271013 gaddafi obamaLíbia - Diário Liberdade - [Nazanín Armanian, tradução do Diário Liberdade] Lênin chamou social-imperialistas aos social-democratas alemães que para rejeitarem o czar da Rússia defenderam a guerra de 1914; Mao adulterou um termo já pejorativo para definir a União Soviética e assim justificar a sua aliança com os EUA, o imperialismo "decadente".
Dois anos após o ataque indiscriminado da OTAN contra o Estado libio que acabou com a vida de milhares de pessoas "para libertá-los de Gaddafi!",destruiu boa parte do país e acabou com a Líbia como Estado, se vão conhecendo as falsidades vertidas pelos inimigos estrangeiros do país (Ver Complot contra a Líbia -em espanhol). Obama e Cameron, em sua propaganda de guerra, acusaram a Gaddafi de cometer ?genocídio? (aniquilación sistemática de um grupo étnico, racial ou religioso? acontecido em Ruanda, Congo ou Darfur) contra seu povo, termo escolhido cuidadosamente que permitia à OTAN intervir em Líbia aplicando a doutrina dos ovos de ouro da Responsabilidade de Proteger (R2P) da ONU -que não se aplicou à população de Gaza ou de Bahréin. Pouco importou que o próprio Robert Gates, secretário de Defesa dos EUA, confessasse que não podia confirmar tal fato. Depois, exageraram com "a morte de dezenas de milhares de civis", ao mesmo tempo que Anistia Internacional desmentia personagens como o promotor-chefe da Corte Penal Internacional Luis Moreno-Ocampo a "violação de mulheres líbias" pelos soldados que até levavam viagra em seus bolsos.
Assim, a OTAN lançou-se a salvar o povo líbio, enquanto seus barcos deixavam morrer em alto mar os que fugiam da guerra, denunciou The Gardian.
O cúmulo da hipocrisia foi acolher o ex-chefe da inteligência de Gaddafi e a Abdul Jalil, ministro de justiça do regime, que em vez de serem enviados à Corte Penal Internacional por serem integrantes da ditadura, se lhes ofereceu colaborar com aquela aliança militar. Que a bandeira negra do Al Qaeda fosse içada no Palácio de Justiça de Bengasi depois do assassinato de Gaddafi e que Jalili fosse designado pelos ocidentais para liderar a transição libia para a "democracia" foram o cúmulo do descaramento!
Os EUA, seus sócios europeus e Israel, na aplicação da política do "controle de danos" já tinham canalizado as rebeliões espontâneas no Egito e Tunísia, tinham contido as do Iraque, Iêmen, Arábia Saudita e Bahréin, e agora na Líbia ficavam em evidência, exibindo seu poder.
Derrocar um aliado
A Líbia, o país do milenar povo Libu, habitado por uma centena de tribos árabes e berberes, de religião muçulmana sunita, experimentou um giro radical em sua política a partir do fim da Guerra Fria. Muamar Gaddafi, um ditador e um férreo anti-comunista, começou a namoricar com Ocidente: em 2002 pagou uns 2.940 milhões de euros às vítimas de Lockerbie (ao mesmo tempo que negava seu envolvimento no atentado) e aceitou "a legalidade internacional, embora esteja falseada e imposta pelos EUA". O nome de seu país estava incorporado na lista do Eixo do mal e no ataque devastador anglo-americano a Iraque em 2003, fazia pedagogia do terror. Aceitou se desarmar -pelas pressões de Israel, país com armas nucleares, biológicas e químicas- para passar a ser comprador de armas aos mesmos países que anos depois bombardeariam seu indefeso país. [Passa o mesmo com a Síria. Nenhum ditador é minimamente inteligente, se não não seria ditador]. Entre 2005 e 2009 Europa vendeu 834,54 milhões de euros em armas (Espanha, 2.000 milhões). Colaborou com a "guerra contra o terror" da CIA enchendo seus cárceres com pessoas sem nenhum direito a se defender. Os bancos ocidentais, que o recebiam com o tapete vermelho e implantavam o seu haima nos palácios, estavam tirando importantes lucros dos depósitos da Líbia. Para cúmulo, o líder da república "socialista" libia financiou o candidato da extrema-direita francesa, Nicolás Sarkozy.
Certo. Estamos ante uma personagem complexa que, por desgraça para os analistas maniqueios, abundam no Sul. Ditadores autoritários ou totalitários e nacionalistas -que se encontram fora da órbita dos EUA- mas compartilham a cama com outros imperialistas: Reino Unido, Alemanha ou França.
Ainda assim, EUA decidiu matá-lo (recordem o "Vini vidi vinci" de Hillary Clinton) porque:
1. Occidente tinha mais medo a um Gaddafi capaz de usar o "poder suave" que ao Gaddafi "louco".
2. Esmagar a futura Primavera Líbia, antes de que se complicasse a situação, como aconteceu no Egito. Na Líbia, EUA não tinha nenhuma influência sobre o exército e não podia recorrer a um golpe de estado.
3. Gaddafi não se converteu em um fantoche. Ademais, seu caráter imprevisível gerava insegurança para seus planos militares e econômicos na África. Disse Marco Rubio, o senador republicano estadunidense que seu "interesse nacional pede a eliminação de Gaddafi do poder". bloqueava as oportunidades dos EUA na Líbia. Bechtel (gigante em engenharia) e Caterpillar (fabricante de equipes de construção) era excluídas em favor das companhias russas, chinesas e alemãs. Já em setembro de 2011, o embaixador dos EUA, Gene Cretz, anunciava que uma centena de empresas de seu país planejavam fazer negócios em Líbia pós Gaddafi. Também, o secretário de Defesa britânico Philip Hammond, nada mais assassinar ao líder africano, convidou os empresários a irem reconstruir o que a OTAN destruiu: isso tem o nome de "capitalismo abutre" ou "destruição criativa". A companhia Geral Electric sonha com ganhar até 10.000 milhões de dólares investindo no devastado país.
4. Proclamava uma África com uma identidade política integrada, não dividida entre uma "África branca, civilizada mediterrânica" e outra "negra bárbara". Defendeu seu autosuficiencia, separada das instituições financeiras ocidentais.
5. Conter o incremento do poder e influência do próprio Gaddafi no continente, que impedia a livre circulação do capital ocidental pela região. Líbia, sob a sua liderança, tinha uns 150.000 milhões dólares investidos na África.
6. Foi visto por Washington como o principal obstáculo para o domínio militar de EUA na África. 45 países tinham-se negado a ser sede de Africom. Agora, a Líbia é uma candidata para abrigar o comando militar dos EUA. Além disso, a OTAN pode tomar conta do levante mediterrâneo: só resta eliminar ao sírio Bashar Ao Assem para "atlantizar" a bacia deste mar.
7. Converteu-se no principal aliado dos BRICS, sobretudo da China. Os contratos de umas 70 empresas chinesas cujo valor ascendia a 18.000 milhões dólares foram congelados depois da guerra.
A Rússia também perdeu uns 4.000 milhões de dólares em contratos de armas (ver Líbia: un negócio de guerra redondo -em espanhol).
O especial papel de Israel
O primeiro que a futura Nova Líbia recebia dos israelenses foi as smart-bomba lançadas desde a aviação da OTAN em 2011. Enquanto o Mossad e outro serviço aliados iam atrás de um Gaddafi anti-israelense, os rebeldes negociavam o intercâmbio de embaixadores com os hebreus.
Tel Aviv, depois de acabar com o Iraque como Estado rival -através do "papai EUA"- e enquanto seguia debilitando a Irã, canalizando a rebelião popular contra Mubarak no Egito, incitou e participou ativamente em acabar com a poderosa Líbia e seu líder. Em 2007, Goldman Sachs, uma das instituições financeiras do lobby judeu, ficou com a totalidade dos 1.500 milhões de dólares investidos por Gaddafi, quem não pensava perdoá-los.
O papel do lobby pró israelense na ONU e nos meios de comunicação (entre eles Al Jazira) foi determinante para demonizar o chefe do Estado líbio ante a opinião pública.
Israel, em seu avanço pela África, divide-a pela cor da pele de suas gentes, as crenças religiosas e grupos etnolingüísticos, apoiando a "África negra" contra a "árabe-muçulmana" (ver El bombardeo de Sudán por Israel -em espanhol).
O chovinismo do regime israelense, dirigido pelos europeus ashkenazíes, atingiu na década dos 90 aos mizrahíes, judeus "impuros" do norte da África e Médio Oriente: submeteu centenas de mulheres judias etíopes solicitantes de emigração a uma esterilização oculta e forçada antes de as admitir.
Hoje, e depois de perder a seu firme aliado Husni Mubarak, Netanyahu tentará converter à "nova" Líbia em um apoio estratégico.
O que se passou com o petróleo líbio?
Dona da primeira reserva de hidrocarburo da África e, além do mais, de alta qualidade, a Líbia exportou 379.5 milhões de barris de petróleo em 2012.
Apesar dos EUA e a UE, a Líbia de hoje manda mais petróleo à China do que na era de Gaddafi: se em 2010 30% de seu Ouro Negro ia para a Itália, 16% para a França e 11% para a China, um ano depois a China ocupava o posto dos franceses, comprando até 100.000 barris por dia. O tratamento de favor recebe-o Eni, a companhia da velha metrópole. As companhias Shell e BP não ganharam o concurso de licitación para explorar o petróleo: curioso paradoxo.
A produção do crude caiu de 1,4 milhões de barris ao dia em 2010 a uns 500.000 por causa da marcha dos técnicos das companhias estrangeiras, da sabotagem nos oleodutos pelos grupos opositores e a venda de fuel no mercado negro pelas máfias armadas. Nem os 18.000 vigilantes contratados pelo governo conseguiram que o azeite flua com segurança: muitos deles são contrários aos dignatários de Trípoli. Situação que, se por um lado tem induzindo ao coma a uma economia dependente da venda de hidrocarburo, por outro obriga os clientes como Turquia a recorrerem à energia nuclear. Ancara está construindo uma central em Akköy, localizado em uma região sísmica.
À deriva
Destruir a Líbia é outro dos contributos de Barak Obama. Este filho traidor da África, que apoia os ditadores do continente, balcanizou o Sudão, desestabilizou a Somalia e desviou as "primaveras árabes" apoiando os militares ou o setor mais reaccionario dos islamistas.
A onda de violência contra a população negra do país, o pessoal diplomático e os organismos internacionais não cessa: começou com a matança de milhares de cidadãos negros e/ou defensores de Gaddafi e continuou com o assassinato do embaixador dos EUA, o ataque ao cônsul italiano, o atentado contra as embaixadas da França, da Rússia e os edifícios da ONU, e está terminando em uma guerra civil e a desintegração do país. Ainda pode ir para pior.
Fonte: Blogs Público
O objetivo deste blog é discutir um projeto de desenvolvimento nacional para o Brasil. Esse projeto não brotará naturalmente das forças de mercado e sim de um engajamento político que direcionará os recursos do país na criação de uma nação soberana, desenvolvida e com justiça social.
domingo, outubro 27, 2013
sábado, outubro 26, 2013
França vai cobrar 75% de imposto dos ricos
Os jornais franceses amanheceram neste sábado com manchetes garrafais sobre uma inédita “greve” dos principais clubes de futebol do país, que se iniciaria ao fim de novembro e se estenderia por quase um mês. É que o presidente francês François Hollande declarou nesta sexta-feira que os atletas franceses não serão poupados da nova lei fiscal que entra em vigor em breve. O capítulo da nova lei que está aterrorizando os clubes é o que prevê uma taxação de 75% sobre os salários acima de 1 milhão de euros por ano.
É uma greve patronal, visto que a iniciativa vem dos dirigentes dos clubes franceses. Serão os clubes, naturalmente, que pagarão os impostos de seus atletas.
Hollande não anda muito popular na França, mas os franceses – que jamais perderam seu lado maravilhosamente jacobino – estão adorando a polêmica. O Le Monde publicou editorial há pouco fazendo uma comparação entre manifestações de trabalhadores de um frigorífico na Bretanha francesa, que recebem baixos salários e estão sendo demitidos em massa, e a “revolta” dos ricos do futebol. O editorial conclui afirmando que a greve dos clubes será, seguramente, “impopular”; e diante da dificuldade crescente de setores operários franceses, poderá ser considerada até mesmo “indecente”.
São coisas que só acontecem na França, país onde o jornal da direita, Le Figaro, se fosse traduzido para o português e publicado no Brasil, seria considerado um periódico de centro-esquerda. O principal jornal do país, Le Monde, é de esquerda, e o partido socialista (PS) domina amplamente o parlamento francês.
É bom lembrar que Hollande perdeu popularidade na França em virtude de seu eleitorado achar que ele não está fazendo um governo realmente de esquerda. O seu alinhamento aos EUA, por sua vez, tanto na Líbia quanto agora, na Síria, acabou por desmoralizá-lo de vez junto ao setor progressista. Por isso mesmo ele está apostando tanto no simbolismo desta nova lei ao estilo robin hood. Segundo o Le Monde, apenas 120 jogadores e treinadores da Liga 1 cairiam no filtro dos 75% de imposto, logo isso não representará algo substancial no orçamento nacional. Mas para Hollande é uma questão de honra. Todo mundo tem que ajudar a França a sair do buraco. Os itens mais draconianos da lei fiscal valerão apenas para os anos de 2013 e 2014.
Aí eu lembrei do tal “tripé macroeconômico” da Marina Silva, que nada mais é do que um discurso ultra-conservador que visa melhorar o desempenho fiscal do governo através de cortes no orçamento social. Acontece que o mesmo resultado poderia ser alcançado através do combate à sonegação das grandes empresas e do aumento de impostos dos mais ricos. Que é exatamente o que os países desenvolvidos sempre fizeram, inclusive os EUA, cujo imposto sobre a herança é um dos mais altos do mundo. Como ela, Marina, tem um eleitorado quase europeu, que ama passar as férias na inesquecível Paris, bem que podia lembrá-los que os ricos, desde a revolução de 1789, jamais tiveram moleza por lá.
Só não tenho certeza se os seus novos amigos de Higienópolis, como Maria Alice Setubal, herdeira do Itaú, iriam gostar de ouvir coisas desse tipo.
Por: Miguel do Rosário
É uma greve patronal, visto que a iniciativa vem dos dirigentes dos clubes franceses. Serão os clubes, naturalmente, que pagarão os impostos de seus atletas.
Hollande não anda muito popular na França, mas os franceses – que jamais perderam seu lado maravilhosamente jacobino – estão adorando a polêmica. O Le Monde publicou editorial há pouco fazendo uma comparação entre manifestações de trabalhadores de um frigorífico na Bretanha francesa, que recebem baixos salários e estão sendo demitidos em massa, e a “revolta” dos ricos do futebol. O editorial conclui afirmando que a greve dos clubes será, seguramente, “impopular”; e diante da dificuldade crescente de setores operários franceses, poderá ser considerada até mesmo “indecente”.
São coisas que só acontecem na França, país onde o jornal da direita, Le Figaro, se fosse traduzido para o português e publicado no Brasil, seria considerado um periódico de centro-esquerda. O principal jornal do país, Le Monde, é de esquerda, e o partido socialista (PS) domina amplamente o parlamento francês.
É bom lembrar que Hollande perdeu popularidade na França em virtude de seu eleitorado achar que ele não está fazendo um governo realmente de esquerda. O seu alinhamento aos EUA, por sua vez, tanto na Líbia quanto agora, na Síria, acabou por desmoralizá-lo de vez junto ao setor progressista. Por isso mesmo ele está apostando tanto no simbolismo desta nova lei ao estilo robin hood. Segundo o Le Monde, apenas 120 jogadores e treinadores da Liga 1 cairiam no filtro dos 75% de imposto, logo isso não representará algo substancial no orçamento nacional. Mas para Hollande é uma questão de honra. Todo mundo tem que ajudar a França a sair do buraco. Os itens mais draconianos da lei fiscal valerão apenas para os anos de 2013 e 2014.
Aí eu lembrei do tal “tripé macroeconômico” da Marina Silva, que nada mais é do que um discurso ultra-conservador que visa melhorar o desempenho fiscal do governo através de cortes no orçamento social. Acontece que o mesmo resultado poderia ser alcançado através do combate à sonegação das grandes empresas e do aumento de impostos dos mais ricos. Que é exatamente o que os países desenvolvidos sempre fizeram, inclusive os EUA, cujo imposto sobre a herança é um dos mais altos do mundo. Como ela, Marina, tem um eleitorado quase europeu, que ama passar as férias na inesquecível Paris, bem que podia lembrá-los que os ricos, desde a revolução de 1789, jamais tiveram moleza por lá.
Só não tenho certeza se os seus novos amigos de Higienópolis, como Maria Alice Setubal, herdeira do Itaú, iriam gostar de ouvir coisas desse tipo.
Por: Miguel do Rosário
“Nosso homem” no FMI critica a crítica do FMI ao Brasil
Com jeito, mas sem concessões, o economista Paulo Nogueira Batista Jr., diretor indicado pelo Brasil e outros dez países para o FMI, explica e desmonta a crítica feita esta semana pelo Fundo Monetário Internacional à condução da política fiscal brasileira.
O jeito, mais que explicável por ser ele um dos diretores da instituição, não apenas evita a vassalagem como tem o mérito, frequente em Paulo, de não apelar para pedantismo e manobras verbais para ocultar o que se quer e o que se deve dizer. Ao contrário, é quase didático, mostrando que estamos, ao contrário do que se diz, numa posição sustentável e muito, muito melhor que há uma década.
Apenas um esclarecimento, para quem não domina o vocabulário econômico: quando se fala em “anticíclico”, fala-se em uma ação do Estado de estímulo, quando a atividade econômica, em razão de crises, tende a estagnar-se ou a reduzir-se.
No mais, é claro como água o que ele diz.
A crítica do FMI
Paulo Nogueira Batista Jr.
Teve repercussão a divulgação do relatório anual do FMI sobre a economia brasileira. Entre as críticas reproduzidas pelos jornais brasileiros destaca-se a de que estaria ocorrendo deterioração das contas públicas e gradual erosão da política fiscal.
Tem cabimento essa crítica? Um dos principais argumentos dos técnicos do Fundo é a diminuição do superávit primário nos anos recentes e os efeitos que isso teria no controle da demanda agregada e na sustentabilidade da dívida governamental a médio e longo prazos.
Deve-se reconhecer que essas preocupações podem ser relevantes. Em determinadas circunstâncias, a queda do superávit primário pode indicar que as políticas de gastos e tributária estão excessivamente frouxas, ameaçando o controle da inflação ou o equilíbrio das contas externas. Por outro lado, a queda do superávit, combinada com uma carga elevada de juros, pode levar a um déficit alto demais e ao rápido crescimento da dívida pública, ameaçando a solvência do governo.
Mas não parece que essas preocupações sejam centrais no caso atual do Brasil. A diminuição do superávit primário é em parte cíclica, pois reflete o efeito adverso do baixo crescimento da economia brasileira sobre a arrecadação de impostos. Além disso, a política fiscal foi utilizada — de forma moderada — como instrumento anticíclico em alguns períodos, para fazer face à desaceleração da economia. Assim, certa redução do superávit é normal e pode ser até bem-vinda.
O quadro fiscal está muito longe de perfeito, é claro. Mas não se deve perder de vista que houve certo fortalecimento das contas governamentais desde o início da década passada. O déficit público é baixo para padrões internacionais, tendo se reduzido de 5% do PIB em 2003 para 3% em 2013. A dívida pública iíqüida caiu de 60% do PIB em 2002 para menos de 35% atualmente. A dívida bruta — na definição discutível adotada pelo FMI — diminuiu de 80% para 68% do PIB no mesmo período.
A discrepância entre a queda das dívidas líquida e bruta se deve, em larga medida, à acumulação pelo Brasil de reservas internacionais desde 2006. Reflete também as transferências do Tesouro aos bancos públicos para financiamento dos investimentos na economia brasileira.
A forma de cálculo adotada pelo FMI tende a superestimar a dívida bruta, por incluir todos os títulos públicos na carteira do Banco Central, inclusive aqueles que não são usados em operações de absorção de liquidez e não representam passivos junto ao público. A diferença em relação à metodologia adotada pelo Banco Central desde 2008 é grande — o critério de cálculo do Fundo superestima a dívida bruta em quase dez pontos de percentagem do PIB.
A economia brasileira tem, sem dúvida, muitos problemas. Mas a erosão da política fiscal não parece estar entre os principais.
Por: Fernando Brito
O jeito, mais que explicável por ser ele um dos diretores da instituição, não apenas evita a vassalagem como tem o mérito, frequente em Paulo, de não apelar para pedantismo e manobras verbais para ocultar o que se quer e o que se deve dizer. Ao contrário, é quase didático, mostrando que estamos, ao contrário do que se diz, numa posição sustentável e muito, muito melhor que há uma década.
Apenas um esclarecimento, para quem não domina o vocabulário econômico: quando se fala em “anticíclico”, fala-se em uma ação do Estado de estímulo, quando a atividade econômica, em razão de crises, tende a estagnar-se ou a reduzir-se.
No mais, é claro como água o que ele diz.
A crítica do FMI
Paulo Nogueira Batista Jr.
Teve repercussão a divulgação do relatório anual do FMI sobre a economia brasileira. Entre as críticas reproduzidas pelos jornais brasileiros destaca-se a de que estaria ocorrendo deterioração das contas públicas e gradual erosão da política fiscal.
Tem cabimento essa crítica? Um dos principais argumentos dos técnicos do Fundo é a diminuição do superávit primário nos anos recentes e os efeitos que isso teria no controle da demanda agregada e na sustentabilidade da dívida governamental a médio e longo prazos.
Deve-se reconhecer que essas preocupações podem ser relevantes. Em determinadas circunstâncias, a queda do superávit primário pode indicar que as políticas de gastos e tributária estão excessivamente frouxas, ameaçando o controle da inflação ou o equilíbrio das contas externas. Por outro lado, a queda do superávit, combinada com uma carga elevada de juros, pode levar a um déficit alto demais e ao rápido crescimento da dívida pública, ameaçando a solvência do governo.
Mas não parece que essas preocupações sejam centrais no caso atual do Brasil. A diminuição do superávit primário é em parte cíclica, pois reflete o efeito adverso do baixo crescimento da economia brasileira sobre a arrecadação de impostos. Além disso, a política fiscal foi utilizada — de forma moderada — como instrumento anticíclico em alguns períodos, para fazer face à desaceleração da economia. Assim, certa redução do superávit é normal e pode ser até bem-vinda.
