Com jeito, mas sem concessões, o economista Paulo Nogueira Batista Jr., diretor indicado pelo Brasil e outros dez países para o FMI, explica e desmonta a crítica feita esta semana pelo Fundo Monetário Internacional à condução da política fiscal brasileira.
O jeito, mais que explicável por ser ele um dos diretores da instituição, não apenas evita a vassalagem como tem o mérito, frequente em Paulo, de não apelar para pedantismo e manobras verbais para ocultar o que se quer e o que se deve dizer. Ao contrário, é quase didático, mostrando que estamos, ao contrário do que se diz, numa posição sustentável e muito, muito melhor que há uma década.
Apenas um esclarecimento, para quem não domina o vocabulário econômico: quando se fala em “anticíclico”, fala-se em uma ação do Estado de estímulo, quando a atividade econômica, em razão de crises, tende a estagnar-se ou a reduzir-se.
No mais, é claro como água o que ele diz.
A crítica do FMI
Paulo Nogueira Batista Jr.
Teve repercussão a divulgação do relatório anual do FMI sobre a economia brasileira. Entre as críticas reproduzidas pelos jornais brasileiros destaca-se a de que estaria ocorrendo deterioração das contas públicas e gradual erosão da política fiscal.
Tem cabimento essa crítica? Um dos principais argumentos dos técnicos do Fundo é a diminuição do superávit primário nos anos recentes e os efeitos que isso teria no controle da demanda agregada e na sustentabilidade da dívida governamental a médio e longo prazos.
Deve-se reconhecer que essas preocupações podem ser relevantes. Em determinadas circunstâncias, a queda do superávit primário pode indicar que as políticas de gastos e tributária estão excessivamente frouxas, ameaçando o controle da inflação ou o equilíbrio das contas externas. Por outro lado, a queda do superávit, combinada com uma carga elevada de juros, pode levar a um déficit alto demais e ao rápido crescimento da dívida pública, ameaçando a solvência do governo.
Mas não parece que essas preocupações sejam centrais no caso atual do Brasil. A diminuição do superávit primário é em parte cíclica, pois reflete o efeito adverso do baixo crescimento da economia brasileira sobre a arrecadação de impostos. Além disso, a política fiscal foi utilizada — de forma moderada — como instrumento anticíclico em alguns períodos, para fazer face à desaceleração da economia. Assim, certa redução do superávit é normal e pode ser até bem-vinda.
O quadro fiscal está muito longe de perfeito, é claro. Mas não se deve perder de vista que houve certo fortalecimento das contas governamentais desde o início da década passada. O déficit público é baixo para padrões internacionais, tendo se reduzido de 5% do PIB em 2003 para 3% em 2013. A dívida pública iíqüida caiu de 60% do PIB em 2002 para menos de 35% atualmente. A dívida bruta — na definição discutível adotada pelo FMI — diminuiu de 80% para 68% do PIB no mesmo período.
A discrepância entre a queda das dívidas líquida e bruta se deve, em larga medida, à acumulação pelo Brasil de reservas internacionais desde 2006. Reflete também as transferências do Tesouro aos bancos públicos para financiamento dos investimentos na economia brasileira.
A forma de cálculo adotada pelo FMI tende a superestimar a dívida bruta, por incluir todos os títulos públicos na carteira do Banco Central, inclusive aqueles que não são usados em operações de absorção de liquidez e não representam passivos junto ao público. A diferença em relação à metodologia adotada pelo Banco Central desde 2008 é grande — o critério de cálculo do Fundo superestima a dívida bruta em quase dez pontos de percentagem do PIB.
A economia brasileira tem, sem dúvida, muitos problemas. Mas a erosão da política fiscal não parece estar entre os principais.
Por: Fernando Brito
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