sexta-feira, março 28, 2014

Hora do Voto - 24/03/2014 (Alexandre Padilha)

Rússia dá início a nova fase na política externa

Em um discurso de uma hora feito durante a cerimônia de assinatura do acordo de reunificação com a Crimeia e Sevastopol, o presidente da Rússia, Vladímir Pútin, esboçou os princípios da nova política externa do país e resumiu o período de 25 anos após o fim da Guerra Fria.

Segundo Pútin, a Rússia está cansada de não ser vista como um parceiro igual pelo Ocidente. “Nós fomos enganados várias vezes, tomaram decisões pelas nossas costas, nos colocaram perante o fato consumado”, disse o presidente. “Foi assim com a expansão da Otan para o leste, com a implantação dos sistemas de defesa antimísseis e com a interminável procrastinação das negociações ​​sobre a questão dos vistos, assim como com as promessas de concorrência justa e o livre acesso aos mercados globais”, enumerou Pútin.
O presidente ressaltou que Moscou quer que as relações entre a Rússia e os países ocidentais “sejam igualitárias, abertas e honestas” e acrescentou que a Rússia tem uma posição independente no cenário mundial e pretende defendê-la com todos os meios disponíveis.

“Nós não concordamos mais com o fato de apenas um país poder violar o direito internacional. Com o fato de apenas um país poder apelar para as realidades da política internacional a fim de proteger os seus interesses nacionais”, disse o vice-diretor do Centro de Estudos Europeus e Internacionais da Escola Superior de Economia de Moscou, Dmítri Suslov.
Em seu discurso, Pútin deu a entender que agora a Rússia vai se comportar como os EUA: “Por que razão aquilo que os albaneses do Kosovo podem fazer não pode ser feito pelos russos, ucranianos e tártaros na Crimeia?”.
Nosso povo, nossos interesses
A segurança dos russos no exterior foi outro elemento importante no discurso de Pútin. O Kremlin se proclamou protetor dos russos que, após o colapso da União Soviética, acabaram espalhados por diversos países. “Milhões de russos foram dormir em um país e acordaram em um lugar estrangeiro... o povo russo se tornou uma das maiores, se não a maior, nação dividida do mundo”, disse Pútin.

Se antes Moscou preferia agir por meio de instituições supranacionais de integração, como a Comunidade Econômica Euroasiática, agora, depois das tentativas do Ocidente de afastar a Ucrânia da Rússia através de um golpe de Estado, o governo russo se declarou disposto a proteger os interesses e a segurança de seu povo das formas mais radicais.
“Pútin falou de uma eventual revisão das fronteiras existentes na ex-União Soviética em caso de ameaça àquilo a que o próprio presidente da Rússia chama de ‘mundo russo’”, explicou o analista político russo Serguêi Markedonov.

Tais declarações intensificaram os temores dos países ocidentais e a apreensão de alguns países parceiros da CEI (Comunidade dos Estados Independentes), em particular do Cazaquistão, cuja região norte é povoada por russos. No entanto, especialistas acreditam que esses receios são prematuros. “A Rússia não vai iniciar conflitos ao longo de suas fronteiras”, disse Markedonov. “Mas a situação com a Crimeia mostrou que se houver ameaças, haverá reação. E se até a reunificação da Crimeia Moscou estava pronto para considerar as fobias e preocupações do Ocidente, agora ele coloca os seus próprios interesses em primeiro lugar.”

É necessário negociar
O discurso de Pútin causou surpresa em países da Europa e nos Estados Unidos. “O Ocidente olha com crescente apreensão para a mudança na política externa russa, estamos falando cada vez mais de um retorno ao confronto ou mesmo de uma nova Guerra Fria com a Rússia”, explicou o vice-presidente da fundação norte-americana Carnegie, Andrew Weiss. “Moscou já não é mais capaz de trabalhar como antes com os parceiros ocidentais. Após a anexação da Crimeia por Moscou, o Ocidente irá mudar sua forma de pensar em relação à Rússia. No que vai consistir essa nova forma de pensar, ainda é muito cedo para dizer. Estamos apenas no início do processo”, completou.
No entanto, em seu discurso, Pútin deu a entender que esta nova forma de pensar a política externa não precisa ser de confronto: ele não pretende transformar a Rússia em um centro de antiamericanismo e fonte de instabilidade do mundo.
“No discurso de Putin, o mais importante foi o resumo do período após o colapso da URSS”, disse o editor-chefe da revista “Rússia na Política Global”, Fiódor Lukianov. “É claro que agora não está se falando da restauração da União Soviética, mas da recusa de ver o que aconteceu como o desfecho fatal do processo. Moscou considera o processo do fim da Guerra Fria incompleto e pretende ajustar os seus resultados intermediários. Não necessariamente no sentido da revisão das fronteiras. A Crimeia é antes um caso único do que um modelo. O principal aqui é a reavaliação moral e política”, disse Lukianov.


Além disso, o Kremlin entende que ninguém sairá ganhando com o agravamento das relações entre a Rússia e os EUA e Europa. Por isso, percebe-se no discurso de Pútin um tom conciliador. O presidente russo tentou mostrar que existem mais questões além da Ucrânia e que há outros problemas no mundo que a Rússia e o Ocidente precisam resolver juntos.
"Os esforços dos EUA para impedir a reintegração têm um caráter artificial, de inércia. Se formos capazes de chegar a um entendimento de que a unificação dessas terras por parte de Moscou não cria nenhum polo de poder antiamericano, então uma nova definição de fronteiras poderá se tornar a garantia para a cooperação em questões transnacionais, principalmente no que diz respeito ao Afeganistão, ao leste da Ásia e ao Oriente Médio”, disse Suslov.
Contudo, os EUA ainda não estão dispostos, por enquanto, a aceitar a nova política externa da Rússia. “Não vale a pena esperar que o Ocidente reconheça a Ucrânia como uma parte da esfera de influência da Rússia. Esse seria um passo para trás do ponto de vistas dos últimos 20 anos de integração da Ucrânia no espaço transatlântico”, opinou Andrew Weiss.
No entanto, esta posição não é construtiva e está repleta de novos desafios. "O Ocidente pode, é claro, continuar a recusar essas negociações, mas isso implica grande desestabilização da situação na Europa. É preciso pôr fim à incerteza e às omissões que persistiram após a Guerra Fria", acredita Dmítri Suslov.

quarta-feira, março 26, 2014

Por trás da CPI da Petrobras, um outro megacampo de petróleo, maior que Libra

Autor: Fernando Brito

Não surpreende a aliança de sangue entre Aécio Neves e Eduardo Campos pela CPI da Petrobras.

Quem leu a história do diálogo entre José Serra e Patrícia Pradal, diretora da Chevron, às vésperas da eleição de 2010, onde o tucano pedia paciência porque, no Governo, desfaria a regra dos contratos de partilha e devolveria o pré-sal ao regime de concessão entreguista de Fernando Henrique Cardoso deveria saber que, a cada eleição presidencial, coloca-se em jogo o grande “cofre público” que representam as megajazidas de petróleo encontradas no litoral brasileiro.

Sempre é bom repetir: as maiores descobertas no século 21, ao ponto de fazerem a Agência Internacional de Energia prever que virá mais petróleo “novo” do Brasil do que do Oriente médio nos próximos 10 anos, e tanto quanto do xisto norte americano, a nova grande fronteira energética mundial.

Em 2010, a jóia da coroa que o candidato a Rei procurava usar como penhor de sua ascensão ao poder chamava-se Libra, com seus 10 bilhões de barris em reservas.

Em 2014, chama-se Franco (se seu complexo de campos semi-contíguos, Florim e o Entorno de Iara) com mais de 12 bilhões de barris.

Em 2010, também travou-se uma batalha prévia, igualmente com uma CPI da Petrobras (alguém consegue lembrar o pretexto desta CPI?) que visava inviabilizar politicamente a adoção do modelo de partilha, que custou duras penas ao Governo Lula ver aprovado no Congresso.

Agora, a batalha política é para inviabilizar, com o enfraquecimento da Petrobras, a decisão que terá de ser tomada, até setembro, de estender – ou não – a entrega da exploração desta nova mega-reserva de petróleo à Petrobras, que dela só tem assegurados 5 bilhões de barris, concedidos à empresa como cessão onerosa no processo de capitalização feito àquela época.

Estender a cessão onerosa de toda a área à Petrobras seria o natural, mas como fazê-lo se a empresa é pintada como fraca, semi-falida e, pior, desacreditada por escândalos fabricados?

Param por aí as semelhanças e começam as dessemelhanças, que colocam em risco esta imensa riqueza, que os cochichos oposicionistas, como ocorreu com Serra, desfilam aos olhos famintos dos interesses internacionais.

É que em 2010 esta batalha se desenvolvia diante dos olhos do povo brasileiro, embora só com os telegramas do Wikileaks tenhamos sabido dos detalhes dos encontros com os representantes das “potências estrangeiras”.

Agora, a pretexto de prudência, procura-se manter um segredo de polichinelo sobre o tamanho desta riqueza, com a vã ilusão de que, assim, haverá condições administrativas melhores para transferi-las integralmente à Petrobras.
Segredo é apenas para o povo brasileiro, porque todo o “mercado” já sabe daquelas potencialidade e da intenção de que fique com a nossa petroleira.

Como, porém, o Brasil e a Petrobras têm administrações que se preocupam em ser “essencialmente técnicas”, esperam, antes de falar disso, equacionar todas as condições de viabilidade da exploração daquele tesouro.
Não compreendem que esta viabilidade é, essencialmente, política, embora vá expressar-se em dinheiro, sondas, navios, dutos e outros equipamentos.

O petróleo está lá, tudo isso é necessário para tirá-lo (e às vezes é preciso pedir ajuda, como este blog não hesitou em defender quando do leilão de Libra), mas o essencial, para tê-lo, é saber que é nosso e que é preciso retirá-lo de forma a que seus frutos venham para o povo brasileiro.

No seu terceiro ano de governo, Fernando Henrique teve força para desfazer um dogma histórico fundado pelas ruas com a campanha do Petróleo é Nosso e parido pela mão de Getúlio Vargas.
Como é que outro Governo não teria força para revogar um simples regime de partilha e abrir este megacampo (e tudo o que ainda está por ser descoberto) ao capital estrangeiro?

Lula travou a batalha do pré-sal diante dos olhos dos brasileiros.

Por melhor que seja como gerentes e por mais comprometidas que sejam com a defesa da Petrobras, Dilma Roussef e Graça Foster, a presidente da empresa, devem entender que a fonte da energia da Petrobras é o desejo de progresso e soberania do povo brasileiro.

Se as razões profundas das sucessivas “ondas” contra a Petrobras nãos forem mostradas ao Brasil, não há peito forte o suficiente para arrostá-las.

A virtude de um líder não é fazer sozinho, substituindo-se ao povo.

É ser a chama que acende a vontade profunda deste povo e confiar na sabedoria coletiva que, quando sabe o que se passa, não erra ao decidir.

EUA reclamam 5 mil milhões de dólares de indemnização à Standard & Poor’s

O procurador-geral americano diz que a conduta da agência foi "escandalosa" e acusa-a de ter tido um papel importante na crise financeira.

A Administração norte-americana vai reclamar à Standard & Poor’s uma indemnização de cinco mil milhões de dólares (o equivalente a 3,7 mil milhões de euros). O processo tem como base o papel que a agência de rating desempenhou na crise financeira que eclodiu em 2008 e a acusação centra-se na prática de fraude junto dos investidores.

A Standard & Poor’s, segundo a acusação, terá inflacionado os ratings atribuídos aos chamados produtos tóxicos (derivados financeiros que tinham na base uma hipoteca) e negligenciou os riscos que lhes estavam associados. Esta combinação de análises acabou por ditar fortes perdas para milhões de investidores quando o preço das casas começou a cair e o negócio do subprime ruiu.

“Posto de forma simples, esta alegada conduta foi escandalosa”, afirmou nesta terça-feira o procurador-geral (equivalente a ministro da Justiça) norte-americano, Eric Holder. O responsável não esclareceu por que é que as duas outras agências de rating dos Estados Unidos, a Moody’s e a Fitch, não foram alvo de processos.

