Paulo Moreira Leite
Desde janeiro de 2013, é diretor da ISTOÉ em Brasília. Dirigiu a Época e foi redator chefe da VEJA, correspondente em Paris e em Washington. É autor dos livros A Mulher que era o General da Casa e O Outro Lado do Mensalão.
O lugar da presidenta
Observadores variados descobriram uma melodia única para avaliar o pronunciamento de Dilma Rousseff, ontem, quando a presidente falou sobre os protestos e a baderna.
Eles cobram novidades – sem dizer quais – e reclamam medidas espetaculares – sem dizer o que teriam em mente.
Esse pessoal não entendeu nada. O pronunciamento de Dilma, um pouco demorado demais, talvez, esteve a altura do momento em que o país se encontra depois que milhões de pessoas foram às ruas. Sua virtude é não trazer novidades nem anunciar medidas espetaculares. O país, em 2013, não precisa disso, vamos combinar. O grande espetáculo se encontra nas ruas.
Num ambiente de semi-insurreição, onde reivindicações justas e urgentes se misturam a proclamações autoritárias e atos contínuos de violência arruaceira, cabe a presidente da República mostrar que assume suas responsabilidades, lembrando que o país possui uma Constituição, que ela tem a obrigação de defender pelos meios de que dispõe.
São valores teoricamente velhos, tão antigos como o regime republicano, de 1889.
Na conjuntura atual, são afirmações atuais e indispensáveis. Não precisamos de lances marketing. Precisamos afirmar valores consistentes e fundamentais, como democracia, progresso social, Constituição.
A atitude de Dilma ajuda a recordar que os brasileiros usufruem do mais amplo regime de liberdades publicas de sua história e que essa conquista deve ser preservada. Lembra que seus poderes presidenciais emanam do povo. Foi um pronunciamento presidencial, de quem fala para o país inteiro – e não para os aliados do governo nem, exclusivamente, para os brasileiros que foram às ruas.
São referências importantes após quinze dias de baderna urbana – carros incendiados, vidros quadros, roubos, ataques a edifícios públicos – e baderna ideológica, com perseguição e porrada em militantes de partidos políticos, faixas que pediam golpe militar e atitudes fascistas.
A presidenta não fez ameaças diretas, mas ficou implícito – felizmente – que se sente inteiramente a vontade para usar o monopólio da violência – que é um direito do Estado – quando for necessário. Num momento em que se multiplicam atos de puro banditismo, condenou a arruaça e a irracionalidade. Mostrou disposição muito maior para ouvir e negociar.
Para quem passou os dois últimos anos criticando a falta de diálogo do governo com a sociedade, Dilma anunciou que irá abrir as portas para dialogar com manifestantes, com entidades e sindicatos. Vai ouvir, considerar e ponderar. Se cumprir o que disse, seu governo assumirá um novo perfil político a partir de então.
Para quem imaginava que os protestos iriam paralisar o governo e transformar a presidente numa órfã política, Dilma avisou que está ativa. Mostrou disposição para ouvir a voz das ruas como nenhum antecessor jamais o fez. Mas sabe seu lugar e sabe muito bem para que foi eleita.
Essa é a mensagem real do pronunciamento.
O resto é crítica de cinema.
Nenhum comentário:
Postar um comentário