sexta-feira, agosto 17, 2007

CRÉDITO IMOBILIÁRIO: CRISE DOS EUA PODE SER BENÉFICA PARA O BRASIL

O total contratado pela Caixa Econômica Federal para financiamento imobiliário no Brasil no primeiro semestre de 2007 foi de R$ 8 bilhões, um crescimento de 7% em relação ao mesmo período de 2006.

A estimativa é que o total de financiamento imobiliário da Caixa atinja R$ 3,5 bilhões até o final deste ano.

O professor do Instituto de Economia da Unicamp e ex-presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso – que montou a estrutura para que o financiamento imobiliário da Caixa tivesse o impulso que tem hoje – disse em entrevista a Paulo Henrique Amorim nesta sexta-feira, dia 17, que a crise no setor de financiamento imobiliário dos Estados Unidos pode até beneficiar o Brasil (clique aqui para ouvir o áudio).

“Eu acho que (a crise) pode até ter um efeito positivo no Brasil... Em primeiro lugar porque vai levantar a suspeição de que crédito mal feito e com natureza de risco muito elevado gera problema no futuro”, disse Mattoso.

Mattoso acredita que, por causa da crise nos EUA, os fundos de investimentos norte-americanos podem dirigir os seus recursos para o Brasil. Segundo ele, o grau de investimento que o Brasil deve alcançar, no máximo até meados de 2008, vai gerar um crescimento ainda maior da oferta de crédito.

Leia a íntegra da entrevista com Jorge Mattoso:

Paulo Henrique Amorim – O total contratado pela Caixa Econômica Federal para financiamento imobiliário no Brasil cresceu 7% em 2007, em relação a 2006. Estamos falando do primeiro semestre do ano. No primeiro semestre foram desembolsados R$ 8 bilhões. A estimativa é de que neste ano de 2007 haja financiamentos na ordem de R$ 3,5 bilhões, um crescimento 17,5%. Há algum ocorre nos Estados Unidos uma crise profunda no setor de financiamento imobiliário, que se reflete e se refletiu na Bolsa de Valores. Um resultado de um aperto do de uma maneira generalizada. E para ver se isso tem impacto no sistema de financiamento imobiliário no Brasil, o que isso deve provocar aqui no Brasil e quais são as perspectivas aqui no Brasil, eu vou conversar com Jorge Mattoso, que foi presidente da Caixa Econômica Federal e que na verdade montou a estrutura para que o financiamento imobiliário da Caixa tivesse o impulso que tem no momento. Mattoso, tudo bem?

Jorge Mattoso – Tudo.

Paulo Henrique Amorim – É um prazer falar com você.

Jorge Mattoso – Prazer é meu.

Paulo Henrique Amorim – Mattoso, você está preocupado com essa crise internacional e com esse problema no mercado imobiliário americano? isso pode se refletir no Brasil ou não?

Jorge Mattoso – Olha, refletir no Brasil eu acho que (a crise) vai refletir, sem dúvida. Agora, numa forma e numa intensidade muito menor do que foi no passado, em outras crises deste tipo. Em primeiro lugar, a relação econômica entre o Brasil e os Estados Unidos hoje é de outra natureza. Aliás, as importações americanas tiveram uma participação da ordem de 25%. Hoje está em 14%. Então, qualquer reflexo da economia norte-americana sobre a economia brasileira, que vai ocorrer, é de natureza bem distinta e de quantidade bem inferior. É de natureza distinta porque nós não temos mais aquele incômodo do dólar fixo. O país não está quebrado, pelo contrário. O país está numa situação bastante positiva, aguardando inclusive o grau de investimento e, portanto, o efeito que é difícil ainda de avaliar vai ocorrer, mas ele vai ocorrer muito menor e vai ocorrer muito pouco sobre o crédito imobiliário no país.

Paulo Henrique Amorim – Entendi. Muitas empresas, incorporadoras, se beneficiaram dos IPOs, do lançamento de ações na Bolsa, e com isso se capitalizaram, compraram terrenos. E você teme que essa confusão lá nos Estados Unidos se reflita aqui?