O quadro fiscal está muito longe de perfeito, é claro. Mas não se deve perder de vista que houve certo fortalecimento das contas governamentais desde o início da década passada. O déficit público é baixo para padrões internacionais, tendo se reduzido de 5% do PIB em 2003 para 3% em 2013. A dívida pública iíqüida caiu de 60% do PIB em 2002 para menos de 35% atualmente. A dívida bruta — na definição discutível adotada pelo FMI — diminuiu de 80% para 68% do PIB no mesmo período.
A discrepância entre a queda das dívidas líquida e bruta se deve, em larga medida, à acumulação pelo Brasil de reservas internacionais desde 2006. Reflete também as transferências do Tesouro aos bancos públicos para financiamento dos investimentos na economia brasileira.
A forma de cálculo adotada pelo FMI tende a superestimar a dívida bruta, por incluir todos os títulos públicos na carteira do Banco Central, inclusive aqueles que não são usados em operações de absorção de liquidez e não representam passivos junto ao público. A diferença em relação à metodologia adotada pelo Banco Central desde 2008 é grande — o critério de cálculo do Fundo superestima a dívida bruta em quase dez pontos de percentagem do PIB.
A economia brasileira tem, sem dúvida, muitos problemas. Mas a erosão da política fiscal não parece estar entre os principais.
Por: Fernando Brito
Washington em ação: O tempo é dos porta-aviões que virão intimidar
Viomundo
Adivinhe quem veio para o jantar?
Por que Washington não pode parar: a chegada da era das pequenas guerras e micro conflitos
22 de outubro de 2013
Por Tom Engelhardt, no TomDispatch
Tradução Heloisa Villela
Em matéria de projeção pura de poder, nunca existiu nada assim. Sua força militar dividiu o mundo – o planeta todo – em seis “comandos”.
Sua frota, com 11 porta-aviões de grupos de combate, domina os mares e o faz sem desafios por quase sete décadas.
Sua Força Aérea domina os céus globais e apesar de estar em ação continuamente por anos, não enfrentou nenhum avião inimigo desde 1991 ou se viu diante de um desafio em algum lugar desde 1970.
Sua frota de drones se mostrou capaz de perseguir e matar inimigos suspeitos em cantos remotos do planeta, do Afeganistão e do Paquistão ao Iêmen e à Somália sem preocupação com fronteiras nacionais e sem a menor preocupação de ser derrubada.
Financiam e treinam exércitos substitutos em vários continentes e têm complexas relações de apoio e treinamento com exércitos por todo o planeta.
Em centenas de bases, algumas minúsculas e outras do tamanho de cidades norte-americanas, seus soldados montam guarda no planeta, da Itália à Austrália, de Honduras ao Afeganistão, e das ilhas de Okinawa, no Oceano Pacífico, a Diego Garcia, no Índico.
Seus fabricantes de armas são os mais avançados da Terra e dominam o mercado global.
Suas armas nucleares em silos, em bombardeiros e em sua frota de submarinos seriam capazes de destruir diversos planetas do tamanho da Terra.
Seu sistema de satélites espiões é imbatível, nem se pode desafiar. Seus serviços de espionagem podem ouvir conversas telefônicas ou ler e-mails de quase todo mundo, de líderes mundiais de destaque a insurgentes obscuros.
A CIA e suas forças paramilitares em expansão são capazes de sequestrar pessoas em qualquer lugar, do meio rural da Macedônia às ruas de Roma ou Trípoli.
Para vários de seus prisioneiros, foram montadas (e desmontadas) prisões secretas pelo planeta e em seus navios da Marinha.
Eles gastam mais com seus militares do que os próximos treze países do mundo somados.
Junte-se a isso os gastos com o estado de segurança nacional total, e o volume é bem maior do que o de qualquer grupo de nações.
Em matéria de poderio militar avançado e sem desafios, nunca houve nada como as forças armadas dos Estados Unidos, desde que os mongóis varreram a Eurásia.
Não é de espantar que os presidentes norte-americanos agora usem, regularmente, a frase “a melhor força que o mundo já conheceu” para descrevê-las.
Pela lógica da situação, o planeta deveria ser uma moleza para elas.
Nações menores, com forças bem mais comedidas, conseguiram no passado controlar vastos territórios.
E apesar de toda a discussão sobre o declínio norte-americano e a queda de sua força em um mundo “multipolar”, sua habilidade de pulverizar e destruir, matar e mutilar, explodir e bater só cresceu neste novo século.
Nenhuma outra força militar de outra nação chega perto. Nenhuma tem mais de um punhado de bases militares. Nenhuma tem mais de dois grupos de porta-aviões de guerra.
Nenhum inimigo potencial tem uma frota como essa de aviões-robôs. Nenhum país tem mais de 60 mil forças de operações especiais. País por país, não existe disputa.
O exército russo (um dia “vermelho”) é uma sombra do que já foi. Os europeus não se rearmaram significativamente. As forças de autodefesa do Japão são poderosas e estão crescendo lentamente, mas sob o guarda-chuva nuclear dos Estados Unidos.
Apesar de a China, regularmente identificada como o próximo estado imperial em ascensão, estar envolvida em um crescimento militar exibicionista, com seu único porta-aviões ainda é apenas um poder regional.
Apesar dessa chocante equação de poder global, por mais de uma década temos assistido a uma lição a respeito do que uma força militar, não importa o quão esmagadora, pode e (quase sempre) não pode fazer no século vinte e um.
A Máquina de Desestabilização
Vamos começar com o que os Estados Unidos podem fazer. Neste ponto os dados recentes são claros: eles podem destruir e desestabilizar.
Na verdade, em todo lugar que se aplicou a força militar dos Estados Unidos nos últimos anos, se houve algum efeito de longo prazo, foi para desestabilizar regiões inteiras.
Em 2004, quase um ano e meio depois que tropas norte-americanas invadiram Bagdá, saqueada e em chamas, Amr Mussa, líder da Liga Árabe, comentou profeticamente: “Os portões do inferno estão abertos no Iraque”.
Para o governo Bush, a situação naquele país já estava controlado e ninguém prestou atenção na descrição de Mussa, pareceu exagero,até ultrajante, quando aplicada à ocupação norte-americana no Iraque.
Hoje, com as estimativas científicas a respeito do assombroso número de mortes provocadas pela invasão e pela guerra, na casa dos 461 mil — e outros milhares que ainda estão morrendo todo ano — e com a Síria em chamas, parece até que a descrição foi incompleta.
Agora ficou claro que George W. Bush e seus principais assessores, fundamentalistas ferrenhos quando se trata do poder militar norte-americano e de sua capacidade de alterar, controlar e dominar o grande Oriente Médio (e possivelmente o planeta), lançaram uma transformação radical da região.
A invasão do Iraque cavou um buraco no coração do Oriente Médio, deflagrando uma guerra civil sunita-xiita que agora se espalhou catastroficamente para a Síria, matando mais de 100 mil pessoas por lá.
Bush e seus assessores ajudaram a transformar a região em um mar revolto de refugiados, deram vida e significado a uma antes inexistente Al-Qaeda no Iraque (e agora uma versão da mesma na Síria), e deixaram o país afundado em um mar de bombas improvisadas, terroristas suicidas e a ameaça, como em tantos outros países da região, de uma possibilidade de implosão territorial.
E isso é apenas um esboço conciso. Não importa se você está falando sobre a desestabilização do Afeganistão, onde as tropas norte-americanas estão há quase 12 anos; do Paquistão, onde a campanha aérea com drones, da CIA, nas comunidades da fronteira, é levada a cabo há anos, enquanto o país se torna mais e mais instável e violento; do Iêmen, onde a chamada Al-Qaeda na Península Árabe cresceu cada vez mais; ou da Somália, onde Washington deu apoio, repetidamente, a exércitos que treinou e financiou, enquanto um país já instável se desmantelou e a influência do al-Shabab, um grupo de insurgentes islâmicos cada vez mais radicais e violentos, começou a transbordar pelas fronteiras regionais.
O resultado tem sido sempre o mesmo: desestabilização.
Considere a Líbia, onde o presidente Obama, não mais interessado em intervenções com soldados em solo, enviou drones da força aérea em 2011, em uma intervenção sem sangue (a não ser, claro, se você estivesse no solo), que ajudou a derrubar Muamar Kadafi, o autocrata local e seu regime de polícia e prisões secretas, e deslanchou uma jovem democracia… opa, um momento, não foi bem assim.
Na verdade, o resultado, que incrivelmente foi uma surpresa para Washington, foi um país ainda mais danificado, com um governo central desesperadamente fraco, um território controlado por várias milícias — algumas de natureza islâmica extremista — insurgência e guerra no vizinho Mali (graças a um influxo de armas roubadas do vasto arsenal de Kadafi), um embaixador norte-americano morto, um país praticamente incapaz de exportar petróleo, e assim por diante.
A Líbia foi, de fato, tão desestabilizada, carece tanto de uma autoridade central, que Washington recentemente se sentiu à vontade para despachar forças de Operações Especiais às ruas da capital, em plena luz do dia, para uma operação de captura de um suspeito de terrorismo procurado há tempos, um ato que foi tão “bem sucedido” quanto a derrubada do regime de Kadafi e, de forma semelhante, contribuiu para a desestabilização ainda maior de um governo que Washington ainda apoiava em tese. (Quase imediatamente em seguida, o primeiro-ministro líbio se viu brevemente sequestrado por uma unidade de milícia, no que pode ter sido em parte tentativa de golpe).
Maravilhas do Mundo Moderno
Se o poder militar esmagador sob o comando de Washington pode desestabilizar regiões completas do planeta, o que então esse poder militar não pode fazer?
Nesse ponto, os fatos são claros e decisivos.
Como todas as ações militares significativas dos Estados Unidos neste século demonstraram, o uso da força militar, não importa em que formato, se provou incapaz de atingir até mesmo os objetivos mínimos de Washington.
Considere esta uma das maravilhas do mundo moderno: junte a tecnologia militar, derrame dinheiro sobre suas forças armadas, supere o resto do mundo, e nada disso faz com que o mundo se comporte de acordo com o que você quer.
Sim, no Iraque, para citar um exemplo, o regime de Saddam Hussein foi rapidamente “decapitado”, graças a uma demonstração de força esmagadora por parte dos invasores norte-americanos.
A burocracia estatal foi desmontada, o exército desbaratado e a autoridade de ocupação foi estabelecida com o apoio de tropas estrangeiras, logo instaladas em bases militares multibilionárias que tinham como objetivo permanecer por gerações. Um governo local “amigável” foi instalado.
E foi aí que os sonhos do governo Bush acabaram, nos destroços criados por um conjunto de minorias insurgentes mal armadas, em terrorismo e numa guerra civil étnico-religiosa brutal.
No fim, quase nove anos após a invasão e apesar do fato de o governo Obama e de o Pentágono estarem doidos para manter tropas estacionadas por lá de alguma maneira, um governo central relativamente fraco se recusou, e elas partiram, últimas representantes do maior poder do planeta sumindo na calada da noite.
Para trás ficaram as ruínas históricas, “cidades fantasma” e bases norte-americanas saqueadas que deveriam ser nossos monumentos no Iraque.
Hoje, sob circunstâncias ainda mais extraordinárias, um processo semelhante parece estar se desenrolando no Afeganistão – outro espetáculo do momento que deveria nos impressionar.
Após quase 12 anos lá, ao se ver incapaz de suprimir uma insurreição minoritária, Washington está pouco a pouco retirando as tropas de combate, mas quer deixar, nas bases gigantes que construímos, talvez 10 mil “instrutores” para os militares afegãos e algumas forças de Operações Especiais para continuar caçando membros da Al-Qaeda e outros ditos terroristas.
Para a única superpotência do planeta, tudo isso deveria ser uma moleza.
Ao menos o governo do Iraque tinha alguma força própria (e a riqueza do petróleo para lhe dar apoio). Se existe um governo na Terra que se qualifica como “marionete”, deve ser o do Afeganistão, com o presidente Hamid Karzai.
Afinal, ao menos 80% (talvez 90%) das despesas do governo são cobertas pelos Estados Unidos e seus aliados, e suas forças de segurança são consideradas incapazes de lutar contra o Talibã e outros insurgentes sem o apoio e o dinheiro dos Estados Unidos.
Se Washington saísse totalmente (incluindo aí o apoio financeiro), é difícil imaginar que um sucessor do Karzai sobrevivesse muito tempo.
Como, então, explicar o fato de Karzai ter se recusado a assinar um acordo futuro, de longo prazo, de segurança bilateral. enquanto ele era escrito?
Ao contrário, recentemente ele condenou ações dos Estados Unidos no Afeganistão, como fez várias vezes no passado, e disse que simplesmente não assinaria o acordo, e começou a negociar com os representantes dos Estados Unidos como se ele fosse o líder da outra superpotência do planeta.
Washington, frustrada, teve que despachar o secretário de Estado John Kerry em uma missão de última hora a Cabul para negociações de alto nível, cara-a-cara.
O resultado, anunciado após uma maratona de 24 horas de conversações e encontros, foi apresentado como um sucesso: problema(s) resolvido. Opa! Todos menos um.
Como ficou claro, foi exatamente o mesmo em que a presença militar norte-americana no Iraque tropeçou – a exigência de Washington de imunidade legal para as tropas norte-americanas que permanecerem no Afeganistão.
No fim, Kerry embarcou de volta sem garantia de um acordo.
Entendendo a Guerra no século 21
Se a presença militar americana sobreviverá ou não mais alguns anos no Afeganistão, o fato concreto é: o presidente de um dos países mais pobres e fracos do planeta, ele mesmo relativamente sem poder, está essencialmente ditando as regras a Washington – e quem pode dizer se, no fim, como aconteceu no Iraque, as tropas norte-americanas não terão de sair de lá também?
Mais uma vez, a força militar não sai ganhando.
Ainda assim, o poderio militar, as armas avançadas, a força e a destruição como armas de política, como formas de criar um mundo à sua imagem ou ao seu gosto, funcionaram muito bem no passado.
Pergunte aos mongóis, ou aos poderes imperiais da Europa, da Espanha no século XVI aos britânicos no século XIX, que forjaram seus impérios à força com sucesso e os mantiveram por longos períodos.
Em que planeta vivemos agora? Por que este poder militar, o mais forte já imaginado, não pode vencer, pacificar ou simplesmente destruir poderes fracos, movimentos insurgentes nada impressionantes, ou grupos esfarrapados (quase sempre tribais) de pessoas que rotulamos de “terroristas”?
Por que esse poder militar não é mais transformador ou ao menos razoavelmente eficaz?
Isso é, para buscar uma analogia, como os antibióticos? Se usados por muito tempo, em muitas situações, um tipo de imunidade acaba se desenvolvendo contra eles.
Sejamos claros: essa força militar ainda é um instrumento potencial poderoso de destruição, morte e desestabilização.
Por tudo que sabemos – não é algo que tenhamos visto nos últimos anos – ele pode também ser um instrumento poderoso para a defesa genuína.
Mas, se a história recente serve de guia, o que essa força militar não pode ser no século 21 é um instrumento de policiamento, um meio de alterar o mundo para se adequar a um modelo de desenvolvimento de Washington.
O planeta e as pessoas de toda parte parecem mais e mais resistentes, de forma que a opção militar fica fora da mesa como instrumento efetivo da superpotência.
Os planos militares de Washington e as táticas usadas desde o 11 de setembro têm sido particularmente desastrosos.
Quando você olha para trás, a doutrina da contrainsurgência, ressuscitada das cinzas da derrota norte-americana no Vietnã, está de volta à lata de lixo da História. (Quem ainda hoje se lembra do seu slogan “limpar, assegurar e construir”, que agora parece a frase final de uma piada ruim?)
“Surge” (aumento repentino de tropas), uma vez considerada estratégia militar brilhante, desapareceu na neblina. “Nation building”, termo que foi muito usado em Washington, hoje é execrado. “Botas em solo”, das quais os Estados Unidos tinham um número enorme e ainda têm 51 mil no Afeganistão, agora ninguém quer.
O público norte-americano está, e universalmente todo mundo concorda, “exausto” de guerras.
Grandes forças norte-americanas desembarcando para lutar em algum lugar da Eurásia no futuro próximo? Não conte com isso.
Mas lições foram aprendidas com o colapso da política de guerra? Também não conte com isso.
É bastante claro que Washington ainda não absorveu completamente o que aconteceu.
Sua crença na guerra continua incrivelmente intacta em um século no qual o poder militar tornou a politica norte-americana equivalente à de um estado religioso.
Nossos líderes ainda dão muito crédito às guerras antiterroristas do futuro, mesmo quando se afogam em seus esforços militares do presente.
Eles ainda desejam ressuscitar uma solução militar aplicável.
Agora a mensagem é: evite essa quantidade de botas – na verdade, reduza o número de soldados em tempos de cortes do Orçamento – e adote o pacote antiterrorismo.
Nada mais de derramar sangue (norte-americano). Pegue os “homens maus”, um ou uns poucos de cada vez, usando o exército privado do presidente, as forças de Operações Especiais, ou sua força aérea privada, os drones da CIA.
Construa novas micro-bases globalmente. Desloque esses porta-aviões de combate para a costa de qualquer país que você queira intimidar.
Está claro que estamos em um novo período em termos da produção de guerra norte-americana. Chame-a da era das mini-guerras, ou micro-conflitos, especialmente nas áreas tribais do planeta.
Então algo realmente está mudando em resposta às derrotas militares, mas o que não está mudando é a preferência de Washington por guerras escolhidas. O que não está mudando é o pensamento de que , se você ajustar suas táticas e estratégias corretamente, a força funcionará. (Recentemente, Washington se salvou de mergulhar em outro previsível desastre miliar na Síria por um comentário improvisado do secretário de Estado John Kerry e pela intervenção oportuna do presidente russo Vladimir Putin.)
O que nossos líderes não entendem é o fato mais básico e prático do momento: a guerra simplesmente não funciona, não a grande nem a micro – não para Washington.
Uma superpotência em guerra em locais distantes do planeta não é mais uma superpotência em ascensão, mas com problemas.
A força militar norte-americana pode ser uma máquina de desestabilização. Mas ela certamente não é uma máquina para impor e fazer cumprir políticas.
quinta-feira, outubro 24, 2013
MANTEGA: FMI É "EQUIVOCADO E INCOERENTE"
Ministro da Fazenda bate duro no relatório do FMI que critica a política fiscal brasileira e mereceu destaque alarmista na imprensa brasileira. “Em 2009, o FMI uniu-se a nós no G20 para enfrentar essa crise e recomendou que os países concedessem estímulos fiscais. Depois houve uma recaída. O Brasil continuou dando estímulos fiscais, mas outros países não deram. O que aconteceu? Os países europeus caíram numa recessão”, disse o ministro. “O FMI continuou reclamando, dizendo que os países exageraram no ajuste fiscal. Então me parece absolutamente incoerente o relatório.”
Wellton Máximo
Repórter da Agência Brasil
Brasília – O relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) que critica o aumento de gastos do governo brasileiro nos últimos anos está equivocado e é incoerente, disse hoje (24) o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Segundo ele, a metodologia para avaliar a dívida bruta do país está errada, o que leva o organismo internacional a superestimar o impacto dos gastos sobre as contas públicas.
O ministro questionou as ressalvas do FMI em relação à política fiscal brasileira. Segundo o ministro, as reduções de impostos e os aumentos de gastos contribuíram para manter a atividade econômica em meio à crise internacional e o relatório contradiz recomendações do próprio Fundo Monetário para combater a crise.
“Em 2009, o FMI uniu-se a nós no G20 [grupo das 20 maiores economias do planeta] para enfrentar essa crise e recomendou que os países concedessem estímulos fiscais. Depois houve uma recaída. O Brasil continuou dando estímulos fiscais, mas outros países não deram. O que aconteceu? Os países europeus caíram numa recessão”, disse o ministro. “O FMI continuou reclamando, dizendo que os países exageraram no ajuste fiscal. Então me parece absolutamente incoerente o relatório.”
De acordo com o ministro, o relatório também não está alinhado com as recomendações do economista-chefe do próprio FMI, o francês Olivier Blanchard. “Acho que esse relatório foi feito por um escalão técnico, que não está afinado com os principais instrumentos do Fundo Monetário. O economista-chefe deles é muito mais afinado com as ideias e os programas que fazemos aqui”, criticou Mantega. O ministro lembrou declarações de Blanchard, que disse considerar o Brasil um dos países emergentes mais resistentes à crise e superou melhor as turbulências externas, sem fuga de capital externo.
Divulgado ontem (23), o relatório do FMI critica a política fiscal praticada pelo Brasil. Segundo a publicação, o aumento de gastos tem levado à “erosão” das estruturas fiscais do país e fez o governo recorrer cada vez mais a receitas extraordinárias, como dividendos de estatais, e a manobras contábeis para alcançar a meta fiscal. O Fundo Monetário apoia ainda o aumento dos juros básicos pelo Banco Central e reduziu de 4,25% para 3,5% a previsão de crescimento potencial do país – quanto o país consegue crescer anualmente sem provocar inflação.
Mantega citou ainda a emissão e a troca de US$ 3,2 bilhões de títulos do Tesouro Nacional no exterior, ocorrida ontem (23). Segundo ele, a demanda somou US$ 10 bilhões, o que indica que a confiança dos investidores internacionais em relação à economia brasileira continua elevada.
“A operação [de emissão e de troca de títulos] bem-sucedida. Isso demonstra o grande interesse e a grande confiança que existem no Brasil porque tivemos um grande afluxo de investidores estrangeiros assim que oferecemos o papel”, comentou. O ministro, no entanto, não fez uma avaliação sobre o fato de os juros dos papéis terem alcançado os maiores níveis em mais três anos. As taxas de juros também servem como medida do grau de confiança em relação a um país.
Comentário E & P
Ontem o agente da CIA que trabalha na Globo Willian Waack deu grande destaque ao relatório do FMI. É a imbecilidade da subelite brasileira a serviço do PSDB, CIA, PSB, DEM, PPS, NSA e outras siglas retrógradas que envergonham a humanidade.
