sexta-feira, fevereiro 14, 2014

Quer saber porque Serra dizia que o Mercocul era “uma bobagem”?

Tijolaço

Fernando Brito


Quem aí se lembra de como, nas eleições de 2010, José Serra chamou o Mercosul de “bobagem”?
Pois lendo o artigo de Mauro Santayanna que reproduzo abaixo você vai entender de onde veio aquela manifestação que muitos não entenderam e perceber como está ali a mesma raiz do destaque que a imprensa brasileira está dando à Aliança do Pacífico, um tratado comercial que engloba o México, a Colômbia, o Peru e o Chile, este ainda governado por Sebastian Piñera, pois Michele Bachelet ainda não tomou posse.
A Aliança do Pacífico é, claramente, um acordo patrocinado pelos estados Unidos que, via México, vai permitir maior acesso dos produtos das outras três nações ao mercado americano.
Claro que nas condições que interessam aos norteamericanos.
Você vai voltar a ver este tema na campanha eleitoral deste ano.
E Santayanna já ajuda você a compreender o porque.
A nova cúpula da Aliança do Pacífico

Mauro Santayanna
Se há uma coisa que muitas vezes, impressiona, em certos segmentos da elite e do empresariado nacional, é a facilidade com que se deixam pautar e manipular pela imprensa estrangeira – e seus replicantes locais – sem entender que por trás de tudo que não seja absolutamente factual, existem determinados interesses.

Esse é o caso, por exemplo, dos artigos e “análises” feitas pela mídia, a respeito da Aliança do Pacífico, que engloba o México, a Colômbia, o Peru e o Chile, e que reuniu-se há alguns dias, em Bogotá, proclamando retumbantemente o corte de 92% das tarifas no comércio entre seus sócios.

A AP está sendo apresentada, dentro e fora do Brasil, como o último prego no caixão do Mercosul, do ponto de vista econômico, e como a aliança que servirá de alternativa – principalmente, ideológica – para os diferentes mecanismos de integração – como a UNASUL e o Conselho de Defesa – que estão sendo promovidos pelo Brasil em nosso continente neste momento.

Em primeiro lugar, é preciso lembrar, Colômbia, Peru e Chile, longe de serem contra o Mercosul, são membros associados da organização – o México tem status de observador – e também da UNASUL e do CDS, o Conselho de Defesa Sul-americano. E o Chile, a partir da posse da presidente eleita Michelle Bachelet, tende se reaproximar do Brasil e do próprio Mercosul.

Acreditar que o Brasil vai perder para o México esses parceiros – com quem dividimos até projetos militares – é ignorar o fator geográfico, e esquecer que já dispomos de acesso facilitado a esses mercados, privilégio que não poderá ser alterado, sob a pena de essas nações também terem seus produtos barrados no mercado brasileiro, o maior das Américas, depois dos Estados Unidos.

Em segundo lugar é preciso relativizar a importância da AP, lembrando, por exemplo, que só o Brasil tem uma economia maior do que a de todos os seus membros reunidos.

E que o Mercosul, como um todo, com a recente inclusão da Venezuela, e um PIB total de 3.3 trilhões de dólares, representaria, se fosse uma nação, a quinta maior força econômica do mundo.

Por trás do mito da Aliança do Pacífico, existe a ilusão de um maior dinamismo da economia mexicana, o principal país do grupo – que cresceu no ano passado 1.2% – com relação à brasileira, a maior do Mercosul – que avançou 2.5% no mesmo período.

Existem mais coisas que definem o lugar que o Brasil e o México pretendem ocupar no mundo – e seus respectivos projetos de desenvolvimento – do que a mera geografia e o volume de exportações.

O México é um país totalmente integrado à América do Norte, e, nessa integração, ficou bom em terceirizar mão-de-obra barata, fabricar refrigerantes, cimento e pão de forma, e prestar serviços de telefonia.

O Brasil é um país integrado à América do Sul e ao BRICS, que privilegia o crescimento de seu mercado interno, tem como principal parceiro comercial a China, e vende para todos os continentes do mundo.

Somos o mais avançado país em pesquisa agropecuária, extração de petróleo a milhares de metros de profundidade, em alto mar, a centenas de quilômetros da costa; em desenhar e fabricar aviões civis de passageiros de até 120 lugares. Produzimos mísseis navais e aéreos, foguetes de saturação, radares e mísseis de cruzeiro.

Dominamos o ciclo do enriquecimento do urânio, fabricamos e possuímos aceleradores de partículas (o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron está em funcionamento e vem aí o Sirius, com 165 metros de diâmetro e 650 milhões de reais de investimentos), e estamos aprendendo a fazer submarinos nucleares, aviões de caça supersônicos e sistemas de transporte a levitação magnética (o Cobra-Maglev da Coppe), por exemplo.

Na internet, alguns mexicanos gostam de apresentar – ao contrário de nós mesmos, que não nos arriscamos a fazer o mesmo – como “mexicana” uma suposta superioridade em manufatura com relação ao resto da América Latina, que se desmente pelos seguintes fatos:

- A quase totalidade das fábricas instaladas no México são de outros países – não existe uma única marca mexicana de automóveis ou de bens de consumo avançados.
- O comércio exterior do México, embora volumoso, é tradicionalmente deficitário.
- A pesquisa e a engenharia de caráter industrial são majoritariamente desenvolvidas em outras regiões do mundo.
- Se não fossem os baixos salários e o mercado dos Estados Unidos do outro lado da fronteira, os mexicanos sequer teriam a sombra do parque “industrial” que possuem.

E não seriam um país exportador, considerando-se que 90% do que fabricam, tem como destino o TLCA – NAFTA (Canadá e Estados Unidos).

Trata-se, portanto, de condições, que não seria possível repetirmos aqui mesmo se quiséssemos – o que não é o caso – ou se viajássemos para a fronteira de Tijuana e regredíssemos de volta no tempo.

Mesmo quando se considera a indústria automobilística, paradigma de uma suposta superioridade industrial mexicana com relação ao Brasil, até mesmo pesquisadores daquele país se recusam a endossar isso.

Esse é, por exemplo, o caso do estudo“Industria Automotriz en México y Brasil: Una comparación de resultados después de la crisis de 2008”, da Dra. Lourdes Alvarez Medina, da UNAM – a maior universidade do México, que conclui seu texto da seguinte forma:
“Respecto a las características de cada industria se observa que México no ha desarrollado marcas propias, importa una gran cantidad de autopartes y componentes y no ha diversificado sus exportaciones ni tiene procesos de innovación importantes. Depende completamente del mercado de los Estados Unidos y ha descuidado su mercado interno.

Brasil por su parte tiene algunos productores locales de autobuses y chasis, tiene una cadena productiva mejor conformada y en algunos modelos tiene contenido local hasta de 90% y sus exportaciones automotrices están muy diversificadas y su mercado interno creció en tiempo de crisis. Además, los autos manufacturados en Brasil consumen gasolina y etanol en diferentes proporciones lo que le da a la flota vehicular brasileña cierta independencia del petróleo.”

Com todo o respeito pelo sofrido passado do México, que perdeu metade de seu território para os EUA, e pelo povo mexicano, sua arte, cultura milenar e literatura, se me perguntassem, principalmente, hoje, se preferiria estar no lugar do México ou do Brasil, ficaria – ao contrário do que muita gente pensa por aqui – na condição em que estamos.
Considerando-se nosso território, população, economia, capacidade de cooperação e articulação, dimensão e projeção geopolítica, ainda é preferível ser o principal país da América do Sul, do que um mero apêndice norte-americano.

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