quarta-feira, dezembro 04, 2013

Dívida pública e juros: coquetel explosivo


Jaciara Itaim, na Carta Maior

O quadro fica mais sensível quando começa a atingir níveis de um verdadeiro coquetel explosivo com juros a 10% e a dívida superando R$ 2 trilhões.

A última semana de novembro corre o risco de ficar marcada pelo anúncio de duas informações que podem se constituir em um verdadeiro coquetel explosivo para o governo da Presidenta Dilma, em especial no que se refere aos aspectos de sua política econômica.

A divulgação do boletim que registra a evolução do comportamento do endividamento da União registra um recorde histórico. No mês de outubro, o total do estoque da dívida pública federal atingiu a marca de R$ 2,02 trilhões.

Foi o segundo momento, ao longo da série das apurações mensais, que esse valor ultrapassa a perigosa marca simbólica. Mas da outra vez, em dezembro do ano passado, o estoque ficou ainda um pouco abaixo do total atual.

A outra referência importante de política econômica foi a deliberação do COPOM do Banco Central, que optou, mais uma vez, pelo aumento no arrocho da política monetária.

A SELIC estava em 9,5% e foi elevada de forma a encostar na chamada “barreira psicológica” dos dois dígitos — 10% ao ano.

Trata-se do sexto aumento consecutivo da taxa de juros que opera como base referencial mínima para as operações no mercado financeiro.

A escalada altista teve início em abril desse ano, quando a SELIC saiu de 7,25% para 7,5%. E desde então ela tem sofrido — de forma sistemática — um novo reajuste a cada 45 dias, a periodicidade das reuniões de seu comitê.

Dívida trilionária e juro campeão

A combinação dessas duas variáveis pode operar como sinal de alerta para os analistas que acompanham a evolução da conjuntura e o desempenho da economia brasileira.

Os aumentos continuados nos números totais relativos ao estoque da dívida pública não são recentes. Na verdade, trata-se de uma escalada que remonta há muitos anos.

Já o comportamento da taxa de juros foi objeto de uma tendência de redução no período 2003 a 2009. Em seguida volta a se elevar e desde 2010 mantém um comportamento um tanto errático.

É bem verdade que o valor absoluto da dívida não é o elemento mais importante a ser levado em consideração.

O relevante mesmo seria a relação deste com a magnitude da economia, a chamada relação dívida/PIB. E nesse ponto, sob qualquer metodologia utilizada, estamos ainda em uma zona de conforto relativo.

Mas o impacto do simbólico não pode ser menosprezado. Ao longo dos últimos 7 anos, por exemplo, o total da dívida pública federal aumentou 68% e ultrapassou o valor do segundo trilhão.

Além disso, esse crescimento ocorreu justamente em um ambiente de prioridade absoluta conferida pela política econômica aos seus aspectos financeiros.

Assim, a cada ano o governo vem impondo um enorme esforço ao conjunto da sociedade, por meio da exigência da geração de um superávit primário médio de 3% do PIB. E tal caminho tem implicado a compressão sistemática de despesas orçamentárias voltadas para as áreas sociais e estratégicas do governo, para que os recursos arrecadados pelo Estado sejam destinados ao pagamento de juros e demais serviços da dívida pública. E mesmo assim a dívida não para de crescer.

Alta da SELIC só agrava o problema



Agora, o mais dramático de tudo isso é que o agravamento da relação de endividamento acaba servindo, de acordo com o raciocínio desenvolvido pela ortodoxia monetarista, para exigir maior rigor na condução da política monetária.

Leia-se: exigência de taxas de juros ainda mais elevadas. Ou seja, estamos diante da famosa cena do cachorro correndo atrás do próprio rabo.

Juros elevados provocam aumento da dívida pública. Por sua vez, dívida elevada exige juros mais altos. E durma-se com um barulho desses!

A decisão tomada pelo COPOM de subir um pouco mais o patamar dos juros na economia também provoca reflexos importantes no âmbito das finanças governamentais. Além de sinalizar para as instituições financeiras privadas e públicas o caminho para promoverem o encarecimento do custo embutido nas operações de crédito, a elevação da SELIC aumenta diretamente os gastos governamentais.

Ela é utilizada como parâmetro para remuneração dos títulos emitidos pelo governo.

Considerando a dívida atual de R$ 2 trilhões, cada aumento de 1% na taxa oficial de juros provoca uma elevação extraordinária das despesas da União de R$ 20 bilhões ao longo de 12 meses.

Isso significa que novos cortes deverão ser efetuados nas contas dos gastos sociais, de modo a assegurar a existência de recursos para cumprimento de juros e serviços da dívida pública.

Parece claro que essa é uma escolha que vai exatamente na contra-mão do desejo de retomada do ritmo das atividades econômicas no País. A média anual de crescimento do PIB ao longo dos últimos 4 exercícios não deverá ultrapassar 3,0%.

Esse processo está bem aquém das necessidades de nossa sociedade, tendo em vista as tarefas de melhoria das condições de vida da população e a consolidação de uma rede de infra-estrutura ampla, capaz de responder aos gargalos existentes. E a perspectiva de desenvolvimento inclusivo e sustentável tem como pressuposto básico a ampliação da taxa de investimento em nossas terras.

Aquilo que o economês chama de “formação bruta de capital fixo” é muito urgente, tratando-se de uma atribuição que deve ser compartilhada entre o setor público e o setor privado.