Wellton Máximo
Repórter da Agência Brasil
Brasília – O relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) que critica o aumento de gastos do governo brasileiro nos últimos anos está equivocado e é incoerente, disse hoje (24) o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Segundo ele, a metodologia para avaliar a dívida bruta do país está errada, o que leva o organismo internacional a superestimar o impacto dos gastos sobre as contas públicas.
O ministro questionou as ressalvas do FMI em relação à política fiscal brasileira. Segundo o ministro, as reduções de impostos e os aumentos de gastos contribuíram para manter a atividade econômica em meio à crise internacional e o relatório contradiz recomendações do próprio Fundo Monetário para combater a crise.
“Em 2009, o FMI uniu-se a nós no G20 [grupo das 20 maiores economias do planeta] para enfrentar essa crise e recomendou que os países concedessem estímulos fiscais. Depois houve uma recaída. O Brasil continuou dando estímulos fiscais, mas outros países não deram. O que aconteceu? Os países europeus caíram numa recessão”, disse o ministro. “O FMI continuou reclamando, dizendo que os países exageraram no ajuste fiscal. Então me parece absolutamente incoerente o relatório.”
De acordo com o ministro, o relatório também não está alinhado com as recomendações do economista-chefe do próprio FMI, o francês Olivier Blanchard. “Acho que esse relatório foi feito por um escalão técnico, que não está afinado com os principais instrumentos do Fundo Monetário. O economista-chefe deles é muito mais afinado com as ideias e os programas que fazemos aqui”, criticou Mantega. O ministro lembrou declarações de Blanchard, que disse considerar o Brasil um dos países emergentes mais resistentes à crise e superou melhor as turbulências externas, sem fuga de capital externo.
Divulgado ontem (23), o relatório do FMI critica a política fiscal praticada pelo Brasil. Segundo a publicação, o aumento de gastos tem levado à “erosão” das estruturas fiscais do país e fez o governo recorrer cada vez mais a receitas extraordinárias, como dividendos de estatais, e a manobras contábeis para alcançar a meta fiscal. O Fundo Monetário apoia ainda o aumento dos juros básicos pelo Banco Central e reduziu de 4,25% para 3,5% a previsão de crescimento potencial do país – quanto o país consegue crescer anualmente sem provocar inflação.
Mantega citou ainda a emissão e a troca de US$ 3,2 bilhões de títulos do Tesouro Nacional no exterior, ocorrida ontem (23). Segundo ele, a demanda somou US$ 10 bilhões, o que indica que a confiança dos investidores internacionais em relação à economia brasileira continua elevada.
“A operação [de emissão e de troca de títulos] bem-sucedida. Isso demonstra o grande interesse e a grande confiança que existem no Brasil porque tivemos um grande afluxo de investidores estrangeiros assim que oferecemos o papel”, comentou. O ministro, no entanto, não fez uma avaliação sobre o fato de os juros dos papéis terem alcançado os maiores níveis em mais três anos. As taxas de juros também servem como medida do grau de confiança em relação a um país.
Comentário E & P
Ontem o agente da CIA que trabalha na Globo Willian Waack deu grande destaque ao relatório do FMI. É a imbecilidade da subelite brasileira a serviço do PSDB, CIA, PSB, DEM, PPS, NSA e outras siglas retrógradas que envergonham a humanidade.
POR QUE A DILMA DEFENDE AS CHINESAS
A Big House descobriu que o Brasil mudou de companhia, trocou de botequim
Saiu no Globo Overseas:
DILMA DIZ QUE REAÇÃO NEGATIVA À PRESENÇA DE ESTRANGEIROS EM LIBRA É XENOFOBIA
- As duas chinesas são grandes empresas internacionais de petróleo e é bom que se diga no Brasil, para acabar com a absurda xenofobia, são grandes parceiras internacionais e as duas empresas privadas são grandes produtoras de petróleo – disse Dilma, durante discurso em solenidade de lançamento de recursos para saneamento e habitação.
- Quem vem extrair petróleo do campo de Libra tem competência tecnológica e financeira – completou.
A uma plateia formada por dezenas de prefeitos, Dilma assegurou que a maioria das receitas a serem obtidas como campo de Libra será para o Brasil e os brasileiros. Lembrou que a maior parte dos recursos vai para educação e reafirmou que o sistema de exploração de produção será de partilha, não havendo qualquer possibilidade de mudança para outro tipo de regime, como o de concessão.
As empresas são as estatais chinesas CNPC e CNOOC, a francesa Total e a anglo-holandesa Shell.
Foi numa solenidade – http://blog.planalto.gov.br/ao-vivo-anuncio-de-investimentos-do-pac/ – para anunciar projetos de saneamento, dentro do PAC2.
Navalha
A presidenta é gentil.
Não se trata exatamente de xenofobia.
Porque contra americanos, ingleses, holandeses, alemães e franceses o pessoal da Big House e seus especialistas – os que nada sabem de tudo – não têm nada contra.
O problema deles é com chineses, russos, argentinos, indianos, africanos do Sul, o pessoal aqui da vizinhança – geográfica ou política.
Os dos BRICs.
Ou com bolivianos, haitianos …
É uma xenofobia interessada.
O problema dessa turma é que eles começam a perceber a nova inclinação estratégica do Brasil.
Inevitável, aliás – clique aqui para ler “e quem vai defender o pré-sal ?
O Brasil saiu da órbita americana, se aproxima de outros centros de poder e cada vez mais o imperativo da Soberania exigirá novas parcerias.
Com chineses, russos, sul-americanos e africanos.
O Brasil é bi-oceânico.
Do lado Leste tem petróleo.
Do lado Oeste tem comida – clique aqui para ler sobre a viagem do ansioso blogueiro a Mato Grosso, a melhor agricultura do mundo .
Faltam-lhe caças, submarinos, satélites, foguetes, mísseis.
Uma nova Defesa, que defenda o interesse nacional brasileiro com um poder dissuasório arrasador.
Não vem que não tem !
Essa é uma nova etapa inevitável, que o leilão de Libra – e a oposição a ele – ressalta.
E a turma da Big House começa a intuir, a desconfiar.
Que não adianta mais saber a diferença a Rive Gauche e a Avenue Foche.
Entre a Quinta e a Sexta Avenida …
Por isso são xenófobos – desde que, diante dos americanos, possam, obsequiosamente, tirar os sapatos.
Eles já perceberam que a Dilma não tira.
Daí, a fúria.
Paulo Henrique Amorim
Saiu no Globo Overseas:
DILMA DIZ QUE REAÇÃO NEGATIVA À PRESENÇA DE ESTRANGEIROS EM LIBRA É XENOFOBIA
- As duas chinesas são grandes empresas internacionais de petróleo e é bom que se diga no Brasil, para acabar com a absurda xenofobia, são grandes parceiras internacionais e as duas empresas privadas são grandes produtoras de petróleo – disse Dilma, durante discurso em solenidade de lançamento de recursos para saneamento e habitação.
- Quem vem extrair petróleo do campo de Libra tem competência tecnológica e financeira – completou.
A uma plateia formada por dezenas de prefeitos, Dilma assegurou que a maioria das receitas a serem obtidas como campo de Libra será para o Brasil e os brasileiros. Lembrou que a maior parte dos recursos vai para educação e reafirmou que o sistema de exploração de produção será de partilha, não havendo qualquer possibilidade de mudança para outro tipo de regime, como o de concessão.
As empresas são as estatais chinesas CNPC e CNOOC, a francesa Total e a anglo-holandesa Shell.
Foi numa solenidade – http://blog.planalto.gov.br/ao-vivo-anuncio-de-investimentos-do-pac/ – para anunciar projetos de saneamento, dentro do PAC2.
Navalha
A presidenta é gentil.
Não se trata exatamente de xenofobia.
Porque contra americanos, ingleses, holandeses, alemães e franceses o pessoal da Big House e seus especialistas – os que nada sabem de tudo – não têm nada contra.
O problema deles é com chineses, russos, argentinos, indianos, africanos do Sul, o pessoal aqui da vizinhança – geográfica ou política.
Os dos BRICs.
Ou com bolivianos, haitianos …
É uma xenofobia interessada.
O problema dessa turma é que eles começam a perceber a nova inclinação estratégica do Brasil.
Inevitável, aliás – clique aqui para ler “e quem vai defender o pré-sal ?
O Brasil saiu da órbita americana, se aproxima de outros centros de poder e cada vez mais o imperativo da Soberania exigirá novas parcerias.
Com chineses, russos, sul-americanos e africanos.
O Brasil é bi-oceânico.
Do lado Leste tem petróleo.
Do lado Oeste tem comida – clique aqui para ler sobre a viagem do ansioso blogueiro a Mato Grosso, a melhor agricultura do mundo .
Faltam-lhe caças, submarinos, satélites, foguetes, mísseis.
Uma nova Defesa, que defenda o interesse nacional brasileiro com um poder dissuasório arrasador.
Não vem que não tem !
Essa é uma nova etapa inevitável, que o leilão de Libra – e a oposição a ele – ressalta.
E a turma da Big House começa a intuir, a desconfiar.
Que não adianta mais saber a diferença a Rive Gauche e a Avenue Foche.
Entre a Quinta e a Sexta Avenida …
Por isso são xenófobos – desde que, diante dos americanos, possam, obsequiosamente, tirar os sapatos.
Eles já perceberam que a Dilma não tira.
Daí, a fúria.
Paulo Henrique Amorim
quarta-feira, outubro 23, 2013
"Todo crime na Inglaterra era atribuído à Laranja Mecânica"
A viúva de Stanley Kubrick fala sobre significados de filmes, teorias de conspiração e relata ameaças de morte recebidas pelo marido
por Marilia Kodic
Carta Capital
Seu sobrenome é motivo suficiente parar despertar o interesse de qualquer cinéfilo. Viúva de Stanley Kubrick, diretor de Laranja Mecânica, 2001: Uma Odisseia no Espaço, O Iluminado e Lolita, Christiane Kubrick recebeu CartaCapital em um hotel dos Jardins para falar sobre o legado do cineasta, com quem dividiu 42 de seus 81 anos de vida. Em São Paulo para promover a 37ª Mostra Internacional de Cinema, que o homenageia, a pintora – cujos quadros, além de aparecerem em De Olhos Bem Fechados e Laranja Mecânica, estampam todo o material gráfico do festival – comentou as teorias de conspiração nos filmes do cineasta, ameaças de morte após Laranja Mecânica e o significado por trás de 2001.
A Mostra, iniciada na sexta-feira 18, exibe a filmografia completa do diretor, em parceria com o MIS, que apresenta exposição com objetos raros como a maquete da sala de guerra de Dr. Fantástico e figurino de O Iluminado, e fica em cartaz até 12 de janeiro de 2014.
CartaCapital – O seu relacionamento com Stanley Kubrick definiu a sua vida?
Christiane Kubrick – Ele teve um impacto enorme em mim e me fez muito feliz. Era muito fácil ser casada com ele. Gostamos um do outro imediatamente e ambos nos sentimos muito sortudos por isso. Eu o achava tão interessante e tão divertido que todas as outras pessoas pareciam entediantes. Foi amor à primeira vista.
CC – Como foi a primeira vez que o viu?
CK – Eu queria ser pintora, mas não conseguia ganhar dinheiro, ainda mais sendo mulher em 1957 – acabaria numa fábrica de porcelana ou qualquer coisa assim. Então eu queria ganhar dinheiro fazendo filmes para poder estudar pintura. Falei pra minha agente que aceitava qualquer papel, e então recebi uma ligação dizendo que alguém queria que eu cantasse uma música. Sim! Logo que o vi, sabia que ele não era só o idiota mediano sentado atrás de uma mesa. E eu pensei, hum, bom homem. Foi amor à primeira vista para os dois, o que foi incrível porque ambos tínhamos tido casamentos anteriores infernais enão estávamos no clima de pensar “ah, isso vai ser amor eterno à primeira vista”. Tivemos sorte de que foi exatamente o que aconteceu.
CC – Ele tinha a fama de ser um diretor difícil. O que acha disso?
CK – A maioria dos atores gostava de trabalhar com ele. Muitos diretores gritam à distância “faça isso, faça aquilo”, e humilham os atores de vários modos. Ele não. Ele os levaria a um canto, falava muito baixo, e deixava que mostrassem o que podiam fazer antes de ocasionalmente dizer “não, eu preferia que fosse deste ou daquele jeito”.
Ele não tinha uma equipe muito grande, gostava de que a coisa toda fosse enxuta, e ele preferia levar um longo tempo para filmar do que fazer rapidamente, porque o rolo de filme não custava dinheiro, não era a coisa cara. Às vezes ficava com raiva quando os atores não decoravam suas falas, o que era muito irritante porque você tem máquinas enormes prontas para o trabalho e alguém estraga tudo, isso não é bom. Mas ele era muito concentrado e não ficava nervoso.
CC – Dizem que Scatman Crothers teve de fazer 160 takes de uma única cena em O Iluminado...
CK – Scatman Crothers era um ator brilhante, um homem muito gentil, mas muito velho. E ele não conseguia lembrar as falas. Isso o deixava muito nervoso, muito triste, mas Stanley disse: “paciência. Tome o seu tempo. Eventualmente você vai fazer certo”. E valeu muito a pena esperar. Quando você é muito velho seu cérebro... sabe, eu sei como é [risos].
CC – Ele mantinha relação com os atores após as filmagens?
CK – Não, não muito frequentemente. Você perde o contato, isso é muito típico da indústria cinematográfica – você tem relações muito próximas e depois nada. É às vezes bastante doloroso, não é muito legal. Mas é assim mesmo.
CC – Malcolm Mc Dowell [protagonista de Laranja Mecânica] me disse recentemente que ficou muito triste por não conseguir manter contato com Kubrick.
CK – Malcolm era muito jovem. Eles tinham se tornado muito bons amigos, se conheciam muito bem, e ele achou que eles conseguiriam manter a relação. Mas ele estava longe e Stanley estava construindo amizades com outros atores, ele era seu próprio produtor, tinha uma quantidade enorme de trabalho, tinha a sua família. Ele não fez muito contato. Muito tempo depois eles se encontraram e Stanley disse “me desculpe, eu não sabia que você queria que eu mantivesse contato”. Mas nunca foi intencional ou hostil. Acho que é uma das coisas mais peculiares dessa indústria.
CC – Há diversas teorias sobre significados ocultos nos filmes de Kubrick. São minimamente críveis?
CK – Ele era extremamente inteligente. E se você também é, deixa todas as coisas inconscientes que vão para dentro de um filme e que alimentam a sua imaginação por isso mesmo. Ele rejeitava essas teorias completamente, assim como a maioria dos artistas.
Todos esses artigos que dizem “você fez tal coisa porque você é judeu” ou “filho único” ou “filho de médico” ou qualquer coisa assim – há milhares – são entediantes.
CC – As pessoas chegaram ao ponto de dizer que ele filmou a chegada à lua. O que ele achava disso?
CK – Ó céus. Pois é. Nós fomos abordados em Paris por entrevistadores. Em retrospecto consigo lembrar de ter uma sensação estranha sobre essas pessoas. Eles fizeram algo típico que se feito bem é imperceptível: você pode me fazer perguntas que farão com que eu fale o nome de Henry Kissinger, ou Roosevelt, ou o que você quiser. Se você fizer a pergunta, eu falarei o nome. Foi assim que conseguiram o que queriam. E de repente vimos na televisão essa teoria. Eu fiquei muito impressionada com o que fizeram. Fiquei surpresa.
CC – Que tipo de cultura ele consumia?
CK – Ele era uma daquelas pessoas – e eu acho que é por isso que ele morreu jovem – que não dormia muito. Dormia 4 horas por dia. Tinha uma memória muito boa e devorava informação. Eu sempre me sentia muito burra. Ele gostava bastante de música. Ele queria ser baterista quando era jovem. E lia vorazmente, a cada semana era fã de um autor diferente.
Gostava de todos os cineastas de que todos nós gostamos, de verdade. Fellini, Bergman, esses caras. Spielberg. Gostava de diretores que eram completamente diferentes dele. Vimos Casablanca muitas vezes, e Quanto Mais Quente Melhor. A mania mais ridícula dele eram filmes da Segunda Guerra com diálogos abomináveis, enredos estúpidos, combates aéreos entre aviões. Coisa de menino. Patético. Ele assistia àquilo como quem assiste a pornografia. Esse foi seu ponto mais baixo [risos].
CC – Como acha que ele receberia as novas tecnologias de hoje?
CK – Meu Deus, ele iria usar os últimos artifícios, todos os programas especiais. Ele iria simplesmente amar. Ele era um excelente fotógrafo, construiu sua própria câmera em Barry Lyndon, ele gostava dessas coisas. Sabe como alguns meninos gostam de motos e as desmontam e examinam? Ele era assim com câmeras.
CC – Em entrevistas Kubrick raramente discutia o significado de seus filmes. Ele alguma vez discutiu com você o significado de 2001: Uma Odisseia no Espaço, um de seus filmes mais emblemáticos?
CK – Se você dissecar, não funciona mais. Com 2001 ele queria que sentíssemos algo, que pensássemos o mesmo de quando estamos cansados e olhamos para as estrelas e pensamos “que raios é isso”, essa sensação com que todos nascemos de que nossos cérebros são somente grandes o suficiente para saber que são muito pequenos. Não sabemos nada e só se pode ser um agnóstico otimista – o que mais seríamos se não sabemos nada?
Ele queria que o público fantasiasse junto com o filme, com a música e as imagens. Ele queria perguntar: “Você se sente assim às vezes? Do que se trata tudo isso? Quem somos? Por que estamos aqui? Por que não sabemos?”. Essa é uma das fantasias favoritas e que mais é acometida por ansiedade de toda a humanidade, e uma que todos temos. Quanto mais você pensa sobre, menos você sabe comparado a quando começou. E é sobre isso que era o filme.
CC – Laranja Mecânica gerou muita polêmica quando foi lançado. Como ele reagiu a isso?
CK – Mal. Nós todos reagimos mal. De repente todo crime cometido na Inglaterra foi atribuído à influência do filme. Recebemos cartas horríveis, de como iam nos matar e quando, havia um grupo religioso que dizia que ele era o demônio. Ficou tão radical que as crianças não podiam ir à escola, não podíamos deixar a casa, virou uma avalanche.
O filme já estava em cartaz por algum tempo, arrecadando bastante dinheiro na Inglaterra, e Stanley ligou à Warner Brothers para pedir que tirassem de cartaz. Ele nunca achou que o fariam, mas fizeram. Foi muito generoso da parte deles. Eles estavam ganhando dinheiro. Stanley ficou muito grato. Para sempre. Tinham um relacionamento muito bom porque Stanley estava muito ciente que ninguém mais tinha esse privilégio, e ele protegia isso. Ele economizava cada centavo na produção. Fez por merecer a confiança.
CC – Ele lia críticas sobre seus filmes?
CK – Como qualquer um, ele dizia “não estou nem aí, não vou ler... deixa eu ler” [risos]. Em dias bons ele não estava nem aí e em dias ruins chamava os críticos de idiotas.
CC – Hoje em dia seria difícil achar críticas negativas...
CK – Eu sempre penso, com toda essa adulação, essas coisas que fazemos, que ele não teria acreditado. Ele teria ficado tão lisonjeado! Ele só ganhou um Oscar, de efeitos especiais, por 2001: Uma Odisseia no Espaço. Acho que não foi nem de longe o suficiente. Desconfio que tenha parcialmente a ver com o fato de que ele não jogava o jogo social de Hollywood.
Ele não era um recluso, mas não ia a festas, e a ideia de fazer programas de tevê era horrenda. Ele dizia que ia ficar nervoso, ia parecer um idiota. E estava certo, ele não era bom nisso. E os jornalistas se vingavam escrevendo besteiras sobre ele, sabe, que ele voava um helicóptero jogando inseticida sobre a casa, que atirava em turistas, coisas idiotas. Mas agora já não existe mais isso.
CC – Acha que ele teria gostado dessa Mostra?
CK – Espero que sim. Eu não sabia o que fazer com todas aquelas caixas, um oceano de caixas que ele ia eventualmente arrumar e nunca o fez. Ainda bem! O Museu de Frankfurt me mandou um arquivista para selecionar o que as pessoas iriam querer ver, e isso é uma ciência especial. Fiquei aliviada e então soube o que fazer: dei tudo à Universidade de Artes de Londres, que fez uma ala inteira dedicada a ele. Acho melhor do que ficar em mãos privadas.
CC – É muito especial para os fãs poder ver esse material.
CK – Fico tão contente quando vejo jovens vendo essas coisas. Sabe, tivemos voluntários que vieram da Universidade para colocar os papéis em envelopes plásticos especiais para que não desintegrem ou amarelem, e é muito entediante pegar cada folha e, muito cuidadosamente, colocar no envelope com uma pinça. Então pensei “eles vão ficar tão cansados”. E eles trabalharam, trabalharam, trabalharam, leram tudo. Todas aquelas cartas que um cineasta jovem escreve implorando “posso te ligar? – não”, essas coisas.
CC – O que gostaria que as pessoas soubessem sobre ele que ainda não sabem?
CK – Já falei tanto. Eu diria se pudesse. Não sei o que ele quereria que eu falasse. Além disso, sou desacreditada como a viúva, qualquer coisa que eu diga é considerada apenas sentimental, então não importa. Se eu o elogio vão dizer “ah bem, pobre mulher”. Se eu disser que eu o achava absolutamente maravilhoso, “ah vá!”, sabe, não significa nada. Então se eu o elogio, eu o diminuo. Mas acho que ele não precisa de mim.
por Marilia Kodic
Carta Capital
Seu sobrenome é motivo suficiente parar despertar o interesse de qualquer cinéfilo. Viúva de Stanley Kubrick, diretor de Laranja Mecânica, 2001: Uma Odisseia no Espaço, O Iluminado e Lolita, Christiane Kubrick recebeu CartaCapital em um hotel dos Jardins para falar sobre o legado do cineasta, com quem dividiu 42 de seus 81 anos de vida. Em São Paulo para promover a 37ª Mostra Internacional de Cinema, que o homenageia, a pintora – cujos quadros, além de aparecerem em De Olhos Bem Fechados e Laranja Mecânica, estampam todo o material gráfico do festival – comentou as teorias de conspiração nos filmes do cineasta, ameaças de morte após Laranja Mecânica e o significado por trás de 2001.
