Brasil Econômico
Eduardo Miranda e Octávio Costa (eduardo.miranda@brasileconomico.com.br) e (ocosta@brasileconomico.com.br)
24/02/14
O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos não nega o favoritismo da presidenta, mas alerta que muita coisa pode acontecer
Neste ano em que seminários e debates lembrarão o cinquentenário do golpe militar de 1964, o cientista Wanderley Guilherme dos Santos será referência obrigatória. Seu texto "Quem dará o golpe no Brasil", publicado em 1962, acertou em cheio ao antecipar a derrubada do presidente João Goulart. Famoso desde aquela época, ele produziu uma obra respeitada no Brasil e no exterior. Em 2004 recebeu prêmio da Academia Brasileira de Letras pelo livro "O cálculo do conflito: estabilidade e crise na política brasileira" e, em 2011, assumiu a direção da Casa Rui Barbosa a convite da presidenta Dilma Rousseff.
Em entrevista ao Brasil Econômico, o professor aposentado de Teoria Política da UFRJ e fundador do Iuperj, apesar de sua capacidade de projetar os fatos, não se arrisca a fazer um vaticínio sobre a sucessão presidencial. "Ainda é cedo, falta muito tempo. Em 55, a UDN estava com a faca e o queijo na mão para ganhar a eleição, não fosse o suicídio de Getúlio Vargas. Não precisa do suicídio de ninguém, mas, de repente, tudo muda". A cautela não impede que ele reconheça o favoritismo de Dilma e diga que o quadro atual "não está fácil para a oposição", porque sempre que se faz uma crítica, "Dilma vai e cria um programa". Se há um desafio hoje para o governo, é o do investimento em infraestrutura e na inovação tecnológica, mas, em sua opinião, "esse é um bom problema". Quanto às manifestações e protestos previstos para a Copa do Mundo, o professor afirma que não representam de forma alguma ameaça à democracia. Ao contrário: as manifestações de rua, diz ele, mostram instituições democráticas fortes no país.
Em 2014, o golpe militar completa 50 anos. A democracia brasileira já está consolidada?
A democracia é um sistema aberto em constante ebulição, e é o único que permite manifestações explicitamente destinadas a substituí-la. Nenhum outro sistema permite isso. Absolutismo, obviamente não; ditadura, não; oligarquia, também não. Toda democracia com raízes fortes aceita, contempla e absorve esse tipo de manifestação. Na medida em que temos uma multiplicação acentuada de movimentos e protestos, isso não é indicador de fragilidade da democracia. Ao contrário, significa que você tem instituições democráticas fortes. Ninguém diz que as instituições democráticas estejam abaladas. As análises em jornais têm a ver com as perspectivas eleitorais, tanto da oposição quanto do governo. Portanto, quem está discutindo as possibilidades de vencer as eleições futuras está, consequentemente, preocupado com a disputa democrática. Não é como a Primavera Árabe, que levou à queda do regime.
Qual é a diferença?
Todos os governos que sucederam a ditadura na Primavera Árabe foram extremamente frágeis, e todos já foram praticamente substituídos por outro tipo de ditadura. Por isso, é preciso não confundir o que acontece no Brasil como movimento de massas que acontece em outros regimes. A repercussão e o significado político deles variam, mas isso faz parte da abertura permanente do processo de democracia, que pode, por isso mesmo, sofrer atrasos, recuos, na medida em que essas instituições conseguem fazer com que conquistas democráticas percam vigência, como aconteceu nos Estados Unidos depois da queda das torres gêmeas. Lá, foi criado um ato patriótico, algo semelhante ao AI-5. Ele só não foi implementado totalmente. As pessoas são grampeadas e presas sem aviso prévio e podem ficar incomunicáveis o tempo que o governo julgar necessário, sem assistência jurídica. O ato patriótico é um AI-5 para uma democracia daquele tamanho e com aquela tradição. Esse é um recuo que as pessoas não mencionam, mas que também é possível em democracias, sem que elas desabem como um todo.
Como o sr. vê a lei antiterrorismo que pode surgir a partir da morte do cinegrafista Santiago Andrade?
