terça-feira, agosto 14, 2007

Em busca da política

Existem textos merecedores de leitura constante. Alguns deles se destacam pelo conteúdo contemporâneo, como o que segue:
Estamos reunidos no interior de uma nação que está à beira da ruína moral, política e material. A corrupção domina as eleições, as legislaturas, o congresso, e toca inclusive na pureza da magistratura. A gente se encontra desmoralizada.

Este o preâmbulo de uma longa plataforma política. Não foi produzido por brasileiros aflitos. Por nenhuma ONG. Sequer órgão de classe assume sua paternidade.

Características de desespero moral, as duras palavras não foram elaboradas por aqui. Apesar da atualidade nacional apontar mazelas idênticas às retratadas no documento parcialmente transcrito.

Trata-se de uma explosão cívica ocorrida no ano de 1892. Longe daqui. Lá na cidade de Saint Louis, nos Estados Unidos da América. Nascia o Partido do Povo, de breve duração no cenário político daquele país.

Os temas então abordados coincidem com as atuais preocupações nativas. A democratização monetária. A redistribuição da terra. A melhoria dos serviços de transportes. O bom emprego dos impostos. A nacionalização das estradas de ferro.

O Partido do Povo formou-se com o apoio dos produtores rurais. Queriam o rompimento do oligopólio exercido pelos dois partidos dominantes: os democratas e os republicanos.

A lembrança destes fatos parece oportuna. O Brasil de hoje se assemelha, em muitos aspectos, com a vida americana do Século XIX. Então, aquele país começava a desenvolver meios capitalistas de produção.

Aqui, tardiamente, o capitalismo passa a tomar configuração. Cessaram as costumeiras críticas elaboradas pela direita e pela esquerda. Ambas na busca de preservar privilégios específicos de segmentos sociais definidos.

Vale registrar mais. Os Estados Unidos venceram obstáculos, progredindo sempre, por um único e saudável motivo. Jamais os americanos abandonaram a democracia representativa e, particularmente, a liberdade de expressão.

Atuaram em oposição ao processo desenvolvido nesta América meridional. Aqui, as crises não merecem debates. Clama-se logo pela queda dos governantes. De pronto, soa a ordem de plantão permanente: Fora!

Um imediatismo pouco salutar. Pior ainda. Deforma as instituições. Fere a imagem dos mandatos eletivos. Nada constrói. Resulta apenas agressão aos princípios democráticos.

O que nos falta para chegar lá, ou seja, ao ponto dos Estados Unidos de hoje? A efetiva participação política. A defesa de princípios. O engajamento permanente com ideais e programas definidos pelos partidos.

Os partidos registram fragilidade moral? Deve existir exceção. Procure-se o mais conforme com a própria maneira de pensar de cada um. Acompanhe a trajetória dos eleitos. Comunique-se com os parlamentares. Mostre apoio ou desconformidade com suas atitudes. Proteste.

Explosões circunstancias de vontade não conduzem a nada. Apenas o burburinho momentâneo. Noticiário de jornais. Eventuais imagens na televisão. Depois, o vazio. O esquecimento.

Falta na vida política nacional a boa continuidade. Predomina o tudo já. O agora. Uma comunidade se forma ao longo do tempo. Necessita de organismos partidários duradouros. Lideranças construídas nos embates da vida pública.

Muitos presidentes da República construíram-se artificialmente. Produtos dos meios televisivos. Ocuparam vazios advindos do vácuo produzido pelo regime militar.

Agora é momento de se pensar adulto. Exercitar ações políticas efetivas. Apoiar novas lideranças advindas dos combates eleitorais. Utilizar a internet como meio de protesto. De formulação de novas idéias.

Existem motivos para confiar. A democracia se consolidou. A sociedade rural transformou-se em urbana. Nas cidades, apesar das aparências em contrário, a evolução cívica acelera-se.

Nos espaços urbanos, geram-se ativos pólos de distribuição de conhecimento. Amplia-se a intensidade e rapidez das mudanças sociais. Com duzentos anos de diferença, atinge-se, enfim, por aqui, um razoável grau de democracia. Basta um pouco de esforço e uma cotidiana ação cívica. Vai dar certo.

Explosões grupais de desespero não contêm efetividade. São superficiais. Passam. O importante é ir em da busca da política, como ação coletiva. Nesta atitude cidadã, os partidos políticos mostram-se indispensáveis. Filie-se a um deles.




Cláudio Lembo é advogado e professor universitário. Foi vice-governador do Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador.

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