O objetivo deste blog é discutir um projeto de desenvolvimento nacional para o Brasil. Esse projeto não brotará naturalmente das forças de mercado e sim de um engajamento político que direcionará os recursos do país na criação de uma nação soberana, desenvolvida e com justiça social.
sexta-feira, agosto 31, 2012
Altamiro Borges: Queda dos juros desmente os rentistas
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central aprovou nesta semana o nono corte consecutivo da taxa básica de juros, a Selic, que serve de base para o rendimento das aplicações financeiras e para o custo dos empréstimos bancários.
Por Altamiro Borges, em seu blog
Ela foi reduzida de 8% para 7,5% ao ano, o menor patamar da sua história. Descontada a inflação projetada para o ano, os juros reais passam a ser de 1,98%, os menores do país nas últimas três décadas – embora ainda altos para os padrões internacionais.
É certo que a redução da Selic não conseguiu conter os efeitos destrutivos da crise capitalista mundial. A economia brasileira continua patinando com baixos índices de crescimento – com a previsão de um “pibinho” de menos de 2% neste ano. Mas, ao menos, ela ajudou a evitar um tsunami no país, bem diferente da situação dramática vivida pelas economias da Europa e dos EUA. Além disso, a nona queda da taxa básica de juros serve para desmistificar alguns dogmas do neoliberalismo, sempre amplificados pela mídia rentista.
Os “urubólogos” da mídia
Quando o governo Dilma iniciou a trajetória de redução da Selic, a chamada grande imprensa desencadeou uma campanha terrorista. Alguns “calunistas” da mídia, que mais parecem porta-vozes dos banqueiros, garantiram que a iniciativa iria provocar uma “explosão inflacionária” e uma “quebradeira na economia”. A serviço do capital rentista, estes “palpiteiros” afirmaram que a crise mundial não era tão grave para se contrapor ao chamado “afrouxamento” da política monetária promovido pelo governo federal.
A vida demonstrou que eles estavam totalmente equivocados – ou melhor, estavam defendendo os lucros dos banqueiros com falsos argumentos “econômicos”. A taxa de juros caiu e a inflação não explodiu, mantendo-se próxima à meta de 4,5% projetada para este ano. Já a crise mundial mostrou-se mais destrutiva e prolongada do que eles previam, arrasando diversos países, o que só confirma a tragédia das políticas neoliberais aplicadas pelo capitalismo no mundo. A síntese: a mídia rentista errou em todas as suas projeções!
A ausência de qualquer autocrítica
Como aponta Vinicius Torres Freire, as tais análises dos “especialistas de mercado” se mostraram uma falácia. Ele lembra que quando o Banco Central, em agosto de 2011, começou a cortar os juros, então em 12,5%, houve uma gritaria generalizada, com “críticas e insultos ao pessoal do BC”. Os rentistas, com amplos espaços na mídia – o que o colunista da Folha não confessa – previram o caos na economia. Mas nenhuma de suas previsões foi confirmada. Todos eles deveriam ter sido dispensados por incompetência ou má-fé!
Agora, inclusive, já há que afirme, na própria mídia rentista, que o governo acertou ao reduzir as taxas de juros – mas sem nunca fazer qualquer tipo de autocrítica. O jornal Valor Econômico, dedicado ao mundo empresarial, afirmou nesta semana que, “um ano depois de iniciado o atual ciclo de alívio monetário, o Banco Central mostrou que estava certo ao mudar radicalmente o rumo da política de juros”. Segundo Cristiano Romero, esta mudança hoje já permite prever uma nova retomada do crescimento da economia brasileiro.
Cadê a Miriam Leitão?
“O BC acha que essa política, somada a outras que o governo vem adotando, já começou a produzir resultados. O clima em Brasília é de otimismo quanto às chances de a economia acelerar o crescimento nos próximos meses”. No próprio “mercado”, diz o jornalista, o clima já é de mais otimismo. Segundo o boletim Focus, uma bíblia do capital, “o Brasil vai se levantar nos próximos trimestres”. Será que Miriam Leitão e outros urubólogos da mídia também vão dar o braço a torcer, reconhecendo as besteiras que falaram?