Para além da Administração federal, também os governos de 16 estados estão a processar a agência, que é acusada de ter manipulado os ratings para agradar e conseguir mais negócios dos bancos de investimento que criaram a gama tóxica de derivados financeiros.

A Standard & Poor’s emitiu ontem um comunicado onde nega as acusações do Governo e promete uma defesa “vigorosa” em tribunal.

EUA avançam para tribunal para responsabilizar S&P de fraude que levou à crise económica

FÉLIX RIBEIRO 05/02/2013
Está em movimento o primeiro grande processo judicial nos EUA contra uma agência de rating. EUA acusam Standard & Poor's de fraude civil na crise do subprime.


O Departamento de Justiça norte-americano deu início a um processo de fraude contra a Standard & Poor’s na segunda-feira, por considerar que a agência de rating ignorou as fragilidades dos investimentos em produtos financeiros hipotecários durante o período que antecedeu a crise económica de 2008.

Tal como refere o New York Times, este é o primeiro grande processo norte-americana para a responsabilização de uma agência de rating face à crise do subprime. Esta crise esteve na raiz da explosão da bolha do mercado imobiliário norte-americano, em 2008, que levaria à propagação mundial da crise económica.

Os EUA acusam agora a maior agência de rating norte-americana de ter classificado os agregados de créditos hipotecários conhecidos como subprime com a classificação mais alta de triplo-A, quando estes apresentavam um risco muito maior. Com base no alto rating que estes subprime tinham conseguido junto da S&P, os investidores reforçaram o seu apetite.

Mas, na realidade, estes produtos financeiros não apresentavam a segurança que a agência norte-americana garantia através do selo de qualidade triplo-A, o que levou a que os investidores não conseguissem reaver o seu investimento. A par deste fenómeno encontrava-se então uma acelerada corrida ao mercado hipotecário, o que contribuiu para o engordar da bolha do mercado imobiliário.

“[A S&P] conscientemente e com a intenção de defraudar, participou e executou um esquema para defraudar os investidores”, lê-se no documento apresentado aos tribunais na segunda-feira pelo Departamento de Justiça dos EUA, citado pelo New York Times.

O órgão de justiça norte-americano vai mais longe e afirma que a S&P passou a falsa ideia de que as suas classificações “eram objectivas, independentes e que não eram influenciadas por conflitos de interesses”. As acusações dirigem-se também à empresa-mãe da agência de rating, a McGraw-Hill Companies. Ao processo de acusação espera-se ainda que se juntem à volta de 12 procuradores estatais e que o regulador financeiro norte-americano apresente um processo em separado.

Processo arrasta-se há três anos
O Departamento de Justiça estava há três anos a negociar um acordo com a Standard & Poor’s que evitasse o processo judicial. Mas o acordo terá falhado definitivamente há cerca de três semanas, com a recusa da agência de rating em pagar uma indemnização de mil milhões de dólares (cerca de 737 milhões de euros) que tolheria os lucros de um ano à empresa-mãe, McGraw-Hill.

Em contraponto à indemnização exigida pelos EUA, a McGraw-Hill terá sugerido uma multa de 100 milhões de dólares (cerca de 73 milhões de euros), segundo fontes ligadas ao processo ouvidas pelo diário nova-iorquino. Dentro deste acordo, a agência de rating procurava também não ter que admitir ou confirmar a sua culpa nas acusações para evitar responsabilizar-se frente a eventuais novas acusações, algo que não foi aceite pelos responsáveis do Governo nas negociações.

Com o falhanço das negociações, entrou em acção o processo de fraude civil.

S&P recusa responsabilidade
Como escreve o Washington Post, a Standard & Poor’s antecipou-se à confirmação oficial do processo de fraude civil, que foi avançado pelo Wall Street Journal.

Num comunicado enviado aos órgãos de comunicação dos EUA, a agência de rating “parece ter delineado a sua táctica judicial para o processo”, como escreve a jornalista do Washington Post Jia Lynn Yang. Esta táctica deve passar por recusar responsabilidade ao apontar o mesmo erro a outras agências de rating e ao atribuir esse erro a falta de informação sobre os compostos financeiros avaliados.

terça-feira, março 25, 2014

O Gato e a Lebre O México é um país pobre e desigual

Em dezembro do ano passado, em sua última mudança significativa das suas notas de crédito antes da de ontem, que rebaixou o Brasil (de BBB para BBB-), a agência classificadora de risco Standard & Poor’s elevou o “rating” do México de BBB para BBB+.
Um artigo publicado hoje por Mauro Santayanna no Jornal do Brasil ajuda a entender porque o país se tornou o “queridinho” dos mercados sem exibir um sucesso econômico quue se reflita nos padrões de vida de seu povo.
O “prêmio de bom-comportamento” do México é, essencialmente, ter feito o que Fernando Henrique fez no Brasil em 1997: abrir a exploração de petróleo aos grupos estrangeiros.
Santayanna é o melhor remédio contra o discursoo que a direita brasileira se prepara para fazer; o da “mexicanização” do Brasil.
Isso inclui, além do petróleo, acordos comerciais lesivos, com o abandono das parcerias no Mercosul e “fllexibilização” dos direitos trabalhistas para que se possa usar o Brasil como plataforma de montagem de produtos para a exportaçãoo, o que definirão com o nome de “reindustrialização” do país.
O mundo está mudando, mas não mudou e nem mudaram os interesses que fazem “money makes the world go around”.


O Gato e a Lebre

O México é um país pobre e desigual

Mauro Santayanna


A OCDE – Organização para o Comércio e o Desenvolvimento Econômico, divulgou um relatório, na última terça-feira, classificando o México e o Chile, ambos formalmente sócios da “Aliança do Pacífico”, como os dois países com maior desigualdade do grupo.

Até aí, nada a estranhar, a OCDE reúne países teoricamente desenvolvidos, que exibem dados sociais – remanescentes do período anterior à crise economia – melhores do que a da maioria dos países latino-americanos, mas eles tem se deteriorado rapidamente nos últimos anos.

A dívida explodiu entre os 34 membros da OCDE, principalmente os PIIGS (Portugal, Itália, Irlanda e Espanha). E o desemprego aumentou para um total de 48 milhões de pessoas, 15 milhões a mais do que em 2007, alcançando em alguns lugares, como a própria Espanha, taxas próximas a 30%.

O Chile – costumeiramente apresentado como um “milagre” latino-americano, que muitos atribuem a Pinochet – consegue ser ainda mais desigual que o México.

Mas o México perde para o Chile em renda. A sua é a menor da OCDE, e uma das mais baixas entre os países latino-americanos.

O país de Zapata, também cantado pela mídia como “exemplo” para o continente, tem, segundo estatística do FMI de 2012, renda menor que a do Chile, Uruguai, Brasil, Argentina e Venezuela.

E o pior, no lugar de crescer, ela tem diminuído nos últimos três anos. Isso, considerando-se que o México não conta com uma legislação trabalhista ou uma rede de proteção social, ou programas de renda mínima, que possam garantir um mínimo de dignidade para a população.

Na nação dos tacos e da tequila – o que explica parte de seu “sucesso” manufatureiro na montagem e maquiagem, com peças de terceiros, de produtos destinados aos Estados Unidos – sequer existe seguro-desemprego.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho, quase 60% dos empregos no México são informais, contra 28% na Argentina, 34% no Brasil, 45% na Colômbia, e 45% no Peru. E quatro em cada dez cidadãos mexicanos não conseguem dinheiro para pagar uma cesta básica a cada 30 dias.

Como faziam os meios de comunicação espanhóis, que achavam que a Espanha estava uma maravilha, quando na verdade, já estava sendo engolida pela crise, os jornais mexicanos se gabam do país ter entrado para o NAFTA, o acordo que os uniu, economicamente, ao Canadá e aos Estados Unidos, e de terem assinado, com outros países, dezenas de acordos bilaterais de livre comércio.

Mas não falam dos déficits históricos em sua balança comercial, que sua renda per capita está praticamente estagnada há mais de duas décadas, e que seu poder de compra tem caído, no lugar de aumentar, nos últimos anos.
O problema da fome, do abastecimento e da inflação de alimentos também é muito grave no membro mais pobre do NAFTA.
Muita gente acha que o Brasil tem que parar de mandar alimentos para a Venezuela, mas não sabe que o governo mexicano está ultimando a compra, em nosso país, em caráter emergencial, de 300.000 toneladas de frango, para impedir que o preço das proteínas exploda, e que falte comida nos supermercados.

Muitos mexicanos também acreditam na balela de que o México é grande exportador de manufaturas, enquanto o Brasil só exporta commodities – esquecendo-se que somos o terceiro maior fabricante e vendedor global de aviões.
O fato de que sejamos o maior exportador mundial de suco de laranja, café, açúcar, carnes, – além de primeiro em minério de ferro e o segundo em etanol – e de que tenhamos triplicado nossa safra de grãos nos últimos 12 anos e estejamos a ponto de ultrapassar os EUA como o maior exportador de soja do mundo, só quer dizer uma coisa: soubemos dar mais valor à segurança alimentar do que outros países latino-americanos, e hoje temos comida para abastecer nossa mesa, e para vender para o resto do mundo.

Na hora de ler os jornais, ouvir o rádio, ou ver os noticiários de televisão, ao ouvir falar das ”reformas” e de supostos avanços mexicanos com relação ao Brasil – quando eles cresceram a metade do nosso PIB no último ano – é bom ficar com o pé atrás e colocar as barbas de molho.

Não podemos comer gato por lebre, e seguir os passos dos mexicanos, que venderam a alma ao diabo, ao se agregar – como pouco mais que escravos e camareiros – ao sistema econômico norte-americano.

Ao nos oferecer acordos semelhantes, como a UE está fazendo agora – e os EUA tentarão fazer logo em seguida – os países “ocidentais” não vão abrir seus mercados para nossas manufaturas – pelo contrário, eles têm reduzido suas compras e aumentado as vendas para cá nos últimos anos. Irão apenas tomar, implacavelmente, das nossas indústrias, o mercado sul-americano.

A “nota” da Standard & Poor’s: a economia “é a política, estúpido”…

O noticiário econômico dos últimos dias, afora o que é simples alarmismo, foi positivo.

O PIB surpreendeu os analistas, subindo mais que o esperado.

Os serviços cresceram, a indústria cresceu, a inflação manteve-se sob controle.

O governo dançou direitinho a música do capital, aumentou juros mês após mês, até o nível absurdo a que chegamos.
Mas a fome dos lobos é insaciável e o cordeiro ganhou a mordida merecida.

A tal “agência de risco” Standard & Poor’s baixou a “nota” do país.

Nem é o caso de discutir a seriedade destas agências, que não perceberam a crise de 2008 debaixo do nariz delas.
Ou de lembrar que essa nota foi dada já em pleno Governo Dilma, em novembro de 2011, sem que tenha contribuído em nada para a economia brasileira avançar.

Ou ainda que a nota, agora, é a mesma que tínhamos em pleno “boom” econômico de 2010.

A economia, agora, é a política, dir-se-ia aos estúpidos.

A mídia, amanhã, comemorará e cantará a ópera do caos.

“Eu não disse?”

E o povo brasileiro procurará a voz de seus líderes e não a encontrará, como já não encontra há alguns meses.
Ouve-se um uníssono.

E não se ouve a polêmica.

E a política, este blog escreve lá em cima, todas as horas e dias, sem polêmica, é a arma poderosa das elites.

A reunificação da Crimeia e os interesses geopolíticos

25/03/2014 Vladímir Pozner, jornalista
A reunificação - ou anexação, dependendo das preferências políticas - da Crimeia é resultado de mais de vinte anos de relações entre a Rússia e os Estados Unidos. Excluo a Europa, que se limita a um todo geográfico, mas não político. Houve um tempo em que ela sonhava com uma Constituição unificada, com os Estados Unidos da Europa, capazes de competirem com os EUA e a China, mas esses sonhos não passaram disso mesmo: de sonhos.


Quando a União Soviética caiu no esquecimento ficou claro, embora não formalmente reconhecido, que a Rússia havia perdido a Guerra Fria para os EUA. E do lado destes últimos surgiram expectativas de que a parte perdedora fosse se comportar exatamente como devem se comportar aqueles que perdem, que logo ela estaria seguindo as regras ocidentais do jogo, que seria receptiva à mentalidade ocidental e que iria crescer bem calminha sem voltar nunca mais à grandeza do passado.