A Mostra, iniciada na sexta-feira 18, exibe a filmografia completa do diretor, em parceria com o MIS, que apresenta exposição com objetos raros como a maquete da sala de guerra de Dr. Fantástico e figurino de O Iluminado, e fica em cartaz até 12 de janeiro de 2014.
CartaCapital – O seu relacionamento com Stanley Kubrick definiu a sua vida?
Christiane Kubrick – Ele teve um impacto enorme em mim e me fez muito feliz. Era muito fácil ser casada com ele. Gostamos um do outro imediatamente e ambos nos sentimos muito sortudos por isso. Eu o achava tão interessante e tão divertido que todas as outras pessoas pareciam entediantes. Foi amor à primeira vista.
CC – Como foi a primeira vez que o viu?
CK – Eu queria ser pintora, mas não conseguia ganhar dinheiro, ainda mais sendo mulher em 1957 – acabaria numa fábrica de porcelana ou qualquer coisa assim. Então eu queria ganhar dinheiro fazendo filmes para poder estudar pintura. Falei pra minha agente que aceitava qualquer papel, e então recebi uma ligação dizendo que alguém queria que eu cantasse uma música. Sim! Logo que o vi, sabia que ele não era só o idiota mediano sentado atrás de uma mesa. E eu pensei, hum, bom homem. Foi amor à primeira vista para os dois, o que foi incrível porque ambos tínhamos tido casamentos anteriores infernais enão estávamos no clima de pensar “ah, isso vai ser amor eterno à primeira vista”. Tivemos sorte de que foi exatamente o que aconteceu.
CC – Ele tinha a fama de ser um diretor difícil. O que acha disso?
CK – A maioria dos atores gostava de trabalhar com ele. Muitos diretores gritam à distância “faça isso, faça aquilo”, e humilham os atores de vários modos. Ele não. Ele os levaria a um canto, falava muito baixo, e deixava que mostrassem o que podiam fazer antes de ocasionalmente dizer “não, eu preferia que fosse deste ou daquele jeito”.
Ele não tinha uma equipe muito grande, gostava de que a coisa toda fosse enxuta, e ele preferia levar um longo tempo para filmar do que fazer rapidamente, porque o rolo de filme não custava dinheiro, não era a coisa cara. Às vezes ficava com raiva quando os atores não decoravam suas falas, o que era muito irritante porque você tem máquinas enormes prontas para o trabalho e alguém estraga tudo, isso não é bom. Mas ele era muito concentrado e não ficava nervoso.
CC – Dizem que Scatman Crothers teve de fazer 160 takes de uma única cena em O Iluminado...
CK – Scatman Crothers era um ator brilhante, um homem muito gentil, mas muito velho. E ele não conseguia lembrar as falas. Isso o deixava muito nervoso, muito triste, mas Stanley disse: “paciência. Tome o seu tempo. Eventualmente você vai fazer certo”. E valeu muito a pena esperar. Quando você é muito velho seu cérebro... sabe, eu sei como é [risos].
CC – Ele mantinha relação com os atores após as filmagens?
CK – Não, não muito frequentemente. Você perde o contato, isso é muito típico da indústria cinematográfica – você tem relações muito próximas e depois nada. É às vezes bastante doloroso, não é muito legal. Mas é assim mesmo.
CC – Malcolm Mc Dowell [protagonista de Laranja Mecânica] me disse recentemente que ficou muito triste por não conseguir manter contato com Kubrick.
CK – Malcolm era muito jovem. Eles tinham se tornado muito bons amigos, se conheciam muito bem, e ele achou que eles conseguiriam manter a relação. Mas ele estava longe e Stanley estava construindo amizades com outros atores, ele era seu próprio produtor, tinha uma quantidade enorme de trabalho, tinha a sua família. Ele não fez muito contato. Muito tempo depois eles se encontraram e Stanley disse “me desculpe, eu não sabia que você queria que eu mantivesse contato”. Mas nunca foi intencional ou hostil. Acho que é uma das coisas mais peculiares dessa indústria.
CC – Há diversas teorias sobre significados ocultos nos filmes de Kubrick. São minimamente críveis?
CK – Ele era extremamente inteligente. E se você também é, deixa todas as coisas inconscientes que vão para dentro de um filme e que alimentam a sua imaginação por isso mesmo. Ele rejeitava essas teorias completamente, assim como a maioria dos artistas.
Todos esses artigos que dizem “você fez tal coisa porque você é judeu” ou “filho único” ou “filho de médico” ou qualquer coisa assim – há milhares – são entediantes.
CC – As pessoas chegaram ao ponto de dizer que ele filmou a chegada à lua. O que ele achava disso?
CK – Ó céus. Pois é. Nós fomos abordados em Paris por entrevistadores. Em retrospecto consigo lembrar de ter uma sensação estranha sobre essas pessoas. Eles fizeram algo típico que se feito bem é imperceptível: você pode me fazer perguntas que farão com que eu fale o nome de Henry Kissinger, ou Roosevelt, ou o que você quiser. Se você fizer a pergunta, eu falarei o nome. Foi assim que conseguiram o que queriam. E de repente vimos na televisão essa teoria. Eu fiquei muito impressionada com o que fizeram. Fiquei surpresa.
CC – Que tipo de cultura ele consumia?
CK – Ele era uma daquelas pessoas – e eu acho que é por isso que ele morreu jovem – que não dormia muito. Dormia 4 horas por dia. Tinha uma memória muito boa e devorava informação. Eu sempre me sentia muito burra. Ele gostava bastante de música. Ele queria ser baterista quando era jovem. E lia vorazmente, a cada semana era fã de um autor diferente.
Gostava de todos os cineastas de que todos nós gostamos, de verdade. Fellini, Bergman, esses caras. Spielberg. Gostava de diretores que eram completamente diferentes dele. Vimos Casablanca muitas vezes, e Quanto Mais Quente Melhor. A mania mais ridícula dele eram filmes da Segunda Guerra com diálogos abomináveis, enredos estúpidos, combates aéreos entre aviões. Coisa de menino. Patético. Ele assistia àquilo como quem assiste a pornografia. Esse foi seu ponto mais baixo [risos].
CC – Como acha que ele receberia as novas tecnologias de hoje?
CK – Meu Deus, ele iria usar os últimos artifícios, todos os programas especiais. Ele iria simplesmente amar. Ele era um excelente fotógrafo, construiu sua própria câmera em Barry Lyndon, ele gostava dessas coisas. Sabe como alguns meninos gostam de motos e as desmontam e examinam? Ele era assim com câmeras.
CC – Em entrevistas Kubrick raramente discutia o significado de seus filmes. Ele alguma vez discutiu com você o significado de 2001: Uma Odisseia no Espaço, um de seus filmes mais emblemáticos?
CK – Se você dissecar, não funciona mais. Com 2001 ele queria que sentíssemos algo, que pensássemos o mesmo de quando estamos cansados e olhamos para as estrelas e pensamos “que raios é isso”, essa sensação com que todos nascemos de que nossos cérebros são somente grandes o suficiente para saber que são muito pequenos. Não sabemos nada e só se pode ser um agnóstico otimista – o que mais seríamos se não sabemos nada?
Ele queria que o público fantasiasse junto com o filme, com a música e as imagens. Ele queria perguntar: “Você se sente assim às vezes? Do que se trata tudo isso? Quem somos? Por que estamos aqui? Por que não sabemos?”. Essa é uma das fantasias favoritas e que mais é acometida por ansiedade de toda a humanidade, e uma que todos temos. Quanto mais você pensa sobre, menos você sabe comparado a quando começou. E é sobre isso que era o filme.
CC – Laranja Mecânica gerou muita polêmica quando foi lançado. Como ele reagiu a isso?
CK – Mal. Nós todos reagimos mal. De repente todo crime cometido na Inglaterra foi atribuído à influência do filme. Recebemos cartas horríveis, de como iam nos matar e quando, havia um grupo religioso que dizia que ele era o demônio. Ficou tão radical que as crianças não podiam ir à escola, não podíamos deixar a casa, virou uma avalanche.
O filme já estava em cartaz por algum tempo, arrecadando bastante dinheiro na Inglaterra, e Stanley ligou à Warner Brothers para pedir que tirassem de cartaz. Ele nunca achou que o fariam, mas fizeram. Foi muito generoso da parte deles. Eles estavam ganhando dinheiro. Stanley ficou muito grato. Para sempre. Tinham um relacionamento muito bom porque Stanley estava muito ciente que ninguém mais tinha esse privilégio, e ele protegia isso. Ele economizava cada centavo na produção. Fez por merecer a confiança.
CC – Ele lia críticas sobre seus filmes?
CK – Como qualquer um, ele dizia “não estou nem aí, não vou ler... deixa eu ler” [risos]. Em dias bons ele não estava nem aí e em dias ruins chamava os críticos de idiotas.
CC – Hoje em dia seria difícil achar críticas negativas...
CK – Eu sempre penso, com toda essa adulação, essas coisas que fazemos, que ele não teria acreditado. Ele teria ficado tão lisonjeado! Ele só ganhou um Oscar, de efeitos especiais, por 2001: Uma Odisseia no Espaço. Acho que não foi nem de longe o suficiente. Desconfio que tenha parcialmente a ver com o fato de que ele não jogava o jogo social de Hollywood.
Ele não era um recluso, mas não ia a festas, e a ideia de fazer programas de tevê era horrenda. Ele dizia que ia ficar nervoso, ia parecer um idiota. E estava certo, ele não era bom nisso. E os jornalistas se vingavam escrevendo besteiras sobre ele, sabe, que ele voava um helicóptero jogando inseticida sobre a casa, que atirava em turistas, coisas idiotas. Mas agora já não existe mais isso.
CC – Acha que ele teria gostado dessa Mostra?
CK – Espero que sim. Eu não sabia o que fazer com todas aquelas caixas, um oceano de caixas que ele ia eventualmente arrumar e nunca o fez. Ainda bem! O Museu de Frankfurt me mandou um arquivista para selecionar o que as pessoas iriam querer ver, e isso é uma ciência especial. Fiquei aliviada e então soube o que fazer: dei tudo à Universidade de Artes de Londres, que fez uma ala inteira dedicada a ele. Acho melhor do que ficar em mãos privadas.
CC – É muito especial para os fãs poder ver esse material.
CK – Fico tão contente quando vejo jovens vendo essas coisas. Sabe, tivemos voluntários que vieram da Universidade para colocar os papéis em envelopes plásticos especiais para que não desintegrem ou amarelem, e é muito entediante pegar cada folha e, muito cuidadosamente, colocar no envelope com uma pinça. Então pensei “eles vão ficar tão cansados”. E eles trabalharam, trabalharam, trabalharam, leram tudo. Todas aquelas cartas que um cineasta jovem escreve implorando “posso te ligar? – não”, essas coisas.
CC – O que gostaria que as pessoas soubessem sobre ele que ainda não sabem?
CK – Já falei tanto. Eu diria se pudesse. Não sei o que ele quereria que eu falasse. Além disso, sou desacreditada como a viúva, qualquer coisa que eu diga é considerada apenas sentimental, então não importa. Se eu o elogio vão dizer “ah bem, pobre mulher”. Se eu disser que eu o achava absolutamente maravilhoso, “ah vá!”, sabe, não significa nada. Então se eu o elogio, eu o diminuo. Mas acho que ele não precisa de mim.
Geopolítica do petróleo: Brasil se afasta dos EUA
O que está em jogo, entre outras coisas, no leilão de Libra é uma reacomodação de forças na geopolítica internacional do petróleo.
Carta Maior
DarioPignotti
As edições eletrônicas do Wall Street Journal e Financial Times dedicam uma cobertura agitada, recolhendo repercussões minuto a minuto sobre o leilão do campo petrolífero de Libra, que ocupa 1.500 km2, está dotado de cerca de 12 bilhões de barris alojados em águas ultra profundas situadas a 183 quilômetros do estado do Rio de Janeiro e será capaz de produzir, dentro de alguns anos, 1,4 milhões de barris por dia, volume equivalente a 70% de todo o petróleo gerado hoje no país.
A Petrobras e 3 petroleiras chinesas (não se descarta a formação de um consórcio sino-brasileiro na última hora), estão entre as onze companhias que participam na licitação por Libra na qual estarão ausentes as "grandes irmãs" norte-americanas devido ao estresse diplomático surgido entre Brasília e Washington depois da descoberta da espionagem praticada pela Agência de Segurança Nacional (NSA) contra a presidenta Dilma Rousseff, entre outros alvos sensíveis.
Por trás das notícias em tempo real nesta segunda-feira, com índices da bolsa e brokers com suas opiniões de curto prazo, subjaz uma história transcorrida nos últimos anos, cuja lembrança permitirá compreender o que está em jogo: uma reacomodação de forças na geopolítica do petróleo.
Celso Amorim era chanceler em julho de 2008, quando recebeu uma chamada de sua colega norte-americana Condoleezza, sugerindo-lhe receber sem alarme a reativação da IV Frota sob jurisdição do Comando Sul, anunciada poucos meses depois do descobrimento, em 2007, de grandiosas reservas de hidrocarbonetos nas bacias de Campos e Santos, localizadas no litoral do Rio de Janeiro e São Paulo.
Nem o chanceler Amorim e nem seu chefe, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, levaram a sério a retórica tranquilizadora da funcionaria de George W. Bush. Muito pelo o contrário, houve alarme no Palácio do Planalto.
Lula, Amorim e a então ministra Dilma Rousseff, que começava a perfilar-se como candidata presidencial, compreenderam que a passagem da US Army pelas costas cariocas, seria uma ostentação de poderio militar sobre os 50 bilhões de barris de cru de boa qualidade, alojados a mais de 5.000 metros de profundidade, em uma zona geológica conhecida como "pré-sal".
Além dos questionamentos em foros internacionais, especialmente latino-americanos, foi pouco o que o Palácio do Planalto pode fazer de imediato contra a supremacia militar dos Estados Unidos e sua decisão de que a IV Frota, braço armado das petroleiras de bandeira norte-americana Exxon e Chevron no Hemisfério, ponha proa para o sul.
Lula e sua conselheira sobre energia Dilma, se viram diante de um dilema: ou adotar uma saída à mexicana, como a do atual presidente Enrique Peña Nieto, que mostrou sua disposição em privatizar Pemex, ainda que o termo empregado seja "modernização", ou injetar dinheiro e mística nacionalista para robustecer a Petrobras como vector de uma estratégia destinada a proteger a soberania energética.
Finalmente o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) optou pela segunda via, instrumentalizada em uma bateria de medidas de amplo espectro.
Capitalizou a Petrobras para reverter o esvaziamento herdado da gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e conseguiu aprovar, no final de 2010, uma lei petrolífera " estatizante e intervencionista", de acordo com a interpretação dada por políticos de extração neoliberal e o lobby britânico-estadunidense, parecer amplificado pelas empresas de notícias locais.
Ressuscitou o projeto de construir um submarino atômico com a França, junto a quem firmou, em 2009, um acordo militar (que avançou menos do que foi prometido); demandou diante de organismos internacionais a extensão da plataforma marinha, com o propósito de que ninguém dispute a titularidade das bacias petrolíferas, e promoveu o Conselho de Defesa da Unasul, com o apoio da Argentina e da Venezuela e a indiferença da Colômbia.
Como braço auxiliar dessa linha de ação governamental o PT operou, através de sua perseverante aproximação com o Partido Comunista Chinês, antessala para estabelecer laços de confiança política com a nomenclatura do Estado asiático, cujo Banco de Desenvolvimento finalmente assinaria, em 2010, uma série de pré-acordos para a concessão de empréstimos por dezenas de milhares de milhões de dólares para a Petrobras.
Paralelamente aos movimentos brasileiros em defesa de seu interesse nacional e para ocupar um lugar entre as potências petrolíferas, a agência de segurança estadunidense NSA roubava informações estratégicas do Ministério de Minas e Energia e os diplomatas destacados em Brasília enviavam telegramas secretos a Washington tipificando o chanceler Amorim como um diplomata "anti-norte-americano".
Há três meses atrás, quando Dilma Rousseff tomou conhecimento das primeiras notícias sobre as manobras da NSA, uma fonte do Planalto disse a Página 12 que a Presidenta evitaria "radicalizar" a situação, pois confiava em uma conciliação com os Estados Unidos, onde planejava viajar para uma visita oficial no dia 23 de outubro.
Mas a posição de Dilma se fez irredutível em setembro, ao saber que os espiões haviam violado até as comunicações da Petrobras.
A decisão de suspender a visita de Estado a Washington, embora Barack Obama tenha renovado seu convite pessoalmente, não deve ser confundida como algo gestual, porque suas consequências afetaram decisões vitais.
Que não haja nenhuma petroleira norte-americana no leilão pela reserva de Libra e sim três poderosas empresas chinesas, das quais duas são estatais, indica que a colisão diplomática teve uma repercussão prática.
Que fontes próximas ao governo tenham deixado transcender a possível formação de um consórcio entre a Petrobras e alguma empresa chinesa, revela que a geopolítica petrolífera de Brasília se inclina à Pequim, que também é seu primeiro sócio comercial.
E, se o anterior não bastasse para descrever o distanciamento estratégico entre o Planalto e a Casa Branca, na semana passada o indigesto (para Washington) ministro Celso Amorim, agora a cargo da Defesa, iniciou conversações com a Rússia para analisar a compra de caças bombardeiros Sukoi. Foi apenas uma sondagem, mas se esta compra se formaliza será um revés considerável para a corporação industrial-militar norte-americana, que imaginava vender seus caças Super Hornet ao Brasil, durante a visita que Dilma não fará.
Tradução: Liborio Júnior
Carta Maior
DarioPignotti
As edições eletrônicas do Wall Street Journal e Financial Times dedicam uma cobertura agitada, recolhendo repercussões minuto a minuto sobre o leilão do campo petrolífero de Libra, que ocupa 1.500 km2, está dotado de cerca de 12 bilhões de barris alojados em águas ultra profundas situadas a 183 quilômetros do estado do Rio de Janeiro e será capaz de produzir, dentro de alguns anos, 1,4 milhões de barris por dia, volume equivalente a 70% de todo o petróleo gerado hoje no país.
A Petrobras e 3 petroleiras chinesas (não se descarta a formação de um consórcio sino-brasileiro na última hora), estão entre as onze companhias que participam na licitação por Libra na qual estarão ausentes as "grandes irmãs" norte-americanas devido ao estresse diplomático surgido entre Brasília e Washington depois da descoberta da espionagem praticada pela Agência de Segurança Nacional (NSA) contra a presidenta Dilma Rousseff, entre outros alvos sensíveis.
Por trás das notícias em tempo real nesta segunda-feira, com índices da bolsa e brokers com suas opiniões de curto prazo, subjaz uma história transcorrida nos últimos anos, cuja lembrança permitirá compreender o que está em jogo: uma reacomodação de forças na geopolítica do petróleo.
Celso Amorim era chanceler em julho de 2008, quando recebeu uma chamada de sua colega norte-americana Condoleezza, sugerindo-lhe receber sem alarme a reativação da IV Frota sob jurisdição do Comando Sul, anunciada poucos meses depois do descobrimento, em 2007, de grandiosas reservas de hidrocarbonetos nas bacias de Campos e Santos, localizadas no litoral do Rio de Janeiro e São Paulo.
Nem o chanceler Amorim e nem seu chefe, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, levaram a sério a retórica tranquilizadora da funcionaria de George W. Bush. Muito pelo o contrário, houve alarme no Palácio do Planalto.
Lula, Amorim e a então ministra Dilma Rousseff, que começava a perfilar-se como candidata presidencial, compreenderam que a passagem da US Army pelas costas cariocas, seria uma ostentação de poderio militar sobre os 50 bilhões de barris de cru de boa qualidade, alojados a mais de 5.000 metros de profundidade, em uma zona geológica conhecida como "pré-sal".
Além dos questionamentos em foros internacionais, especialmente latino-americanos, foi pouco o que o Palácio do Planalto pode fazer de imediato contra a supremacia militar dos Estados Unidos e sua decisão de que a IV Frota, braço armado das petroleiras de bandeira norte-americana Exxon e Chevron no Hemisfério, ponha proa para o sul.
Lula e sua conselheira sobre energia Dilma, se viram diante de um dilema: ou adotar uma saída à mexicana, como a do atual presidente Enrique Peña Nieto, que mostrou sua disposição em privatizar Pemex, ainda que o termo empregado seja "modernização", ou injetar dinheiro e mística nacionalista para robustecer a Petrobras como vector de uma estratégia destinada a proteger a soberania energética.
Finalmente o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) optou pela segunda via, instrumentalizada em uma bateria de medidas de amplo espectro.
Capitalizou a Petrobras para reverter o esvaziamento herdado da gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e conseguiu aprovar, no final de 2010, uma lei petrolífera " estatizante e intervencionista", de acordo com a interpretação dada por políticos de extração neoliberal e o lobby britânico-estadunidense, parecer amplificado pelas empresas de notícias locais.
Ressuscitou o projeto de construir um submarino atômico com a França, junto a quem firmou, em 2009, um acordo militar (que avançou menos do que foi prometido); demandou diante de organismos internacionais a extensão da plataforma marinha, com o propósito de que ninguém dispute a titularidade das bacias petrolíferas, e promoveu o Conselho de Defesa da Unasul, com o apoio da Argentina e da Venezuela e a indiferença da Colômbia.
Como braço auxiliar dessa linha de ação governamental o PT operou, através de sua perseverante aproximação com o Partido Comunista Chinês, antessala para estabelecer laços de confiança política com a nomenclatura do Estado asiático, cujo Banco de Desenvolvimento finalmente assinaria, em 2010, uma série de pré-acordos para a concessão de empréstimos por dezenas de milhares de milhões de dólares para a Petrobras.
Paralelamente aos movimentos brasileiros em defesa de seu interesse nacional e para ocupar um lugar entre as potências petrolíferas, a agência de segurança estadunidense NSA roubava informações estratégicas do Ministério de Minas e Energia e os diplomatas destacados em Brasília enviavam telegramas secretos a Washington tipificando o chanceler Amorim como um diplomata "anti-norte-americano".
Há três meses atrás, quando Dilma Rousseff tomou conhecimento das primeiras notícias sobre as manobras da NSA, uma fonte do Planalto disse a Página 12 que a Presidenta evitaria "radicalizar" a situação, pois confiava em uma conciliação com os Estados Unidos, onde planejava viajar para uma visita oficial no dia 23 de outubro.
