por Miguel do Rosário
É o tipo de matéria para ler com um brilho malicioso nos olhos. Quer dizer que a toda poderosa Globo está mesmo preocupada com os “blogs sujos”? Aliás, que sintomático a Globo usar a mesma expressão usada por José Serra, em 2010, para se referir aos blogs políticos que lhe davam combate.
A pretexto de escrever sobre a demissão de Helena Chagas, atual chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, e sobre uma possível mudança de rumo na política de comunicação da presidência da república, a Globo mostra todo seu pavor de perder a “boquinha” que, há décadas, mantém junto à Viúva.
Em matéria estampada na capa do site, a Globo dispara alguns comentários sobre os “blogs sujos” que, evidentemente, foram sopesados a dedo para nos prejudicar. Mas acabam nos dando mais cartaz do que talvez merecemos. Por isso o brilho malicioso nos olhos.
Trecho em questão:
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Em uma das reuniões do presidente do PT, Rui Falcão, com a bancada e integrantes do Diretório Nacional, para discutir saídas para a crise depois das manifestações de junho, houve um debate sobre pontos fracos na equipe ministerial, com críticas à comunicação do governo e da presidente. A reclamação era em relação à pequena margem de financiamento dos chamados “blogs sujos”, que fazem o enfrentamento com a mídia tradicional e atacam a oposição.
— A comunicação do governo é uma porcaria! O governo não tem a estratégia de comunicação nas redes sociais. O Lula mantinha uma canalização de recursos para alguns blogs, mas a Dilma cortou tudo — reclamou naquela reunião o vice-presidente da Câmara, André Vargas (PR), segundo petistas presentes.
Na época, Vargas desmentiu as críticas, mas nesta quinta-feira, diante da notícia da saída de Helena Chagas, disse ao GLOBO:
— Não gosto dela. A Helena foi pro pau! Beleza.
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Eu gostaria muito que algum órgão de pesquisa, público ou privado, fizesse uma investigação sobre todas as verbas que a Globo recebeu do Estado desde a sua fundação, em 1925. Receio que chegaríamos a uma cifra próxima ao PIB do Brasil em 2013.
Tive o privilégio de ler a História da Imprensa Brasileira, de Nelson Werneck Sodré, onde o historiador fala sobre as campanhas da imprensa contra Getúlio Vargas. O “mar de lama”, expressão que a mídia hoje substituiu por “mensalão”, eram os financiamentos que o Banco do Brasil teria concedido a Samuel Wainer, para ele fundar a Última Hora.
Sodré levanta exatamente a quantia emprestada à Wainer. E revela a indescritível hipocrisia dos jornais: todos haviam, obtido, em seu nascimento, polpudos empréstimos do mesmo Banco do Brasil. Maiores, inclusive, do que os dados à Última Hora. Mas não de Vargas e sim de governos anteriores. Por isso o apego da nossa imprensa à “República Velha”.
Mais tarde, alguns jornais brasileiros passariam a contar com uma outra segura fonte de renda. Os EUA passam a injetar dinheiro, ilimitadamente, na mídia brasileira.
O tempo passa, a ditadura termina, vem a redemocratização, e os mesmos grupos de mídia continuam drenando para si quase toda a verba publicitária federal.
O governo federal deu 6 bilhões de reais à Globo de 2000 a 2012. É estatística. Nesse período, a Globo recebeu 54,7% de toda a verba federal. É evidente que se trata de uma caso absurdo de concentração, estimulada pelo Estado.
A Constituição Brasileira tem cinco fundamentos e um deles é o “pluralismo político”; não creio que este fundamento esteja sendo rigorosamente cumprido pelo Estado, quando se trata de propaganda federal.
Além de receber tal quantidade de verbas, a Globo agora também resolveu intimidar os blogs. O seu diretor de jornalismo, Ali Kamel, vem processando vários blogueiros, inclusive eu, pedindo indenização financeira. Meu julgamento em primeira instância acontece no dia 11 de fevereiro. Ali Kamel quer me arrancar 41 mil reais, ou seja, quase a minha renda de um ano.
A Globo recebe dinheiro do Estado e o usa para pagar advogados que tentam sufocar financeiramente os “blogs sujos”.
Essa é a situação que a Globo quer manter por tempo indeterminado.
O curioso é a decisão da Globo em centrar fogo nos blogs. A Secom de Dilma cortou verba, sim, mas não para os blogs, que nunca a tiveram (com exceção de Reinaldo Azevedo e Noblat, sempre ricos em propaganda estatal), mas para toda a mídia alternativa: jornais médios ou pequenos, sites de notícia, revistas, agências. A Secom até passou a distribuir verba a alguns sites e blogs, mas em geral espaços neutros, tipo “Bolsa de Mulher”. Ou pior, aplicando os recursos no Adsense, do Google, o que apenas ajuda os EUA a ficarem ainda mais poderosos.
Não vou cair, na armadilha da Globo de criminalizar Helena Chagas. Mantive o bom combate contra o que ela representava, fazendo críticas duras, mas sempre de maneira democrática e elegante. Muito esperta a estratégia da Globo, de transformar Helena Chagas em heroína mal compreendida, atacada por vilões truculentos do PT, possivelmente para incentivá-la a assumir posições políticas de oposição. Aposto que a estratégia será repetida em toda grande imprensa.
Entretanto, Helena Chagas fazia o que fazia por orientação de Dilma Rousseff. Minhas críticas, portanto, tinham como endereço a própria presidente da república e seu entorno. Se não deixei isso claro antes, faço-o agora.
Pela mesma razão, cumprimento agora Dilma pela decisão de substituir Helena Chagas. Antes tarde do que nunca.
Quanto aos recursos da Secom, espero que assuma uma posição mais generosa em relação à imprensa alternativa.
Que tenha um olhar mais humano e mais democrático em relação à fauna midiática nacional.
Que libere recursos para os jornais e sites de movimentos sociais, sindicatos e cooperativas, inclusive daqueles que lhe fazem oposição.
Que estimule o surgimento de blogs de pesquisa universitária, educação e cultura.
Uma iniciativa ousada e moderna, por exemplo, seria o governo incentivar, via editais monitorados por escritores e acadêmicos, a criação de centenas de blogs de ficção literária. De crítica de cinema. De crítica de artes plásticas!
A Secom poderia incentivar o surgimento de blogs escritos por médicos, psiquiatras e dentistas, devidamente monitorados por algum conselho do setor, para ajudar os internautas a conhecer suas doenças e respectivos tratamentos. Blogs voltados para estimular o empreendedorismo, ou discutir mobilidade urbana e economia sustentável!
E que faça anúncios, por que não?, em blogs políticos de esquerda!
A nova Secom pode ajudar o Brasil, enfim, a incrementar sua produtividade intelectual e aprimorar seu desenvolvimento na área de tecnologia das informações.
Enquanto a Globo se preocupa se os “blogs sujos” vão receber alguns trocados, a sociedade brasileira está preocupada se haverá ou não um dia uma oferta mais rica e mais plural de informações. Quer acesso a conhecimentos, dados e opiniões diferentes daqueles propagados diariamente na grande mídia.
Sei o quanto essas ideias parecem utópicas, ingênuas. Mas sonhar não custa nada.
De qualquer forma, desejo bom trabalho a Thomas Traumann, novo ministro da Secom; que não esqueça a lição de T.S.Eliot: “Aqueles que confiam em nós, nos educam.”
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