PMC NA ÉPOCA: O MENSALÃO DO PT E O DE MG
Do Conversa Afiada
As provas de que os parlamentares colocavam dinheiro no bolso para mudar seu voto não apareceram até agora.
SEGUNDAS IMPRESSÕES DO MENSALÃO
Paulo Moreira Leite
Leio e ouço que a decisão da primeira fase do STF mostra que os tempos estão mudando e que a votação de 9 a 2 contra os réus indica uma opção contra a impunidade.
Confesso que sempre gostei de Bob Dylan e sou daqueles que acreditam e torcem por mudanças. Mas não sei se é isso o que estamos assistindo. Mudança, no Brasil, é
conseguir o básico. No caso da Justiça, garantir direitos iguais para todos, qualquer que seja sua cor, credo, condição social ou opinião política. Será que é isso que estamos vendo?
Estrelado pelo mesmo esquema, com personagens iguais e outros, equivalentes, o mensalão mineiro segue quieto lá nas Alterosas.
O tratamento desigual para situações iguais é constrangedor. Ao dar uma entrevista a Monica Bergamo, o relator Joaquim Barbosa lembrou que a imprensa nunca deu a mesma importância ao mensalão mineiro. Ele até disse que, quando tocava no assunto, os repórteres reagiam com um “sorriso amarelo.”
Eu acho bom quando um ministro do Supremo se refere ao tratamento desigual que parte da mídia dispensou aos dois mensalões. Mostra que isso não é “coisa de mensaleiro petista ” não é mesmo?
Mas há outro aspecto. O fato da imprensa dar um tratamento desigual é um dado da política brasileira e, no fim das contas, diz respeito a um jornal e seus leitores. Como leitor, eu posso até achar que a imprensa deve tratar todos da mesma maneira, deve procurar ser isenta mas a liberdade de expressão garante que todo jornal e todo jornalista tenha suas preferencias, suas prioridades e opções. Salvo patologias criminosas, todos têm o direito o direito de exercitá-las.
A visão que você lê neste blogue é diferente daquela que vai encontrar em outros lugares. É bom que seja assim.
A justiça não. Esta deve ser tão isenta que a querem cega. E aí, data vênia, quem sorri amarelo, neste caso, é quem desmembrou o mensalão (do PSDB) mineiro e unificou o mensalão petista.
Porque estamos falando de um tratamento desigual para situações idênticas, no mesmo país, no mesmo sistema, no mesmo tribunal. O direito de uns foi reconhecido. O de outros, não. Às vezes, chegou-se a uma situação surrealista.
Nos dois casos, o “núcleo operacional”, para usar a definição do procurador geral, é o mesmo. Marcos Valério, Cristiano Paz e os outros. O Banco Rural também. As técnicas de arrecadação e distribuição de recursos eram as mesmas. Só mudou o núcleo político. Então, me desculpem, o problema está na política. Sim.
Por causa do desmembramento, podemos ter sentenças diferentes para o mesmo caso. “Dois pesos, dois mensalões,” já escreveu Jânio de Freitas.
Se o mensalão petista tivesse sido desmembrado, o deputado João Paulo e outros dois parlamentares acusados até poderiam ser julgados em Brasília, como o deputado Eduardo Azeredo será, quando seu dia chegar. (O mensalão mineiro é mais antigo mas anda mais devagar, também. Ainda estão colhendo depoimentos, ouvindo testemunhas…) Ainda assim, teremos outros prazos e, muito possivelmente outras penas.
Mas em caso de desmembramento, José Dirceu e José Genoíno, para ficar nos nomes mais ilustres e simbólicos, teriam sido reencaminhados para a Justiça comum, com direito a várias etapas de julgamento antes da condenação. O Ibope seria menor. E não estou falando só da repercussão nas eleições municipais de 2012. Por favor: a questão não se resume ao novo candidato do PT a prefeitura de Osasco.
Nós sabemos que o troféu principal do julgamento é Dirceu. O número 2, Genoíno. É por isso que o caso se encontra no STF. Ali tem mais holofotes.