Mas a posição de Dilma se fez irredutível em setembro, ao saber que os espiões haviam violado até as comunicações da Petrobras.
A decisão de suspender a visita de Estado a Washington, embora Barack Obama tenha renovado seu convite pessoalmente, não deve ser confundida como algo gestual, porque suas consequências afetaram decisões vitais.
Que não haja nenhuma petroleira norte-americana no leilão pela reserva de Libra e sim três poderosas empresas chinesas, das quais duas são estatais, indica que a colisão diplomática teve uma repercussão prática.
Que fontes próximas ao governo tenham deixado transcender a possível formação de um consórcio entre a Petrobras e alguma empresa chinesa, revela que a geopolítica petrolífera de Brasília se inclina à Pequim, que também é seu primeiro sócio comercial.
E, se o anterior não bastasse para descrever o distanciamento estratégico entre o Planalto e a Casa Branca, na semana passada o indigesto (para Washington) ministro Celso Amorim, agora a cargo da Defesa, iniciou conversações com a Rússia para analisar a compra de caças bombardeiros Sukoi. Foi apenas uma sondagem, mas se esta compra se formaliza será um revés considerável para a corporação industrial-militar norte-americana, que imaginava vender seus caças Super Hornet ao Brasil, durante a visita que Dilma não fará.
Tradução: Liborio Júnior
DILMA OUVE RUAS, IMPLANTA PRIORIDADES E CRESCE
Com resultado do leilão de Libra e sanção do programa Mais Médicos, entre a segunda-feira 21 e a terça 22, presidente consolida superação dos tempos difíceis inaugurados com as manifestações populares de junho; capazes de acuar qualquer governo, tiveram efeito contrário na gestão de Dima Rousseff; como um bom combustível, levaram o governo a atingir maiores velocidades; quatro meses depois, presidente cumpre promessas de dedicar verbas bilionárias para o setor de mobilidade urbana e coloca suas prioridades em campo; de quebra, apesar de todas as mexidas no cenário partidário, consegue manter no Congresso a base aliada unida; não é pouco
23 DE OUTUBRO DE 2013 ÀS 16:29
247 – Ao lado da reportagem de 247, o ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa assistiu da calçada milhares de estudantes cruzarem a avenida Faria Lima, em São Paulo, com cartazes de protesto nos quais sobravam críticas ao governo federal. Corria o mês de junho, e Barbosa se divertia francamente:
- Isso vai crescer, comentou o diplomata diretamente identificado com o núcleo dos tucanos paulistas ligado ao ex-presidente Fernando Henrique.
De fato, as manifestações cresceram, tomara o país, mas, quatro meses depois, não há motivos em particular para que os tucanos e toda a oposição ao governo continuem a sorrir. O problema, para eles, é que a chamada voz das ruas, na prática, serviu de combustível para dar rumo a um governo que parecia abatido por críticas de vários níveis, do administrativo ao ideológico.
Ainda na primeira semana dos protestos, a presidente Dilma Rousseff chamou para dentro do Palácio do Planalto os jovens do Movimento Passe Livre, que lideraram as primeiras marchas nas maiores cidades do país. Prometeu-lhes dar prioridade à solução de complexas questões de mobilidade urbana, fazendo o que estava ao seu alcance: pediu aos prefeitos das principais cidades para revogarem os aumentos nas passagens de ônibus e dedicando verbas para projetos que considerasse adequados para este fim.
A surpresa, diante do padrão histórico dos políticos brasileiros, foi que Dilma cumpriu à risca o que prometera. Só para São Paulo, semanas depois, soltou mais de R$ 3 bilhões em recursos, que estão permitindo ao prefeito Fernando Haddad abrir centenas de quilômetros de corredores de ônibus, que aumentam o fluxo do trânsito na maior cidade do país. Outras capitais igualmente receberam verbas pesadas, tocando obras à vista da população.
OXIGÊNIO PARA PRIORIDADES - Por este e outros fatores, para os quais até a violência dos black blocs contribuiu, o certo é que as manifestações foram perdendo fôlego – e Dilma começou a voltar a respirar mais livremente. O sopro de oxigênio foi usado por ela na busca de outras duas prioridades. Na típica luta no estilo 'contra tudo e contra todos', a presidente lançou, aprovou no Congresso e acaba de sancionar, na terça-feira 22, o programa Mais Médicos. Inédito do País, ele já resulta na chegada e mais de dois mil médicos estrangeiros aos rincões do Brasil. Sob a oposição de entidades médicas, e contra muitos prognósticos, eles já estão em seus postos e, neste momento, o governo já saboreia pesquisas que mostram altos índices de aprovação para o programa.
Dilma, no entanto, tinha ainda uma prioridade. Disposta a continuar injetando recursos públicos para não deixar a economia esmorecer, apesar de toda a crise internacional, ela apostou no leilão do campo de Libra, colocando sob martelo a maior jazida de petróleo até hoje conhecida no Brasil. Outra vez, a turma do 'vai dar errado' fez coro em todas as frentes possíveis, especialmente na mídia tradicional. E outra vez, como se viu na segunda-feira 21, o 'quanto pior melhor' perdeu suas apostas. No consórcio Petrobras-Shell-Total-CNOOC-CNPC, que pagará um bônus de R$ 15 bilhões à União para explorar o pré-sal naquela faixa, Dilma colheu outra vitória que seus adversários não esperavam. Além de rechear os cofres da União, conseguiu, pelo impacto do resultado, dar nova dose de ânimo na economia, garantindo, na prática, uma virada de ano sem sobressaltos.
Por esses motivos, a presidente experimenta, neste exato momento, seus maiores índices de popularidade. Dilma, que muitos julgaram derrotada pelas ruas no pós-manifestações de junho, retirou de sua cartola soluções que a população, a julgar pelos números, aguardava. O resumo da ópera que é que, de fraca, a presidente tornou-se a peça mais forte do tabuleiro político, chegando a obter resultados em pesquisas que a apontam como reeleita, em 2014, já no primeiro turno, em todos os cenários.
E no início da gestão, dizia-se que a presidente não sabia fazer política...
23 DE OUTUBRO DE 2013 ÀS 16:29
247 – Ao lado da reportagem de 247, o ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa assistiu da calçada milhares de estudantes cruzarem a avenida Faria Lima, em São Paulo, com cartazes de protesto nos quais sobravam críticas ao governo federal. Corria o mês de junho, e Barbosa se divertia francamente:
- Isso vai crescer, comentou o diplomata diretamente identificado com o núcleo dos tucanos paulistas ligado ao ex-presidente Fernando Henrique.
De fato, as manifestações cresceram, tomara o país, mas, quatro meses depois, não há motivos em particular para que os tucanos e toda a oposição ao governo continuem a sorrir. O problema, para eles, é que a chamada voz das ruas, na prática, serviu de combustível para dar rumo a um governo que parecia abatido por críticas de vários níveis, do administrativo ao ideológico.
Ainda na primeira semana dos protestos, a presidente Dilma Rousseff chamou para dentro do Palácio do Planalto os jovens do Movimento Passe Livre, que lideraram as primeiras marchas nas maiores cidades do país. Prometeu-lhes dar prioridade à solução de complexas questões de mobilidade urbana, fazendo o que estava ao seu alcance: pediu aos prefeitos das principais cidades para revogarem os aumentos nas passagens de ônibus e dedicando verbas para projetos que considerasse adequados para este fim.
A surpresa, diante do padrão histórico dos políticos brasileiros, foi que Dilma cumpriu à risca o que prometera. Só para São Paulo, semanas depois, soltou mais de R$ 3 bilhões em recursos, que estão permitindo ao prefeito Fernando Haddad abrir centenas de quilômetros de corredores de ônibus, que aumentam o fluxo do trânsito na maior cidade do país. Outras capitais igualmente receberam verbas pesadas, tocando obras à vista da população.
OXIGÊNIO PARA PRIORIDADES - Por este e outros fatores, para os quais até a violência dos black blocs contribuiu, o certo é que as manifestações foram perdendo fôlego – e Dilma começou a voltar a respirar mais livremente. O sopro de oxigênio foi usado por ela na busca de outras duas prioridades. Na típica luta no estilo 'contra tudo e contra todos', a presidente lançou, aprovou no Congresso e acaba de sancionar, na terça-feira 22, o programa Mais Médicos. Inédito do País, ele já resulta na chegada e mais de dois mil médicos estrangeiros aos rincões do Brasil. Sob a oposição de entidades médicas, e contra muitos prognósticos, eles já estão em seus postos e, neste momento, o governo já saboreia pesquisas que mostram altos índices de aprovação para o programa.
Dilma, no entanto, tinha ainda uma prioridade. Disposta a continuar injetando recursos públicos para não deixar a economia esmorecer, apesar de toda a crise internacional, ela apostou no leilão do campo de Libra, colocando sob martelo a maior jazida de petróleo até hoje conhecida no Brasil. Outra vez, a turma do 'vai dar errado' fez coro em todas as frentes possíveis, especialmente na mídia tradicional. E outra vez, como se viu na segunda-feira 21, o 'quanto pior melhor' perdeu suas apostas. No consórcio Petrobras-Shell-Total-CNOOC-CNPC, que pagará um bônus de R$ 15 bilhões à União para explorar o pré-sal naquela faixa, Dilma colheu outra vitória que seus adversários não esperavam. Além de rechear os cofres da União, conseguiu, pelo impacto do resultado, dar nova dose de ânimo na economia, garantindo, na prática, uma virada de ano sem sobressaltos.
Por esses motivos, a presidente experimenta, neste exato momento, seus maiores índices de popularidade. Dilma, que muitos julgaram derrotada pelas ruas no pós-manifestações de junho, retirou de sua cartola soluções que a população, a julgar pelos números, aguardava. O resumo da ópera que é que, de fraca, a presidente tornou-se a peça mais forte do tabuleiro político, chegando a obter resultados em pesquisas que a apontam como reeleita, em 2014, já no primeiro turno, em todos os cenários.
E no início da gestão, dizia-se que a presidente não sabia fazer política...
“Preconceito contra Bolsa Família é fruto da imensa cultura do desprezo”,diz pesquisadora.
osamigosdopresidentelula.blogspot.com
O Bolsa Família é um programa barato, mas como incomoda a classe média . Esse incômodo vem do preconceito.
O Programa Bolsa Família fez 10 anos no domingo, dia 20. Quando foi lançado, no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, atendia 3,6 milhões de famílias, com cerca de R$ 74 mensais, em média. Hoje se estende a 13,8 milhões de famílias e o valor médio do benefício é de R$ 152. No conjunto, beneficia cerca de 50 milhões de brasileiros e é considerado barato por especialistas: custa menos de 0,5% do PIB.
Para avaliar os impactos desse programa a socióloga Walquiria Leão Rego e o filósofo italiano Alessandro Pinzani realizaram um exaustivo trabalho de pesquisa, que se estendeu de 2006 a 2011. Ouviram mais de 150 mulheres beneficiadas pelo programa, localizadas em lugares remotos e frequentemente esquecidos, como o Vale do Jequitinhonha, no interior de Minas.
O resultado da pesquisa está no livro Vozes do Bolsa Família, lançado há pouco. Segundo as conclusões de seus autores, o incômodo e as manifestações contrárias que o programa desperta em alguns setores não tem razões objetivas. Seria resultado do preconceito e de uma cultura de desprezo pelos mais pobres.
Os pesquisadores também rebatem a ideia de que o benefício acomoda as pessoas. “O ser humano é desejante. Eles querem mais da vida como qualquer pessoa”, diz Walquiria, que é professora de Teoria da Cidadania na Unicamp.
Na entrevista para o jornal O Estado de São Paulo abaixo ela fala desta e de outras conclusões do trabalho.
Como surgiu a ideia da pesquisa?
Quando vimos a dimensão que o programa estava tomando, atendendo milhões de famílias, percebemos que teria impacto na sociedade. Nosso objetivo foi avaliar esse impacto. Uma vez que o programa determina que a titularidade do benefício cabe às mulheres, era preciso conhecê-las. Então resolvemos ouvir mulheres muito pobres, que continuam muito pobres, em regiões tradicionalmente desassistidas pelo Estado, como o Vale do Jequitinhonha, o interior do Maranhão, do Piauí…
E quais foram os impactos que perceberam?
Toda a sociologia do dinheiro mostra que sempre houve muita resistência, inclusive das associações de caridade, em dar dinheiro aos pobres. É mais ou menos aquele discurso: “Eles não sabem gastar, vão comprar bobagem.” Então é melhor que nós, os esclarecidos, façamos uma cesta básica, onde vamos colocar a quantidade certa de proteínas, de carboidratos… Essa resistência em dar dinheiro ao pobres acontecia porque as autoridades intuíam que o dinheiro proporcionaria uma experiência de maior liberdade pessoal. Nós pudemos constatar na prática, a partir das falas das mulheres. Uma ou duas delas até usaram a palavra liberdade. “Eu acho que o Bolsa Família me deu mais liberdade”, disseram. E isso é tão óbvio. Quando você dá uma cesta básica, ou um vale, como gostavam de fazer as instituições de caridade do século 19, você está determinando o que as pessoas vão comer. Não dá chance de pessoas experimentarem coisas. Nenhuma autonomia.
Está dizendo que essas pessoas ganharam liberdade?
Estamos tratando de pessoas muito pobres, muito destituídas, secularmente abandonadas pelo Estado. Quando falamos em mais autonomia, liberdade, independência, estamos nos referindo à situação anterior delas, que era de passar fome. O que significa dizer de uma pessoa que está na linha extrema de pobreza e que continua pobre ganhou mais liberdade? Significa que ganhou espaços maiores de liberdade ao receber o benefício em dinheiro. É muito forte dizer que ganhou independência financeira. Independência financeira temos nós – e olhe lá.
O que essa liberdade significou na prática, no cotidiano das pessoas?
Proporcionou a possibilidade de escolher. Essa gente não conhecia essa experiência. Escolher é um dos fundamentos de qualquer sociedade democrática. Que escolhas elas fazem? Elas descobriram, por exemplo, que podem substituir arroz por macarrão. No Nordeste, em 2006 e 2007, estava na moda o macarrão de pacote. Antes, havia macarrão vendido avulso. O empacotamento dava um outro caráter para o macarrão. Mais valor. Elas puderam experimentar outros sabores, descobriram a salsicha, o iogurte. E aprenderam a fazer cálculos. Uma delas me disse: “Ixe, no começo, gastei tudo na primeira semana”. Depois aprendeu que não podia gastar tudo de uma vez.
A que atribui a resistência de determinados setores da sociedade ao pagamento do benefício?
O Bolsa Família é um programa barato, mas como incomoda a classe média (ela ri). Esse incômodo vem do preconceito.
Fala-se que acomoda os pobres.
Como acomoda? O ser humano é desejante. Eles querem mais da vida, como qualquer pessoa. Quem diz isso falsifica a história. Não há acomodação alguma. Os maridos dessas mulheres normalmente estavam desempregados. Ao perguntar a um deles quando tinha sido a última vez que tinha trabalhado, ele respondeu: “Faz uns dois meses, eu colhi feijão”. Perguntei quanto ele ganhava colhendo feijão. Disse que dependia, que às vezes ganhava 20, 15, 10 reais. Fizemos as contas e vimos que ganhava menos num mês do que o Bolsa Família pagava. Por que ele tem que se sujeitar a isso, praticamente à semiescravidão? Esses estereótipos tem que ser desfeitos no Brasil, para que se tenha uma sociedade mais solidária, mais democrática. É preciso desfazer essa imensa cultura do desprezo.
No livro a senhora diz que essas mulheres veem o benefício como um favor do governo.
Sim, de 70% a 80% ainda veem o Bolsa Família como um favor. Encontramos poucas mulheres que achavam que é um direito. Isso se explica porque temos uma jovem democracia. A cultura dos direitos chegou muito tarde ao Brasil. Imagino que daqui para a frente a ideia de que elas têm direito vai ser mais reforçada. Para isso precisamos, porém, de políticas públicas específicas. Seriam um segundo, um terceiro passo… Os desafios a partir de agora são muito grandes.
Qual é a sua avaliação geral do programa?
Acho que o Bolsa Família foi uma das coisas mais importantes que aconteceram no Brasil nos últimos anos. Tornou visíveis cerca de 50 milhões de pessoas, tornou-os mais cidadãos. Essa talvez seja a maior conquista.
Entre as mulheres que ouviu, alguma foi mais marcante para a senhora?
Uma das mais marcantes foi uma jovem no sertão do Piauí. Ela me disse: “Essa foi a primeira vez que a minha pessoa foi enxergada”. Tinha uma outra, do Vale do Jequitinhonha, que morava num casebre, sozinha com três filhos. Quando começou a contar a história dela, perguntei qual era a sua idade, porque parecia que já tinha vivido muita coisa. Ela respondeu: “29 anos”. E eu: “Mas só 29?” Ela: “Mas, dona, a minha vida é comprida, muito comprida.” Percebi que falar que “a minha vida é muito comprida” é quase sinônimo de “é muito sofrida”.
O Bolsa Família é um programa barato, mas como incomoda a classe média . Esse incômodo vem do preconceito.
O Programa Bolsa Família fez 10 anos no domingo, dia 20. Quando foi lançado, no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, atendia 3,6 milhões de famílias, com cerca de R$ 74 mensais, em média. Hoje se estende a 13,8 milhões de famílias e o valor médio do benefício é de R$ 152. No conjunto, beneficia cerca de 50 milhões de brasileiros e é considerado barato por especialistas: custa menos de 0,5% do PIB.
Para avaliar os impactos desse programa a socióloga Walquiria Leão Rego e o filósofo italiano Alessandro Pinzani realizaram um exaustivo trabalho de pesquisa, que se estendeu de 2006 a 2011. Ouviram mais de 150 mulheres beneficiadas pelo programa, localizadas em lugares remotos e frequentemente esquecidos, como o Vale do Jequitinhonha, no interior de Minas.
O resultado da pesquisa está no livro Vozes do Bolsa Família, lançado há pouco. Segundo as conclusões de seus autores, o incômodo e as manifestações contrárias que o programa desperta em alguns setores não tem razões objetivas. Seria resultado do preconceito e de uma cultura de desprezo pelos mais pobres.
Os pesquisadores também rebatem a ideia de que o benefício acomoda as pessoas. “O ser humano é desejante. Eles querem mais da vida como qualquer pessoa”, diz Walquiria, que é professora de Teoria da Cidadania na Unicamp.
Na entrevista para o jornal O Estado de São Paulo abaixo ela fala desta e de outras conclusões do trabalho.
Como surgiu a ideia da pesquisa?
Quando vimos a dimensão que o programa estava tomando, atendendo milhões de famílias, percebemos que teria impacto na sociedade. Nosso objetivo foi avaliar esse impacto. Uma vez que o programa determina que a titularidade do benefício cabe às mulheres, era preciso conhecê-las. Então resolvemos ouvir mulheres muito pobres, que continuam muito pobres, em regiões tradicionalmente desassistidas pelo Estado, como o Vale do Jequitinhonha, o interior do Maranhão, do Piauí…
E quais foram os impactos que perceberam?
Toda a sociologia do dinheiro mostra que sempre houve muita resistência, inclusive das associações de caridade, em dar dinheiro aos pobres. É mais ou menos aquele discurso: “Eles não sabem gastar, vão comprar bobagem.” Então é melhor que nós, os esclarecidos, façamos uma cesta básica, onde vamos colocar a quantidade certa de proteínas, de carboidratos… Essa resistência em dar dinheiro ao pobres acontecia porque as autoridades intuíam que o dinheiro proporcionaria uma experiência de maior liberdade pessoal. Nós pudemos constatar na prática, a partir das falas das mulheres. Uma ou duas delas até usaram a palavra liberdade. “Eu acho que o Bolsa Família me deu mais liberdade”, disseram. E isso é tão óbvio. Quando você dá uma cesta básica, ou um vale, como gostavam de fazer as instituições de caridade do século 19, você está determinando o que as pessoas vão comer. Não dá chance de pessoas experimentarem coisas. Nenhuma autonomia.
Está dizendo que essas pessoas ganharam liberdade?
Estamos tratando de pessoas muito pobres, muito destituídas, secularmente abandonadas pelo Estado. Quando falamos em mais autonomia, liberdade, independência, estamos nos referindo à situação anterior delas, que era de passar fome. O que significa dizer de uma pessoa que está na linha extrema de pobreza e que continua pobre ganhou mais liberdade? Significa que ganhou espaços maiores de liberdade ao receber o benefício em dinheiro. É muito forte dizer que ganhou independência financeira. Independência financeira temos nós – e olhe lá.
O que essa liberdade significou na prática, no cotidiano das pessoas?
Proporcionou a possibilidade de escolher. Essa gente não conhecia essa experiência. Escolher é um dos fundamentos de qualquer sociedade democrática. Que escolhas elas fazem? Elas descobriram, por exemplo, que podem substituir arroz por macarrão. No Nordeste, em 2006 e 2007, estava na moda o macarrão de pacote. Antes, havia macarrão vendido avulso. O empacotamento dava um outro caráter para o macarrão. Mais valor. Elas puderam experimentar outros sabores, descobriram a salsicha, o iogurte. E aprenderam a fazer cálculos. Uma delas me disse: “Ixe, no começo, gastei tudo na primeira semana”. Depois aprendeu que não podia gastar tudo de uma vez.
A que atribui a resistência de determinados setores da sociedade ao pagamento do benefício?
O Bolsa Família é um programa barato, mas como incomoda a classe média (ela ri). Esse incômodo vem do preconceito.
Fala-se que acomoda os pobres.
Como acomoda? O ser humano é desejante. Eles querem mais da vida, como qualquer pessoa. Quem diz isso falsifica a história. Não há acomodação alguma. Os maridos dessas mulheres normalmente estavam desempregados. Ao perguntar a um deles quando tinha sido a última vez que tinha trabalhado, ele respondeu: “Faz uns dois meses, eu colhi feijão”. Perguntei quanto ele ganhava colhendo feijão. Disse que dependia, que às vezes ganhava 20, 15, 10 reais. Fizemos as contas e vimos que ganhava menos num mês do que o Bolsa Família pagava. Por que ele tem que se sujeitar a isso, praticamente à semiescravidão? Esses estereótipos tem que ser desfeitos no Brasil, para que se tenha uma sociedade mais solidária, mais democrática. É preciso desfazer essa imensa cultura do desprezo.
