quarta-feira, setembro 07, 2011

Ecos da era Reagan no Brasil de Dilma


Por Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo

Nas linhas e entrelinhas da grande, média e pequena imprensa saboreio as conjeturas de grandes economistas brasileiros reunidos em tertúlia no Instituto FHC. Cinco dos mais respeitados doutores da Ciência Triste desfiaram diagnósticos e recomendações de política econômica. Lançaram maldições e condenações aos caminhos e descaminhos da economia brasileira no período recente. Entre as propostas ilustradas figuravam a redução de impostos para estimular a poupança privada e uma reforma constitucional para afastar as ilusões inscritas na Constituição de 1988. Na avaliação desses economistas, a Constituição brasileira consagrou direitos econômicos e sociais “europeus”.

Os reparos e as recomendações lembram as promessas da “economia da oferta”, a inovação teórica do conservadorismo dos anos 70 nos Estados Unidos. Seus adeptos sustentavam que a insistência no estímulo fiscal associada à ação dos sindicatos deu origem simultaneamente à estagnação e à inflação, matrizes do desemprego a longo prazo. Por essas e outras, a “reestruturação conservadora” preconizava a redução de impostos para os ricos “poupadores” e a flexibilização dos mercados de trabalho. A curva de Laffer acusava os sistemas de tributação progressiva de desestimular a poupança e debilitar o impulso privado ao investimento, enquanto os sindicatos teimavam em prejudicar os trabalhadores ao pretender fixar a taxa de salário fora do preço de equilíbrio. Nos mercados de bens, a palavra de ordem era submeter as empresas à concorrência global, eliminando os resquícios de protecionismo e quaisquer políticas deliberadas de fomento industrial.

Submetidos à disciplina dos mercados – tão flexíveis quanto vigilantes – os trabalhadores livres, empresas enxutas e governos austeros receberiam a recompensa de lucros estáveis, empregos de alta produtividade, salários reais crescentes, orçamento equilibrado e descompressão dos mercados financeiros, agora aliviados das forças de “expulsão” da demanda de financiamento privado pela sanha do endividamento público. Para os mercados financeiros, os conservadores acenavam, portanto, com as maravilhas da desregulamentação e a eliminação das barreiras à entrada e saída de capital-dinheiro de modo que a taxa de juros pudesse exprimir, sem distorções, a oferta e a demanda de “poupança” nos espaços integrados da finança mundial

Recomendações de economistas brasileiros lembram promessas da “economia da oferta” da era Reagan

As reformas deveriam ser levadas a cabo num ambiente macroeconômico em que a política fiscal esteja encaminhada para uma situação de equilíbrio intertemporal sustentável e a política monetária controlada por um banco central independente. Essas condições macroeconômicas significam que as duas dimensões públicas das economias de mercado – a moeda e as finanças do Estado – devem ser administradas de forma a não perturbar o funcionamento das forças que sempre reconduzem a economia privada ao equilíbrio de longo prazo.

O lero-lero do “trickle down” não entregou o prometido. A prodigalidade de isenções e favores fiscais para as camadas endinheiradas fez pouco ou quase nada para elevar a taxa de investimento no território americano, mas suscitou o ingurgitamento da esfera financeira, a multiplicação de paraísos fiscais, a migração da grande empresa para as regiões de baixos salários, os sucessivos déficits fiscais e a ampliação do déficit em conta corrente.

O jogo da competitividade global se aliou às novas normas de governança das empresas para concentrar o poder nas mãos dos acionistas e dos administradores da riqueza financeira. As empresas ampliaram expressivamente a posse dos ativos financeiros, não como reserva de capital para efetuar futuros investimentos fixos, mas como forma de alterar a estratégia de administração dos lucros acumulados e do endividamento. O objetivo de maximizar a geração de caixa determinou o encurtamento do horizonte empresarial. A expectativa de variação dos preços dos ativos financeiros passou a exercer um papel muito relevante nas decisões das empresas. Os lucros financeiros superaram com folga os lucros operacionais. A gestão empresarial foi, assim, submetida aos ditames dos ganhos patrimoniais de curto prazo e a acumulação financeira impôs suas razões às decisões de investimento, aquelas geradoras de emprego e renda para a patuleia.

Observadas do ponto de vista das instituições e dos instrumentos financeiros, estas transformações na riqueza espelham a maior importância da finança direta e “securitizada” em relação ao crédito bancário. A desregulamentação financeira permitiu que fossem apagadas as fronteiras demarcadas depois da crise dos anos 30 entre bancos comerciais, bancos de investimento, seguradoras e instituições de poupança (as “savings and loans”). Transformados agora em supermercados financeiros, os bancos cuidaram de avançar na “securitização” de créditos e se envolver no financiamento de posições nos mercados de capitais e em operações “fora do balanço” que envolvem derivativos. Isso foi acompanhado por uma espiral de alavancagem na cadeia alimentar da finança: bancos comerciais, fundos e bancos de investimento.

A concorrência entre as instituições financeiras foi um fator decisivo na atração da clientela e na aceleração das inovações financeiras. Os administradores de portfólios, na ânsia de bater os concorrentes, procuravam exibir as melhores performances. Para tanto, abriram espaço em suas carteiras para produtos e ativos de maior risco. A busca obsessiva por resultados de curto prazo estimulou a utilização dos fundos próprios das empresas (lucro e reservas de depreciação) para a recompra de ações e pagamento de dividendos. As exigências dos mercados de ações impuseram às empresas sucessivas rodadas de “downsizing”. A queima dos melhores postos de trabalho determinou a estagnação dos rendimentos da classe média para baixo, abrindo espaço para agravar a desigualdade e enredar as famílias nas malhas do endividamento crescente. A procissão de desenganos foi acompanhada da ampliação dos déficits fiscais e em conta corrente, para não falar dos danos à estrutura industrial e da consequente transição dos Estados Unidos de país credor para devedor.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e escreve mensalmente às terças-feiras.

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