No início do julgamento, Gilmar Mendes chegou a sugerir que as chances dos réus serem absolvidos eram maiores num julgamento desmembrado do que num processo unificado. Concordo.
Mas se isso é verdade, por que mesmo se deu um tratamento diferenciado? Não é preciso sofisticar mais o raciocínio. Como perguntou Eduardo Kossmann, advogado. Considerando que a Constituição diz que todos são iguais perante a lei “como explicar para meu filho de cinco anos?”
Uma sentença do Supremo é um acontecimento duradouro. Repercute hoje, amanhã, no ano que vem e daqui a uma década. Destrói uma vida, aniquila uma reputação.
Como disse Pedro Abramoway, que passou os dois mandatos de Lula em posições importantes no área jurídica, o mensalão propriamente não foi julgado. Aquela denúncia, de compra de consciências, que é o centro da acusação do procurador Roberto Gurgel, ficou para mais tarde.
As provas de que os parlamentares colocavam dinheiro no bolso para mudar seu voto não apareceram até agora.
Isso apareceu quando o deputado Ronnie Von Santiago (olha só, mais um roqueiro no debate) confessou que tinha recebido R$ 200 mil para votar a favor da reeleição de Fernando Henrique Cardoso, há quase 20 anos. Ali foi suborno, foi propina, foi compra de votos. Pelo menos ele disse isso. Os mais de 300 ouvidos no mensalão sempre negaram. Todos.
Até Roberto Jefferson mudou o depoimento na hora em que era para valer.
Mas o caso de Ronnie Von não gerou um processo tão grande. Nada aconteceu com seu núcleo politico, vamos combinar.
E é isso que mostra que tudo pode estar mudando para que nada mude.
O deputado João Paulo Cunha foi condenado a 6 anos de prisão em função de uma prova que pode ser discutida. A de que recebeu uma propina de R$ 50 000 para aprovar um contrato de R$ 10 milhões com as empresas de Marcos Valério. Você pode até dizer que é tudo “parte do mesmo esquema” e dar aquele sorriso malicioso de quem acha todos os argumentos contrários apenas ingênuos ou cúmplices mas vamos combinar que há um pressuposto nessa visão.
O pressuposto é de que não houve nem podia haver outro tipo de pagamento nesta operação. Não podia ser dinheiro de campanha, nem recurso de caixa 2. O problema é que as campanhas costumam ser feitas com caixa 2, que devem ser apurado, investigado e punido. Mas são outro crime.
Caixa 2 não é uma “tese” da defesa. Pode ser “tese” artificial ou pode ser uma “tese” com base na realidade. Mas a sonegação existe, está aí, pode ser demonstrada em vários momentos da vida brasileira, inclusive em campanhas eleitorais. Existem empresas criadas especialmente para ajudar os interessados nesse tipo de coisa.
Acho positivo o esforço de questionar e desvendar o que está por trás das coisas. Mas não sei se neste caso tudo ficou tão demonstrado como se gostaria.
Por exemplo. Os milhões de dólares que Paulo Maluf mandou para o exterior foram comprovados. Funcionários das empreiteiras explicaram, detalhadamente, como o esquema funcionava, como se fabricavam notas frias e como se fazia o desvio dos recursos públicos. No entanto, Maluf hoje em dia não pode viajar por causa de um mandato da Interpol. Mas não cumpre pena de prisão. Foi preso quando havia o risco de fugir.
Outro exemplo. As agências de Marcos Valério foram acusadas de embolsar um dinheiro a que não teriam direito nos contratos com o Visanet, o chamado bônus por volume. O problema é que essa prática é muito frequente no mercado publicitário e, em 2008, foi regulamentada em lei no Congresso. O que não era proibido nem permitido foi legalizado. Mas ontem, o ministro Ayres Britto, presidente do STF, disse que a aprovação dessa lei foi uma manobra para beneficiar os acusados do mensalão. É muito possível. Mas eu acho que um ministro do Supremo não deveria fazer uma acusação gravíssima contra uma decisão de outro poder. Ou pode?
quinta-feira, agosto 30, 2012
José Luís Fiori: O capitalismo americano
Nos cerca de 250 anos de história independente, os EUA iniciaram – em média – uma guerra a cada três anos, exatamente como a Inglaterra. Contando com a vantagem de ser “membro por nascimento”, da pequena comunidade dos estados produtores da “ética internacional” que arbitram as “guerras justas” e o “livre comércio”.