Essas expectativas não se concretizaram. A Rússia não foi receptiva nem aos valores ocidentais, nem à mentalidade ocidental. E não porque tenha permanecido prisioneira do seu passado soviético, mas por um motivo bem mais sério: porque as origens da Rússia estão no cristianismo oriental, bizantino, ao contrário do Ocidente, cujas fontes remontam a Roma, ao cristianismo ocidental. Entre estas duas mentalidades e valores existe um abismo. Essa foi a primeira razão.

Balança de sanções e promessas

Em segundo lugar, a Rússia, que estava de joelhos, começou a se levantar bem mais rápido do que se esperava, em grande parte por conta dos inesperados altos preços do petróleo. Em terceiro lugar, rapidamente ficou claro que a Rússia não ia se comportar como um país derrotado. O primeiro sinal disso foi o conflito que resultou da decisão da Otan de bombardear a Iugoslávia, à qual a Rússia se opôs abertamente. Por outro lado, lembramos que nem o Conselho de Segurança da ONU, nem a União Europeia, deram o seu aval para esses bombardeios. Os EUA tomaram a decisão, dizendo à Rússia que davam conta do recado sem ela. A partir desse acontecimento verificamos um acúmulo de desentendimentos entre os EUA e a Rússia, sendo que em todos eles os Estados Unidos assumiram uma posição de força. A irritação foi aumentando em ambos os lados: nos EUA, porque a Rússia não se comportava "como devia", e na Rússia, porque o governo norte-americano não lhe prestava contas, considerando-o claramente como um país de segunda categoria.

Durante todo esse tempo os EUA tentaram – sem sucesso – pressionar a Rússia a sair daquelas regiões que ela tradicionalmente considerava como sua esfera de influência: o Cáucaso, a Ásia Central, o Oriente Médio e a Europa do Leste. A Rússia não tinha resposta para isso (leia-se: forças), embora o uso extremamente hábil de erros norte-americanos lhe permitiu aumentar fortemente a sua popularidade no mundo árabe, em países como a Síria e o Irã.

Mas o que a Rússia não poderia tolerar em hipótese alguma era o desejo dos EUA de tomar o seu lugar na Ucrânia. E a questão não estava apenas no temor de a Ucrânia se tornar membro da Otan, cujas tropas, nesse caso, ficariam às portas da fronteira sudoeste da Rússia. A questão estava (e está) na profunda crença psicológica de que a Ucrânia é "nossa" e que os ucranianos são "nossos" (tente imaginar por um momento que ocorreu uma revolução no México e que o novo líder mexicano convidou a Rússia a colocar parte de suas Forças Armadas ao longo da fronteira entre o país e os EUA. Consegue imaginar? As consequências ficaram claras?).

Partitura clássica para consertar nações

Enquanto isso, os conflitos que ocorriam na Ucrânia sacudiam cada vez mais o país. A chegada de Viktor Iuchenko [presidente da Ucrânia entre 2005 e 2010] ao poder não só não trouxe salvação à Ucrânia, como mergulhou o país no caos. Nas eleições presidenciais seguintes, Iuchenko obteve 5% dos votos. É evidente que a eleição de Viktor Ianukovitch [presidente que foi deposto no final de fevereiro passado, em meio à crise no país] foi resultado do voto de protesto. Com Ianukovitch, a independência da Ucrânia se aproximou do zero, a corrupção atingiu um tal nível que, em comparação, a corrupção russa ficou parecendo brincadeira de criança. O descontentamento popular não parou de crescer, mas...

Tudo isso foi interpretado pela liderança russa como uma nova confirmação daquilo que vem acontecendo nos últimos vinte anos: o Ocidente impõe as suas decisões e se recusa por completo em seus atos (mas não nas palavras) a levar em conta os interesses da Rússia – neste caso, em uma região que durante séculos fez parte do chamado "mundo russo". Só uma pessoa muito limitada poderia duvidar que a resposta não tardasse. E ela não tardou. Eu não excluo a possibilidade de que era precisamente com isto que os EUA estavam contando, para aproveitar a situação e, até certo ponto, voltar para o estado psicológico da Guerra Fria. Não estou afirmando que foi o que aconteceu, tampouco estou excluindo: ficou penoso para os EUA ver o papel proeminente que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, passou a desempenhar, a ponto de ser reconhecido como "o político mais influente do ano", "o homem do ano" etc.

E quanto à Crimeia? Será necessário lembrar que, a rigor, a Crimeia nunca fez parte da Ucrânia? A Presidência do Conselho Supremo, que deveria ter aprovado a decisão de Nikita Khrushchev sobre a transferência da Crimeia do território da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) para a RSSU (República Socialista Soviética da Ucrânia), votou com apenas 13 votos. A Presidência era formada por 27 pessoas e, por isso, não houve quorum (os outros 14 simplesmente faltaram à votação). Mas a questão não está nos artifícios legais. A questão está na tomada de decisão de que qualquer negociação com o Ocidente é inútil, de que chegou a hora de dar a entender que os interesses nacionais da Rússia não podem ser tratados desse modo. E o fato de a Crimeia (para não mencionar Sevastopol) pertencer histórica e eticamente à Rússia, de os habitantes da Crimeia, na sua esmagadora maioria, se voltarem para a Rússia, era perfeitamente claro. E a decisão foi tomada.

Confira mais opiniões


Em seguida poderíamos discutir a questão dos prós e dos contras. Mas eu insisto que tais discussões devem se basear em conhecimento e na sóbria compreensão daquilo que aconteceu e está acontecendo.

A postura do Ocidente em tudo o que aconteceu não tem nada a ver nem com o desejo de proteger os direitos humanos na Ucrânia, nem com nenhuma preocupação com a preservação da integridade do país. Ela tem a ver com interesses estratégicos geopolíticos. E a ação da Rússia, em minha opinião, não foi de todo ditada pelo desejo de "proteger os russos, os ucranianos e os tártaros da Crimeia", mas pela mesma razão: devido a interesses geopolíticos e nacionais.

Publicado originalmente em pozneronline.ru

segunda-feira, março 24, 2014

A guerra pela Petrobras é pelo controle do Brasil

Fernando Brito

“Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma.”
Carta Testamento de Getúlio Vargas, 24/08/1954
Há uma semana que o amigo leitor e a cara leitora não leem nada nas manchetes dos jornais que não seja a tal compra da refinaria de Pasadena pela Petrobras.

Opiniões, valores, declarações, suspeitas…

E quais são as suspeitas, afinal?

Até agora, tudo o que que o negócio que, no máximo, teria sido desvantajoso para a empresa diante das mudanças no mercado de petróleo – como pode ocorrer em qualquer grande empresa num ramo de risco.
margensAliás, o valor de uma refinaria, ligado à margem de lucro que ela produz ao refinar petróleo, é a gangorra que de 2011, mostrando que o ganho por barril refinado variou “apenas” entre mais de US$ 20 e US$ 5. Quatro vezes, “só”.

É óbvio que os estudos que embasaram a compra da refinaria, que se aprofundaram depois de uma carta de intenções de setembro de 2005, levaram em conta as margens de lucro médias vigentes no período, sempre muito altas, exceto no final de 2006, logo após sua compra quando houve – registra o Washington Post, “um colapso no lucro margens de refinarias de petróleo e uma queda de US $ 17 o barril nos preços do petróleo desde agosto”.

Como você vê no gráfico foi, como se previa, uma baixa pouco duradoura, numa expansão que continuou até a crise de 2008, quando, aí sim, as margens de lucro caíram de forma duradoura.

Portanto, foi, à época, um negócio dentro dos parâmetros de mercado.

É bom lembrar que, mesmo antes do pré-sal, época em que foi efetuada a compra, o Brasil tinha (e ainda tem) um enorme déficit em sua capacidade de refino.

Não se fazia nenhuma nova refinaria no país desde o início dos anos 80, exceto a pequena Clara Camarão, no Rio Grande do Norte. Isso não era fruto de uma incapacidade técnica ou financeira da Petrobras em fazer novas plantas, mas uma determinação do governo Fernando Henrique para forçar a entrada do capital estrangeiro no setor de refino.

Basta ler este parágrafo da revista Petroequímica, especializada no setor, de agosto de 2011.

“A Petrobras tem firmado com a Agência Nacional do Petróleo uma capacidade máxima de refino — 1,8 milhão de barris/dia até 2005, quando o consumo deverá estar girando em torno de 2,3 milhões de barris diários. Assim, a ANP quer abrir espaço para a concorrência – a rigor, hoje a Petrobras detém 98% desse mercado no país. “

Então, nos primeiros anos do Governo Lula, além de avançar nos projetos de novas refinarias, a Petrobras precisava de refino rápido, urgentemente. E comprar refinarias, na ocasião e hoje, ainda é mais barato que construí-las, mesmo que exigissem altos investimentos em sua modernização. Aliás, muito mais barato.
O que dá dinheiro, mesmo, no petróleo, é extrair e vender, tanto que as grandes empresas caíram fora do setor de refino faz tempo.
A Petrobras o amplia porque tem compromisso com o abastecimento interno e entende que a atividade de refino é um forte motor da atividade econômica interna e porque as descobertas do pré-sal vão mudar o perfil majoritário do petróleo brasileiro de pesado para leve,

Toda essa informação é para que o leitor saiba que, fora de um clima de histeria e politicagem, a compra da refinaria de Pasadena pela Petrobras – teve todas as justificativas técnicas e financeiras para ser feita e a forma e valor de aquisição foi aprovado apenas depois de estudos e pareceres internos e externos que a alicerçassem.

O assunto não é novo e sequer tem peso na politica de investimentos da companhia: menos de 1% do que empresa investiu, seja no ano da primeira compra seja assumindo, por determinação de corte arbitral, sua segunda metade.

A discussão técnico-econômica pode ser muita mais aprofundada, mas sempre vai refletir estes aspectos essenciais.
A questão virou, porém, político eleitoral.

Toma esse vulto, apenas, porque a Petrobras é, no fundo, o centro de nossa campanha eleitoral.

Ela tornou-se ainda mais a coluna vertebral do processo de desenvolvimento nacional soberano, com o pré-sal.

Os mesmos compromissos e interesses que levaram José Serra a prometer a Chevron que desfaria o modelo de partilha e a hegemonia da Petrobras – como antes, fizeram FHC vender parte do capital da empresa na Bolsa de Nova York – continuam existindo.

Mas é preciso fantasia-los de “defesa da moralidade” e da “eficiência da empresa”.

Como aquela conversa de dizer a uma mãe pobre que, entregando seu filho, ele será mais bem tratado e terá do bom e do melhor, querem que entreguemos nosso petróleo, agora abundante.

O dever de transparência que se tem nos negócios públicos não pode significar o abandono do que é essencial neste caso: a luta política pelo controle do maior patrimônio material de riqueza deste país, o petróleo.
Essa luta não nos dá o direito de sermos ingênuos ou primários.

Porque ela envolve um valor sagrado: a autonomia e o progresso do Brasil e de seu povo.

Papa: informação pela metade é o pior dos pecados da mídia

Como a imprensa brasileira veste a carapuça, quase nada saiu sobre a fala do Papa Francisco sobre os pecados da mídia, durante encontro com uma associação de dirigentes de meios de comunicação, no sábado.
E a fala papal não podia ter sido mais precisa, vejam:
“Para mim, os pecados dos meios de comunicação, os maiores, são os que andam no caminho da mentiras, a falsidade.
E há três: desinformação, calúnia e difamação.
Estes dois últimos são graves , não é? Mas não tão perigosos quanto o primeiro. Por quê? Eu explico. A difamação é um pecado mortal, mas você pode esclarecer e vir a saber que isso é calúnia. Difamação é um pecado mortal, mas você pode dizer: “mas isso é uma injustiça, porque essa pessoa fez isso na época, depois que ele se arrependeu, mudou a vida ‘.
Mas a desinformação que é dizer a metade das coisas, as que são mais convenientes para mim e não dizer a outra metade. Assim, com o que se vê na TV ou ouve no rádio que você não pode formar um juízo perfeito, porque não se tem os elementos para isso e ele não são dados.”
Não precisa dizer mais nada para entender porque nossa imprensa condenou Francisco ao silêncio, não é?
Embora pratique com fartura os dois primeiros pecados, é no da desinformação que a mídia brasileira é campeã.
Esconde o que não lhe interessa, e isso inclui o que diz o Papa…

O jogo pesado: tirar a Petrobras de campo


O caso Pasadena pode ser tudo menos aquilo que alardeia a sofreguidão conservadora. O alvo é: espetar na Petrobras a prova da presença do Estado na economia.

por: Saul Leblon

O caso Pasadena pode ser tudo menos aquilo que alardeia a sofreguidão conservadora.