No livro a senhora diz que essas mulheres veem o benefício como um favor do governo.
Sim, de 70% a 80% ainda veem o Bolsa Família como um favor. Encontramos poucas mulheres que achavam que é um direito. Isso se explica porque temos uma jovem democracia. A cultura dos direitos chegou muito tarde ao Brasil. Imagino que daqui para a frente a ideia de que elas têm direito vai ser mais reforçada. Para isso precisamos, porém, de políticas públicas específicas. Seriam um segundo, um terceiro passo… Os desafios a partir de agora são muito grandes.
Qual é a sua avaliação geral do programa?
Acho que o Bolsa Família foi uma das coisas mais importantes que aconteceram no Brasil nos últimos anos. Tornou visíveis cerca de 50 milhões de pessoas, tornou-os mais cidadãos. Essa talvez seja a maior conquista.
Entre as mulheres que ouviu, alguma foi mais marcante para a senhora?
Uma das mais marcantes foi uma jovem no sertão do Piauí. Ela me disse: “Essa foi a primeira vez que a minha pessoa foi enxergada”. Tinha uma outra, do Vale do Jequitinhonha, que morava num casebre, sozinha com três filhos. Quando começou a contar a história dela, perguntei qual era a sua idade, porque parecia que já tinha vivido muita coisa. Ela respondeu: “29 anos”. E eu: “Mas só 29?” Ela: “Mas, dona, a minha vida é comprida, muito comprida.” Percebi que falar que “a minha vida é muito comprida” é quase sinônimo de “é muito sofrida”.
LIBRA NÃO É A VALE. DILMA NÃO É FHC
Brito explica aos privateiros (e a outros) por que partilha não é privataria.
O Conversa Afiada reproduz artigo de Fernando Brito, extraído do Tijolaço:
PORQUE LIBRA “É BEM DIFERENTE DE PRIVATIZAÇÃO”
A oposição de direita e a oposição que pensa estar agindo como esquerda afinaram ontem o discurso.
Dizem que o leilão de Libra foi “a maior privatização da História do Brasil”.
Como parece que se tornou o debate algo paupérrimo, onde vale mais rotular e xingar do que pensar e esclarecer, tento ajudar aqui a mostrar o que disse Dilma Rousseff ao afirmar que o que foi feito “é bem diferente de privatização”.
Como recolhi do velho Leonel Brizola que as palavras devem ser usadas para revelar e não para esconder os pensamentos, vou tentar, pela via do exemplo, sem me aprofundar teoricamente no tema, mostrar como é diferente o que aconteceu em Libra daquilo que nos acostumamos a ver aqui como privatização.
Valho-me, para isso, de um outro caso emblemático, o da privatização – sem aspas – da Vale.
O que se passou ali foi a venda da empresa a grupos privados – deixemos à parte que tenha sido por um subpreço de algo como 3% do que ela valia, e que metade disso tivesse sido feito em “moeda podre”, o que reduz ainda mais o valor. Vendida a Vale, suas jazidas e direitos minerários, nada mais é nosso, mas do proprietário privado. É ele quem vai decidir quanto e quanto ferro será retirado, como será vendido, se será ou não destinado ao beneficiamento. Ao Estado cabem apenas os royalties pela mineração, aliás em valores ridículos.
O minério de ferro, agora, é deles.
E Libra, é igual?
Nem parecido, vejam:
- A jazida segue sendo estatal e o consórcio recebe o direito de, por uma parte do petróleo retirado, explorar para a União.
- Ao adquirir a concessão, o consórcio não leva um parafuso ou uma broca pertencente ao povo, muito menos uma atividade funcionando e gerando caixa. Ao contrário: terá de investir muito – e por muito tempo – até que o negócio seja capaz de produzir um real de mercadoria a vender.
- A velocidade, a forma e a oportunidade de retirar e vender o petróleo vão ser definidas pelo consórcio em comum acordo com o Estado Brasileiro, pois a PPSA (a Petrosal) tem poder de veto sobre as decisões exploratórias e comerciais, além de acompanhar e auditar os custos exploratórios, para que seu abatimento no óleo extraído não se superfature.
- É uma empresa pública – de economia mista, mas controlada pelo Estado – que vai operar os poços, liderando as escolhas sobre como e onde comprar equipamentos, contratações de serviços, recrutamento de pessoal. Isto é, nada será comprado ou contratado no exterior a não ser que seja indispensável ou manifestamente desvantajoso fazê-lo no mercado interno.
É por isso que, embora tanto o minério de ferro quanto o petróleo sejam, pela Constituição brasileira, propriedade da União e, portanto, de cada brasileiro e brasileira, na prática, o ferro foi privatizado e o petróleo, não.
É só ver que, do óleo que agora está a quilômetros de profundidade sob o leito marinho, Libra vai dar perto de um trilhão de dólares ao Estado brasileiro para investir em educação, saúde, tecnologia, programas sociais. Porque o Estado, sobre o que é seu, fica com a parte do leão.
E do ferro que retira aos milhões de toneladas do solo destes filhos da mãe gentil, a Vale só dá ao Brasil os impostos que qualquer empresa tem de pagar e um trocadinho – 2% do valor, descontado transporte – do minério retirado. E os adoradores do privado, ainda ronronam como gatinhos, em louvor aos gênios que fizeram este negócio desastroso para o país.
Quando se quer igualar coisas tão diferentes assim, podem crer, ou se está deixando de pensar ou, como é pior e mais comum, querendo que as pessoas deixem de pensar.
E, deixando de pensar, possam ser enganadas.
Por: Fernando Brito
O Conversa Afiada reproduz artigo de Fernando Brito, extraído do Tijolaço:
PORQUE LIBRA “É BEM DIFERENTE DE PRIVATIZAÇÃO”
A oposição de direita e a oposição que pensa estar agindo como esquerda afinaram ontem o discurso.
Dizem que o leilão de Libra foi “a maior privatização da História do Brasil”.
Como parece que se tornou o debate algo paupérrimo, onde vale mais rotular e xingar do que pensar e esclarecer, tento ajudar aqui a mostrar o que disse Dilma Rousseff ao afirmar que o que foi feito “é bem diferente de privatização”.
Como recolhi do velho Leonel Brizola que as palavras devem ser usadas para revelar e não para esconder os pensamentos, vou tentar, pela via do exemplo, sem me aprofundar teoricamente no tema, mostrar como é diferente o que aconteceu em Libra daquilo que nos acostumamos a ver aqui como privatização.
Valho-me, para isso, de um outro caso emblemático, o da privatização – sem aspas – da Vale.
O que se passou ali foi a venda da empresa a grupos privados – deixemos à parte que tenha sido por um subpreço de algo como 3% do que ela valia, e que metade disso tivesse sido feito em “moeda podre”, o que reduz ainda mais o valor. Vendida a Vale, suas jazidas e direitos minerários, nada mais é nosso, mas do proprietário privado. É ele quem vai decidir quanto e quanto ferro será retirado, como será vendido, se será ou não destinado ao beneficiamento. Ao Estado cabem apenas os royalties pela mineração, aliás em valores ridículos.
O minério de ferro, agora, é deles.
E Libra, é igual?
Nem parecido, vejam:
- A jazida segue sendo estatal e o consórcio recebe o direito de, por uma parte do petróleo retirado, explorar para a União.
- Ao adquirir a concessão, o consórcio não leva um parafuso ou uma broca pertencente ao povo, muito menos uma atividade funcionando e gerando caixa. Ao contrário: terá de investir muito – e por muito tempo – até que o negócio seja capaz de produzir um real de mercadoria a vender.
- A velocidade, a forma e a oportunidade de retirar e vender o petróleo vão ser definidas pelo consórcio em comum acordo com o Estado Brasileiro, pois a PPSA (a Petrosal) tem poder de veto sobre as decisões exploratórias e comerciais, além de acompanhar e auditar os custos exploratórios, para que seu abatimento no óleo extraído não se superfature.
- É uma empresa pública – de economia mista, mas controlada pelo Estado – que vai operar os poços, liderando as escolhas sobre como e onde comprar equipamentos, contratações de serviços, recrutamento de pessoal. Isto é, nada será comprado ou contratado no exterior a não ser que seja indispensável ou manifestamente desvantajoso fazê-lo no mercado interno.
É por isso que, embora tanto o minério de ferro quanto o petróleo sejam, pela Constituição brasileira, propriedade da União e, portanto, de cada brasileiro e brasileira, na prática, o ferro foi privatizado e o petróleo, não.
É só ver que, do óleo que agora está a quilômetros de profundidade sob o leito marinho, Libra vai dar perto de um trilhão de dólares ao Estado brasileiro para investir em educação, saúde, tecnologia, programas sociais. Porque o Estado, sobre o que é seu, fica com a parte do leão.
E do ferro que retira aos milhões de toneladas do solo destes filhos da mãe gentil, a Vale só dá ao Brasil os impostos que qualquer empresa tem de pagar e um trocadinho – 2% do valor, descontado transporte – do minério retirado. E os adoradores do privado, ainda ronronam como gatinhos, em louvor aos gênios que fizeram este negócio desastroso para o país.
Quando se quer igualar coisas tão diferentes assim, podem crer, ou se está deixando de pensar ou, como é pior e mais comum, querendo que as pessoas deixem de pensar.
E, deixando de pensar, possam ser enganadas.
Por: Fernando Brito
SÓ A PARTILHA GARANTE A DISTRIBUIÇÃO SOCIAL DO PRÉ-SAL
Leblon vai no fígado dos privateiros. A PPSA é para isso mesmo. Mantê-los longe do pré-sal.
O Conversa Afiada reproduz artigo de Saul Leblon, da Carta Maior:
A REDISTRIBUIÇÃO SOCIAL DA RENDA PETROLEIRA
Se o modelo de partilha na exploração do pré-sal tiver êxito abre-se um precedente de enorme impacto simbólico na vida política nacional.
por: Saul Leblon
Na crítica conservadora ao modelo adotado para a exploração do pré-sal, avulta o esférico plano secundário a que ficou relegado o debate que deveria ser o principal: a redistribuição social da renda petroleira.
Em linha com o ambiente regressivo do capitalismo em nosso tempo, o conservadorismo nativo abraça a agenda dos mercados e queima as caravelas de qualquer retorno à finalidade social do processo econômico.
Discute-se a ‘desconfiança’ dos mercados, a ‘incerteza’ das petroleiras, a ‘insatisfação’ da república dos acionistas, o ‘intervencionismo’ do governo Dilma. Ponto.
Do círculo vicioso descendente não escapa nem quem se avoca uma fina sintonia com as ruas.
Entrevistada do programa Roda Viva na 2ª feira, ainda no calor do leilão, coube à ex-senadora Marina Silva condensar a desconcertante fragmentação entre meios e fins.
Marina declarou-se avessa à participação da China no leilão do pré-sal. “Vi com preocupação a China fazer parte do leilão”. Por que, senadora? “Porque nesse caso não é uma empresa, é o Estado”.
Fosse Esso ou a Chevron, de densos princípios democráticos e ambientais, estaria de bom tamanho para a criadora do não-partido Rede?
Talvez não tenha sido essa a intenção da frase, mas oferecer-se ao desfrute da fuzilaria midiática contra a ‘natureza intervencionista’ do modelo brasileiro de partilha.
De novo aqui, dane-se a questão principal subjacente ao debate ‘técnico’ .
Tergiversa-se para camuflar aquilo que verdadeiramente importa à sorte da economia e a o destino da sociedade.
A exemplo de Marina, também Campos, Aécio, Serra e os veículos nos quais se ancoram, giram em falso.
Ora se diz que a partilha é ineficiente e deve ser substituída por regras mais flexíveis aos mercados, “que levem a uma maior concorrência nos leilões”, reclama o sempre antenado Eduardo Campos ; ora se diz que é a mesma coisa do modelo tucano, uma privatização envergonhada.
A verdade é que o modelo adotado pelo Brasil, sem ser o ideal, busca acomodar três imperativos que formam quase um trilema: urgência, soberania e escassez de capital.
Uma sociedade em desenvolvimento, mergulhada em assimetrias sociais e econômicas do calibre das enfrentadas pelo Brasil precisa, no prazo mais curto possível, ativar a gigantesca poupança que a natureza lhe reservou no fundo do oceano, cujo valor se conta em múltiplos de bilhões de barris e trilhões de reais.
Por razões implícitas, a massa de recursos capaz de mover a chave do cofre é indisponível.
O modelo de partilha emerge assim como aquele que afronta o apetite exclusivista da matilha, ainda que sem excluí-la de sentar-se à mesa.
O capital estrangeiro é convidado, desde que se atenha ao prato e a sua porção.
O comando do negócio tampouco lhe cabe, nem terá o direito de ficar com a parte do leão.
O governo assegura que com esse arranjo cerca de 80% da renda de Libra ficará com o Estado brasileiro.
Contabilizada da seguinte forma: R$ 15 bilhões de bônus de assinatura; R$ 270 bilhões de royalties; R$ 736 bilhões de excedente em óleo (a partilha, propriamente dita); 34% de imposto sobre o lucro das empresas, ademais de 40% da fatia das empresas, corresponde à parcela da Petrobrás.
Em cadeia nacional na noite de 2ª feira, a Presidenta Dilma Rousseff detalhou o cardápio que o discurso conservador se recusa a por na mesa, talvez porque o prato que tem a oferecer seja raso e ralo.
Disse a Presidenta:
“Por força da lei que aprovamos no Congresso Nacional, todo o dinheiro dos royalties e metade do excedente em óleo que integra o Fundo Social, no valor de R$ 736 bilhões, serão investidos, exclusivamente, 75% em educação e 25% em saúde (…) o restante dos rendimentos do Fundo Social, no valor de R$ 368 bilhões, será aplicado, obrigatoriamente, no combate à pobreza e em projetos de desenvolvimento da cultura, do esporte, da ciência e tecnologia, do meio ambiente, e da mitigação e adaptação às mudanças climáticas…”
Se tudo correr exatamente assim, o ciclo do pré-sal deixará, ademais, uma lição política de inestimável valor ao povo brasileiro.
Para que fosse feita uma efetiva distribuição social da renda petroleira, as grandes decisões sobre a exploração, a produção e a pesquisa do pré-sal foram centralizadas nas mãos do planejamento público e democrático.
Do contrário haveria concentração da renda petrolífera e não distribuição.
O conservadorismo sabe o quanto lhe custará esse discernimento.
Não sem razão, uma dos alvos da fuzilaria mercadista foi a participação chinesa no certame (que junto com a Petrobrás passará a formar um núcleo estatal com 60% de poder no consórcio).
Outro foco da insatisfação conservadora concentra-se na Petróleo Pré-Sal SA (PPSA).
À empresa gestora do pré-sal –uma espécie de representante dos interesses da sociedade no ciclo do pré-sal— caberá assegurar o cumprimento das normas que vão garantir a destinação social emancipadora dessa riqueza.
Cabe-lhe assegurar os encadeamentos industrializantes do processo e a defesa do interesse soberano da nação no ritmo da exploração.
A PPSA é a negação da ideologia dos mercados autorregulados, que subsiste na base da crítica ao intervencionismo do modelo adotado pelo governo.
Tudo será feito para que fracasse.
Se o modelo de partilha tiver êxito, supervisionado pela PPSA, que tem 50% dos votos e poder de veto no comitê gestor do consórcio, abre-se um precedente de enorme impacto simbólico na vida política nacional.
Mantida e explorada sob regime de planejamento estatal, sob o cerco do conservadorismo, uma riqueza finita foi capaz de destinar recursos bilionários às políticas públicas de saúde e educação, a ponto de se constituir na redenção da cidadania brasileira no século XXI.
Impedir que esse futuro se consolide implica, entre outras coisas, em desqualificar , desacreditar e apagar as fronteiras políticas e institucionais que separam as opções em disputa nesse pontapé do pré-sal.
Será uma luta sem trégua.
Não são apenas modelos de engenharia de petróleo.
O nome do jogo talvez seja o Brasil que queremos para os nossos filhos. Para os filhos dos nossos filhos. E os netos que um dia eles terão.
O Conversa Afiada reproduz artigo de Saul Leblon, da Carta Maior:
A REDISTRIBUIÇÃO SOCIAL DA RENDA PETROLEIRA
Se o modelo de partilha na exploração do pré-sal tiver êxito abre-se um precedente de enorme impacto simbólico na vida política nacional.
por: Saul Leblon
Na crítica conservadora ao modelo adotado para a exploração do pré-sal, avulta o esférico plano secundário a que ficou relegado o debate que deveria ser o principal: a redistribuição social da renda petroleira.
Em linha com o ambiente regressivo do capitalismo em nosso tempo, o conservadorismo nativo abraça a agenda dos mercados e queima as caravelas de qualquer retorno à finalidade social do processo econômico.
Discute-se a ‘desconfiança’ dos mercados, a ‘incerteza’ das petroleiras, a ‘insatisfação’ da república dos acionistas, o ‘intervencionismo’ do governo Dilma. Ponto.
Do círculo vicioso descendente não escapa nem quem se avoca uma fina sintonia com as ruas.
Entrevistada do programa Roda Viva na 2ª feira, ainda no calor do leilão, coube à ex-senadora Marina Silva condensar a desconcertante fragmentação entre meios e fins.
Marina declarou-se avessa à participação da China no leilão do pré-sal. “Vi com preocupação a China fazer parte do leilão”. Por que, senadora? “Porque nesse caso não é uma empresa, é o Estado”.
Fosse Esso ou a Chevron, de densos princípios democráticos e ambientais, estaria de bom tamanho para a criadora do não-partido Rede?
Talvez não tenha sido essa a intenção da frase, mas oferecer-se ao desfrute da fuzilaria midiática contra a ‘natureza intervencionista’ do modelo brasileiro de partilha.
De novo aqui, dane-se a questão principal subjacente ao debate ‘técnico’ .
Tergiversa-se para camuflar aquilo que verdadeiramente importa à sorte da economia e a o destino da sociedade.
A exemplo de Marina, também Campos, Aécio, Serra e os veículos nos quais se ancoram, giram em falso.
Ora se diz que a partilha é ineficiente e deve ser substituída por regras mais flexíveis aos mercados, “que levem a uma maior concorrência nos leilões”, reclama o sempre antenado Eduardo Campos ; ora se diz que é a mesma coisa do modelo tucano, uma privatização envergonhada.
A verdade é que o modelo adotado pelo Brasil, sem ser o ideal, busca acomodar três imperativos que formam quase um trilema: urgência, soberania e escassez de capital.
Uma sociedade em desenvolvimento, mergulhada em assimetrias sociais e econômicas do calibre das enfrentadas pelo Brasil precisa, no prazo mais curto possível, ativar a gigantesca poupança que a natureza lhe reservou no fundo do oceano, cujo valor se conta em múltiplos de bilhões de barris e trilhões de reais.
Por razões implícitas, a massa de recursos capaz de mover a chave do cofre é indisponível.
O modelo de partilha emerge assim como aquele que afronta o apetite exclusivista da matilha, ainda que sem excluí-la de sentar-se à mesa.
O capital estrangeiro é convidado, desde que se atenha ao prato e a sua porção.
O comando do negócio tampouco lhe cabe, nem terá o direito de ficar com a parte do leão.
O governo assegura que com esse arranjo cerca de 80% da renda de Libra ficará com o Estado brasileiro.
Contabilizada da seguinte forma: R$ 15 bilhões de bônus de assinatura; R$ 270 bilhões de royalties; R$ 736 bilhões de excedente em óleo (a partilha, propriamente dita); 34% de imposto sobre o lucro das empresas, ademais de 40% da fatia das empresas, corresponde à parcela da Petrobrás.
Em cadeia nacional na noite de 2ª feira, a Presidenta Dilma Rousseff detalhou o cardápio que o discurso conservador se recusa a por na mesa, talvez porque o prato que tem a oferecer seja raso e ralo.
Disse a Presidenta:
“Por força da lei que aprovamos no Congresso Nacional, todo o dinheiro dos royalties e metade do excedente em óleo que integra o Fundo Social, no valor de R$ 736 bilhões, serão investidos, exclusivamente, 75% em educação e 25% em saúde (…) o restante dos rendimentos do Fundo Social, no valor de R$ 368 bilhões, será aplicado, obrigatoriamente, no combate à pobreza e em projetos de desenvolvimento da cultura, do esporte, da ciência e tecnologia, do meio ambiente, e da mitigação e adaptação às mudanças climáticas…”
Se tudo correr exatamente assim, o ciclo do pré-sal deixará, ademais, uma lição política de inestimável valor ao povo brasileiro.
Para que fosse feita uma efetiva distribuição social da renda petroleira, as grandes decisões sobre a exploração, a produção e a pesquisa do pré-sal foram centralizadas nas mãos do planejamento público e democrático.
Do contrário haveria concentração da renda petrolífera e não distribuição.
O conservadorismo sabe o quanto lhe custará esse discernimento.
Não sem razão, uma dos alvos da fuzilaria mercadista foi a participação chinesa no certame (que junto com a Petrobrás passará a formar um núcleo estatal com 60% de poder no consórcio).
Outro foco da insatisfação conservadora concentra-se na Petróleo Pré-Sal SA (PPSA).
À empresa gestora do pré-sal –uma espécie de representante dos interesses da sociedade no ciclo do pré-sal— caberá assegurar o cumprimento das normas que vão garantir a destinação social emancipadora dessa riqueza.
Cabe-lhe assegurar os encadeamentos industrializantes do processo e a defesa do interesse soberano da nação no ritmo da exploração.
A PPSA é a negação da ideologia dos mercados autorregulados, que subsiste na base da crítica ao intervencionismo do modelo adotado pelo governo.
Tudo será feito para que fracasse.
Se o modelo de partilha tiver êxito, supervisionado pela PPSA, que tem 50% dos votos e poder de veto no comitê gestor do consórcio, abre-se um precedente de enorme impacto simbólico na vida política nacional.
Mantida e explorada sob regime de planejamento estatal, sob o cerco do conservadorismo, uma riqueza finita foi capaz de destinar recursos bilionários às políticas públicas de saúde e educação, a ponto de se constituir na redenção da cidadania brasileira no século XXI.