Jorge Mattoso – Não. Eu acho que pode até ter um efeito positivo. Veja bem: o Brasil está numa fase completamente diferente da fase americana. Nós não passamos por bolha, nós não temos subprime, aliás, os bancos estão preocupados com o prime, conseguir financiar pra uma faixa de renda que não coloque em risco esses créditos. Portanto, a situação é bem diferente. Ao mesmo tempo que é uma situação muito positiva (a que vivemos) a partir de 2003, com a criação do Ministério das Cidades, com a construção de uma política nacional de habitação, com a ênfase que foi dada na habitação de interesse social, com as mudanças na legislação, com patrimônio de afetação, com valor incontroverso, com as letras de crédito imobiliário, com a desoneração tributária que foi realizada, com a redução da taxa básica de juros, com a ampliação dos recursos do Fundo de Garantia. Tudo isso tem levado a uma disponibilidade de recursos até, eu diria, jamais vista, pelo menos nos últimos 20, 30 anos, desde a crise do BNH (Banco Nacional de Habitação), no início dos anos 80, nunca houve tantos recursos disponíveis para o crédito. Nós estamos falando aí da ordem de R$ 15 bilhões só de recursos da poupança, recursos que são contabilizados pela Abecip, não é? E outros tantos bem mais do que isso também com recursos do Fundo de Garantia e da Caixa. O que permite a gente dizer que nós estamos caminhando num horizonte extremamente positivo e de que maneira que eu digo que a crise pode ser favorável?

Paulo Henrique Amorim – Eu gostaria de entender.

Jorge Mattoso – Em primeiro (lugar), porque vai levantar a suspeição de que créditos mal feitos e de risco muito elevado geram problemas no futuro. Isso não está colocado no Brasil hoje. Por outro lado, você tem os fundos de investimentos norte-americanos, fundos imobiliários, mesmo os fundos de pensão, que investem muito em negócios imobiliários, que poderão dirigir os seus recursos para o Brasil. E dirigir na estrutura ainda os seus recursos para o Brasil. E com o grau de investimento – e todo mundo sabe que deve ocorrer, é questão de meses, e deve ocorrer, na pior das hipóteses, até meados do ano que vem – isso aí vai gerar um crescimento ainda maior da oferta de crédito. E se você colocar em paralelo que a economia vem crescendo, (a economia) pode sofrer, volto a insistir, alguma coisa referente à crise norte-americana, mas ela vem demonstrando, vem num ritmo crescente, você tem uma expectativa ainda muito grande, um potencial de crescimento muito grande para a habitação. O Brasil ficou parado, gerou ao longo de vinte anos de paralisia um déficit habitacional de sete milhões de unidades. Mas as taxas de crescimento do setor que estão crescendo muito ainda são baixas, se comparado a outros países. O crédito habitacional, como eu falei há pouco, cresceu extraordinariamente nos últimos anos, mas ainda podem ampliar, e muito, a sua participação no crédito e no PIB. E o crédito bancário também pode crescer, apesar de ter atingido um percentual mais elevado dos últimos oito anos, cerca de 33% do PIB, ele ainda tem espaço para crescer. E o emprego também tem espaço para crescer. Então você tem aí um horizonte de crescimento que não se compra com uma situação de dezenas de anos de crescimento imobiliário dos Estados Unidos com tudo aquilo que traz uma bolha de expansão e de atividade como, por exemplo, créditos pouco ou não satisfatórios que podem levar ao risco, como é o caso do subprime. E no Brasil não tem, nós ainda não temos a securitização dos créditos em volumes significativos. No ano passado foram um pouco mais de um bilhão de créditos securitizados. (A securitização) tem um espaço enorme para crescer, mas para isso vai precisar diminuir um pouco mais a taxa de juros, que ainda é elevada no Brasil, apesar da sua retração nos últimos meses, um ano, e a tendência do mercado imobiliário continua sendo muito positiva. Ela pode, eventualmente, até recolher algumas vantagens...

Paulo Henrique Amorim – Dessa confusão toda.

Jorge Mattoso – Dessa confusão e dessa crise que afeta de sobremaneira a economia americana, embora ainda de difícil diagnóstico quanto à intensidade, não é?

Paulo Henrique Amorim – Está bom!

Jorge Mattoso – Olha, e qualquer coisa fica à vontade.

Paulo Henrique Amorim – Está bom, eu te agradeço muito. Você é um especialista desta área, foi um grande prazer falar com você.

Jorge Mattoso – Um abraço grande.

Paulo Henrique Amorim – Muito obrigado, tchau.

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