Pode ser o resultado de um ardil inserido em um parecer técnico capcioso. Pode ser fruto de um revés de mercado impossível de ser previsto, decorrente da transição desfavorável da economia mundial; pode ser ainda –tudo indica que seja-- a evidência ostensiva da necessidade de se repensar um critério mais democrático para o preenchimento de cargos nas diferentes instancias do aparelho de Estado.

Pode ser um mosaico de todas essas coisas juntas.

Mas não corrobora justamente aquela que é a mensagem implícita na fuzilaria conservadora nos dias que correm.

Qual seja, a natureza prejudicial da presença do Estado na luta pelo desenvolvimento do país.

Transformar a história de sucesso da Petrobrás em um desastre de proporções ferroviárias é o passaporte para legitimar a agenda conservadora nas eleições de 2014.

Ou não será exatamente o martelete contra o ‘anacronismo intervencionista do PT’ que interliga as entrevistas e análises de formuladores e bajuladores das candidaturas Aécio & Campos? (Leia neste blog ‘Quem vai mover as turbinas do Brasil?’)

Pelas características de escala e eficiência, ademais da esmagadora taxa de êxito que lhe é creditada – uma das cinco maiores petroleiras do planeta, responsável pela descoberta das maiores reservas de petróleo do século XXI-- a Petrobrás figura como uma costela de pirarucu engasgada na goela do mercadismo local e internacional.

Ao propiciar ao país não apenas a autossuficiência, mas a escala de descobertas que encerram o potencial de um salto tecnológico, capaz de contribuir para o impulso industrializante de que carece o parque fabril do país, a Petrobrás reafirma a relevância insubstituível da presença estatal na ordenação da economia brasileira.

Estamos falando de uma ferramenta da luta pelo desenvolvimento. Não de um conto de fadas.

Há problemas.

A empresa tem arcado com sacrifícios equivalentes ao seu peso no país.

Há dois anos a Petrobrás vende gasolina e diesel por um preço 20% inferior ao que paga no mercado mundial.

Tudo indica que a cota de contribuição para mitigar as pressões inflacionárias decorrentes de choques externos e intempéries climáticas tenha chegado ao limite.

Mas não impediu que a estatal fechasse 2013 como a petroleira que mais investe no mundo: mais de US$ 40 bilhões/ano: o dobro da média mundial do setor.
Ademais, ela é campeã mundial no decisivo quesito da prospecção de novas reservas.

Os números retrucam o jogral do ‘Brasil que não deu certo’.

O pré-sal já produz 405 mil barris/dia.

Em quatro anos, a Petrobras estará extraindo 1 milhão de barris/dia da Bacia de Campos.

Até 2017, ela vai investir US$ 237 bilhões; 62% em exploração e produção. Em 2020, serão 2,1 milhões de barris/dia.

Praticamente dobrando para 4 milhões de barris/dia a produção brasileira atual.

O conjunto explica o interesse dos investidores pela petroleira verde-amarela que está sentada sobre uma poupança bruta formada de 50 bilhões de barris do pré-sal.

Mas pode ser o dobro disso; os investidores sabem do que se trata e com quem estão falando.

Há duas semanas, ao captar US$ 8,5 bi no mercado internacional, a Petrobrás obteve oferta de recursos em volume quase três vezes superior a sua demanda.

O marco regulador do pré-sal --aprovado com a oposição de quem agora agita a bandeira da defesa da estatal–- instituiu o regime de partilha e internalizou o comando de todo o processo tecnológico, logístico, industrial, comercial e financeiro da exploração dessa riqueza.

Todos os contratados assinados nesse âmbito passam a incluir cláusula obrigatória de conteúdo nacional nas compras, da ordem de 50%/60% , pelo menos.

Esse é o ponto de mutação da riqueza do fundo do mar em prosperidade na terra.

Toda uma cadeia de equipamentos, máquinas, logística, tecnologia e serviços diretamente ligados, e também externos, ao ciclo do petróleo será alavancada nos próximos anos.

O conjunto pode fazer do Brasil um grande exportador industrial inserido em cadeias globais de suprimento e inovação –justamente o que falta ao fôlego do seu desenvolvimento no século XXI.

É o oposto do projeto subjacente ao torniquete de manipulação e engessamento que se forma em torno da empresa nesse momento.

Para agenda neoliberal não faz diferença que o Brasil deixe de contar com uma alavanca industrializante com as características reunidas pela Petrobrás.

Pode ser até bom.

O peso de um gigante estatal na economia atrapalha a ‘ordem natural das coisas’ inerente à dinâmica dos livres mercados, desabafa a lógica conservadora.

A verdade é que se fosse depender da ‘ordem natural das coisas’ o Brasil seria até hoje um enorme cafezal, sem problemas de congestionamento ou superlotação nos aeroportos, para felicidade de nove entre dez colunistas isentos.

Toda a industrialização pesada brasileira, por exemplo –que distingue o país como uma das poucas economias em desenvolvimento dotada de capacidade de se auto-abastecer de máquinas e equipamentos— não teria sido feita.

Ela representou uma típica descontinuidade na ‘ordem natural das coisas’.

A escala e a centralização de capital necessárias a esse salto estrutural da economia não se condensam espontaneamente em um país pobre.

Num mercado mundial já dominado por grandes corporações monopolistas nessa área e em outras, esse passo, ou melhor, essa ruptura, seria inconcebível sem forte intervenção estatal no processo.

Do mesmo modo, sem um banco de desenvolvimento como o BNDES, demonizado pelo conservadorismo, a indústria e a economia como um todo ficariam comprometidos pela ausência de um sistema financeiro de longo prazo, compatível com projetos de maior fôlego.

Do ponto de vista conservador, o financiamento indutor do Estado, a exemplo do protecionismo tarifário à indústria nascente –implícito nas exigências de conteúdo nacional no pré-sal-- apenas semeiam distorções de preços e ineficiência no conjunto da economia.

É melhor baixar as tarifas drasticamente; deixar aos mercados a decisão sobre quem subsistirá e quem perecerá para ceder lugar às importações.

O corolário dessa visão foi o ciclo de governos do PSDB, quando se privatizou, desregulou e se reduziu barreiras à entrada e saída de capitais.

A Petrobrás resistiu.

Em 1997, até um novo batismo fora providenciado para lubrificar a operação de fatiamento e venda dos seus ativos aos pedaços.

Não seu.

Dez anos depois, em 2007, essa resistência ganharia um fortificante ainda mais indigesto aos estômagos conservadores, com a descoberta e regulação soberana das reservas do pré –sal.

Num certo sentido, a arquitetura de exploração do pré-sal avança um novo degrau na história da industrialização brasileira.

Mais que isso, esboça um modelo.

Se a empresa privada nacional não tem escala, nem capacidade tecnológica para suprir as demandas do desenvolvimento, uma estatal pode –como o faz a Petrobras - instituir prazos e definir garantias de compra que de certa forma tutelem a iniciativa privada deficiente.

Dando-lhe encomendas para se credenciar ao novo ciclo de expansão do país –e até mesmo operar em escala global, inserindo-se nas grandes cadeias da indústria petroleira.

A outra alternativa seria bombear a receita petroleira diretamente para fora do país, vendendo o óleo bruto.

E renunciar assim aos múltiplos de bilhões de dólares de royalties que vão irrigar o fundo do pré-sal e com ele a educação pública das futuras gerações de crianças e jovens do Brasil.

Ou então vazar impulsos industrializantes para encomendas no exterior , sem expandir polos tecnológicos, sem engatar cadeias de equipamentos, nem elevar índices de nacionalização em benefício de empregos e receitas locais.

A paralisia atual da industrialização brasileira é um problema real que afeta todo o tecido econômico.

Asfixiada durante três décadas pelo câmbio valorizado e pela concorrência chinesa, a indústria brasileira de transformação perdeu elos importante, em diferentes cadeias de fornecimento de insumos e implementos.

A atrofia é progressiva.

O PIB cresceu em média 2,8% entre 1980 e 2010; a indústria da transformação cresceu apenas 1,6%, em média. Sua fatia nas exportações recuou de 53%, entre 2001-2005, para 47%, entre 2006-2010 .

O mais preocupante é o recheio disso.

Linhas e fábricas inteiras foram fechadas. Clientes passaram a se abastecer no exterior. Fornecedores se transformaram em importadores.

Empregos industriais foram eliminados; o padrão salarial do país foi afetado, para pior.

É possível interromper essa sangria, com juros subsidiados, incentivos, desonerações, protecionismo e ajuste do câmbio, como está sendo feito pelo governo.

Mas é muito difícil reverter buracos consolidados.

O dinamismo que se perdeu teria que ser substituído por um gigantesco esforço de inovação e redesenho fabril, a um custo que um país em desenvolvimento dificilmente poderia arcar.

Exceto se tivesse em seu horizonte a exploração centralizada e soberana, e o refino correspondente, das maiores jazidas de petróleo descobertas no século 21.

Esse trunfo avaliza a possibilidade de se colocar a reindustrialização como uma resposta política do Estado brasileiro à crise mundial.

Nada disso pode ser feito sem a Petrobrás.

Tirá-la do campo em que se decide o futuro do Brasil: esse é o jogo pesado que está em curso no país.

sexta-feira, março 21, 2014

Novo Manifesto da dívida reúne 74 economistas de 20 países

Documento apela à reestruturação da dívida portuguesa, que considera insustentável, e recusa a austeridade, apoiando explicitamente o manifesto das 70 personalidades portuguesas. Entre os signatários estão seis editores de revistas científicas, autores de livros de grande relevo e economistas com um importante papel institucional fora das universidades.

Setenta e quatro economistas e académicos de 20 países assinaram um documento intitulado “Reestruturar a dívida insustentável e promover o crescimento, recusando a austeridade”, em que apoiam “os esforços dos que em Portugal propõem a reestruturação da dívida pública global”, referindo-se ao Manifesto das 70 personalidades portuguesas divulgado na semana passada.

O novo manifesto internacional reúne seis editores de revistas científicas, como o Journal of Institutional Economics, o Journal of Contemporary European Studies ou a International Review of Applied Economics; autores de livros de grande relevo, como Benjamim Coriat da Universidade de Paris, autor de Ving Ans d’Aveuglement, Giovanni Dosi, da Universidade de Pisa, autor de The Third Industrial Revolution in Global Business, ou Mark Blyth, da Universidade de Brown, EUA, autor de Austeridade: A História de uma Ideia Perigosa, escolhido pelo Financial Times como livro do ano.

Alguns dos economistas têm especial papel institucional fora das universidades, como Jose Antonio Ocampo, Universidade de Columbia, EUA, que foi secretário-geral adjunto da ONU, e é atual consultor da ONU e do Independent Evaluation Office do FMI, Richard Nelson, que foi conselheiro económico do Presidente Kennedy, ou Thomas Palley, académico, que é também Senior Economic Policy Adviser da AFL-CIO, central sindical dos EUA.

Os países dos 74 signatários são os EUA, Canadá, México, Brasil, Argentina, Africa do Sul, Austrália, Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Espanha, Grécia, Estónia, Noruega, Dinamarca, Bélgica, Áustria, Polónia, Suíça.

Em seguida, o texto do Manifesto, na íntegra, e a lista completa dos signatários.

Reestruturar a dívida insustentável e promover o crescimento, recusando a austeridade

O programa do FMI e da União Europeia para Portugal (2011-4) deve terminar a 17 de maio de 2014. Nas próximas semanas será tomada a decisão de aceitação de um programa precaucionário continuando as mesmas políticas ou de submissão à vontade dos mercados. Em qualquer dos casos, a regra da austeridade continuaria num país em que o nível de desemprego já duplicou para cerca de 20%, como resultado da estratégia escolhida.

