Do Carta Maior
Massacre, terremoto, efeitos devastadores, clima tenso, iminência de explodir, campo minado, mercado órfão, situação pré-falência. Estas são algumas das expressões usadas durante o mês de novembro para definir a situação da Medida Provisória 579, relacionada à renovação de contratos com as empresas elétricas e a redução das tarifas da conta de luz de consumidores residenciais, comerciais e industriais. O artigo é de Najar Tubino.
Najar Tubino (*)
Massacre, terremoto, efeitos devastadores, clima tenso, iminência de explodir, campo minado, mercado órfão, situação pré-falência. Estas são algumas das expressões usadas durante o mês de novembro para definir a situação da Medida Provisória 579, relacionada à renovação de contratos com as empresas elétricas e a redução das tarifas da conta de luz de consumidores residenciais, comerciais e industriais. Por isso, resolvi me adequar ao estilo, embora as expressões citadas fossem publicadas no jornal Valor, o braço econômico das Organizações Globo e da Folha de São Paulo. Também posso falar em braço, porque é desse jornal, que saem as centenas de páginas de publicidade – custo mínimo de R$130 mil – e dos relatórios contábeis das maiores empresas brasileiras. E é claro, nas mesmas páginas estão impressas as opiniões e análises dos segmentos da economia, principalmente do mercado financeiro.
A novela é sempre a mesma. Sai uma medida, vamos dizer, “contra” o mercado financeiro, como foi a redução dos juros, onde os analistas foram surpreendidos, e logo em seguida, entra uma avalanche de informações artigos e declarações de especialistas. Normalmente, economistas de corretoras ou de consultorias. Costumo ler esse jornal muito atentamente. E acompanhei o roteiro da destruição, ou da tentativa, de minar a MP 579.
Vamos aos fatos. Há dois anos a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) vem discutindo com os agentes do setor, como eles dizem, as mudanças na definição das tarifas de eletricidade. Também anualmente a mesma ANEEL publica os números da depreciação dos ativos, na linguagem econômica, que estão em poder das concessionárias, conforme contratos assinados há décadas – na média 30 anos.Parte deles, vencerão em 2015 e outra em 2017. Isso vale para geradoras, administram as hidrelétricas, térmicas ou eólicas, não interessa a fonte; as transmissoras que são responsáveis pela rede de linhas – o que não é pouco, mais de 98 mil km -, subestações, e por fim, as distribuidoras, mais regionalmente, levam à luz aos mais diferentes locais, sejam residências, indústrias ou comércio.
O que será renovado: 58 geradoras, com capacidade para 21,5 mil MW – 20% do mercado -, 73 mil km de linhas, ao redor de 83% da rede básica do Sistema Integrado Nacional e 30% do mercado das distribuidoras, contratos de 41 empresas. O prazo para reonovação, para quem aceitar a proposta é quatro de dezembro. Desse total, 67% da geração está sob administração da Eletrobras, no caso das linhas de transmissão 62% e 25% da distribuição. A Eletrobras é uma empresa de economia mista, com ações nas bolsas de São Paulo, N. York e Madri, e conta com 60% do mercado de geração e 40% de transmissão. Ou seja, ela domina o mercado. O governo federal tem 58% das ações, incluindo uma parte do BNDES, mas o banco JP Morgan tem cerca de 8% do capital votante.
Também tem o fundo norueguês Skagen, que tem cerca de 1% em ações ordinárias e 17,5% das preferenciais, e diz ter quase três bilhões de reais investidos no Brasil.
Aliás, do porta-voz desse fundo, partiu uma declaração das mais histéricas e demonstrativas do poder europeu, sobre os coitados dos tupiniquins, metidos a emergentes:
“- Nós temos condições financeiras de levarmos esse processo para a justiça. Isso está transformando o Brasil em uma Argentina, é o que mais se comenta no mercado. Estão querendo nacionalizar o setor”.
No início do ano, as posições do fundo Skagen na Bolsa de São Paulo valiam R$1,3 bi e em novembro estavam em R$730 milhões. Na seção “histéricos” poderíamos incluir uma conhecida comentarista econômica nacional, que escreveu:
- A Eletrobras já perdeu 70% do seu patrimônio e corre o risco de default.”
