presente desde a nossa fundação.
O que não se pode é simplesmente pegar o chamado processo do mensalão, a AP 470, ainda em curso no STF e as pessoas que ali estão e colocar na cadeia sem que todo direito de defesa seja efetivado. Principalmente quando se está provado que o procedimento do STF está cheio de irregularidades.
O Paulo Moreira Leite escreveu o livro “A Outra História do Mensalão” que mostra como alguns ministros do STF junto com a PGR trataram de forma diferente o mensalão do PT e o mensalão do PSDB, que é mais antigo e se deixar assim nunca será julgado.
Esse livro mostra ainda como o processo foi direcionado para julgar e acusar o PT independentemente de qualquer culpa. O STF e a PGR agiu pautado pela oposição e a mídia. Quem não lembra que o julgamento durou até próximo a eleição municipal de 2012?
Dentro da bandeira contra a corrupção devemos exigir que o STF faça o julgamento do mensalão do PSDB de forma isonômica além de exigir leis mais duras para corruptos e mais transparência em todos os níveis de governo, municipal, estadual e federal. Por mais incrível que pareça o governo federal é quem mais tem mostrado transparência nas suas contas enquanto outras esferas de governo ainda não o fizeram.
Também devemos exigir reforma política e financiamento público de campanha para acabar com a corrupção.
Acredito que as manifestações devem ser encaradas como um processo democrático, mas tirando o joio do trigo. Na democracia temos o direito de brigar pelos nossos direitos, isso foi uma conquista do nosso povo. Muita gente foi presa, torturada e morta para que tirássemos os ditadores do poder.
Se fosse uma ditadura as manifestações seriam todas repelidas da forma como foi feita em São Paulo, durante o primeiro protesto. Não haveria recuo dos prefeitos e governos no tocante a tarifa.
A democracia é um sistema político imperfeito, mas o ser humano ainda não inventou nada melhor.
Meu repúdio a forma como parte da mídia tenta se aproveitar do movimento para derrubar o governo federal, como ocorreu em 1964 em que a grande imprensa brasileira apoiou o golpe de estado planejado pelos Estados Unidos, juntos com os empresários e militares brasileiros. Por isso se faz necessário a discussão dos meios de comunicação em que seis famílias decidem o que deve ou não ser publicado. E lembrar que elas incentivaram a repressão aos jovens pela polícia de São Paulo. Houve editoriais de jornais pedindo mais força.
A democracia é um bem conquistado a duras penas. Não ao fascismo que alguns grupos infiltrados na manifestação defendem.
E que podemos ser um país normal em que as pessoas possam se manifestar livremente a suas opções políticas, sexuais, religiosas ou que defendam outras pautas de interesse coletivo.
Está na hora de se construir meios para o avanço da participação popular mais ativa, inclusive os mais jovens, nos destinos do Brasil.
O Brasil hoje é um país que cresce em todos os sentidos melhorando a vida de todos.
Esse texto é de um “velho” militante de esquerda, petista e que se orgulha muito de participar da política e do que ela melhorou a vida do nosso povo e que espero contribua para o debate que deve ser feito após todos esses eventos no nosso país.
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