Pode sair uma lei boa ou péssima. Tenho a impressão de que esse debate deve se estender, porque uma das formas benevolentes da democracia é não julgar as coisas no tempo quente, no calor dahora. Que sejam criadas comissões, que peçam vistas para termos uma discussão racional. Acho que agora não sairá lei nenhuma. Retomando a questão, acho que os movimentos no Brasil não são indicadores de fragilidade democrática. Precisamos distinguir, também, os movimentos brasileiros dos europeus, que são em função de desemprego e miséria, de uma perda de renda per capita impressionante na Espanha, em Portugal, na França, na Inglaterra, de taxas altíssimas de desemprego, com aumento da concentração econômica, aumento da desigualdade, algo que vem acontecendo nos Estados Unidos e que está deixando os teóricos assustados com essa polarização da América. No caso do Brasil, a motivação é heterogênea, enquanto lá todos são desempregados.
Em linhas gerais, quais seriam as motivações aqui?
Há uma motivação que, ao contrário de ser antidemocrática, é pela democracia, é pela inclusão no sistema. Há os grupos que querem a exclusão, como os Black Blocs. Estes não estão interessados em melhorar o sistema, eles querem atingir pela violência todas as instituições que são simbólicas do capitalismo. Por outro lado, rolezinho é inclusão, Movimento do Passe Livre também é inclusão. As pessoas que foram contra o arbítrio do Estado nunca tiveram medo de ir às ruas receosas de que esse arbítrio fosse cair em cima delas. Com o saldo destrutivo predatório negativo das passeatas, superior ao saldo positivo, as pessoas se afastaram, e tudo terminou com meia dúzia de gatos pingados.
A motivação seria, então, uma demanda pela inclusão?
São demandas dentro da democracia. Você pede educação melhor, saúde, segurança, e isso faz parte de todos os protestos do mundo democrático desde que a democracia existe
Mas havia, também, um viés de insatisfação com a classe política. Parece que isso persiste.
A classe política é pessimamente avaliada no mundo inteiro por uma razão simples: as pendências e demandas de uma sociedade complexa não podem ser atendidas todas ao mesmo tempo. Tuberculose, por exemplo, não se cura com passeata. Contra a tuberculose é preciso ter vacinação, médicos. Essas questões não estão no final das manifestações. Há passeatas cujo final termina em vitória, porque são viáveis, mas há outras que trazem frustração a segmentos mais exacerbados. Aquilo que é emoção e vibração ao longo da passeata, quando chega na dispersão, vira frustração, como a dispersão num desfile de escola de samba. É preciso a inteligência e o entendimento de quem as organiza. É preciso entender que há demandas sociais que demandam muito tempo.
E cobra-se urgência dos políticos exatamente por isso?
Aqui e na Conchinchina. Os culpados são sempre os políticos, mas as pessoas esquecem que grandes projetos, como Bolsa-Família, mudança do esquema de partilhado petróleo, Mais Médicos, Minha Casa Minha Vida, tudo isso foi aprovado pelo Congresso, senão não poderia existir. Várias propostas do Executivo são melhoradas no Congresso, que trabalha nas comissões de Justiça, de Economia e por aí vai. As pessoas só veem o Congresso na hora do pinga-fogo. Os investimentos em saúde e educação no Brasil são brutais. Não estou convencido da justeza dessa medida de reservar uma porcentagem do óleo para educação e saúde, porque isso, daqui a pouco, estará mais ou menos resolvido, e precisaremos de mais dinheiro para políticas sociais, investimentos. Não sei se, nomédio prazo, essa medida será uma vitória de Pirro.
Há uma crítica sobre o nível dos parlamentares de hoje, ao mesmo tempo em que se diz que o Congresso é reflexo da sociedade...
São opiniões cíclicas. Há cerca de dois anos foi feita uma pesquisa sobre a imagem que o Congresso tinha de si próprio. E eles foram muito autocríticos, reconhecendo, ao mesmo tempo, o que fazem de bom. As casas legislativas na eleição de 1950 foram muito ruins porque permitiram toda aquela criação de golpes em 1954, foi um Congresso que não trabalhava, não produzia. Enquanto a UDN pedia golpe de estado, os governistas ameaçavam com os militares nacionalistas. Era péssimo. Durante o período ditatorial, então, nem tem comparação.