Impedir que esse futuro se consolide implica, entre outras coisas, em desqualificar , desacreditar e apagar as fronteiras políticas e institucionais que separam as opções em disputa nesse pontapé do pré-sal.
Será uma luta sem trégua.
Não são apenas modelos de engenharia de petróleo.
O nome do jogo talvez seja o Brasil que queremos para os nossos filhos. Para os filhos dos nossos filhos. E os netos que um dia eles terão.
E QUEM VAI DEFENDER O PRÉ-SAL ?
Os EUA relançaram a 4ª Frota porque o pré-sal pode ir até a costa ocidental da África.
Com o pré-sal, o Brasil será o quarto maior produtor de petróleo do mundo.
A Arábia Saudita, a primeira, tem a bomba atômica americana para defende-la.
A Rússia tem bomba atômica.
A Rússia bota na cadeia manifestante do Greenpeace que tenta depredar patrimônio russo.
Dá asilo ao Snowden.
E o Putin escreve um artigo no New York Times, manda o Obama deixar o Assad da Síria em paz e o Obama deixa.
Porque tem bomba.
Os Estados Unidos, o terceiro produtor, têm 32 mil 500 bombas atômicas e de hidrogênio.
Os Estados Unidos reativaram a 4ª Frota para patrulhar o Atlântico, porque o pré-sal brasileiro, provavelmente, se estende até a costa Ocidental da África.
(E não é à toa que o Nunca Dantes vive lá …)
Os Estados Unidos querem montar uma base militar no Paraguai.
Montaram uma na Colômbia que vai permitir que caças voem até o Ártico sem se reabastecer.
Entre 2006 e 2011, os gastos militares americanos corresponderam a 46% da receita de impostos do país.
Se somar os gatos com Energia, Tesouro, Veteranos de Guerra, CIA, NSA, os Estados Unidos devem gastar U$$ 1 trilhão por ano em Defesa.
Os Estados Unidos gastam seis vezes mais em Defesa que o segundo colocado, a China !
Os Estados Unidos gastam metade dos gastos do mundo em Defesa.
(Dados extraídos de “The Capitalism Papers – Fatal Flaws of an Obsolete System”, de Jerry Mander, Editora Counter Point, Berkeley, 2012, Capítulo VIII, “A Propensão à Guerra”.
Com a devida autorização do dos chapéus – correspondente da Amazon no Brasil – em quinze dias esse livro pode chegar à casa do amigo navegante, por uns US$ 20.)
O Brasil não tem bomba atômica.
O Collor e o Fernando Henrique assinaram o Tratado de Não-Proliferação, ou seja, tiraram os sapatos.
O Brasil tem a maior costa Atlântica, onde se deposita a Amazônia Azul.
O Brasil é a quinta economia do mundo e o décimo país em gastos com Defesa: gasta 1,5% do PIB.
É o país dos BRICs que menos gasta com Defesa.
Clique aqui para ler “Dilma, Amorim e a Defesa Nacional”, sobre o “Livro Branco da Defesa Nacional”.
O Brasil investe em submarinos movidos a energia nuclear, constrói satélites e veículos lançadores de satélites.
Tem urânio e sabe enriquecer urânio.
Mas, não tem condições de defender o petróleo, militarmente.
E se, como se suspeita, tenha mais libras e mais Santos embaixo da Amazônia Azul ?
E se houver petróleo na Amazônia ?
O Brasil, agora, tem que discutir uma política de Defesa.
Comprar caças – onde os americanos não devem meter o dedo, como disse uma fonte do Mino Carta (quem será, hein ?) – rapidamente.
Exigir transferência de tecnologia e se tornar um produtor e exportador de produtos de Defesa.
Se o Brasil sai, progressivamente, da órbita estratégica dos Estados Unidos – para desespero dos colonistas (*) de muitos e de poucos chapéus – e se aproxima da China (em Libra, especialmente) e da Rússia, não pode contar com eles, nem com ninguém, para defender seu patrimônio energético.
Vencida a batalha do pré-sal – bye-bye tucanos, que o peso da irrelevância lhes se já leve -, chegou a hora de armar o Brasil.
E deixar de pudores.
Pacifismos bláblárínicos.
O jogo do petróleo é bruto.
Quantas cabeças rolaram, da Pérsia à Argentina, por causa do ouro negro.
Nossa Defesa tem que ser mais que dissuasória, como diz o Livro Branco do Ministro Celso Amorim.
Ela tem que ser ostensiva.
Para uso imediato.
E expressiva.
Do tamanho do petróleo brasileiro.
Em tempo: enquanto não se tem a bomba.
Paulo Henrique Amorim
(*) Não tem nada a ver com cólon. São os colonistas do PiG que combateram na milícia para derrubar o presidente Lula e, depois, a presidenta Dilma. E assim se comportarão sempre que um presidente no Brasil, no mundo e na Galáxia tiver origem no trabalho e, não, no capital. O Mino Carta costuma dizer que o Brasil é o único lugar do mundo em que jornalista chama patrão de colega. É esse pessoal aí.
Com o pré-sal, o Brasil será o quarto maior produtor de petróleo do mundo.
A Arábia Saudita, a primeira, tem a bomba atômica americana para defende-la.
A Rússia tem bomba atômica.
A Rússia bota na cadeia manifestante do Greenpeace que tenta depredar patrimônio russo.
Dá asilo ao Snowden.
E o Putin escreve um artigo no New York Times, manda o Obama deixar o Assad da Síria em paz e o Obama deixa.
Porque tem bomba.
Os Estados Unidos, o terceiro produtor, têm 32 mil 500 bombas atômicas e de hidrogênio.
Os Estados Unidos reativaram a 4ª Frota para patrulhar o Atlântico, porque o pré-sal brasileiro, provavelmente, se estende até a costa Ocidental da África.
(E não é à toa que o Nunca Dantes vive lá …)
Os Estados Unidos querem montar uma base militar no Paraguai.
Montaram uma na Colômbia que vai permitir que caças voem até o Ártico sem se reabastecer.
Entre 2006 e 2011, os gastos militares americanos corresponderam a 46% da receita de impostos do país.
Se somar os gatos com Energia, Tesouro, Veteranos de Guerra, CIA, NSA, os Estados Unidos devem gastar U$$ 1 trilhão por ano em Defesa.
Os Estados Unidos gastam seis vezes mais em Defesa que o segundo colocado, a China !
Os Estados Unidos gastam metade dos gastos do mundo em Defesa.
(Dados extraídos de “The Capitalism Papers – Fatal Flaws of an Obsolete System”, de Jerry Mander, Editora Counter Point, Berkeley, 2012, Capítulo VIII, “A Propensão à Guerra”.
Com a devida autorização do dos chapéus – correspondente da Amazon no Brasil – em quinze dias esse livro pode chegar à casa do amigo navegante, por uns US$ 20.)
O Brasil não tem bomba atômica.
O Collor e o Fernando Henrique assinaram o Tratado de Não-Proliferação, ou seja, tiraram os sapatos.
O Brasil tem a maior costa Atlântica, onde se deposita a Amazônia Azul.
O Brasil é a quinta economia do mundo e o décimo país em gastos com Defesa: gasta 1,5% do PIB.
É o país dos BRICs que menos gasta com Defesa.
Clique aqui para ler “Dilma, Amorim e a Defesa Nacional”, sobre o “Livro Branco da Defesa Nacional”.
O Brasil investe em submarinos movidos a energia nuclear, constrói satélites e veículos lançadores de satélites.
Tem urânio e sabe enriquecer urânio.
Mas, não tem condições de defender o petróleo, militarmente.
E se, como se suspeita, tenha mais libras e mais Santos embaixo da Amazônia Azul ?
E se houver petróleo na Amazônia ?
O Brasil, agora, tem que discutir uma política de Defesa.
Comprar caças – onde os americanos não devem meter o dedo, como disse uma fonte do Mino Carta (quem será, hein ?) – rapidamente.
Exigir transferência de tecnologia e se tornar um produtor e exportador de produtos de Defesa.
Se o Brasil sai, progressivamente, da órbita estratégica dos Estados Unidos – para desespero dos colonistas (*) de muitos e de poucos chapéus – e se aproxima da China (em Libra, especialmente) e da Rússia, não pode contar com eles, nem com ninguém, para defender seu patrimônio energético.
Vencida a batalha do pré-sal – bye-bye tucanos, que o peso da irrelevância lhes se já leve -, chegou a hora de armar o Brasil.
E deixar de pudores.
Pacifismos bláblárínicos.
O jogo do petróleo é bruto.
Quantas cabeças rolaram, da Pérsia à Argentina, por causa do ouro negro.
Nossa Defesa tem que ser mais que dissuasória, como diz o Livro Branco do Ministro Celso Amorim.
Ela tem que ser ostensiva.
Para uso imediato.
E expressiva.
Do tamanho do petróleo brasileiro.
Em tempo: enquanto não se tem a bomba.
Paulo Henrique Amorim
(*) Não tem nada a ver com cólon. São os colonistas do PiG que combateram na milícia para derrubar o presidente Lula e, depois, a presidenta Dilma. E assim se comportarão sempre que um presidente no Brasil, no mundo e na Galáxia tiver origem no trabalho e, não, no capital. O Mino Carta costuma dizer que o Brasil é o único lugar do mundo em que jornalista chama patrão de colega. É esse pessoal aí.
terça-feira, outubro 22, 2013
Entrevista de Lula ao jornal El País
Em entrevista publicada neste domingo (20) pelo jornal espanhol El País, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a ressaltar a predominância da política como instrumento de conquistas sociais e superação de crises econômicas. Referindo-se aos protestos de junho no Brasil e à crise européia, Lula repetiu que tanto num caso como em outro “não há saída fora da política”.
Para ele, as manifestações de rua ocorridas há quatro meses foram “saudáveis”. Segundo ele, os 10 anos de conquistas dos governos do PT produziram uma sociedade que ‘descobriu que é possível querer mais”. Mas alertou: “Temos que louvar a participação democrática e não permitir que os jovens reneguem a política, porque quando isso acontece, o que vem é o fascismo. Queremos que os jovens discutam abertamente para que sintam que fora dela não há outro caminho”.
Na reportagem, o jornalista Jesús Ruiz Montilla afirma que Lula se converteu em “uma referência da esquerda global civilizada”.
Vou dizer que eu não preparei perguntas… Li páginas e páginas de sua vida e seis milagres e, salvo algo que queria dizer para iniciar a conversa, não trago nada a priori.
Nem eu preparei as respostas…
Começamos bem, então. Só uma coisa dá voltas em minha cabeça. Tanta universidade de prestígio para preparar líderes mundiais, tanto cérebro, muito estudo, para que venha alguém como você, sem qualquer título, formado na dureza das ruas e se convertendo num ícone mundial que quebra recordes.
Políticos devem entender um problema. Nas últimas três décadas, mas principalmente mais tarde, depois de um consenso entre Thatcher e Reagan, o mundo tornou-se governado por uma lógica muito burocrática, técnica, menos política. A economia começou a determinar a direção do governo, e não o inverso. Isso, na minha opinião, é um grande erro. Um grande político será capaz de montar uma boa equipe técnica. Mas se você é um bom técnico, talvez você não seja capaz de tomar boas decisões políticas.
Por quê? As universidades não formam prefeitos, governadores ou presidentes de países. Essa experiência se adquire na relação que você tem com as pessoas, com os grupos políticos com os quais você está comprometido, com sua capacidade de viver democraticamente na diversidade. Um técnico pode se sentar em uma mesa e elaborar um documento extraordinário, mas para um político, se ele não sabe comunicar esta proposta no momento certo para as pessoas certas, e se não conversa com as pessoas envolvidas na sua decisão, as coisas não se concretizam.
Em outras palavras, a política é uma boa combinação de…
Bons políticos precisam de bons técnicos. Tomemos o exemplo de Sebastián Piñera no Chile, um grande empresário que está descobrindo que o exercício do governo, lidar com opositores interesses diversos, é mais difícil tomar uma decisão para sua empresa. Quando você é apresentado a uma crise interna, você tende a buscar técnicos que a resolvam no lugar de políticos. Por exemplo, na Europa, na minha opinião, enfrenta uma situação que afeta o mundo inteiro por falta de decisão política, não econômica. Antes, quando as crises afetavam a Bolívia, o Brasil, o FMI sabia tudo. Por que agora não tem idéia de como resolver a situação?
Isso. Por quê?
Porque é um problema político. As decisões não foram tomadas na hora certa. No fundo se permitiu os mesmos ajustes que são feitos em países pobres. Espanha e Grécia, com suas rendas per capita, poderiam fazer ajustes de mais longo prazo, e não em tão curto, asfixiando a economia, com base em enormes sacrifícios e sem ter em conta o que vai custar às pessoas para se recuperarem.
Técnicos, com a sua lógica de negócios.
Os técnicos especialistas em salvar bancos!
Então, aqui estamos, olhando para a cena política. Porque essa arte deve unir sentido comum e paixão. É o que está faltando a vários técnicos?
Até o momento já foram usados quase 10 bilhões de dólares para resolver o problema da crise. Não conseguiram. Tampouco existem sinais claros no curto prazo. Com esse dinheiro, quanto não se poderia fazer para elevar o padrão de vida dos mais desfavorecidos. Na América Latina, na Europa, na África. Creio que se a política tivesse prevalecido sobre os aspectos técnicos e da burocracia, as pessoas sofreriam menos. No momento em que o mundo precisava de mais comércio, diminui; quando precisávamos de mais empregos, também caíram. E os banqueiros, até agora, ainda não pagaram a conta.
Mas com líderes que temos na Europa…
Devo ser justo, eu sou um grande defensor do que foi alcançado com a construção da Europa. Foi um esforço coletivo histórico. Mas a verdade é que as organizações que a dirigem são frágeis. Eu poderia citar uns quantos líderes capazes de estar no comando da comissão.
Vamos falar sobre isso.
Não posso.
Para quem não preparou respostas, alguém poderia pensar o contrário.
Não digo nomes porque é uma falta de respeito por parte um ex-presidente de um país; poderia ser considerado uma ingerência.
Um pouco de luz, de experiência, nada de ingerência.
Quando o Barcelona Quer ganhar do Real Madrid quer, sabe que tem que usar sua força toal, e vice-versa. Na política, em tempos difíceis, você deve reunir todas as pessoas relevantes para tomar decisões em comum: é preciso ouvir os sindicatos, empresários, especialistas, acadêmicos, sociedade civil e construir uma proposta que contemple a maioria dos representantes do país. Mas se está pensando do ponto de vista estritamente técnico. A impressão que tenho é que a chanceler Merkel assumiu um superpapel na União Europeia e todos dependem dela, vão atrás, quando são 28 países e Alemanha é quem determina seu comportamento, seus ajustes. E agora que ela foi reeleita, qual discurso faz?
Que tudo continue igual.
Trabalhar, controlar os gastos, ao invés de buscar soluções comuns, no âmbito político. Quem sofre na Espanha? Os banqueiros? Os grandes empresários? Não. Os jovens com expectativas de encontrar emprego, estes sim. Com isso, não quero dizer que eu tenho a solução para tudo, mas simplesmente que, sem discutir politicamente o problema, é mais complicado encontrar a saída. Muito mais difícil. Mais ainda num mundo que em que a economia está globalizada e as decisões políticas são tomadas em nível nacional. Precisamos de instituições multilaterais fortes para ajudar a cumprir as medidas. Não como o FMI, que vinha aqui todos os meses e nos dizia o que fazer. Até que a Europa não lhes prestasse atenção, não nos demos conta que não tinham importavam.
Eu o vejo em forma… Mas para quê? Aonde você quer chegar?
Quando uma pessoa completa 60 anos, e eu estou com 68, nossas expectativas futuras são menores. Quando eu tinha 18 anos, o mundo e a vida eram infinitos. Hoje, não. O tempo que me resta é muito mais curto do que aquele deixado para trás, mas não penso nisso o dia todo. Eu me cuido mais do que eu me cuidava.
Talvez a quantidade de tempo seja menor, mas você não desejaria que a qualidade fosse maior? Depois de derrotar a doença, o câncer, eu o vejo querendo voltar para a linha de frente.
Não, não, não. Só tenho vontade de sobreviver. Há algum tempo me operaram de um câncer e graças a Deus me recuperei e tenho trabalhado muito, eu diria que mais do que quando era presidente. (…) O que eu quero fazer realmente é tentar, através do meu instituto, é contribuir para o desenvolvimento na América Latina, na África, com experiências de sucesso que temos alcançado no Brasil, porque sim, é possível cuidar dos pobres, e eles não custam muito dinheiro. Se você lhes dá acesso a recursos, eles se tornam consumidores e aí a indústria produz, o comércio vende, se cria emprego, mais salários, e assim se forma um círculo virtuoso em que se produz, se consome, se estuda, existe acesso à cultura …
Um círculo virtuoso com o qual os jovens no Brasil não parecem satisfeitos. Daí os protestos?
Isso é importante. E damos muito valor. Estes protestos são saudáveis. Um povo com fome não tem vontade de lutar. Quando 40 milhões de pessoas passaram para a classe média, quando em 2007 havia 48 milhões de pessoas que podiam viajar de avião e em 2013 esse número subiu para 103 milhões, um país que produziu 1,5 milhões de carros e agora chega a 3,8 milhões…
Muitos, se olharmos para os engarrafamentos de trânsito aqui em São Paulo. Mais Metrô e menos carros não seria mal.
Um país que era a décima maior economia do mundo.
Vê como tem preparadas as respostas…?
Deixe-me concluir o raciocínio… E que em 2016 será a quinta maior economia do mundo, produziu uma sociedade que quer mais, é normal. A sociedade descobriu que é possível querer mais. Conseguimos em 10 anos passar de 3 milhões de graduados universitários para 7 milhões. Em 10 anos, conseguimos mais do que havíamos conseguidos em todo século 20, e isso desperta na sociedade o fato de querer mais. Temos que louvar a participação democrática e não permitir que os jovens reneguem a política, porque quando isso acontece, o que vem é o fascismo. Queremos que os jovens discutam abertamente para que sintam que fora dela não há outro caminho.
Tenha cuidado com tanto universitário, vão aparecer técnicos demais.
Precisamos de bons profissionais…
Isso sim. O que está claro é que Dilma Rousseff entendeu bem o grito das ruas, tem se mostrado sensível, mas você também tem sido crítico de certas atitudes de seu próprio partido. Não estão sabendo digerir a situação?
O Partido dos Trabalhadores completou 33 anos de vida. Quando se chega a isso, quem começou aos 35 anos deve dar vez a uma nova geração. Este é um partido que foi criado pelos trabalhadores e dirigido por eles, e se tornou o mais importante na esquerda da América Latina.
Você disse hoje “esquerda”, mas em alguns momentos deu a entender que não é.
Você me faz outra pergunta quando não terminei a resposta anterior… Eu digo que o PT é o mais importante da esquerda latino-americana.
Mas não uma esquerda clássica?
Nós o estamos construindo com a nossa própria experiência. O que eu digo é que era um pequeno partido que mais tarde se tornou grande, e como tal, foram aparecendo defeitos. Gente que valoriza muito Parlamento; outros, os cargos públicos…
Com um grande processo de corrupção no meio.
Também, mas quando esse acabar entramosem outro. Queriadizer que as pessoas tendem a esquecer os tempos difíceis em que achávamos bonito carregar pedras. Acreditávamos, era maravilhoso. Um grupo mais ideológico, a gente trabalhava de graça, de manhã, de tarde, de noite. Agora você faz uma campanha e todo mundo quer cobrar. Não quero voltar às origens, mas gostaria que não nos esquecêssemos de para quê fomos criados. Por que queríamos chegar ao governo? Não para fazer igual aos outros, mas para agir de forma diferente.
E para que valha a frase que você repete insistentemente e pela qual o criticam tanto: “Nunca antes na história do Brasil…”. Mas você dizia que, no processo de crescimento…
A corrupção aparece.
Os partidos são como os seres vivos? Vão se deteriorando?
O que eu digo aos companheiros é que só há uma maneira de não ser investigado neste país: não cometer erros. Duvido que exista no mundo um país com o número de auditorias que o Brasil tem. Noventa por cento das denúncias que aparecem são feitas pelo próprio governo. Nós contratamos policiais, reforçamos os serviços secretos, fortalecemos o controle das contas públicas… Quanto mais transparência, melhor. O que não se pode admitir é que, depois que uma pessoa passa por um processo e não se descobre nada, não se peça desculpas. Por isso que eu me preocupo com essas condenações a priori. No caso dos companheiros do PT, já foram previamente condenados. Alguns meios de comunicação fizeram isso, independentemente do julgamento, incluindo prisão perpétua. Alguns nem podem sair na rua. Eu insisto: temos de ser 150% corretos, porque se estamos errados em 1%, aos olhos dos nossos adversários e alguns meios de comunicação, elevarão a uns 1,000%. Às vezes me queixo, mas acho bom que nos controlem. Muitas vezes nos criticam pelo que temos de bom. Como uma árvore, se separa a que não dá bons frutos.
Esta sua tolerância com os meios de comunicação que o atacam não poderia ser transferida a colegas seus da esquerda latino-americana que preferem fechá-los? Correa no Equador, Maduro na Venezuela, Cristina Fernández na Argentina…
Eu sou um democrata. Defendo a liberdade de imprensa. Sou o resultado disso. Nunca a imprensa brasileira falou bem de mim, mas nunca me importei. Nunca pedi favores, nem peço. Quem julga a imprensa são os leitores, o público. Mas em alguns países latino-americanos devemos adaptar as leis aos tempos que vivemos. No Brasil, existem nove famílias que controlam os meios de comunicação, o que mudou um pouco esse panorama foi a Internet. Não se trata de entrar em conteúdos, obviamente, mas sim democratizar, ampliar o acesso.
Você vai se candidatar em 2014?
Não. Eu tenho minha candidata, que é Dilma, e eu vou trabalhar para ela.
Imagine-se voltando e o panorama que se encontra agora. O que mudou na América Latina nas últimas décadas! Até que a Teologia da Libertação entrou no Vaticano de mãos com o papa Francisco. Que coisas!
Ninguém imaginava que na América Latina se produziriam tantas mudanças em tão pouco tempo. Mas isso aumenta a nossa responsabilidade. Quanto mais importante você é, mais obrigações deve assumir.
Verdade.