Juro elevado inibe o investimento



Ocorre que a realização de novos investimentos na economia real, do ponto de vista do empresariado, depende das expectativas de retorno sobre tal aplicação de capital. E o principal elemento que entra no cálculo pelo lado das despesas é a taxa de juros, que tende a refletir o custo financeiro dos novos empreendimentos.

À medida que o governo sinaliza sua disposição de aumentar a SELIC, isso se concretiza em elevação das taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras em suas operações de crédito no balcão, junto aos clientes. Com isso aumenta também o chamado “custo oportunidade” para os tomadores de decisão pelo lado do capital.

Em suma, os investimentos — tão necessários para a economia e sempre exigidos pelo governo em sua interlocução junto às entidades empresariais — entram em compasso de espera.

E aí começam a entrar em cena as medidas acessórias, como a concessão de isenções tributárias e outras benesses sob a forma das diversas modalidades de políticas públicas visando à redução do custo do investimento.

Um dos instrumentos mais utilizados é o crédito subsidiado concedido pelo BNDES e outras agências oficiais de crédito, mas ele tende a ser concentrado para os conglomerados e empresas de grande porte.

Para a grande maioria dos demais interessados, o custo do crédito da instituição bancária tradicional terá sido mesmo elevado no dia seguinte à reunião do COPOM. Mas o fato é que mesmo esse tipo de medida tampouco apresentou resultados eficientes do ponto de vista do estímulo às expectativas dos capitalistas. As decisões ainda patinam.

Na outra ponta, o governo não apresenta interesse em assumir a vanguarda da realização dos investimentos. De um lado, porque sua prioridade na política fiscal tem sido a busca da geração de superávit primário a qualquer preço.

Com isso, os recursos orçamentários existentes são direcionados para o cumprimento de suas obrigações financeiras.

De outro lado, pelo fato de que o modelo adotado para a construção dos projetos em todos os setores da infra-estrutura tem sido o das concessões e privatizações.

Porém, o setor privado tem apresentado um comportamento de exigir cada vez mais facilidades da administração pública, em termos financeiros e de concepção mesmo dos editais e dos projetos em questão.

Pretende toda a segurança de ganhos e nenhum risco associado aos custos. Com isso, os investimentos não deslancham e a economia continua em marcha lenta.



Ortodoxia conservadora: mudança necessária



Um dos grandes problemas a serem enfrentados para a mudança dessa orientação conservadora é o embate no campo das idéias econômicas. Afinal, todos nos perguntamos: mas por que é mesmo tão necessário aumentar a taxa de juros?

A resposta está associada a uma forma particular e específica de analisar o fenômeno econômico. Mas é sempre bom ressaltar que esse enfoque é polêmico e está muito longe de se constituir em unanimidade.

O argumento principal apresentado pelo conservadorismo é de que a inflação estaria descontrolada. E para evitar a sua volta indesejada, faz-se necessário reduzir a pressão da demanda na economia.

Com menos poder de compra generalizado na sociedade, os preços tenderiam a ficar estáveis.

O modelo macroeconômico subjacente é de que os agentes econômicos (indivíduos e empresas) iriam retirar uma parcela de sua renda antes destinada ao consumo e aplicariam esses recursos sob as diversas formas de poupança no setor financeiro – em razão da maior atratividade oferecida por juros mais elevados.

Esse tipo de avaliação é repetida “ad nauseam” e sem nenhum contraponto na grande maioria das editorias de economia dos meios de comunicação.

Procura-se fazer dela um amplo consenso. “Ou aumentam-se os juros ou instaura-se o caos e caminhamos para a ante-sala da catástrofe iminente”. Mas a realidade da dinâmica da economia é muito mais complexa do que tentam nos passar os maiores interessados na medida — os representantes das instituições financeiras.

Não serão esses 0,5% de aumento na SELIC que carrearão recursos do consumo para a poupança.

Na verdade, se o governo está mesmo seguro a respeito dessa análise equivocada quanto à demanda agregada, poderia lançar mão de outra medida para evitar a suposta volta da pressão inflacionária: a elevação do depósito compulsório.

Esse instrumento corrente de política monetária tem o mesmo efeito que a taxa de juros, em termos de reduzir o poder de compra agregado na sociedade.

O depósito compulsório é a parte dos depósitos que as instituições financeiras são obrigadas a recolher junto ao Banco Central. Se esse percentual é aumentado, os bancos teriam menos recursos para emprestar e com isso a pressão de demanda sobre a oferta de bens e serviços seria reduzida.

A conseqüência seria a mesma que o aumento nos juros: maior segurança a respeito do crescimento dos preços.

Ocorre que essa alternativa raramente é mencionada pelos “analistas financeiros” ouvidos pela grande imprensa, uma vez que os bancos não têm nada a ganhar com ela.

Aliás, muito pelo contrário.

Ao desconsiderar alternativas para a condução da política econômica, o governo continua fazendo mais do mesmo.

Aumentando a taxa de juros, que provoca elevação da dívida publica, que passa exigir maiores juros, e por aí vai. No entanto, como já foi mencionado acima, essa receita não ataca o problema em sua raiz. E o quadro fica mais sensível quando começa a atingir níveis de um verdadeiro coquetel explosivo, com juros a 10% e a dívida superando R$ 2 trilhões.

Isso para não mencionar os riscos das contas externas e o câmbio valorizado. Enfim, mudanças de rotas são mais do que urgentes!



(*) Economista e militante por um mundo mais justo em termos sociais e econômicos.

PS do Viomundo: O Banco Central promove uma escalada dos juros e o governo Dilma se diz surpreso com a contração do PIB!

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