Existe, hoje, uma visão, principalmente no exterior, de que a economia brasileira está desandando. O que explica essa avaliação negativa?
O que vale é a versão. Quando você tem agências, como Standard & Poor's, e o Fed norte-americano, dizendo que só a Turquia é mais vulnerável que o Brasil, eu cobro do (Alexandre) Tombini uma resposta oficial do Banco Central, e não o que ele fez, que foi uma reunião fechada com a imprensa estrangeira. Ele precisa responder oficialmente. É falso o que o Fed está dizendo, mas o Tombini está contemporizando e o que está prevalecendo é aversão. Aí, você tem uma pesquisa mostrando a contradição dos cidadãos: 85% dizem que querem mudança, mas dizem também que melhorou de vida e que o ano que vem será melhor. Então, qual é amudança? É claro que a gente sempre pensa em mudança. Mas eu jamais deixaria de votar num partido porque ele está atrasado em saúde e educação, a não ser que eu veja que ele fez uma política errada. O número de universidades no país dobrou e há uma demanda pela qualidade dos professores. Mas as duas coisas não podem ser conseguidas ao mesmo tempo. Tudo isso cria espaço para demandas razoáveis. E isso não aparece na hora do voto.
Em sua opinião, a economia brasileira está bem?
A economia não está bem não por ausência de políticas. O presidente Juscelino Kubitschek, em 1960, não estava mais à altura dos problemas nacionais por conta do excelente governo que fez em 55. A pergunta, agora, é: depois de dez anos de inclusão social, os novos problemas criados estão sendo bem percebidos pelo governo? Depois do aumento da renda e da expansão econômica interna, o problema dos portos e das ferrovias adquire uma dimensão que não tinha dez anos atrás, porque isso não tinha importância. São novos problemas, resultado de dez anos de bom governo. Será que o governo está consciente e com planejamentos para a nova etapa? Eu não sei. E a oposição também não mostrou nada.
Três mandatos seguidos de PT não provocam uma fadiga?
Isso não é a lei da natureza. A Social Democracia Sueca ficou 40 anos no poder e foi capaz de resolver os problemas que ela própria foi criando por conta de suas políticas. O momento atual é de infraestrutura e inovação. O Brasil não podemais ficar tão dependente e abaixo na capacidade de gerar tecnologia.
O que deveria ser feito para gerar essa capacidade?
Não vejo solução no curto prazo. Não é falta de dinheiro também. Os grandes países com capacidade tecnológica fizeram um investimento maciço e aleatório em educação, já que nunca se sabe de onde surgirá a inteligência criadora. Os 10% do pré-sal poderiam ser transformados em financiamento de laboratórios de pesquisa nas universidades ou em isenção tributária para empresas que criam centros de pesquisas. Como é que pode o grupo Votorantim ou a Odebrecht não terem um centro de inovação e de pesquisa a fundos perdidos? Quando a União Soviética rompeu com a China, o primeiro movimento foi retirar 200 mil cientistas soviéticos que estavam trabalhando lá. Esse é o nervo exposto no mundo moderno. Passagem de ônibus, se resolve na passeata.
Como o senhor está vendo esse quadro de pré-candidatos à Presidência da República?
Ainda é cedo. Falta muito tempo. Em 55, a UDN estava com a faca e o queijo na mão para ganhar a eleição, não fosse o suicídio de Getúlio Vargas. Não precisa do suicídio de ninguém, mas, de repente, tudo muda.
As pesquisas apontam um grande favoritismo da Dilma.