Para mais, apesar de fortes reduções do orçamento de Estado, o rácio da dívida no PIB subiu para 129%. Nos dois anos anteriores a 2008, a dívida pública tinha aumentado 0,7%; nos dois anos seguintes, cresceu 15%. Os resultados são claros: a austeridade orçamental reduziu a procura agregada, agravou a recessão, aumentou o nível da dívida pública e impôs sofrimento social à medida que as pensões e salários foram reduzidos, os impostos foram aumentados e a proteção social foi degradada.

Como economistas de diversas opiniões, temos expressado as nossas preocupações quanto aos efeitos da estratégia de austeridade na Europa. Recomendámos fortemente a rejeição das ideias da “recessão curativa” e da “austeridade expansionista” e os programas impostos a vários países. Criticámos as decisões do BCE durante a recessão prolongada e a recuperação medíocre. Os resultados confirmam a razão da nossa crítica. É tempo de mudar o curso desta política.

Assim, apelamos a uma política europeia consistente contra a recessão. Apoiamos os esforços dos que em Portugal propõem a reestruturação da dívida pública global, no sentido de se obterem menores taxas de juro e prazos mais amplos, de modo que o esforço de pagamento seja compatível com uma estratégia de crescimento, de investimento e de criação de emprego.

Alberto Recio, Universidade Autonoma de Barcelona, Espanha

Alejandro Florito, Universidade Lujan, Buenos Aires, Argentina

Alexander Sulejewiz, Universidade de Varsóvia, Polónia

Alan Freeman, Universidade Metropolitana de Londres, Reino Unido

Andrea Roventini, Universidade de Verona, Itália

Andy Dennis, Universidade de Londres, Reino Unido

Anton Hellesoy, ex-vice presidente da Hoegh LNG, Noruega

Beng-Ake Lundvall, Universidade de Aalborg, Dinamarca, secretário geral de Globelic

Benjamim Coriat, Universidade Paris XIII, França

Carlota Perez, Centennial Professor, London School of Economics, Londres, Reino Unido

Dirk Erhuts, Universidade de Berlim, Alemanha

Eduardo Strachman, UNESP, Brasil

Engelbert Stockhammer, Universidade de Kingston, Reino Unido

Erik Reinert, Universidade Tecnológica de Tallinn, Estónia

Erisa Senerdem, Universidade de Istambul, Turquia

Gabriel Palma, Universidade de Cambridge, Reino Unido

Gary Dymski, Universidade de Leeds, Reino Unido

Geoffrey Hodgson, Universidade de Hertefordshire, Reino Unido, editor de Journal of Institutional Economics

Georges Caravelis, secretariado da Comissão de Economia, parlamento europeu, a título pessoal, Bélgica

Gerald Epstein, co-director de PERI, Universidade de Amherst, EUA

Gilad Isaacs, Universidade de Witwaterrand, Africa do Sul

Giovanni Dosi, Universidade de Pisa, Itália, editor de Industrial and Corporate Change

Guglielmo Davezanti, Universidade de Salento, Itália

Herbert Schui, Universidade de Bremen, Alemanha

Herman Boemer, Universidade de Dortmund, Alemanha

Ignacio Alvarez, Universidade de Valladolid, Espanha

James Galbraith, Lyndon B. Johnson School of Public Affairs, University of Texas, EUA

Jan Fagerberg, Universidade de Oslo, Noruega

Jan Kregel, Universidade de Tallinn, Estónia, editor do Journal of Post-Keynesian Economics

Jan Toporowski, SOAS, Universidade de Londres, Reino Unido

Jeremy Leama, editor de Journal of Contemporary European Studies

Jesus Ferreiro, Universidade do País Basco, Espanha

Joannes Kpler, Universidade de Linz, Austria

Jacob Kapeller, Universidade de Linz, Austria

John King, professor honorário, Universidade La Trobe, Austrália

John Weeks, professor emérito, Universidade de Londres, Reino Unido

Jorge Arias, Universidade de Leon, Espanha

Jose Antonio Ocampo, Universidade de Columbia, EUA, consultor da ONU e do Independent Evaluation Office do FMI

Louis-Philippe Rochon, Universidade Laurentina, Canadá, co-editor de Review of Keynesian Economics

Michael White, Universidade de Monash, Austrália

Malcolm Sawyer, professor emérito, Universidade de Leeds, Reino Unido, editor de International Review of Applied Economics

Mariana Mazzucato, SPRU, Universidade de Sussex, Reino Unido

Marica Frangakis, investigadora em economia

Mario Cechini, Universidade de Turim, Itália

Mario Pianta, Universidade de Urbino, Itália

Mark Blyth, Universidade de Brown, EUA, autor de “Austeridade: A História de uma Ideia Perigosa”

Martin Heindenreich Universidade de Oldenburg, Alemanha

Matias Vernengo, Universidade de Bucknell, EUA

Mauro Gallegati, Universidade de Ancona, Itália

Mauro Napoletano, OFCE, Paris, França

Michael Ash, director do departamento de economia, Universidade de Amherst, EUA

Michel Husson, IRES, França

Noemi Levy, UNAM, México

Ozlem Onaran, Universidade de Greenwich, Reino Unido

P. Raja Junankar, professor honorário, Universidade de Bona, professor emérito, Universidade de Sidney, Austrália

Thomas Palley, Senior Economic Policy Adviser, AFL-CIO, and Research Associate, Economic Policy Institute

Peter Herrmann, Eurispes, Roma, Itália

Rainer Bartel, Universidade de Linz, Austria

Rainer Kattel, Universidade de Talinn, Estónia

Raza Werner, Euromemorandum Group, Alemanha

Riccardo Bellofiore, Universidade de Bergamo, Itália

Richard Nelson, Universidade de Columbia, EUA,

Rorita Canale, Universidade de Nápoles, Itália

Robert Pollin, Universidade de Massachussets, EUA

Stephany Griffith-Jones, Universidade de Columbia, Financial Markets Director, EUA

Sergio Cesaratto, Universidade de Siena, Itália

Sergio Rossi, Universidade de Friburgo, Suíça

Slavo Radosevic, director da Escola de Estudos do Leste Europeu, University College Londres,

Reino Unido

Stefanos Joannon, Universidade de Leeds, Reino Unido

Trevor Evans, Universidade de Berlim, Alemanha

Wlodzimierz Dymarki, Universidade de Poznan, Polónia

Wolfgang Blaas, Universidade de Viena, Austria

Wolfgang Haug, Universidade de Berlim, Alemanha

Yannis Varoufakis, Universidade de Atenas, Grécia

Manifesto pela reestruturação da dívida A artilharia do Diário Económico contra o manifesto pela reestruturação da dívida

Lube - Davai za / Любэ - давай за - Fall of Berlin

quarta-feira, março 19, 2014

Autodeterminação da Crimeia: Ocidente colhe os frutos da sua política Leia mais: http://portuguese.ruvr.ru/2014_03_19/Autodetermina-o-da-Crimeia-Ocidente-colhe-os-frutos-da-sua-pol-tica-6335/

Voz da Rússia

Embora os EUA e a direção da União Europeia já tivessem declarado que não reconhecem o plebiscito da Crimeia, nem os seus resultados, a realidade geopolítica na região mudou.

Todavia as raízes destas mudanças e dos roteiros do posterior desenrolar dos acontecimentos devem ser procurados no limiar entre a década de 90 do século passado e os anos 2000.

Breve história política da Crimeia

É difícil de contestar o fato de que a situação em torno da Ucrânia tem desestabilizado já há vários meses a situação política e financeira na Europa e no mundo em geral. Mas uma concepção mais ampla do problema torna evidente que ela é continuação de mudanças geopolíticas e da “re-formatação” do espaço euro-asiático e norte-africano que tinha começado ainda na década 90 do século passado no “polígono” da antiga Iugoslávia. Mudou apenas o “matiz” deste processo: enquanto que durante a década de 90 e primeira metade da década de 2000 estas mudanças correspondiam basicamente aos interesses dos EUA, da União Europeia e da OTAN, a partir do início dos anos 2000 este processo passou a ser equilibrado pela crescente influência da Rússia e dos seus processos de integração.

O fator-chave foi, sem dúvida, a proclamação unilateral da independência de Kosovo em 2008, seguida pela reconhecimento apressado deste ato pelas potências ocidentais. Foi precisamente o precedente de Kosovo que determinou em grande parte o desenrolar dos acontecimentos em outras regiões conflituosas dos Balcãs, da região do mar Negro e do Cáucaso e a sua influência não acusa a mínima tendência de diminuir, confirmou à Voz da Rússia o perito Alexander Karasev:
“Tem-se a impressão de que o eco dos acontecimentos em Kosovo vai soar ainda durante muito tempo. A proclamação da independência de Kosovo em 2008 e o seu reconhecimento pelo Ocidente criaram um precedente. E este precedente ficará doravante no direito internacional”.

Trata-se da decisão do Tribunal Internacional de Haia de 2010 a respeito de Kosovo que tinha reconhecido na realidade que semelhantes declarações correspondiam ao direito internacional. Ainda em julho de 2009 a Casa Branca americana apresentou ao Tribunal Internacional da ONU um comentário em que se analisava a situação em Kosovo. Naquele caso Washington declarava que “o princípio jurídico de integridade territorial não impede que as formações não estatais anunciem pacificamente a sua independência”.

A União Europeia procura mesmo hoje reduzir ao mínimo a influência do referendo da Crimeia. Catherine Ashton, suprema representante da União Europeia para a política externa e política de segurança, exortou a Rússia a “entabular diálogo com a direção da Ucrânia e continuar conversações com a comunidade internacional a fim de diminuir a tensão e encontrar uma via política de saída da crise”.

A Rússia está pronta para as conversações. Mas a manifestação quase unânime da vontade dos habitantes da Crimeia é um fato consumado. E não é a Rússia quem deve responder pelo precedente de Kosovo que há seis anos tinha “reformatado” radicalmente o espaço geopolítico.

Leia mais: http://portuguese.ruvr.ru/2014_03_19/Autodetermina-o-da-Crimeia-Ocidente-colhe-os-frutos-da-sua-pol-tica-6335/

terça-feira, março 18, 2014

50 anos de um comício que ainda fala ao Brasil


O governo Jango, como o de Vargas -e o ciclo do PT- buscava revestir o desenvolvimento brasileiro de soberania e direitos sociais inaceitáveis para as elites.

por: Saul Leblon

A derrubada violenta de Jango em 1964 foi antecedida, a exemplo do que se fez com Vargas dez anos antes, e da tentativa frustrada contra Lula, 41 depois, de uma campanha midiática de ódio e acusações de corrupção contra o seu governo e a sua pessoa.

As motivações também se assemelhavam.

E não eram aquelas estampadas pelo alarido moralista.

O governo Jango, como o de Vargas --e o ciclo atual do PT— buscava revestir o desenvolvimento brasileiro de travas de soberania e direitos sociais inaceitáveis pelo dinheiro graúdo de ontem e de hoje.

Jango ensaiava expandir o alicerce varguista, ao qual servira como ministro do Trabalho, com o impulso a reformas de base dotadas de expressivo apoio popular.

Nos jornais, no entanto, o clima era adverso.

A crispação editorial desenhava um Brasil aos cacos, uma sociedade a caminho do esfarelamento econômico e social.

O jogral do desgoverno, do desabastecimento e da infiltração estrangeira e marxista servia o medo no café da manhã; guarnecia o jantar com a insegurança do dia seguinte.

Pesquisas do Ibope sonegadas então à opinião pública, e assim ocultadas por mais de 40 anos, contradiziam o bombardeio diuturno das expectativas veiculadas pelos órgãos de comunicação.

A mídia agia ostensivamente como parte interessada no assalto ao poder que interrompeu um governo democrático, instaurou uma ditadura, suspendeu as liberdades e garantias individuais, sufocou o debate das reformas estruturais requeridas pelo desenvolvimento.

Para isso denegriu, mentiu, prendeu, matou, torturou e censurou.

Foi dela a iniciativa de convocar o pânico e a mentira e com eles sabotar o debate plural sobre o passo seguinte da história brasileira, cercando-a de interditos ideológicos e moralistas.