Por José Luís Fiori, na Carta Maior
A publicação – em 1894 – do livro do economista inglês, John A. Hobson (1858-1940) – “A Evolução do Capitalismo Moderno” – transformou-se numa referencia obrigatória para a interpretação do desenvolvimento econômico dos Estados Unidos. Depois de Hobson, vários historiadores e economistas retomaram sua tese sobre a originalidade radical do capitalismo americano, vis a vis o desenvolvimento europeu.
Em particular, depois da Guerra de Secessão (1861-1865), com o surgimento das grandes corporações e do capital financeiro que teriam revolucionado a organização microeconômica, e mudado a face do capitalismo mundial. Do nosso ponto de vista, entretanto, estas transformações ajudam a entender o “milagre econômico” americano do início do século 20, mas não explicam as próprias transformações.
Os Estados Unidos foram o primeiro estado nacional que nasceu fora da Europa, mas não fora do sistema geopolítico e econômico europeu. Pode-se dizer inclusive, que a “Guerra da Independência” americana foi, em grande parte, um capítulo da disputa entre a Inglaterra e a França pela supremacia mundial. E sua conquista definitiva ocorreu entre as duas grandes guerras (“Dos 7 Anos” e “Bonapartista”) que definiram a hierarquia de poder internacional, e a supremacia inglesa, dentro e fora da Europa, a partir de 1815.
Durante este período de guerras, os Estados Unidos sempre se sentiram “cercados” e ameaçados – simultânea ou sucessivamente – pela Inglaterra, França e Espanha, e tiveram que negociar seu reconhecimento e suas fronteiras com o “núcleo duro” das Grandes Potências europeias.
Assim mesmo, os EUA acabaram se transformando no único estado nacional extra-europeu que nasceu de um império e de uma economia em plena expansão vitoriosa. Mais do que isto, durante a chamada “revolução industrial” que transformou os Estados Unidos – imediatamente – na primeira periferia “primário-exportadora” de sucesso da economia industrial inglesa.
Situação econômica privilegiada que se consolidou e expandiu durante todo o século 19, antes e depois da Guerra de Secessão, enquanto a Inglaterra abria espaços de expansão comercial para sua ex-colônia, e assumia a responsabilidade – em alguns momentos – por cerca de 60% do investimento direto dentro de todo o território norte-americano, que passou a fazer parte de uma espécie de “zona de co-prosperidade” anglo-saxônica , ou mesmo, num caso avant la lettre, de “desenvolvimento a convite”, da Inglaterra.
Por outro lado, desde sua independência, os Estados Unidos foram governados por uma elite coesa e com um intense commitment imperial, e mantiveram um ritmo de expansão política e territorial contínua, através da guerra, da diplomacia e do comércio.
Antes da Guerra Civil, foram 37 “guerras indígenas”, e mais as Guerras do Texas e do México, em 1837 e 1846, responsáveis pela duplicação do território americano. Mais a frente, vieram a Guerra Civil e a Guerra Hispano-Americana, e uma sucessão de intervenções militares no Caribe, num movimento de expansão que se acelerou no século 20, alcançando Europa, Ásia, Oriente Médio e África.
De forma que nos cerca de 250 anos de história independente, os EUA iniciaram – em média – uma guerra a cada três anos, exatamente igual como a Inglaterra. Contando com a vantagem de ser “membro por nascimento”, da pequena comunidade dos estados produtores da “ética internacional” que arbitram as “guerras justas” e o “livre comercio”.