Para quem não sabe o patrimônio da Eletrobras envolve 30 usinas hidrelétricas, 15 termelétricas, duas nucleares, 190 subestações e quase 60 mil km de linhas de transmissão. Além disso, tem metade de Itaipu – corresponde a uma hidrelétrica de quase sete mil MW – e suas controladas, possuem outro tanto, como a Chesf, a Eletronorte, Eletrosul, Companhia de Geração Térmica de Energia (CGTEE) e mais seis distribuidoras. Que é a parte “menos nobre”, porque são deficitárias – incluem empresas nos estados de Alagoas, Piauí, Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima. Está para comprar 50% da distribuidora de Goiás.
Então, sinceramente, um patrimônio desses desaparecerá no mercado, porque os analistas dos bancos de investimentos definiram que os preços das ações não correspondem mais ao valor de mercado. Aqui começa a seção “massacre das elétricas”, uma das dezenas de matérias publicadas no Valor. Em primeiro lugar, as ações dessas empresas são consideradas “defensivas”, àquelas que não custam muito caro, não tem rali nos preços, mas pagam polpudos dividendos no final do ano – é o lucro da empresa repartido com os acionistas. Por lei, quem participa da Bovespa, tem que distribuir 25% dos lucros. Mas as elétricas, generosas e preocupadas com seus acionistas, distribuíam mais de 90% dos lucros – caso da Eletropaulo.
Quem são os analistas citados. Os representantes dos bancões americanos ou ingleses, os mesmos da crise de 2008, que vendiam mansão para mendigo e davam o troco, e reempacotavam os títulos e vendiam aos fundos de todos os tipos espalhados pelo mundo, com grandes retornos. É o caso do Goldman Sachs, JP Morgan, Barclays. Este último, o analista de plantão estabeleceu o preço das ações da Eletrobras em R$1, o preço-alvo, como eles chamam. O Itaú foi mais comedido fixou em R$8. Quase no final de novembro, as ordinárias com direito a vota estavam em R$9,69. A empresa tinha “perdido” mais da metade de seu patrimônio – de R$26 bi para R$11,6 bi.
Vamos ver o que pensa o investidor Luiz Barsi Filho, de 73 anos, citado pelo próprio mercado como um especialista, que já fez fortuna na bolsa e vive de dividendos.
“-Um país não pode deixar de investir no setor de energia se quiser ter uma visão de desenvolvimento. As controvérsias não foram resolvidas e as elétricas vão continuar sofrendo. Mas isso pode significar uma oportunidade de investimento magnífica. Estou aproveitando para comprar mais”.
Não foi somente ele. Muitos bancos emitiam recomendações de venda, e na outra ponta, compravam as mesmas ações. Mas essa também é velha e ultrapassada. Resolvi conferir algumas análises feitas pelos mesmos analistas em 2010 e 2011. Informações que estão nas páginas dos veículos econômicos. Uma delas, da Exame, do Grupo Abril, comentando uma lista de 12 empresas que mais pagam dividendos na bolsa, produzida pela consultoria Economática, onde trabalha um ex-presidente do Banco Central, muito conhecido na área.
- Entre as mais generosas na distribuição de lucros nos últimos cinco anos, 75% pertencem ao setor elétrico – das 12 citadas. Encabeçando a lista aparece o papel da Eletropaulo, com “dividend yield” médio de 19,4% de 2007 para cá. Significa que quem investiu na ação levou para casa um retorno de quase 20% ao ano. Empresas como Celpe (Pernambuco), Elektro, Coelce (Ceará), Taesa (controlada pela Cemig) engrossam a lista”.