Voltando à Europa. Qualquer líder que está na oposição sabe as mudanças que devem ser aplicadas ao chegar ao cargo. Hollande, por exemplo, sabia durante a campanha.
Mas parece ter esquecido em alguns aspectos.
Tive uma conversa extraordinária com ele. Eu sou um amigo dele de antes. E lhe disse: você não pode esquecer o seu discurso ao se tornar presidente. Pegue suas propostas, marque-as, coloque-as na cabeceira da cama e não se esqueça nunca de por que te elegeram. A Obama comentei: você tem que limitar-se a mostrar a mesma coragem que mostrou o povo americano ao te eleger presidente.
Alguns podem pensar que tal conselho seriam bem vindos a você quando se tornou presidente e teve uma crise de pragmatismo.
Não, não, não. Tenho sido um político humilde. No meu discurso de posse eu formulei três coisas que mantive em todo meu mandato: primeira, fazer o necessário; depois, o possível; e, por último, quando menos esperamos, estaremos fazendo o impossível. Se ao final consegui que os brasileiros se levantassem e tomassem café, almoçassem e jantassem, cumpri a missão da minha vida.
A utopia possível? Sem nenhum problema?
Fizemos mais do que isso, ao definir o que queríamos.
Vejo o sonho de uma criança comendo pão pela primeira vez quando tinha sete anos. Isso me contaram.
Foi sim.
Como era essa criança?
Uma criança que foi criada por uma mãe que nasceu e morreu sem saber escrever a letra O.
Mas que suponho saber muitas outras coisas.
Como criar oito filhos ensinando-nos a ser perseverantes e a não se queixarem muito, mas sim que poderíamos conseguir cada vez mais. Quando as pessoas estão determinadas a fazer algo, elas fazem. O problema é que é mais fácil se acomodar. Na liturgia de um cargo, por exemplo, você se acomoda. Você se mata para ganhar uma eleição e entra em cerimonial que nem te ouve, cercado por uma equipe de segurança que informa quando, onde e que horas deve ir aos lugares. Pessoas nem sequer votaramem você… Cadagesto é determinado pela lógica da liturgia. Se você entrar nessa, não fará prometeu em campanha.
Como, por exemplo, colocar smoking no Palácio Real de Madrid?
Estava indo para uma recepção diante do Rei e me disseram que tinha de ir vestido assim, mas eu disse que me apresentaria com minha roupa normal porque eu não usava isso. Da mesma maneira, não se pode pedir a um líder africano que vista gravata ou ao rei Juan Carlos que colocou um turbante. Ele gostou, sempre me tratou muito bem. (…) Parece que tudo está escrito. Sei que às vezes essas regras são necessárias, mas não tanto. Marca uma estrutura de poder que sobrevive graças a isso.
Jamais se acostumou?
Não, e havia muitas pessoas que se aborrecia comigo porque eu não cumpria muitas coisas, mas eu me portava bem. Não saía para jantar, não passeava em museus para que a imprensa não dissesse que eu estava fazendo turismo… Valeu a pena.
O homem, um museu nunca é demais.
Sim, mas a imprensa diria de tudo.
Salvo o protocolo, existe algo do cargo que sinta falta?
Sou um homem de muitos relacionamentos. Gosto de política e eu gosto de pessoas. Manter boas relações com os governantes, tento estabelecer intimidade para quebrar essa distância, sempre fui de dar abraços, tenho saudades das amizades que fiz naqueles dias. Eu continuo viajando muito, falando mais… Mas pouco mais.
O que acontece? Há presidentes que não param de interferir em tudo.
Teria de perguntar a Dilma. Eu tomei a decisão de me afastar, viajei muito, depois veio a doença. Agora estou de volta, evito dar entrevistas, mas me sinto bem. Me orgulho de tudo que fiz na vida. Cumpri algo sonhava fazer. Muitas pessoas duvidaram que eu seria capaz de governar sem um diploma universitário, mas respondia que eu queria fazer para provar que ele era capaz de realizar muito mais do que eles.
Para a vida, estava preparado, e, portanto, para a política real, muito mais.
Sim, mas havia muitos preconceitos porque eu não falava Inglês ou Espanhol e, no entanto, o Brasil nunca teve uma política externa como na nossa época.
E sem bomba atômica. Embora você quisesse fortalecer seu país militarmente.
Por quê?
Não, nem tanto, o que acontece é que o Brasil deve ter forças armadas dignas de sua grandeza. Devemos proteger nossos campos de petróleo, nossa floresta, nosso fronteira oceânica e terrestre. Se formou um conselho de defesa para promover uma unidade militar como existe na política. Mas sem armas nucleares. A nossa Constituição proíbe a proliferação de armas nucleares. Não foi o Lula, é a Constituição. Somos pacifistas. Nós gostamos de política, samba, carnaval, mas não de bomba atômica.
Para ler o original em espanhol, clique aqui: http://elpais.com/elpais/2013/10/18/eps/1382107992_999726.html
Para ele, as manifestações de rua ocorridas há quatro meses foram “saudáveis”. Segundo ele, os 10 anos de conquistas dos governos do PT produziram uma sociedade que ‘descobriu que é possível querer mais”. Mas alertou: “Temos que louvar a participação democrática e não permitir que os jovens reneguem a política, porque quando isso acontece, o que vem é o fascismo. Queremos que os jovens discutam abertamente para que sintam que fora dela não há outro caminho”.
Na reportagem, o jornalista Jesús Ruiz Montilla afirma que Lula se converteu em “uma referência da esquerda global civilizada”.
Vou dizer que eu não preparei perguntas… Li páginas e páginas de sua vida e seis milagres e, salvo algo que queria dizer para iniciar a conversa, não trago nada a priori.
Nem eu preparei as respostas…
Começamos bem, então. Só uma coisa dá voltas em minha cabeça. Tanta universidade de prestígio para preparar líderes mundiais, tanto cérebro, muito estudo, para que venha alguém como você, sem qualquer título, formado na dureza das ruas e se convertendo num ícone mundial que quebra recordes.
Políticos devem entender um problema. Nas últimas três décadas, mas principalmente mais tarde, depois de um consenso entre Thatcher e Reagan, o mundo tornou-se governado por uma lógica muito burocrática, técnica, menos política. A economia começou a determinar a direção do governo, e não o inverso. Isso, na minha opinião, é um grande erro. Um grande político será capaz de montar uma boa equipe técnica. Mas se você é um bom técnico, talvez você não seja capaz de tomar boas decisões políticas.
Por quê? As universidades não formam prefeitos, governadores ou presidentes de países. Essa experiência se adquire na relação que você tem com as pessoas, com os grupos políticos com os quais você está comprometido, com sua capacidade de viver democraticamente na diversidade. Um técnico pode se sentar em uma mesa e elaborar um documento extraordinário, mas para um político, se ele não sabe comunicar esta proposta no momento certo para as pessoas certas, e se não conversa com as pessoas envolvidas na sua decisão, as coisas não se concretizam.
Em outras palavras, a política é uma boa combinação de…
Bons políticos precisam de bons técnicos. Tomemos o exemplo de Sebastián Piñera no Chile, um grande empresário que está descobrindo que o exercício do governo, lidar com opositores interesses diversos, é mais difícil tomar uma decisão para sua empresa. Quando você é apresentado a uma crise interna, você tende a buscar técnicos que a resolvam no lugar de políticos. Por exemplo, na Europa, na minha opinião, enfrenta uma situação que afeta o mundo inteiro por falta de decisão política, não econômica. Antes, quando as crises afetavam a Bolívia, o Brasil, o FMI sabia tudo. Por que agora não tem idéia de como resolver a situação?
Isso. Por quê?
Porque é um problema político. As decisões não foram tomadas na hora certa. No fundo se permitiu os mesmos ajustes que são feitos em países pobres. Espanha e Grécia, com suas rendas per capita, poderiam fazer ajustes de mais longo prazo, e não em tão curto, asfixiando a economia, com base em enormes sacrifícios e sem ter em conta o que vai custar às pessoas para se recuperarem.
Técnicos, com a sua lógica de negócios.
Os técnicos especialistas em salvar bancos!
Então, aqui estamos, olhando para a cena política. Porque essa arte deve unir sentido comum e paixão. É o que está faltando a vários técnicos?
Até o momento já foram usados quase 10 bilhões de dólares para resolver o problema da crise. Não conseguiram. Tampouco existem sinais claros no curto prazo. Com esse dinheiro, quanto não se poderia fazer para elevar o padrão de vida dos mais desfavorecidos. Na América Latina, na Europa, na África. Creio que se a política tivesse prevalecido sobre os aspectos técnicos e da burocracia, as pessoas sofreriam menos. No momento em que o mundo precisava de mais comércio, diminui; quando precisávamos de mais empregos, também caíram. E os banqueiros, até agora, ainda não pagaram a conta.
Mas com líderes que temos na Europa…
Devo ser justo, eu sou um grande defensor do que foi alcançado com a construção da Europa. Foi um esforço coletivo histórico. Mas a verdade é que as organizações que a dirigem são frágeis. Eu poderia citar uns quantos líderes capazes de estar no comando da comissão.
Vamos falar sobre isso.
Não posso.
Para quem não preparou respostas, alguém poderia pensar o contrário.
Não digo nomes porque é uma falta de respeito por parte um ex-presidente de um país; poderia ser considerado uma ingerência.
Um pouco de luz, de experiência, nada de ingerência.
Quando o Barcelona Quer ganhar do Real Madrid quer, sabe que tem que usar sua força toal, e vice-versa. Na política, em tempos difíceis, você deve reunir todas as pessoas relevantes para tomar decisões em comum: é preciso ouvir os sindicatos, empresários, especialistas, acadêmicos, sociedade civil e construir uma proposta que contemple a maioria dos representantes do país. Mas se está pensando do ponto de vista estritamente técnico. A impressão que tenho é que a chanceler Merkel assumiu um superpapel na União Europeia e todos dependem dela, vão atrás, quando são 28 países e Alemanha é quem determina seu comportamento, seus ajustes. E agora que ela foi reeleita, qual discurso faz?
Que tudo continue igual.
Trabalhar, controlar os gastos, ao invés de buscar soluções comuns, no âmbito político. Quem sofre na Espanha? Os banqueiros? Os grandes empresários? Não. Os jovens com expectativas de encontrar emprego, estes sim. Com isso, não quero dizer que eu tenho a solução para tudo, mas simplesmente que, sem discutir politicamente o problema, é mais complicado encontrar a saída. Muito mais difícil. Mais ainda num mundo que em que a economia está globalizada e as decisões políticas são tomadas em nível nacional. Precisamos de instituições multilaterais fortes para ajudar a cumprir as medidas. Não como o FMI, que vinha aqui todos os meses e nos dizia o que fazer. Até que a Europa não lhes prestasse atenção, não nos demos conta que não tinham importavam.
Eu o vejo em forma… Mas para quê? Aonde você quer chegar?
Quando uma pessoa completa 60 anos, e eu estou com 68, nossas expectativas futuras são menores. Quando eu tinha 18 anos, o mundo e a vida eram infinitos. Hoje, não. O tempo que me resta é muito mais curto do que aquele deixado para trás, mas não penso nisso o dia todo. Eu me cuido mais do que eu me cuidava.
Talvez a quantidade de tempo seja menor, mas você não desejaria que a qualidade fosse maior? Depois de derrotar a doença, o câncer, eu o vejo querendo voltar para a linha de frente.
Não, não, não. Só tenho vontade de sobreviver. Há algum tempo me operaram de um câncer e graças a Deus me recuperei e tenho trabalhado muito, eu diria que mais do que quando era presidente. (…) O que eu quero fazer realmente é tentar, através do meu instituto, é contribuir para o desenvolvimento na América Latina, na África, com experiências de sucesso que temos alcançado no Brasil, porque sim, é possível cuidar dos pobres, e eles não custam muito dinheiro. Se você lhes dá acesso a recursos, eles se tornam consumidores e aí a indústria produz, o comércio vende, se cria emprego, mais salários, e assim se forma um círculo virtuoso em que se produz, se consome, se estuda, existe acesso à cultura …
Um círculo virtuoso com o qual os jovens no Brasil não parecem satisfeitos. Daí os protestos?
Isso é importante. E damos muito valor. Estes protestos são saudáveis. Um povo com fome não tem vontade de lutar. Quando 40 milhões de pessoas passaram para a classe média, quando em 2007 havia 48 milhões de pessoas que podiam viajar de avião e em 2013 esse número subiu para 103 milhões, um país que produziu 1,5 milhões de carros e agora chega a 3,8 milhões…
Muitos, se olharmos para os engarrafamentos de trânsito aqui em São Paulo. Mais Metrô e menos carros não seria mal.
Um país que era a décima maior economia do mundo.
Vê como tem preparadas as respostas…?
Deixe-me concluir o raciocínio… E que em 2016 será a quinta maior economia do mundo, produziu uma sociedade que quer mais, é normal. A sociedade descobriu que é possível querer mais. Conseguimos em 10 anos passar de 3 milhões de graduados universitários para 7 milhões. Em 10 anos, conseguimos mais do que havíamos conseguidos em todo século 20, e isso desperta na sociedade o fato de querer mais. Temos que louvar a participação democrática e não permitir que os jovens reneguem a política, porque quando isso acontece, o que vem é o fascismo. Queremos que os jovens discutam abertamente para que sintam que fora dela não há outro caminho.
Tenha cuidado com tanto universitário, vão aparecer técnicos demais.
Precisamos de bons profissionais…
Isso sim. O que está claro é que Dilma Rousseff entendeu bem o grito das ruas, tem se mostrado sensível, mas você também tem sido crítico de certas atitudes de seu próprio partido. Não estão sabendo digerir a situação?
O Partido dos Trabalhadores completou 33 anos de vida. Quando se chega a isso, quem começou aos 35 anos deve dar vez a uma nova geração. Este é um partido que foi criado pelos trabalhadores e dirigido por eles, e se tornou o mais importante na esquerda da América Latina.
Você disse hoje “esquerda”, mas em alguns momentos deu a entender que não é.
Você me faz outra pergunta quando não terminei a resposta anterior… Eu digo que o PT é o mais importante da esquerda latino-americana.
Mas não uma esquerda clássica?
Nós o estamos construindo com a nossa própria experiência. O que eu digo é que era um pequeno partido que mais tarde se tornou grande, e como tal, foram aparecendo defeitos. Gente que valoriza muito Parlamento; outros, os cargos públicos…
Com um grande processo de corrupção no meio.
Também, mas quando esse acabar entramosem outro. Queriadizer que as pessoas tendem a esquecer os tempos difíceis em que achávamos bonito carregar pedras. Acreditávamos, era maravilhoso. Um grupo mais ideológico, a gente trabalhava de graça, de manhã, de tarde, de noite. Agora você faz uma campanha e todo mundo quer cobrar. Não quero voltar às origens, mas gostaria que não nos esquecêssemos de para quê fomos criados. Por que queríamos chegar ao governo? Não para fazer igual aos outros, mas para agir de forma diferente.
E para que valha a frase que você repete insistentemente e pela qual o criticam tanto: “Nunca antes na história do Brasil…”. Mas você dizia que, no processo de crescimento…
A corrupção aparece.
Os partidos são como os seres vivos? Vão se deteriorando?
O que eu digo aos companheiros é que só há uma maneira de não ser investigado neste país: não cometer erros. Duvido que exista no mundo um país com o número de auditorias que o Brasil tem. Noventa por cento das denúncias que aparecem são feitas pelo próprio governo. Nós contratamos policiais, reforçamos os serviços secretos, fortalecemos o controle das contas públicas… Quanto mais transparência, melhor. O que não se pode admitir é que, depois que uma pessoa passa por um processo e não se descobre nada, não se peça desculpas. Por isso que eu me preocupo com essas condenações a priori. No caso dos companheiros do PT, já foram previamente condenados. Alguns meios de comunicação fizeram isso, independentemente do julgamento, incluindo prisão perpétua. Alguns nem podem sair na rua. Eu insisto: temos de ser 150% corretos, porque se estamos errados em 1%, aos olhos dos nossos adversários e alguns meios de comunicação, elevarão a uns 1,000%. Às vezes me queixo, mas acho bom que nos controlem. Muitas vezes nos criticam pelo que temos de bom. Como uma árvore, se separa a que não dá bons frutos.
Esta sua tolerância com os meios de comunicação que o atacam não poderia ser transferida a colegas seus da esquerda latino-americana que preferem fechá-los? Correa no Equador, Maduro na Venezuela, Cristina Fernández na Argentina…
Eu sou um democrata. Defendo a liberdade de imprensa. Sou o resultado disso. Nunca a imprensa brasileira falou bem de mim, mas nunca me importei. Nunca pedi favores, nem peço. Quem julga a imprensa são os leitores, o público. Mas em alguns países latino-americanos devemos adaptar as leis aos tempos que vivemos. No Brasil, existem nove famílias que controlam os meios de comunicação, o que mudou um pouco esse panorama foi a Internet. Não se trata de entrar em conteúdos, obviamente, mas sim democratizar, ampliar o acesso.
Você vai se candidatar em 2014?
Não. Eu tenho minha candidata, que é Dilma, e eu vou trabalhar para ela.
Imagine-se voltando e o panorama que se encontra agora. O que mudou na América Latina nas últimas décadas! Até que a Teologia da Libertação entrou no Vaticano de mãos com o papa Francisco. Que coisas!
Ninguém imaginava que na América Latina se produziriam tantas mudanças em tão pouco tempo. Mas isso aumenta a nossa responsabilidade. Quanto mais importante você é, mais obrigações deve assumir.
Verdade.
Voltando à Europa. Qualquer líder que está na oposição sabe as mudanças que devem ser aplicadas ao chegar ao cargo. Hollande, por exemplo, sabia durante a campanha.
Mas parece ter esquecido em alguns aspectos.
Tive uma conversa extraordinária com ele. Eu sou um amigo dele de antes. E lhe disse: você não pode esquecer o seu discurso ao se tornar presidente. Pegue suas propostas, marque-as, coloque-as na cabeceira da cama e não se esqueça nunca de por que te elegeram. A Obama comentei: você tem que limitar-se a mostrar a mesma coragem que mostrou o povo americano ao te eleger presidente.
Alguns podem pensar que tal conselho seriam bem vindos a você quando se tornou presidente e teve uma crise de pragmatismo.
Não, não, não. Tenho sido um político humilde. No meu discurso de posse eu formulei três coisas que mantive em todo meu mandato: primeira, fazer o necessário; depois, o possível; e, por último, quando menos esperamos, estaremos fazendo o impossível. Se ao final consegui que os brasileiros se levantassem e tomassem café, almoçassem e jantassem, cumpri a missão da minha vida.
A utopia possível? Sem nenhum problema?
Fizemos mais do que isso, ao definir o que queríamos.
Vejo o sonho de uma criança comendo pão pela primeira vez quando tinha sete anos. Isso me contaram.
Foi sim.
Como era essa criança?
Uma criança que foi criada por uma mãe que nasceu e morreu sem saber escrever a letra O.
Mas que suponho saber muitas outras coisas.
Como criar oito filhos ensinando-nos a ser perseverantes e a não se queixarem muito, mas sim que poderíamos conseguir cada vez mais. Quando as pessoas estão determinadas a fazer algo, elas fazem. O problema é que é mais fácil se acomodar. Na liturgia de um cargo, por exemplo, você se acomoda. Você se mata para ganhar uma eleição e entra em cerimonial que nem te ouve, cercado por uma equipe de segurança que informa quando, onde e que horas deve ir aos lugares. Pessoas nem sequer votaramem você… Cadagesto é determinado pela lógica da liturgia. Se você entrar nessa, não fará prometeu em campanha.
Como, por exemplo, colocar smoking no Palácio Real de Madrid?
Estava indo para uma recepção diante do Rei e me disseram que tinha de ir vestido assim, mas eu disse que me apresentaria com minha roupa normal porque eu não usava isso. Da mesma maneira, não se pode pedir a um líder africano que vista gravata ou ao rei Juan Carlos que colocou um turbante. Ele gostou, sempre me tratou muito bem. (…) Parece que tudo está escrito. Sei que às vezes essas regras são necessárias, mas não tanto. Marca uma estrutura de poder que sobrevive graças a isso.
Jamais se acostumou?
Não, e havia muitas pessoas que se aborrecia comigo porque eu não cumpria muitas coisas, mas eu me portava bem. Não saía para jantar, não passeava em museus para que a imprensa não dissesse que eu estava fazendo turismo… Valeu a pena.
O homem, um museu nunca é demais.
Sim, mas a imprensa diria de tudo.
Salvo o protocolo, existe algo do cargo que sinta falta?
Sou um homem de muitos relacionamentos. Gosto de política e eu gosto de pessoas. Manter boas relações com os governantes, tento estabelecer intimidade para quebrar essa distância, sempre fui de dar abraços, tenho saudades das amizades que fiz naqueles dias. Eu continuo viajando muito, falando mais… Mas pouco mais.
O que acontece? Há presidentes que não param de interferir em tudo.
Teria de perguntar a Dilma. Eu tomei a decisão de me afastar, viajei muito, depois veio a doença. Agora estou de volta, evito dar entrevistas, mas me sinto bem. Me orgulho de tudo que fiz na vida. Cumpri algo sonhava fazer. Muitas pessoas duvidaram que eu seria capaz de governar sem um diploma universitário, mas respondia que eu queria fazer para provar que ele era capaz de realizar muito mais do que eles.
Para a vida, estava preparado, e, portanto, para a política real, muito mais.
Sim, mas havia muitos preconceitos porque eu não falava Inglês ou Espanhol e, no entanto, o Brasil nunca teve uma política externa como na nossa época.
E sem bomba atômica. Embora você quisesse fortalecer seu país militarmente.
Por quê?
Não, nem tanto, o que acontece é que o Brasil deve ter forças armadas dignas de sua grandeza. Devemos proteger nossos campos de petróleo, nossa floresta, nosso fronteira oceânica e terrestre. Se formou um conselho de defesa para promover uma unidade militar como existe na política. Mas sem armas nucleares. A nossa Constituição proíbe a proliferação de armas nucleares. Não foi o Lula, é a Constituição. Somos pacifistas. Nós gostamos de política, samba, carnaval, mas não de bomba atômica.
Para ler o original em espanhol, clique aqui: http://elpais.com/elpais/2013/10/18/eps/1382107992_999726.html
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