Tijolaço
Fernando Brito
Você leu ontem uma série de notícias desastrosas sobre a economia brasileira.
“Rombo” recorde nas contas externas, “país tem maior saída de dólares desde fevereiro de 2002″, elétricas pedindo racionamento de energia, produção de petróleo caindo, BC prevendo inflação resistente, enfim, algo próximo do caos.
Deveríamos estar vivendo um momento do tipo “salve-se quem puder”, com o capital fugindo para portos seguros.
Agora, leia este trecho de uma matéria (exclusiva para assinantes) do Valor, hoje:
A melhora da percepção de risco do investidor estrangeiro em relação ao Brasil, que vem sendo desenhada há alguns dias, deixou marcas mais evidentes no mercado de renda fixa na sessão de ontem. Em resposta à forte demanda verificada em consulta prévia junto aos dealers, o Tesouro ofereceu em seu leilão semanal de títulos públicos o maior lote de NTN-F (papéis prefixados de longo prazo, os preferidos pelos não-residentes) da história. Foram 5 milhões de títulos com vencimento em 2021 – o equivalente a R$ 4,5 bilhões – vendidos a taxas consideradas baixas, o que evidencia o interesse do mercado pelo papel. Na visão de especialistas, o resultado mostra que há uma correção do excesso de pessimismo cometido recentemente, possível em um momento em que o apetite por risco global cresce e algumas boas notícias locais, como o recente anúncio fiscal, tornam os papéis brasileiros atrativos.
Mas então o noticiário é falso? Algumas vezes, sim, mas em geral os fatos são verdadeiros.
São, e aí é que está o terrorismo, descontextualizados.
A reprodução de uma simples busca no Google, aí em cima, mostra como isso pode ser feito com facilidade.
Queda ou recorde, depende do com que se compara.
O mesmo poderia ser feito ao contrário, pela via do ufanismo.
Vejam só:
- A operadora de turismo CVC, uma das maiores vendedoras de pacotes turísticos do Brasil teve recorde de vendas em fevereiro. Foi o melhor mês de fevereiro da história da empresa, que vendeu 35,5% a mais que em fevereiro de 2013. Tirando o efeito do carnaval atrasado, ainda assim o crescimento seria de quase 25%. Foi assim em todo o comércio, diz o Serasa: no primeiro bimestre de 2014, o movimento nas lojas foi 6,0% superior ao registrado no acumulado dos dois primeiros meses de 2013, em valor real, descontada a inflação.
- A inflação, por sua vez, dá sinais de que, mesmo pressionada pela estiagem e seu impacto em alguns produtos (lembrem-se do tomate, que de novo disparou, mas sem tanta companhia como no ano passado), também não está em alta. O IPC da Fipe marcou 0,52%, o que é um índice ainda muito alto, mas que veio caindo semana a semana.
- O déficit comercial brasileiro é totalmente explicado pela crise na Argentina, na Venezuela e na União Europeia. Mas nossas exportações para a China e para os EUA, onde não se afundou a economia, cresceram: 25% e 7,4%, se comparadas ao primeiro bimestre anterior.
- A produção de petróleo caiu apenas por dois fatores: o incêndio na P-20, que volta a operar ainda este mês, e a desativação do FPSO Brasil, antigo desejo da empresa, pois era um contrato caro de afretamento com a SBM e ineficiente, produzindo menos de um terço e sua capacidade, e sua substituição, no Campo de Roncador, pela P-55, fabricada no Brasil, que está sendo progressivamente acionada, desde o dezembro de 2013. Houve também a retirada, meramente estatística, da produção do Parque das Conchas, onde foi vendida a participação da empresa para liberar recursos para investir em áreas mais produtivas.
- Desde o 15 de fevereiro, mesmo com pouca chuva, o nível dos reservatórios do Sudeste parou de cair velozmente. Baixou, em 20 dias, 0,9% (de 35,55, para 34,66%), enquanto nos 20 dias anteriores a queda havia sido de quase 6%. Isso aconteceu porque a demanda caiu, com a queda de temperatura e a quantidade de água que chega às barragens teve uma melhora: passou de 30% de média histórica para 54%. no acumulado mensal até o dia. E com a previsão de chuvas por toda a próxima semana sobre as principais bacias do Sudeste, a previsão de 67% formulada pelo ONS deverá ser superada até o início da semana que vem.
Estas notícias, é claro, não são ótimas, embora sejam também todas verdadeiras.
A falta de equilíbrio, a desinformação, a manipulação política do noticiário econômico é péssima para o país.
Isso, sim, trabalha para reduzir a credibilidade e a previsibilidade da economia.
Enquanto isso, quem sabe ler a economia além dos títulos escandalosos, vai ganhando seu dinheirinho, cada vez maior, com a desinformação alheia.
Porque os grandes temores econômicos, que era uma disparada da inflação no primeiro trimestre (após a alta excessiva registrada em dezembro), uma aceleração na desvalorização do real provocada pelo fim dos subsídios do Tesouro Americano, e um colapso do setor elétrico, vão se dissipando ou, pelo menos, sendo reduzidos às suas proporções reais.
Esse é o Rubicão que a economia brasileira tem de atravessar, o primeiro quadrimestre do ano.
Porque ele é a chave do que vai acontecer à medida em que se aproximam as eleições, quando tudo o que puder ser usado para aterrorizar a população será usado, sem limites.
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