Os motivos de tanta generosidade? “Depois de terem instalado suas infraestruturas, elas conseguem prover o serviço por décadas a fio sem a necessidade de grandes investimentos. Elas também se protegem da inflação, já que a conta de luz, não deixa de ser reajustada com o aumento dos preços da economia. Com geração de caixa constante, as companhias veem na divisão dos lucros uma forma de manterem os acionistas interessados nos papeis”, continua o mesmo texto. Outra recomendação no site Pequeno Investidor:
-“As empresas de energia elétrica podem fazer bons pagamentos porque o setor não precisa usar parte do faturamento para planos de expansão. Elas têm fluxo de caixa estável e deve permanecer assim pelos próximos anos”.
O lucro das maiores do setor, inclui grupos multinacionais, como GDF Suez, Iberdrola, AES Corporation, Endesa, foi de US$7,5 bi em 2009. Ele cresceu 230% de 2003 a 2009. A Cemig, considerada a “mais alinhada como mercado”, controlada pelo governo mineiro, com acionistas, entre milhares, como a própria AES e a Andrade Gutierrez, teve um lucro líquido de R$2,4 bilhões em 2011, considerado um ano histórico em faturamento – R$5,4 bilhões. Distribuiu mais de dois bilhões de reais em dividendos. A Eletrobras foi mal no 3º trimestre de 2012, mas lucrou R$1 bi, 24% menos, no mesmo período do ano passado. A Neoenergia lucrou R$300 milhões no 3º trimestre de 2012 – essa é uma sociedade da Iberdrola com a Previ e o Banco do Brasil. O lucro da Cemig no mesmo 3º trimestre foi de R$937 milhões.
Aí no meio dessa generosidade e de lucros milionários, vem o governo federal querendo reduzir a tarifa em 20% nas contas de luz de 2013. E cortar o faturamento de geradoras e transmissoras – as regras para as distribuidoras sairão em março de 2013 – com a redução do preço fixado para operação e manutenção. Pelos cálculos da Empresa Pesquisa Energética (EPE) deve cair de R$90 para cerca de R$23 pelo megawatt hora. É uma loucura e tanto. E, além disso, deslanchar a economia brasileira, pois as empresas pagarão menos por um dos insumos mais importantes. Entrarão no mercado R$24 bilhões ao ano, como divulgou a Fiesp.
Porém, o discurso do “mercado” não é esse. As elétricas, como a Eletrobras, não conseguirão manter os investimentos – nesse caso de 10 a 12 bilhões de reais. Incluem as maiores hidrelétricas que estão em construção, como Jirau, Santo Antônio e Belo Monte. O BNDES não vai receber R$24 bilhões que tem em financiamentos . Quem lidera o consórcio de Jirau, por exemplo, é o grupo belga GDF Suez. A garantia do pagamento dos financiamentos é a própria receita das usinas. Mas tem mais. É uma estratégia para conter a inflação em 2013, ajudar o Banco Central e não elevar os juros. Só não falaram claramente que a campanha contras as mudanças, que partiu do mercado financeiro e depois engrossou com as declarações dos porta-vozes das empresas dos governos de São Paulo, Paraná e Minas gerais – respectivamente, Cesp, Copel e Cemig.
Casualmente, são todos do PSDB. Isso é só um detalhe, assim como chegar em 2014, na próxima eleição, com os preços das tarifas de luz, reduzidos em 20%.
“- Atenção povo brasileiro, o governo quer reduzir os preços da conta de luz, mas tem gente que é contra.”
A FIESP publicou anúncio de página inteira para colocar a questão. Afinal, a média de idade das usinas que deverão renovar contratos – 109 – é de 56 anos. Já ganharam o suficiente, e a maioria irá para a terceira fase de concessão. Na visão de alguém bem posicionado, como o industrial Jorge Johannpeter Gerdau, presidente da Câmara de Produtividade do governo federal:
“- Muitas usinas já foram amortizadas duas vezes com dinheiro público. Não é possível que a população pague mais uma amortização. Agora, em termos de mercado de capitais o pessoal achava que iria continuar para o resto da vida com os contratos”.
A choradeira principal é pela indenização. O governo federal fixou em R$20 bilhões, sendo que a Eletrobras teria direito a R$14,5 bilhões. A Cesp quer R$8 a R$9 bilhões. A proposta é R$1 bi. Para a Cemig são R$250 milhões. Márcio Zimmermann, ministro interino de Minas e Energia foi dar explicações e rebater o mercado e as concessionárias.
