O dragão inflacionário está contido, e hoje não passa de uma lagartixa. Gélida e incômoda, mas uma lagartixa. O resto é agenda eleitoral. Quando a inflação mensal sobe, é manchete dos cadernos de economia dos principais jornais; quando cai, fica escondida entre outras matérias consideradas “mais importantes” pelos editores.
Por Victor Leonardo de Araujo
Podem perceber: quando a inflação mensal sobe, é manchete dos cadernos de economia dos principais jornais; quando cai, fica escondida entre outras matérias consideradas “mais importantes” pelos editores. Assim ocorreu após o anúncio do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o índice oficial de inflação, referente ao mês de maio: variou 0,37%, bastante inferior aos meses anteriores, e pouco se comentou. O item “alimentos e bebidas”, vilão da inflação no Brasil nos últimos meses (e em quase todos os últimos repiques inflacionários), subiu 0,31%, e ficou abaixo da média dos últimos seis meses (desde dezembro tem ficado acima de 1%).
Inflação é sempre um assunto muito sério, porque reduz o poder de compra dos trabalhadores, e porque os ônus das medidas antiinflacionárias costumam sempre recair sobre os seus ombros, seja na forma de salários menores, seja na forma de mais desemprego. O problema é que no Brasil o debate sobre inflação é sempre conduzido de forma muito pobre, e a politização necessária acaba sendo sempre direcionada para o rumo eleitoreiro. O assunto merece algumas ponderações.
A primeira delas é que o chamado “Regime de Metas de Inflação” foi introduzido no Brasil em 1999; nos quatro anos do segundo governo FHC, em dois deles (metade, portanto) a inflação medida pelo IPCA ficou acima da meta, tendo alcançado dois dígitos em 2002 (12,5%). Desde 2005 a inflação tem ficado dentro da meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional. Nos oito anos de governo FHC, a inflação anual média foi de 9,1%, contra 5,7% a.a. dos dois governos Lula, e 5,8% dos 10 anos de governo Lula+Dilma. Os dados falam por si: os tucanos conduziram a política antiinflacionária de forma muito pior, embora, na sua retórica, tentem posar de paladinos da inflação baixa.
A segunda é algo repetitivo, mas necessária dizer: o combate à inflação deve levar em consideração as suas causas. Não dá para falar em inflação de demanda em uma economia que desacelera desde 2011, e que tem registrado taxas de crescimento pífias. Os alimentos e bebidas, que mais têm pressionado os índices de inflação nos últimos repiques inflacionários (13,5% acumulados nos 12 meses findos em maio, ou seja, o dobro do índice médio), têm subido ora por motivos climáticos, ora por causa dos preços internacionais das commodities – típicos choques de oferta. Em ambos os casos, elevação da taxa de juros Selic constitui uma medida inócua para o seu combate. No caso dos serviços pessoais (8,76% acumulado em 12 meses), a política de aumento real do salário mínimo tem sido apontada como a principal causa. Trata-se de uma mudança de preços relativos, cuja transição tem provocado e ainda provocará aumentos acima da média. A economia brasileira precisará saber acomodar esses aumentos sem recorrer à tradicional política de arrocho salarial. O salário mínimo no Brasil ainda é baixíssimo, e o salário médio também. As remunerações dos trabalhadores brasileiros não são altas: são apenas relativamente mais altas do que no passado. A distribuição de renda no Brasil continua ruim: é apenas um pouco melhor do que no passado. Estancar os parcos ganhos obtidos pelos trabalhadores sob o pretexto de fazer política antiinflacionária é de uma crueldade sem tamanho.
Entender que a economia brasileira precisa acomodar melhor os ganhos salariais reais não é o mesmo que ser condescendente com a inflação. Mas esta acomodação é mais fácil em um contexto de crescimento do produto e da produtividade, porque permite elevar salários sem comprimir as margens e sem repassar os aumentos aos preços finais – eis o calcanhar de Aquiles. Entre 2000 e 2009, a produtividade média da economia brasileira cresceu apenas 0,9% ao ano; a produtividade da indústria de transformação caiu 0,6% a.a., e a da agropecuária cresceu 4,3% a.a.
A terceira ponderação a se fazer sobre a inflação é sua relação com a taxa de câmbio. O desmonte de elos importantes da indústria brasileira durante o governo FHC fez com que a economia brasileira ficasse mais dependente dos produtos importados, e os preços passaram a ter maior correlação com a taxa de câmbio. O pouco ou nenhum esforço do governo petista em reconstruir antigos ou novos elos da cadeia produtiva mantém esta dependência e coloca o governo numa encruzilhada: precisa desvalorizar a taxa de câmbio para atender às demandas de um segmento da indústria, mas quando o faz a inflação sobe; se deixa o câmbio apreciar, mantém a inflação baixa, mas provoca prejuízos ao setor industrial.
As ponderações acima levam a uma importante constatação: a economia brasileira possui sérios problemas estruturais que têm se manifestado na forma de inflação. O combate a esses problemas deve levar à elaboração de políticas específicas, que visem modificar a estrutura produtiva, sob um viés verdadeiramente desenvolvimentista. O governo petista pouco fez neste quesito.
Finalmente, a última ponderação é que inflação é sempre um problema sério, mas a ele tem que ser dada a dimensão correta. A despeito do que dizem os que preferem dar ao debate um viés eleitoral, não há qualquer sinal de descontrole inflacionário no Brasil. Em todos os momentos em que, no acumulado em 12 meses, a inflação medida pelo IPCA superou o teto de 6,5%, no momento seguinte ela sempre recuou. Considerando-se o ano-calendário, desde 2005 a inflação tem permanecido dentro do limite superior da meta. O dragão inflacionário está contido, e hoje não passa de uma lagartixa. Gélida e incômoda, mas uma lagartixa. O resto é agenda eleitoral.
*Victor Leonardo de Araujo é professor da Faculdade de Economia da UFF. E-mail: victor_araujo@terra.com.br
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