Ontem como hoje, seu papel foi decisivo para levar a classe média a incorporar um discernimento preconceituoso e golpista à sua visão do desenvolvimento brasileiro.

E mesmo assim, só uma parte dela.

Os dados coletados pelo Ibope, em enquetes de opinião realizadas às vésperas do golpe (e hoje armazenados no Arquivo Edgar Leuenroth, da Unicamp), mostram uma realidade distinta daquela cristalizada na narrativa hegemônica.

O conjunto assume incontornável atualidade quando cotejado com a ênfase predominante no aparato midiático do Brasil, Argentina ou da Venezuela nos dias que correm.

Pesquisas levadas às ruas entre os dias 20 e 30 de março de 1964, quando a democracia era sofregamente tangida ao matadouro pelos que bradavam em sua defesa, mostram que:

a) 69% dos entrevistados avaliavam o governo Jango como: ótimo (15%); bom (30%) e regular (24%).

b) Apenas 15% o consideravam ruim ou péssimo, fazendo eco do martelete midiático.

c) quase 50% ( 49,8%) cogitavam votar em Jango, caso ele se candidatasse à reeleição em 1965 (41,8% rejeitavam essa opção).

d) 59% apoiavam as medidas anunciadas pelo Presidente na famosa sexta-feira, 13 de março , quando assinaria decretos que expropriavam terras às margens das rodovias para fins de reforma agrária, nacionalizaria refinarias, comprometia-se com a reforma urbana, fiscal e educacional.

As pesquisas sigilosas compõem agora o desconcertante contrapelo das manchetes golpistas que podem ser acessadas em modernos bancos de dados, ou lidas nas edições correntes dos mesmos veículos, escritos e dirigidos pela mesma cepa que urdiu a fraude informativa de 1964.

Um jornalismo que oculta elementos da equação política e econômica, exacerba adversidades, manipula o debate e interdita as soluções requeridas pelo desenvolvimento –a exemplo do que fez com a agenda das reformas de base em 1964.

Em editorial escrito com a tintura do cinismo oportunista, um dos centuriões daquelas jornadas, o diário O Globo, fez recentemente a autocrítica esperta de sua participação no episódio.

Como certos confidentes da ditadura, ora promovidos a historiadores do período, o diário dos Marinhos escusa-se se no acessório para justificar a violência golpista como inevitável diante do quadro extremado: o golpe viria de qualquer jeito, um lado ou de outro, sugere-se.

Se havia extremismo em bolsões à esquerda, a verdade é que a incerteza social e a rejeição ao governo, como se vê pela pesquisa do Ibope, foram exacerbadas deliberadamente para gerar o clima de animosidade insanável e legitimar assim a ruptura institucional.

As semelhanças com a engrenagem em movimento avultam aos olhos menos distraídos.

Esse é o ponto a reter.

Ele faz da rememoração do discurso que completa 50 anos nesta 5ª feira, um mirante oportuno para enxergar não apenas o passado.

Mas a partir dele arguir interrogações de latejante urgência no presente.

Em que medida a reordenação de um ciclo de desenvolvimento pode ocorrer dentro da democracia quando esta lhe sonega os meios para o debate e o espaço político para construção das maiorias requeridas ao passo seguinte de uma nação?

O Brasil dos anos 60 vivia, como agora, o esgotamento de um ciclo e o difícil parto do seguinte.

As reformas de base – a agrária, a urbana, a tributária, a política, a educacional — visavam destravar potencialidades e recursos de um sistema exaurido.

O impulso industrializante de Vargas, dos anos 30 a meados dos anos 50, e o do consumo , fomentado por Juscelino, mostravam claros sinais de esgotamento.

Trincas marmorizavam todo tecido social e econômico. Os remendos já não sustentavam o corpo de uma sociedade que reclamava espaço para avançar.

Esgarçamentos eram magnificados pelos guardiães da estabilidade, a exemplo dos que agora clamam pelo rebaixamento da nota do Brasil junto às agências de risco.

O déficit público latejava entre as urgências do desenvolvimento e as disponibilidades para financiá-lo sem uma reforma tributária corajosa.

O PIB anêmico e a inflação renitente completavam a encruzilhada de um sistema econômico a requerer um aggiornamento estrutural.

O conjunto tinha como arremate a guerra fria, exacerbada na América Latina pela vitória da revolução cubana, que desde 1959 irradiava uma alternativa à luta pelo desenvolvimento regional.

O efeito na vida cotidiana era enervante. Como o seria no Chile, nove anos depois; como o é hoje, em certa medida, na Venezuela de Maduro; ou na Argentina de Cristina.

As reformas progressistas propostas por Jango estavam longe de caracterizar o alvorecer comunista alardeado diariamente nas manchetes do udenismo midiático.

O que se buscava era superar entraves --e privilégios-- de uma máquina econômica entrevada em suas próprias contradições.

Jango pretendia associar a isso um salto de cidadania e justiça social, ampliando o acesso à educação e aos direitos no campo e nas cidades para dar um novo estirão ao mercado interno.

Diante do salto ensaiado, convocada a democracia a discutir as grandes avenidas do futuro brasileiro, os centuriões da legalidade optaram pelo golpe.

Deram ao escrutínio popular um atestado de incapacidade para formar os grandes consensos indispensáveis à estabilidade e duração de um ciclo de expansão produtiva e florescimento democrático.

Os ecos persistentes desse período encerram uma lição negligenciada por aqueles que ainda encaram o binômio 'mídia e regulação' como um ruído contornável com a barganha de indulgências junto a um aparato que em última instância deseja-lhes a mesma sorte de Jango.

A verdade é que nem mesmo um programa moderado de reformas e oxigenação social como o da coalizão centrista liderada pelo PT é tolerável.

É imperativo iluminar a seta do tempo que não se quebrou na atualidade das mudanças estruturais reclamadas pelo país.

Em 13 de março de 1964, Jango pronunciaria o discurso memorável, que daria a essa agenda o lugar que ela ainda cobra na história brasileira. E que a narrativa conservadora insiste em lhe sonegar.

Leia, a seguir, a íntegra do comício pronunciado pelo Presidente João Goulart, na Central do Brasil, no dia 13 de março de 1964

“Devo agradecer em primeiro lugar às organizações promotoras deste comício, ao povo em geral e ao bravo povo carioca em particular, a realização, em praça pública, de tão entusiasta e calorosa manifestação. Agradeço aos sindicatos que mobilizaram os seus associados, dirigindo minha saudação a todos os brasileiros que, neste instante, mobilizados nos mais longínquos recantos deste país, me ouvem pela televisão e pelo rádio.

Dirijo-me a todos os brasileiros, não apenas aos que conseguiram adquirir instrução nas escolas, mas também aos milhões de irmãos nossos que dão ao brasil mais do que recebem, que pagam em sofrimento, em miséria, em privações, o direito de ser brasileiro e de trabalhar sol a sol para a grandeza deste país.

Presidente de 80 milhões de brasileiros, quero que minhas palavras sejam bem entendidas por todos os nossos patrícios.

Vou falar em linguagem que pode ser rude, mas é sincera sem subterfúgios, mas é também uma linguagem de esperança de quem quer inspirar confiança no futuro e tem a coragem de enfrentar sem fraquezas a dura realidade do presente.

Aqui estão os meus amigos trabalhadores, vencendo uma campanha de terror ideológico e sabotagem, cuidadosamente organizada para impedir ou perturbar a realização deste memorável encontro entre o povo e o seu presidente, na presença das mais significativas organizações operárias e lideranças populares deste país.

Chegou-se a proclamar, até, que esta concentração seria um ato atentatório ao regime democrático, como se no Brasil a reação ainda fosse a dona da democracia, e a proprietária das praças e das ruas. Desgraçada a democracia se tiver que ser defendida por tais democratas.

Democracia para esses democratas não é o regime da liberdade de reunião para o povo: o que eles querem é uma democracia de povo emudecido, amordaçado nos seus anseios e sufocado nas suas reinvindicações.

A democracia que eles desejam impingir-nos é a democracia antipovo, do anti-sindicato, da anti-reforma, ou seja, aquela que melhor atende aos interesses dos grupos a que eles servem ou representam.

A democracia que eles querem é a democracia para liquidar com a Petrobrás; é a democracia dos monopólios privados, nacionais e internacionais, é a democracia que luta contra os governos populares e que levou Getúlio Vargas ao supremo sacrifício.

Ainda ontem, eu afirmava, envolvido pelo calor do entusiasmo de milhares de trabalhadores no Arsenal da Marinha, que o que está ameaçando o regime democrático neste País não é o povo nas praças, não são os trabalhadores reunidos pacificamente para dizer de suas aspirações ou de sua solidariedade às grandes causas nacionais. Democracia é precisamente isso: o povo livre para manifestar-se, inclusive nas praças públicas, sem que daí possa resultar o mínimo de perigo à segurança das instituições.

Democracia é o que o meu governo vem procurando realizar, como é do seu dever, não só para interpretar os anseios populares, mas também conquistá-los pelos caminhos da legalidade, pelos caminhos do entendimento e da paz social.

Não há ameaça mais séria à democracia do que desconhecer os direitos do povo; não há ameaça mais séria à democracia do que tentar estrangular a voz do povo e de seus legítimos líderes, fazendo calar as suas mais sentidas reinvindicações.

Estaríamos, sim, ameaçando o regime se nos mostrássemos surdos aos reclamos da Nação, que de norte a sul, de leste a oeste levanta o seu grande clamor pelas reformas de estrutura, sobretudo pela reforma agrária, que será como complemento da abolição do cativeiro para dezenas de milhões de brasileiros que vegetam no interior, em revoltantes condições de miséria.

Ameaça à democracia não é vir confraternizar com o povo na rua. Ameaça à democracia é empulhar o povo explorando seus sentimentos cristãos, mistificação de uma indústria do anticomunismo, pois tentar levar o povo a se insurgir contra os grandes e luminosos ensinamentos dos últimos Papas que informam notáveis pronunciamentos das mais expressivas figuras do episcopado brasileiro.

O inolvidável Papa João XXIII é quem nos ensina que a dignidade da pessoa humana exige normalmente como fundamento natural para a vida, o direito ao uso dos bens da terra, ao qual corresponde a obrigação fundamental de conceder uma propriedade privada a todos.

É dentro desta autêntica doutrina cristã que o governo brasileiro vem procurando situar a sua política social, particurlamente a que diz respeito à nossa realidade agrária.

O cristianismo nunca foi o escudo para os privilégios condenados pelos Santos Padres. Nem os rosários podem ser erguidos como armas contra os que reclamam a disseminação da propriedade privada da terra, ainda em mãos de uns poucos afortunados.

Àqueles que reclamam do Presidente de República uma palavra tranqüilizadora para a Nação, o que posso dizer-lhes é que só conquistaremos a paz social pela justiça social.

Perdem seu tempo os que temem que o governo passe a empreender uma ação subversiva na defesa de interesses políticos ou pessoais; como perdem igualmente o seu tempo os que esperam deste governo uma ação repressiva dirigida contra os interesses do povo. Ação repressiva, povo carioca, é a que o governo está praticando e vai amplia-la cada vez mais e mais implacavelmente, assim na Guanabara como em outros estados contra aqueles que especulam com as dificuldades do povo, contra os que exploram o povo e que sonegam gêneros alimentícios e jogam com seus preços.

Ainda ontem, trabalhadores e povo carioca, dentro da associações de cúpula de classes conservadoras, levanta-se a voz contra o Presidente pelo crime de defender o povo contra aqueles que o exploram nas ruas, em seus lares, movidos pela ganância.

Não tiram o sono as manifestações de protesto dos gananciosos, mascarados de frases patrióticas, mas que, na realidade, traduzem suas esperanças e seus propósitos de restabelecer a impunidade para suas atividades anti-sociais.

Não receio ser chamado de subversivo pelo fato de proclamar, e tenho proclamado e continuarei a proclamando em todos os recantos da Pátria – a necessidade da revisão da Constituição, que não atende mais aos anseios do povo e aos anseios do desenvolvimento desta Nação.

Essa Constituição é antiquada, porque legaliza uma estrutura sócio-econômica já superada, injusta e desumana; o povo quer que se amplie a democracia e que se ponha fim aos privilégios de uma minoria; que a propriedade da terra seja acessível a todos; que a todos seja facultado participar da vida política através do voto, podendo votar e ser votado; que se impeça a intervenção do poder econômico nos pleitos eleitorais e seja assegurada a representação de todas as correntes políticas, sem quaisquer discriminações religiosas ou ideológicas.