A história segue e é extensa, mas já se pode dizer que ela fornece fortes indícios de que:
- o desenvolvimento econômico dos EUA não foi uma exceção, pelo contrário, foi uma parte essencial da expansão e das contradições do sistema inter-estatal e do capitalismo europeu;
- o sucesso do capitalismo americano não foi puramente endógeno, nem foi apenas uma obra das grandes corporações e do capital financeiro que nasceram à sombra da Guerra Civil;
- o “apoio externo” foi decisivo para o sucesso da economia americana, que foi sempre a principal “fronteira de expansão” do capital financeiro inglês;
- a “guerra contínua” teve um papel estratégico no desenho da política industrial e agrícola, e no desenvolvimento científico e tecnológico dos EUA;
- e por fim, a expansão política, territorial e bélica dos EUA foi na frente do processo de internacionalização das grandes corporações, do capital financeiro e da moeda norte-americana.
Uma história de desenvolvimento econômico como a das demais potências do sistema mundial, mas muito diferente da interpretação economicista de Hobson e seus discípulos.
*José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A redução da Selic e a independência do Banco Central
Do Estadão
O BC independente?
Antonio Corrêa de Lacerda
Amanhã, 31 de agosto, completa um ano que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BC) surpreendeu muitos ao reduzir em 0,5 ponto porcentual a taxa básica de juros (Selic), então em 12,5% ao ano, dando início a um ciclo continuado de novas reduções que a trouxeram ao nível atual, de 7,5% ao ano. A decisão de então do Copom gerou muita controvérsia.
De um lado, economistas, contrários à medida, a julgavam descabida e de elevado risco. Para estes, o nível de inflação no País exigia taxas de juros ainda altas e a sua redução seria um risco para a estabilidade. Do outro lado, a minoria, via a decisão como tardia, ainda conservadora, mas acertada. Isso porque o País estava na contramão da tendência internacional, com taxas de juros muito altas e um espaço enorme para sua redução.
Decorrido o primeiro ano, o cenário previsto pelo BC, expresso nas Atas das reuniões do Copom, revelou-se mais acertado que o dos seus críticos. A deterioração decorrente da crise europeia e o baixo crescimento dos EUA foram impactantes para a desaceleração do crescimento econômico da China. O enfraquecimento da economia mundial gerou uma sobreoferta de produção e uma desinflação, especialmente nas commodities metálicas.
Vale destacar que os bancos centrais das economias centrais adotaram, desde o final de 2008, um movimento simultâneo de redução de suas taxas básicas de juros, ao mesmo tempo que ampliaram a liquidez nos mercados. Vivemos um longo ciclo de taxas de juros reais negativas. O Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) já manifestou que não pretende alterar suas baixas taxas de juros pelo menos até 2014.
Há uma longa discussão sobre a chamada independência dos bancos centrais. Na visão ortodoxa, eles deveriam ter total autonomia diante dos governos. Trata-se de uma discussão um tanto defasada em relação à situação do mundo atual. O que tem ocorrido, na prática, é que os bancos centrais vêm atuando de forma coordenada com seus governos nacionais, assim como com seus equivalentes em outros países, visando a combater os efeitos da crise e evitar o seu agravamento.
Especialmente para os países em desenvolvimento, a passividade diante do quadro internacional ou uma interpretação equivocada dos sinais representaria custos onerosos sobre o nível de atividade, custo do financiamento da dívida pública e níveis reais de suas taxas de câmbio. Para o Brasil - que, em 2008, quando dos efeitos da crise do mercado subprime norte-americano, já havia cometido o erro de não baixar rapidamente as taxas de juros básicas, e pagou um alto preço por isso - era preciso, diante do agravamento da crise europeia em 2011, ousar com responsabilidade e agir. Isso, a despeito das resistências de alguns setores do mercado.
Daí a importância da autonomia e da independência do BC. Aqui, elas não estão relacionadas ao Executivo, mas às pressões do mercado. É preciso que as autoridades monetárias decidam e implementem as medidas de política econômica, tendo em vista o que é mais adequado para o conjunto da economia.
Outra mudança importante e bem-sucedida foi a da remuneração da caderneta de poupança, fator sempre apontado como impeditivo para a queda dos juros, que foi conduzida com competência e sem gerar quebras de contratos.