Mas o Lula não tinha esse favoritismo no início da campanha e depois ganhou. A Dilma, na metade da campanha de 2010, também ganhou. Na hora do voto, é sempre complicado. Mesmo a classe média que está deslumbrada, gostando muito da Dilma, pode chegar na hora e votar diferente. Fiz um levantamento da margem de vitória de Collor para cá. Só Lula, em 2006, justamente depois do mensalão, teve 56% dos votos. A Dilma teve 53% de votos válidos. Não só aqueles que estão protestando vão deixar de votar, como também aquele cara que acha que as coisas melhoraram e podem melhorar mais, aí vota num Aécio, num Joaquim Barbosa. Portanto, ainda é cedo para cravar a vitória de Dilma. Eu não me arrisco, é difícil.
Falam que a oposição está fraca.
Não está fácil para a oposição. Você até pode criticar, mas o governo tem política em tudo. Quando falam alguma coisa, a Dilma não polemiza, ela vai e cria um programa. Não acho que Eduardo Campos (PSB) e Aécio Neves (PSDB) sejam incompetentes. Não acho tanta coisa da Marina, que é fechada, dogmática e não tem sensibilidade para nada além do seu universo. Não é esse o caso do Eduardo e do Aécio. Mas está difícil. Você vai ser contra o Mais Médicos? Agora, eles dizem que o Mais Médicos está sendo mal administrado, mas no início eram contra. E tudo tem seu tempo de maturação, não é a curto prazo. Uma hidrelétrica não surge de uma passeata. A oposição reclama da saúde, mas não tem nem foto nos jornais, é uma dificuldade para arrumar uma imagem com hospitais caindo aos pedaços. Hoje, os grandes temas são a falta de aeroportos, e isso é verdade. Mas são outros problemas, é infraestrutura, inovação.
Nas passeatas falou-se muito, também, de corrupção.
É umtema permanente na democracia. Lembrando meus tempos mais radicais, onde há mercadoria, há corrupção. Recolhi textos da Grécia Antiga, de Atenas. A origem do problema não está apenas na moral das pessoas, mas também no modo de interação. No nosso caso, temos um país que está mudando de pele sementrar no isolamento, sem entrar em quarentena. Até recentemente, o Brasil era oligárquico na sua estrutura e não estava preparado para ter políticas sociais. A primeira grande transformação é no período varguista, porque não havia instituições públicas para levar em frente essas políticas. O Brasil mudou de tamanho, mudou de complexidade e o Estado não estava preparado para isso, era um estado oligárquico. É uma classe política que está acabando e cobra muito caro pelo seu desaparecimento. É o fim de um grupo político comprometido como Estado atrasado. É claro que tem que bater (na corrupção), mas generalizam no discurso. É a versão, mas não é o fato.
Mas quando o Judiciário bate, dizem que ele está judicializando a política.
OJudiciárioestá passando dos limites. É da legislação estabelecida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que qualquer partido possa fazer coalizão com quantos partidos quiser. E eles fazem isso para ter tempo de televisão, um mercado bilionário, um show criado pelas leis. Olha a origem do mensalão: na hora de os partidos coligados terem um caixa 1, não pode. O partido líder da coalizão faz, então, o caixa 2. Ele financia as candidaturas dos que estão na coalizão, mas que não têm dinheiro. Quem fez isso? Quem condicionou dessa forma? O TSE. Passando para o Supremo Tribunal Federal (STF): há juízes bons lá, inclusive o ministro mais novo, o Roberto Barroso, que é excelente, honestíssimo. Mas, para ele, o que o Congresso deixa de fazer, o Judiciário tem que fazer. Não pode. Não decidir é autonomia e garantia que os legisladores têm. Entre as soberanias que eu, como eleitor, transfiro ao Congresso, está a de ele não decidir. O Judiciário só pode se manifestar quando convocado.
E as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins)?
Aí, tudo bem. Mas não é só isso. Eventualmente, eles aproveitam uma Adin e criam legislação - ou seja, ele (o Judiciário) legisla. E a grande maioria dos juízes que estão lá é a favor. O Ayres Britto era a favor, o Peluso era a favor, o Barroso é a favor, o Joaquim Barbosa também. A Carmem Lúcia não gosta dessa ideia. Isso é um problema democrático sério. A não ação não justifica a ação de terceiros.
Me parece que a opinião pública acaba apoiando a ação do STF.