Todos têm o direito à liberdade de opinião e de manifestar também sem temor o seu pensamento. É um princípio fundamental dos direitos do homem, contido na Carta das Nações Unidas, e que temos o dever de assegurar a todos os brasileiros.

Está nisso o sentido profundo desta grande e incalculável multidão que presta, neste instante, manifestação ao Presidente que, por sua vez, também presta conta ao povo dos seus problemas, de suas atitudes e das providências que vem adotando na luta contra forças poderosas, mas que confia sempre na unidade do povo, das classes trabalhadoras, para encurtar o caminho da nossa emancipação.

É apenas de lamentar que parcelas ainda ponderáveis que tiveram acesso à instrução superior continuem insensíveis, de olhos e ouvidos fechados à realidade nacional.

São certamente, trabalhadores, os piores surdos e os piores cegos, porque poderão, com tanta surdez e tanta cegueira, ser os responsáveis perante a História pelo sangue brasileiro que possa vir a ser derramado, ao pretenderem levantar obstáculos ao progresso do Brasil e à felicidade de seu povo brasileiro.

De minha parte, à frente do Poder Executivo, tudo continuarei fazendo para que o processo democrático siga um caminho pacífico, para que sejam derrubadas as barreiras que impedem a conquista de novas etapas do progresso.

E podeis estar certos, trabalhadores, de que juntos o governo e o povo – operários , camponeses, militares, estudantes, intelectuais e patrões brasileiros, que colocam os interesses da Pátria acima de seus interesses, haveremos de prosseguir de cabeça erguida, a caminhada da emancipação econômica e social deste país.

O nosso lema, trabalhadores do Brasil, é “progresso com justiça, e desenvolvimento com igualdade”.

A maioria dos brasileiros já não se conforma com uma ordem social imperfeita, injusta e desumana. Os milhões que nada têm impacientam-se com a demora, já agora quase insuportável, em receber os dividendos de um progresso tão duramente construído, mas construído também pelos mais humildes.

Vamos continuar lutando pela construção de novas usinas, pela abertura de novas estradas, pela implantação de mais fábricas, por novas escolas, por mais hospitais para o nosso povo sofredor; mas sabemos que nada disso terá sentido se o homem não for assegurado o direito sagrado ao trabalho e uma justa participação nos frutos deste desenvolvimento.

Não, trabalhadores; sabemos muito bem que de nada vale ordenar a miséria, dar-lhe aquela aparência bem comportada com que alguns pretendem enganar o povo. Brasileiros, a hora é das reformas de estrutura, de métodos, de estilo de trabalho e de objetivo. Já sabemos que não é mais possível progredir sem reformar; que não é mais possível admitir que essa estrutura ultrapassada possa realizar o milagre da salvação nacional para milhões de brasileiros que da portentosa civilização industrial conhecem apenas a vida cara, os sofrimentos e as ilusões passadas.

O caminho das reformas é o caminho do progresso pela paz social. Reformar é solucionar pacificamente as contradições de uma ordem econômica e jurídica superada pelas realidades do tempo em que vivemos.


Trabalhadores, acabei de assinar o decreto da SUPRA com o pensamento voltado para a tragédia do irmão brasileiro que sofre no interior de nossa Pátria. Ainda não é aquela reforma agrária pela qual lutamos.

Ainda não é a reformulação de nosso panorama rural empobrecido.

Ainda não é a carta de alforria do camponês abandonado.

Mas é o primeiro passo: uma porta que se abre à solução definitiva do problema agrário brasileiro.

O que se pretende com o decreto que considera de interesse social para efeito de desapropriação as terras que ladeiam eixos rodoviários, leitos de ferrovias, açudes públicos federais e terras beneficiadas por obras de saneamento da União, é tornar produtivas áreas inexploradas ou subutilizadas, ainda submetidas a um comércio especulativo, odioso e intolerável.

Não é justo que o benefício de uma estrada, de um açude ou de uma obra de saneamento vá servir aos interesses dos especuladores de terra, quese apoderaram das margens das estradas e dos açudes. A Rio-Bahia, por exemplo, que custou 70 bilhões de dinheiro do povo, não deve bemeficiar os latifundiários, pela multiplicação do valor de suas propriedades, mas sim o povo.

Não o podemos fazer, por enquanto, trabalhadores, como é de prática corrente em todos os países do mundo civilizado: pagar a desapropriação de terras abandonadas em títulos de dívida pública e a longo prazo.

Reforma agrária com pagamento prévio do latifundio improdutivo, à vista e em dinheiro, não é reforma agrária. É negócio agrário, que interessa apenas ao latifundiário, radicalmente oposto aos interesses do povo brasileiro. Por isso o decreto da SUPRA não é a reforma agrária.

Sem reforma constitucional, trabalhadores, não há reforma agrária. Sem emendar a Constituição, que tem acima de dela o povo e os interesses da Nação, que a ela cabe assegurar, poderemos ter leis agrárias honestas e bem-intencionadas, mas nenhuma delas capaz de modificações estruturais profundas.

Graças à colaboração patriótica e técnica das nossas gloriosas Forças Armadas, em convênios realizados com a SUPRA, graças a essa colaboração, meus patrícios espero que dentro de menos de 60 dias já comecem a ser divididos os latifúndios das beiras das estradas, os latifúndios aos lados das ferrovias e dos açudes construídos com o dinheiro do povo, ao lado das obras de saneamento realizadas com o sacrifício da Nação. E, feito isto, os trabalhadores do campo já poderão, então, ver concretizada, embora em parte, a sua mais sentida e justa reinvindicação, aquela que lhe dará um pedaço de terra para trabalhar, um pedaço de terra para cultivar. Aí, então, o trabalhador e sua família irão trabalhar para si próprios, porque até aqui eles trabalham para o dono da terra, a quem entregam, como aluguel, metade de sua produção. E não se diga, trabalhadores, que há meio de se fazer reforma sem mexer a fundo na Constituição. Em todos os países civilizados do mundo já foi suprimido do texto constitucional parte que obriga a desapropriação por interesse social, a pagamento prévio, a pagamento em dinheiro.

No Japão de pós-guerra, há quase 20 anos, ainda ocupado pelas forças aliadas vitoriosas, sob o patrocínio do comando vencedor, foram distribuídos dois milhões e meio de hectares das melhores terras do país, com indenizações pagas em bônus com 24 anos de prazo, juros de 3,65% ao ano. E quem é que se lembrou de chamar o General MacArthur de subversivo ou extremista?

Na Itália, ocidental e democrática, foram distribuídos um milhão de hectares, em números redondos, na primeira fase de uma reforma agrária cristã e pacífica iniciada há quinze anos, 150 mil famílias foram beneficiadas.

No México, durante os anos de 1932 a 1945, foram distribuídos trinta milhões de hectares, com pagamento das indenizações em títulos da dívida pública, 20 anos de prazo, juros de 5% ao ano, e desapropriação dos latifúndios com base no valor fiscal.

Na Índia foram promulgadas leis que determinam a abolição da grande propriedade mal aproveitada, transferindo as terras para os camponeses.

Essas leis abrangem cerca de 68 milhões de hectares, ou seja, a metade da área cultivada da Índia. Todas as nações do mundo, independentemente de seus regimes políticos, lutam contra a praga do latifúndio improdutivo.

Nações capitalistas, nações socialistas, nações do Ocidente, ou do Oriente, chegaram à conclusão de que não é possível progredir e conviver com o latifúndio.

A reforma agrária não é capricho de um governo ou programa de um partido. É produto da inadiável necessidade de todos os povos do mundo. Aqui no Brasil, constitui a legenda mais viva da reinvindicação do nosso povo, sobretudo daqueles que lutaram no campo.

A reforma agrária é também uma imposição progressista do mercado interno, que necessita aumentar a sua produção para sobreviver.

Os tecidos e os sapatos sobram nas prateleiras das lojas e as nossas fábricas estão produzindo muito abaixo de sua capacidade. Ao mesmo tempo em que isso acontece, as nossas populações mais pobres vestem farrapos e andam descalças, porque não tem dinheiro para comprar.

Assim, a reforma agrária é indispensável não só para aumentar o nível de vida do homem do campo, mas também para dar mais trabalho às industrias e melhor remuneração ao trabalhador urbano.

Interessa, por isso, também a todos os industriais e aos comerciantes. A reforma agrária é necessária, enfim, à nossa vida social e econômica, para que o país possa progredir, em sua indústria e no bem-estar do seu povo.

Como garantir o direito de propriedade autêntico, quando dos quinze milhões de brasileiros que trabalham a terra, no Brasil, apenas dois milhões e meio são proprietários?

O que estamos pretendendo fazer no Brasil, pelo caminho da reforma agrária, não é diferente, pois, do que se fez em todos os países desenvolvidos do mundo. É uma etapa de progresso que precisamos conquistar e que haveremos de conquistar.

Esta manifestação deslumbrante que presenciamos é um testemunho vivo de que a reforma agrária será conquistada para o povo brasileiro. O próprio custo daprodução, trabalhadores, o próprio custo dos gêneros alimentícios está diretamente subordinado às relações entre o homem e a terra. Num país em que se paga aluguéis da terra que sobem a mais de 50 por cento da produção obtida daquela terra, não pode haver gêneros baratos, não pode haver tranquilidade social. No meu Estado, por exemplo, o Estado do deputado Leonel Brizola, 65% da produção de arroz é obtida em terras alugadas e o arrendamento ascende a mais de 55% do valor da produção. O que ocorre no Rio Grande é que um arrendatário de terras para plantio de arroz paga, em cada ano, o valor total da terra que ele trabahou para o proprietário. Esse inquilinato rural desumano é medieval é o grande responsável pela produção insuficiente e cara que torna insuportável o custo de vida para as classes populares em nosso país.

A reforma agrária só prejudica a uma minoria de insensíveis, que deseja manter o povo escravo e a Nação submetida a um miseravel padrão de vida.

E é claro, trabalhadores, que só se pode iniciar uma reforma agrária em terras economicamente aproveitáveis. E é claro que não poderíamos começar a reforma agrária, para atender aos anseios do povo, nos Estados do Amazonas ou do Pará. A reforma agrária deve ser iniciada nas terras mais valorizadas e ao lado dos grandes centros de consumo, com transporte fácil para o seu escoamento.

Governo nenhum, trabalhadores, povo nenhum, por maior que seja seu esforço, e até mesmo o seu sacrifício, poderá enfrentar o monstro inflacionário que devora os salários, que inquieta o povo assalariado, se não form efetuadas as reformas de estrutura de base exigidsa pelo povo e reclamadas pela Nação.

Tenho autoridade para lutar pela reforma da atual Constituição, porque esta reforma é indispensável e porque seu objetivo único e exclusivo é abrir o caminho para a solução harmônica dos problemas que afligem o nosso povo.

Não me animam, trabalhadores – e é bom que a nação me ouça – quaisquer propósitos de ordem pessoal. Os grandes beneficiários das reformas serão, acima de todos, o povo brasileiro e os governos que me sucederem. A eles, trabalhadores, desejo entregar uma Nação engrandecida, emancipada e cada vez mais orgulhosa de si mesma, por ter resolvido mais uma vez, pacificamente, os graves problemas que a História nos legou. Dentro de 48 horas, vou entregar à consideração do Congresso Nacional a mensagem presidencial deste ano.

Nela, estão claramente expressas as intenções e os objetivos deste governo. Espero que os senhres congressistas, em seu patriotismo, compreendam o sentido social da ação governamental, que tem por finalidade acelerar o progresso deste país e assegurar aos brasileiros melhores condições de vida e trabalho, pelo caminho da paz e do entendimento, isto é pelo caminho reformista.

Mas estaria faltando ao meu dever se não transmitisse, também, em nome do povo brasileiro, em nome destas 150 ou 200 mil pessoas que aqui estão, caloroso apelo ao Congresso Nacional para que venha ao encontro das reinvindicações populares, para que, em seu patriotismo, sinta os anseios da Nação, que quer abrir caminho, pacífica e democraticamente para melhores dias. Mas também, trabalhadores, quero referir-me a um outro ato que acabo de assinar, interpretando os sentimentos nacionalistas destes país. Acabei de assinar, antes de dirigir-me para esta grande festa cívica, o decreto de encampação de todas as refinarias particulares.