Porém ainda estamos longe de imaginar que a batalha chegou ao fim. Na verdade, ela só começou. Foi rompido um paradigma importante que permitiu ao Brasil atingir uma taxa básica real de juros mais próxima da média de países semelhantes. Houve progressos, mas é preciso avançar nas demais condições imprescindíveis para que os ganhos sejam perenes e sustentáveis no longo prazo. Entre outros desafios, temos de enfrentar a distorção representada pela indexação de contratos e tarifas. Um resquício do período de inflação crônica que precisa ser removido, pois também representa um limitador para a redução dos níveis inflacionários e, portanto, das taxas de juros.
Antonio Corrêa de Lacerda é economista, Doutor pelo IE/Unicamp e Professor Doutor do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política da PUC-SP.
segunda-feira, agosto 27, 2012
Público e privado
Amir Khair[1]
Após sucessivos pacotes, o governo faz mais uma tentativa para ativar a economia, lançando o primeiro programa de estímulo à logística nos modais de transporte rodoviário e ferroviário. Em breve sai outro contemplando os modais portos e aeroportos.
Esses programas passam a execução de obras e a operação dos modais para empresas privadas sob a forma de concessão.
Algumas análises afirmam que, agora sim, o governo acertou na estratégia para o crescimento econômico, pois irá priorizar o investimento ao invés do consumo. E mais, sendo tocados pela iniciativa privada têm a vantagem de ser realizado a custo e prazo inferior e, suprir a falta de recursos do governo.
1. Sem ilusões - Esses programas, embora necessários, tem impacto no longo prazo, pois faltam atacar detalhes e realizar licitações. Assim, só começarão a aparecer no segundo semestre de 2013.
O governo já perdeu dois anos de crescimento por ser pautado em 2010 e 2011 pelas análises do mercado financeiro, que vivem ameaçando com o fantasma da inflação. Arrisca-se a errar de novo se ficar parado aguardando os resultados desses programas.
2. A saída imediata - O que interessa para garantir bom crescimento em 2013 e sua continuidade é o aproveitamento do potencial de consumo, que está emperrado pelas altas taxas de juros bancárias (nada a ver com a Selic). O que importa para destravar o consumo não é pedir aos bancos que ampliem a oferta de crédito, como fez o governo, mas sim induzi-los (sem pedir) a baixarem as ainda escorchantes taxas de juros para as pessoas e empresas. O governo sabe como fazer isso, mas ainda não fez: reduzir e tabelar as tarifas bancárias e até o fim do ano posicionar a Selic em 5% (nível dos países emergentes). Essas duas fontes de lucros dos bancos se reduzidas, os levam a compensar no aumento da oferta de crédito, com redução de juros que interessa.
Segundo a Anefac, que acompanha as taxas de juros praticadas pelos bancos, a taxa média à pessoa física em julho foi de 104,0% ao ano e à pessoa jurídica, 51,6%, sendo ambas as mais baixas da série histórica desde 1999 (!). Esse é o verdadeiro freio ao crescimento. É bom sempre repetir: se não for removido esse freio, adeus 2013 e 2014, mesmo com bons e necessários programas de logística e infraestrutura.
Vale analisar os argumentos de passar para a iniciativa privada o que antes é mal feito pelo governo, quanto à falta de recursos para investir e os maiores prazos e custos operados por ele.
Sem cair no debate ideológico que essa questão envolve, impõe-se considerações e informações do que vem caracterizando as realizações de responsabilidade pública entregues ou não à iniciativa privada.
3. Falta de recursos - O argumento da falta de recursos é válido para todas as áreas de atuação, especialmente para a social, onde o déficit é elevado e sacrifica a maioria da população. Mas, a falta de recursos é por pouco tempo, pois: a) a redução da Selic vai permitir economizar mais de R$ 100 bilhões por ano; b) com o crescimento acima de 4% ao ano, a arrecadação tende a crescer de 3% a 4% acima do PIB pela redução da inadimplência; c) a arrecadação cresce acima de 1% real devido à melhoria das máquinas fazendárias; e d) se usar corretamente suas estatais, sem os nefastos populismos na fixação de preços, como no caso da Petrobras, os dividendos crescerão naturalmente, contribuindo ainda mais para a ampliação dos recursos. Os recursos existem e não vão faltar e, só dependem do governo.
