Da “teoria das hipóteses”
Do dia 7 passado, em O Globo, clama pela atenção dos observadores do singular cenário nativo um artigo de Ali Kamel, diretor da Rede Globo e autor de importantes ensaios (ou seriam aulas?) de jornalismo. É o mesmo que ignorou o acidente da Gol para divulgar, em indiscutível primeira mão no vídeo global, a foto do dinheiro do chamado dossiê antitucanos, sabiamente empilhado pelo delegado Edmilson Pereira Bruno, e entregue ao repórter Tralli. Aconteceu, como talvez alguns cidadãos de boa memória recordem, às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais de 2006. No seu artigo, Kamel ensina que somente a “grande” imprensa tem condições de praticar o jornalismo livre e independente. Por quê? Simples: por obra e graças da publicidade, abundante e variada. Outra do professor: a “grande” imprensa, no caso do acidente da TAM, “portou-se como devia”. Por não ser “pitonisa”, tampouco “adivinha”, desde “o primeiro instante foi, honestamente, testando hipóteses”. Há, obviamente, referências à rapidez, correção, isenção e pluralismo, atributos inescapáveis da “grande” imprensa. Está claro que o dinheiro é indispensável à mídia, a bem do negócio. E isso vale para grandes e pequenos. Nem por isso, com resultados retumbantes do ponto de vista jornalístico. A mídia brasileira é medíocre, e para saber disto basta compará-la com aquela de muitos outros paises, inúmeros. Acrescento que, pela primeira vez na minha vida, sou alvejado pela teoria do “teste das hipóteses”. O que existe, em jornalismo, é a verdade factual, como sublinhava Hannah Arendt. No mais, o respeito da máxima latina, in dubio pro reo, e o banimento sumario e definitivo da mentira e da omissão. Estranhamente, todas as hipóteses levantadas pelo noticiário da “grande” imprensa estabeleciam de saída a ligação entre apagão aéreo e desastre, e tendiam a culpar o governo por um e por outro. Seria esta a isenção de que fala Kamel? Seria esta a correção? Vamos à verdade factual: não há relação entre apagão e acidente, enquanto, no que respeita ao primeiro, a omissão e a incompetência do governo são evidentes, embora haja responsabilidades dos governos anteriores, espalhadas por várias décadas. Ah, sim, vamos finalmente ao pluralismo. Os donos da mídia nativa detestam-se mutuamente, mas juntam esforços na hora em que vislumbram algum risco comum, alguma ameaça ao status quo, a surgir no horizonte, por mais remoto. Basta uma sombra vaga, um ectoplasma. E é do conhecimento até da Pedra da Gávea que o alvo hoje é Lula. Que pluralismo é este? Peculiar, digamos. Reconheço, sem maiores tormentos, ser esta “grande” mídia aquela capacitada a se permitir ignorar o acidente da Gol, divulgar fotos fornecidas sorrateiramente por um delegado de policia, testar hipóteses sobre o desastre da TAM. E assim por diante. Impávida e impune, só ela sabe como conduzir tais operações, que nada tem a ver com o jornalismo, e sim com os interesses dos titulares do privilégio e dos seus aspirantes. Às vezes me pergunto até onde vão a arrogância, a prepotência e a hipocrisia, e onde começa o QI baixo.
enviada por mino
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