A partir de hoje, trabalhadores brasileiros, a partir deste instante, as refinarias de Capuava, Ipiranga, Manguinhos, Amazonas, e Destilaria Rio Grandense passam a pertencer ao povo, passam a pertencer ao patrimônio nacional.

Procurei, trabalhadores, depois de estudos cuidadosos elaborados por órgãos técnicos, depois de estudos profundos, procurei ser fiel ao espírito da Lei n. 2.004, lei que foi inspirada nos ideais patrióticos e imortais de um brasileiro que também continua imortal em nossa alma e nosso espírito.

Ao anunciar, à frente do povo reunido em praça pública, o decreto de encampação de todas as refinarias de petróleo particulares, desejo prestar homenagem de respeito àquele que sempre esteve presente nos sentimentos do nosso povo, o grande e imortal Presidente Getúlio Vargas.

O imortal e grande patriota Getúlio Vargas tombou, mas o povo continua a caminhada, guiado pelos seus ideais. E eu, particurlamente, vivo hoje momento de profunda emoção ao poder dizer que, com este ato, soube interpretar o sentimento do povo brasileiro.

Alegra-me ver, também, o povo reunido para prestigiar medidas como esta, da maior significação para o desenvolvimento do país e que habilita o Brasil a aproveitar melhor as suas riquezas minerais, especialmente as riquezas criadas pelo monopólio do petróleo. O povo estará sempre presente nas ruas e nas praças públicas, para prestigiar um governo que pratica atos como estes, e também para mostrar às forças reacionárias que há de continuar a sua caminhada, no rumo da emancipação nacional.

Na mensagem que enviei à consideração do Congresso Nacional, estão igualmente consignadas duas outras reformas que o povo brasileiro reclama, porque é exigência do nosso desenvolvimento e da nossa democracia. Refiro-me à reforma eleitoral, à reforma ampla que permita a todos os brasileiros maiores de 18 anos ajudar a decidir dos seus destinos, que permita a todos os brasileiros que lutam pelo engrandecimento do país a influir nos destinos gloriosos do Brasil. Nesta reforma, pugnamos pelo princípio democrático, princípio democrático fundamental, de que todo alistável deve ser também elegível.

Também está consignada na mensagem ao Congresso a reforma universitária, reclamada pelos estudantes brasileiros. Pelos universitários, classe que sempre tem estado corajosamente na vanguarda de todos os movimentos populares nacionalistas.

Ao lado dessas medidas e desses decretos, o governo continua examinando outras providências de fundamental importância para a defesa do povo, especialmente das classes populares.

Dentro de poucas horas, outro decreto será dado ao conhecimento da Nação. É o que vai regulamentar o preço extorsivo dos apartamentos e residências desocupados, preços que chegam a afrontar o povo e o Brasil, oferecidos até mediante o pagamento em dólares. Apartamento no Brasil só pode e só deve ser alugado em cruzeiros, que é dinheiro do povo e a moeda deste país. Estejam tranqüilos que dentro em breve esse decreto será uma realidade.

E realidade há de ser também a rigorosa e implacável fiscalização para seja cumprido. O governo, apesar dos ataques que tem sofrido, apesar dos insultos, não recuará um centímetro sequer na fiscalização que vem exercendo contra a exploração do povo. E faço um apelo ao povo para que ajude o governo na fiscalização dos exploradores do povo, que são também exploradores do Brasil. Aqueles que desrespeitarem a lei, explorando o povo – não interessa o tamanho de sua fortuna, nem o tamanho de seu poder, esteja ele em Olaria ou na Rua do Acre – hão de responder, perante a lei, pelo seu crime.

Aos servidores públicos da Nação, aos médicos, aos engenheiros do serviço público, que também não me têm faltado com seu apoio e o calor de sua solidariedade, posso afirmar que suas reinvindicações justas estão sendo objeto de estudo final e que em breve serão atendidas. Atendidas porque o governo deseja cumprir o seu dever com aqueles que permanentemente cumprem o seu para com o país.

Ao encerrar, trabalhadores, quero dizer que me sinto reconfortado e retemperado para enfrentar a luta que tanto maior será contra nós quanto mais perto estivermos do cumprimento de nosso dever. À medida que esta luta apertar, sei que o povo também apertará sua vontade contra aqueles quenão reconhecem os direitos populares, contra aqueles que exploram o povo e a Nação.

Sei das reações que nos esperam, mas estou tranqüilo, acima de tudo porque sei que o povo brasileiro já está amadurecido, já tem consciência da sua força e da sua unidade, e não faltará com seu apoio às medidas de sentido popular e nacionalista.

Quero agradecer, mais uma vez, esta extraordinária manifestação, em que os nossos mais significativos líderes populares vieram dialogar com o povo brasileiro, especialmente com o bravo povo carioca, a respeito dos problemas que preocupam a Nação e afligem todos os nossos patrícios. Nenhuma força será capaz de impedir que o governo continue a assegurar absoluta liberdade ao povo brasileiro. E, para isto, podemos declarar, com orgulho, que contamos com a compreensão e o patriotismo das bravas e gloriosas Forças Armadas da Nação.

Hoje, com o alto testemunho da Nação e com a solidariedade do povo, reunido na praça que só ao povo pertence, o governo, que é também o povo e que também só ao povo pertence, reafirma os seus propósitos inabaláveis de lutar com todas as suas forças pela reforma da sociedade brasileira. Não apenas pela reforma agrária, mas pela reforma tributária, pela reforma eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de todos os brasileiros, pela pureza da vida democrática, pela emancipação econômica, pela justiça social e pelo progresso do Brasil.

(*) Atualização de nota publicada neste blog em novembro de 2013.

REQUIÃO REAPRESENTA REFORMAS DE JANGO AO SENADO !

Quantos senadores tem o PT ?

O Conversa Afiada reproduz o site do senador Requião:

REQUIÃO REAPRESENTA PROPOSTAS DE REFORMAS DE JOÃO GOULART


O senador Roberto Requião reapresentou na sessão plenário do Senado, nesta quinta-feira (13), duas das Reformas de Base propostas pelo presidente há 50 anos, no Comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro. “Por unanimidade, o Congresso restituiu simbolicamente o mandato do presidente Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964. Agora, queremos dar substância às homenagens, reapresentando no Senado as propostas que levaram as sua deposição”, disse o senador.

Com o apoio dos senadores Pedro Simon ( PMDB-RS) e Cristovam Buarque (PDT-DF), Requião recuperou as propostas de reforma agrária e de definição do conceito de empresa brasileira de capital nacional., encaminhando ambas sob forma de projeto de lei, para apre3aiação dos senadores.

Requião demonstrou que as duas reformas propostas há meio século continuam de extrema atualidade, já que a reforma agrária nunca foi feita no país e a definição de empresa nacional sofreu modificações anti-nacionais, que favorecem grandemente as empresas estrangeiras, no governo FHC.

O senador afirmou que foi a “coragem nacionalista” de Goulart que levou as forças conservadoras, aliadas ao capital multinacional e à grande mídia, a derrubá-lo. “Segundo pesquisas do IBOPE À época do golpe, 85 por cento dos brasileiros queriam a permanência de Jango no poder; apenas 15 por cento apoiavam golpe”, lembrou Requião.

A seguir, discurso do senador Roberto Requião, com aparte do senador Pedro Simon e textos dosa dois projetos de leis que revivem as reformas de base apresentados pelos três senadores.

PAUL KRUGMAN: “O BRASIL ESTÁ SE SAINDO MUITO BEM”


Em evento de CartaCapital, Nobel de Economia lembrou que os mercados se apaixonam e desapaixonam por países em desenvolvimento, de forma sazonal

por Márcia Pinheiro

O economista norte-americano e Prêmio Nobel Paul Krugman disse nesta terça-feira 18 que o Brasil não enfrenta tantos problemas hoje em dia.“É importante olhar para trás de vez em quando e entender que momento de desastre nós passamos”, disse Krugman ao abrir o evento “Fórum Brasil – Diálogos para o Futuro”, de CartaCapital, em São Paulo. “Enfrentamos o segundo maior desastre da história. O primeiro foi a Grande Depressão. A crise recente afetou seriamente o Produto Interno Bruto (PIB) das economias desenvolvidas. O crescimento agora persiste lento, após o auge da crise de 2008/2009.”

No evento, Krugman lembrou que a Comissão Europeia considera um crescimento de 1% na região, em vez de 0,5%, o que pode ser visto como a “medida do sucesso agora”. “A catástrofe foi evitada, mas o crescimento dos países avançados é ainda vagaroso”, disse antes de lembrar que a recuperação econômica de hoje é mais lenta quando se compara com a referente à crise de 1929.

Ao analisar a crise posterior em distintas regiões do mundo, o economista contou ter se surpreendido com a profundidade do comprometimento político dos países de moeda única, como a Grécia. No entanto, afirmou, o problema fundamental da política é a resposta comum dos países avançados com a política monetária – não totalmente eficaz, dadas as condições das economias. “A questão é: o que fazer para reanimar a atividade com taxa de juros zero ou negativa? As políticas fiscais poderiam ser usadas para complementar a monetária, mas isso era impossível tanto na Europa, por causa da Alemanha, como nos Estados Unidos, em função da oposição dos republicanos”, lembrou. “Uma política monetária não convencional não foi tão efetiva como se esperava. Há um processo de nos habituarmos com esta situação econômica fraca e reduzirmos nossas expectativas. Estamos em risco de deflação? Talvez.”

Sobre o problema da dívida dos países, Krugman fez o diagnóstico: “A Europa já está na situação japonesa”, afirmou ao se referir ao baixo crescimento com baixa inflação. “Há um jargão para isso: a estagnação secular. Nos EUA, tivemos duas bolhas recentemente: da tecnologia e das hipotecas. No auge dessas bolhas, havia pleno emprego e inflação sob controle.”

Ele lembrou ainda que o nível de investimentos está caindo, pois agora o crescimento populacional é mais vagaroso. Além disso, ressaltou, a tecnologia emprega pouco. “Um quadro que também piora o nível de endividamento dos países avançados.”

FED. Durante sua palestra ainda o economista norte-americano apontou que a presidente do Federal Reserve, Janet Yellen, é “dovish” (pacifista, em tradução livre) na questão das taxas de juros. “A taxa real de juros dos títulos de dez anos está 1%, e perto de zero na Europa. Por isso, os retornos estão muito baixos”, observou. “Então, há dinheiro vagando à procura de remunerações mais atraentes. Isso acaba gerando bolhas, como está ocorrendo. O que tende a ser uma preocupação para os mercados emergentes, os chamados Brics (Brasil, Índia, China e África do Sul)”. Segundo Krugman, nestes países o retorno dos investimentos é bom. No Brasil, por exemplo, a taxa de câmbio efetiva sofreu na crise de 2008, mas os investidores voltaram e depois perceberam que as expectativas eram superiores à realidade. “Os mercados se apaixonaram por alguns países em desenvolvimento. Depois, se desapaixonaram, como ocorre sazonalmente. Agora, o momento é do México”, afirmou.

Segundo Krugman, economias emergentes, como a brasileira, têm se mostrado mais resilientes. Com o fim do problema de dívida externa, o Brasil tem menos exposição ao câmbio, tem mais estabilidade, com a inflação sob controle e a política fiscal mais responsável. As corporações brasileiras, por meio de entidades offshore, tomaram muito empréstimo externo no valor de 300 bilhões de dólares, que é menos de 15% do PIB, lembrou, o que também não preocupa. “O Brasil exporta primariamente commodities e vai sofrer com a desaceleração da China. Não estamos falando de catástrofe, mas algo que pode ser manejável.”

O que preocupa é a China, disse Krugman, “mesmo porque as estatísticas não são totalmente confiáveis”. “Este país não vai crescer às mesmas taxas, os investimentos serão reduzidos”, alertou ao fazer um diagnóstico da China e, consequentemente, do Brasil. “A China precisa mudar a proporção entre investimento e consumo. Já o Brasil está se saindo muito bem”, concluiu.