O objetivo deste blog é discutir um projeto de desenvolvimento nacional para o Brasil. Esse projeto não brotará naturalmente das forças de mercado e sim de um engajamento político que direcionará os recursos do país na criação de uma nação soberana, desenvolvida e com justiça social.
domingo, julho 15, 2012
Empreiteiras terão incentivo para ampliar indústria bélica
Do Globo
Governo pretende aumentar exportação de armas e reforçar segurança nacional
Danilo Fariello
Túnel construído pela Odebrecht, em Itaguaí, por onde passarão as estruturas do submarino nuclear, fabricadas pela estatal Nuclep, até o estaleiro. Pedro Kirillos
BRASÍLIA - O Ministério da Defesa fez uma convocação e as maiores empreiteiras do Brasil já asseguraram participação no desenvolvimento da indústria de equipamentos de segurança nos próximos anos. Conforme a Lei 12.958, aprovada em março, os grupos que criarem subsidiárias no setor terão vantagens tributárias e condições especiais para intermediar a incorporação de compras do governo. Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez e Engevix, além da Embraer, já entraram no ramo. Os grupos Synergy e Camargo Corrêa negociam com parceiros estrangeiros o ingresso no mercado, no modelo adotado pelos outros grupos.
O Brasil hoje tem importância quase irrisória em um mercado que movimenta US$ 1,5 trilhão por ano no mundo e que, ao lado do setor farmacêutico, detém o maior orçamento global para pesquisa e desenvolvimento. Do setor, historicamente derivam tecnologias usadas no cotidiano, desde o Fusca até a ultrassonografia. Os focos principais do governo hoje são os setores nuclear, espacial e cibernético.
O Brasil já tem empresas com tradição no setor e reconhecidas internacionalmente, como Helibrás, Avibrás e CBC. Mas a maioria é pequena, com menos de 40 funcionários, e tem poder financeiro limitado para competir globalmente. Segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), só 10% das empresas que venderam ao Ministério da Defesa entre 2008 e 2010 fecharam negócios nos três anos seguidos, “expondo a inconstância das vendas mesmo para seu principal cliente, o Estado”, diz a entidade.
Decreto prevê conteúdo nacional
Ao aproximar essas empresas das empreiteiras, o governo quer criar grupos competitivos com fôlego para sobreviver diante das compras intermitentes das Forças Armadas. Assim, seria evitado que pequenas e promissoras empresas do setor fossem compradas por estrangeiras, como a AEL Sistemas, produtora de suprimentos de energia para satélites, vendida em 2001 para a israelense Elbit Systems.
— As empresas do setor são vulneráveis, porque o mercado é monopsônico: as vendas são só para nós e, quando elas vão exportar, dependem do aval do governo. É um problemaço, porque elas precisam sobreviver e eu compro pouco. Elas têm de partir para parcerias e dualidade (atendendo os setores militar e civil) — disse o general Aderico Visconte Pardi Mattioli, diretor do Departamento de Produtos de Defesa do ministério.
A primeira motivação das empresas para entrar no setor foi a indicação do governo de reaparelhamento das Forças Armadas no fim de 2008. Há hoje um orçamento de compras de R$ 70 bilhões até 2015 e outras dezenas de bilhões são previstas para até 2030.
A Odebrecht foi a primeira gigante a entrar no mercado em um contrato com a Marinha para, junto com a estatal Nuclep, construir o submarino nuclear brasileiro, orçado em R$ 9,6 bilhões. As obras já começaram em Itaguaí (RJ) e o valor envolvido despertou as concorrentes.
Essas empresas estão de olho não só nas obras de engenharia civil, mas também na tecnologia adquirida pelo governo nessas compras e na possibilidade de replicá-la exportando. Por isso, as empresas têm feito parcerias com estrangeiros. A Andrade Gutierrez se associou ao grupo francês Thales e a Engevix se uniu à alemã ThyssenKrupp, enquanto as outras negociam, por exemplo, com BAE Systems, do Reino Unido, e Finmecanica, da Itália. Procuradas, nenhuma das empresas brasileiras atendeu a pedidos de entrevista e algumas se limitaram a confirmar suas ações no segmento.
Pela lei, o governo criou a Empresa Estratégica de Defesa (EED), que terá desoneração equivalente às estrangeiras do setor, além de acesso diferenciado a procedimentos de licitação pelo Ministério da Defesa. Segundo minuta de decreto a que O GLOBO teve acesso, que regulamenta a lei 12.958 e deve ser publicado nas próximas semanas, terão essas vantagens de atuar como “integradoras” das compras do governo empresas brasileiras ou consórcios liderados por grupo nacional. O decreto prevê, ainda, o meio de oferta de condições especiais de financiamento pelo governo, o que está na lei.
O texto prevê o chamado Termo de Licitação Especial, um procedimento mais ágil para as EEDs exigindo delas, por exemplo, percentuais mínimos de conteúdo nacional, comprovação de capacidade inovadora e condição financeira para ter crédito.
Pela Estratégia Nacional de Defesa, que previu em 2008 as diretrizes para a formação da indústria nacional, o governo indica que, fomentando a ação desses grandes conglomerados no setor, o Brasil pode criar grupos capazes de exportar o suficiente para aumentar a balança comercial no futuro. Países periféricos aos grandes produtores de armamento na Europa e nos EUA, como Índia e China, têm investido bilhões por ano em importações para defesa.
Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde), o país tem potencial para, em 2030, exportar US$ 7 bilhões e atender o equivalente a US$ 4,4 bilhões no mercado interno. Em 2009, exportamos US$ 1 bilhão e, as vendas internas foram de US$ 1,7 bilhão.
O almirante Carlos Afonso Pierantoni Gambôa, vice-presidente executivo da Abimde, disse que o Brasil já é reconhecido internacionalmente por nichos de excelência, como aviação, armas não letais e pistolas. Ele lembra que o movimento trazido agora pelo governo já ocorreu em outros países hoje relevantes no setor.
Falta consenso entre empresas do setor
A estratégia do governo para fortalecer a indústria nacional de defesa, porém, não é consensual entre as empresas brasileiras. Para Jairo Cândido, diretor do Departamento de Indústria de Defesa da Fiesp, o governo não deveria adquirir a tecnologia para só depois decidir como será incorporada à indústria nacional. Para ele, também é “perverso” pôr lado a lado empresas do setor e grandes empreiteiras, sem que elas escolham uma vocação específica para o segmento:
— Aquilo que deveria servir à soberania nacional está virando só oportunidade de negócios, mas não deveria se limitar a isso. Grandes empresas têm muito a contribuir e sou a favor do ingresso delas no setor, mas antes têm de dizer o que farão na área de defesa.
Ter uma indústria de defesa relevante é passo significativo no longo caminho do Brasil em busca de assento cativo no Conselho de Segurança da ONU. Para o almirante Pierantoni, o Brasil ainda conta com a vantagem de não ter histórico de posições questionáveis em conflitos e de ser simpático ao mundo, de uma maneira geral:
— Mais difícil é superarmos o entrave cultural nacional dos militares, porque muitos ainda não vêem o equipamento brasileiro com bons olhos.
‘Haverá união das grandes empresas’
BRASÍLIA – De acordo com o general de divisão Aderico Visconte Pardi Mattioli, diretor do Departamento de Produtos de Defesa do Ministério, ao aproximar empreiteiras das empresas que já produzem equipamentos para o setor, cria-se um ambiente para desenvolvimento sustentável da indústria nacional de defesa. No ano passado, quando o ministério criou a Secretaria de Produtos de Defesa, as compras deixaram de ser feitas pelas Forças — Marinha, Exército ou Aeronáutica — para serem concentradas na pasta. Assim, tornou-se possível criar uma estratégia para desenvolvimento da indústria.
O GLOBO: Qual o foco principal do governo nas compras de produtos de defesa?
GENERAL ADERICO VISCONTE PARDI MATTIOLI: Todos os nossos produtos devem ter uma capacitação operacional, mas eu tenho um compromisso com o país de aumentar a nossa capacitação produtiva para chegar ao poder de dissuasão. A maioria dos países nunca conseguirá ter uma indústria, mas esse é um diferencial que temos. Eu posso me dar ao luxo de não ter o melhor radar do mundo, mas ter um radar que é meu. O mesmo vale para fuzis ou porta-aviões. Isso muda radicalmente a maneira de ver as coisas.
Formar uma indústria nacional é mais relevante pela visão de soberania ou pelo seu potencial econômico?
MATTIOLI: Não desconectamos a visão do poderio de defesa ao retorno econômico. O dia em que eu dissociar uma coisa da outra, estou perdido. Toda compra que faço fora do país tem de me trazer uma capacitação produtiva. É um mercado de difícil conquista, mas tenho de deixar de importar, produzir aqui e, se possível, exportar, o que contribuirá com meu balanço de pagamentos.
Por que atrair as grandes empresas, principalmente empreiteiras, para o setor?
MATTIOLI: A lei 12.598 deste ano traz a possibilidade de o setor de ciência e tecnologia em defesa poder trabalhar com dispensa de licitação. Assim, você sinaliza algo. A intenção da lei é dar soberania tecnológica para o país. Também a Estratégia Nacional de Defesa demonstra que o governo está se movimentando em satélites, cibernética, entre outras áreas. Eu vejo que haverá uma união de todas as grandes empresas do setor, como ocorreu na Europa. As empresas pequenas não conseguem responder por isso. Além disso, como a produção tem alto valor agregado e não há ativo significativo, qual a garantia para um banco privado ou o BNDES financiar essas empresas?
O Estado não poderia assumir essa função?
MATTIOLI: O Estado ainda tem uma dívida social muito grande, e tenho questionamentos da sociedade civil sobre a prioridade desses investimentos. As empresas, não. Elas entenderam que, tendo musculatura econômica, assumem essas empresas de risco, que hoje estão no vermelho, mas têm um potencial de azul muito grande. Elas assumem a licitação, o grande compromisso, os financiamentos, porque têm musculatura para isso. Essas empresas brotam de movimentos que nós estamos fazendo. Tem que ser uma empresa nacional integradora.
Quanto tempo demora para esse fortalecimento da indústria de defesa?
MATTIOLI: A linha do tempo é longa. A nossa plataforma de defesa teve início quando D. João VI veio com toda a sua capacitação intelectual em 1808. Ele monta uma indústria bélica para voltar para Portugal e se proteger enquanto estivesse aqui. Daí nasce a engenharia brasileira. Hoje, somos fortes em aviões, com uma capacitação que começou nos anos 1950. Se nosso submarino não consegue capacitação sozinho, temos, por outro lado, um terreno fértil (para seu desenvolvimento), porque temos, por exemplo, a possibilidade de uma empresa de construção produzir para ele edificações que não fissurem.
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