Entre outras coisas disse: o custo de uma hidrelétrica nova, de 500MW, por exemplo, é de R$3 por megawatt hora. O número de operários que trabalha caiu de 100 para 10. A atual remuneração das concessionárias, que tiveram o investimento amortizado, quase em sua totalidade, criou uma zona de conforto, que não é interessante para o setor. E perguntou: quantas usinas eles fizeram nos últimos 15, 20 anos? Três usinas da Cemig, que diz que n ao vai renovar os contratos, em 20 anos, com a mesma tarifa, e um faturamento de R$1,5 bi, garantiria um caixa de R$30 bi em 20 anos, afirmou Márcio Zimmermann.
Mas ainda tem o outro lado da novela. A perda de energia no Brasil, incluindo os três segmentos responsáveis, é de 20,38%. Está num trabalho que o Tribunal de Contas da União fez em 2004, e é citado num trabalho recente sobre a energia elétrica no Brasil apresentado pelo ISA, Greenpeace Brasil, Amigos da Terra e pesquisadores ligados ao Instituto Politécnico da USP e ao INPA.Na Argentina as perdas são de 9,9%, no Chile 5,6%, no Peru 9,3%. Na União Europeia a média é de 7%, sem contar a Alemanha que é de 3,4%.
Também li o relatório da ANEEL de prestação de contas de 2011. Os técnicos da agência realizaram 109 fiscalizações dos serviços de transmissão, em lugar das 50 programadas e 256 fiscalizações em lugar das 180 programadas, porque ocorreram vários desligamentos não programados e de longa duração. Um trecho do relatório:
“- O ano de 2011 foi de intenso trabalho para a fiscalização, sobrecarregada em razão da ocorrência de vários desligamentos não programados e de longa duração, que ocorreram no SIN atingindo toda a região nordeste, envolvendo a cidade do Rio de Janeiro e a região metropolitana de São Paulo. Em 2011, o consumidor ficou em média 18horas e 24 minutos sem energia, ultrapassou o limite de 16,23 horas.”
Em 2012 foram quatro apagões seguidos, os últimos em outubro. Um deles, na área da Cemig, o funcionário “esqueceu” de religar a chave de um equipamento. O Ministério de Minas e Energia mandou fazer um pente fino no sistema, que está em vigor.
Quer dizer, deitado em berço esplêndido, caindo o dinheiro na conta dos acionistas, receita garantida por 30 anos – não vou nem comentar a parte ambiental -, deve ser uma prévia do paraíso. Entretanto, analistas de mercado e gestores de fundos – também tem uma parcela de ações das elétricas – não se preocupem, porque uma nova geração de “empresas defensivas” na bolsa já está sendo articulada. E isso é uma péssima notícia para consumidores de São Paulo, Minas e Paraná – novamente a coincidência. São as empresas de saneamento, como a Sabesp e a Copasa, de SP e PR, respectivamente. As agências reguladoras estaduais estão definindo o índice de aumento das tarifas. A corretora J. Safra, por exemplo, está apostando em 13% de aumento. Mas o Citi chutou o balde: 18,2% de aumento.
Como resume bem a análise de Alexandre Montes, da Lopes Filho & Associados.
“- O setor elétrico deixou o mercado de certa forma órfão, porque ele não é mais considerado um segmento contra o risco, e as empresas de saneamento podem ocupar este espaço.”
Mas o analista Sérgio Tamashiro, da J. Safra, foi fundo na questão:
“- O reajuste não é um fator inibidor de consumo no saneamento e se for elevado será bom para as ações da Sabesp, porque garante a maior tarifa e maior é a rentabilidade”.
As ações da Sabesp acumularam alta até o meio de novembro deste ano de 72%, cotadas a R$ 86,00. Onze corretoras têm recomendação de compra. Não é uma maravilha esse mercado financeiro. Só para lembrar. A Apple, maior empresa do mundo em valor de mercado, nunca pagou dividendo. O Jobs sempre foi contra.
(*) Jornalista
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