É a urgência natural da população. Essas manifestações são compreensíveis, o que não quer dizer que todas tenham boas consequências. O povo também erra. Como não?
Como o sr. vê as manifestações que devem acontecer na Copa?
Vejo com apreensão por dois motivos. De um lado, há grupos que definitivamente vão provocar, receber e ter brutalidade, custe o que custar. Na realidade, até, faz parte da teoria dos Black Blocs. Eles querem pancadaria. Do outrolado, quando lei o que a polícia não está preparada, concordo, apesar de não ser especialista. Também não sei o que é uma polícia preparada para lidar com uma coisa como essa. Como tenho certeza do que um vai fazer, e não sei como o outro reage, eu temo.
Parece que vai ser algo como a final da Copa das Confederações, com cordão de isolamento, mas sem impedir a realização das manifestações.
Não faço ideia da magnitude do conflito, mas que vai ter conflito, vai. Não confio nos Black Blocs nem na polícia. O Black Bloc está dizendo que vai atacar as delegações. Você não tem uma polícia preparada para administrar isso.
Essa crise da representatividade trouxe o debate da reforma política. Em que medida o Congresso e o governo federal responderão a essa demanda?
Há grupos que querem introduzir o voto proporcional. Em que consiste a reforma política? Vamos mudar para o voto em lista? Sou contra. Não é que a reforma não avance, é que os legisladores são contra esse tipo de proposta. O voto em lista não é um avanço, mas um retrocesso. Se fizer como na Nova Zelândia, onde tem voto em lista, mas você pode votar nominalmente, eu sou a favor. Mas como você coloca ordem de preferência no voto em lista? A partir de 50, 60 candidatos, como você ordena? A não ser que, nesse voto em lista, se crie uma limitação de dez candidatos por partido. E aí você fica com oligarquias de representação. A competição eleitoral no Brasil é elevadíssima, na base de dez, onze candidatos por vaga. Outra opção é reduzir o número de partidos. Eu também sou contra, porque os grandes partidos não vão às fronteiras do Brasil. Nos últimos 15 anos, o Norte e o Centro-Oeste não faziam parte do país. O crescimento do eleitorado nessas regiões, na última década, é brutal. Acontece que os grandes partidos não vão lá criar diretório, porque o custo não vale a pena. Quem faz diretório lá são os chamados nanicos. Eles estão trazendo os conflitos para dentro da institucionalidade. Então, eu sou a favor dos nanicos. Eles não atrapalham em nada, nunca chegam na Câmara federal. E se chegam, não são maioria.
E o financiamento de campanha, cujo modelo o Supremo deseja mudar?
Não consigo ter opinião sobre isso. Acho que é um problema insolúvel. Tanto o financiamento público quanto o privado só para pessoas físicas - ao qual eu sou simpático - têm brechas. Para a lei, sempre há uma contra lei. Não tem jeito. O que eu sei é que, caso o sistema mude, novas reclamações surgirão. Eu realmente não consigo ver qual seria o menor dos males.
O senhor não acha que o modelo atual impede uma moralização da política?
Não gosto do financiamento por empresas. Mas também não acho que o problema da corrupção se deva só a isso. As pessoas esquecem que a corrupção não está só na política. O aparelho de Estado brasileiro é de tal modo burocratizado que você não consegue nada de graça, embora seja seu direito. Ninguém vai nas entranhas do Estado ver o que as grandes empresas têm que pagar para o burocrata fazer andar o processo. Essas empresas são corruptoras. Mas, ou corrompem, ou o processo não anda. Isso é grave no mundo inteiro. O problema do azeitamento da máquina política não é barato, em nenhum país. Nos Estados Unidos, não existe fundo orçamentário municipal. E nas pequenas cidades, uma das fontes fundamentais de receita são as multas de trânsito. Em microcidades cortadas por rodovias federais, há um rigor excessivo nas fiscalizações e uma série de multas é aplicada. Portanto, esse controle é muito complicado. O que não quer dizer que não se deva criar controles. Mas sem a perspectiva demiúrgica, ou evangélica, de que você vai conseguir um sistema imune; isso não é humano.
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