4. Prazos - O setor público trabalha com o freio de mão puxado. Leis, decretos e portarias amarram a ação governamental. Infringir qualquer dispositivo desse emaranhado de regras pode sujeitar o infrator a multas até penas de reclusão. O servidor, com receio da eventual punição, procura se defender não dando seu parecer no processo, encaminhando-o para outro órgão opinar. E assim vai...
O medo do erro e o cipoal legislativo são as principais razões para o atraso na tramitação burocrática de qualquer processo. Isso pode ser bastante aprimorado caso o governo dê importância ao combate ao excesso burocrático. Para isso deve adotar o princípio de que todo cidadão é honesto salve prova em contrário. É o princípio da desburocratização. Enquanto isso não for realidade é necessário estabelecer prazos máximos de tramitação para todo tipo de processo. Por exemplo: aprovação de planta para execução de obra: prazo 30 dias. Vencido o prazo está aprovada, ficando a fiscalização do cumprimento das regras a posteriori.
5. Custos - Podem ser para: compras de bens, prestação de serviços e obras. Para compras, os custos dependem da modalidade de aquisição. Se adotado o pregão eletrônico ou presencial (cada vez mais usado), os preços estão abaixo da média do mercado e, como em geral as quantidades adquiridas são grandes, os preços baixam mais ainda, permitindo preços até melhores que na iniciativa privada quando adquire quantidades menores que no setor público. Impõe-se avançar cada vez mais nessa direção.
A maior parte dos serviços é padronizada e passível de licitar pelo sistema de pregão. Para os demais casos o que determina é o custo da mão de obra, em geral cerca de 80% do total. Esse custo depende do salário e da produtividade. Para órgãos que adotam salários a nível de mercado e têm boa gestão de pessoal os custos podem se equiparar aos da iniciativa privada.
Os da iniciativa privada podem ser mais caros, caso o governo não fiscalize adequadamente o contrato, fato comum no setor público. A precária fiscalização é um convite à prática de superfaturamento. Infelizmente o governo não se equipa para fazer diretamente e contrata o setor privado sem fiscalizá-lo. Quem paga a conta dessa irresponsabilidade é o contribuinte.
Nas obras, repete-se o mesmo que para serviços, quando predominam despesas com mão de obra, mas caso o peso dos materiais é determinante, o setor público pode ter custos competitivos, pois pode comprar a preços melhores dado o seu porte.
Em grandes obras há que se tomar cuidado, pois o setor privado opera com poucas empresas onde a ocorrência de superfaturamento é bem conhecida.
Diante dessas considerações creio que o avanço econômico irá se dar no interesse da sociedade, quando atribuição de interesse público entregue ao setor privado seja obrigatoriamente acompanhada de adequada fiscalização e seu custo de implantação e execução for melhor do que os do governo.
Para que a atribuição seja realizada diretamente pelo governo é necessário que ele esteja devidamente aparelhado para executá-la com custos e prazos melhores que os do setor privado. Infelizmente são raros os casos em que órgãos do setor público cumprem o que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal, que é ter sistema de custos, o que permitiria as decisões que importam.
Finalmente chega de demonizar ou de endeusar o setor privado e o governo. Impõe-se aprofundar o debate para se obter o maior proveito do que cada um tem de melhor.
O Reino Unido como “Estado canalha”
O Reino Unido não fica atrás como “Estado canalha”. Nos últimos tempos fez mais que o suficiente para dividir o pódio com seu descendente do outro lado do Atlântico
27/08/2012
Atílio Borón
A partir de fins do século passado, ganhou crescente aceitação na opinião pública internacional a expressão “Estado canalha”. Incentivado pela máquina propagandística norte-americana, o conceito tinha como objetivo satanizar os países hostilizados por Washington, com a evidente intenção de justificar as agressões do império.
Nesta lista estavam incluídos Afeganistão, Coreia do Norte, Cuba, Iraque, Irã, Líbia, Sérvia e Montenegro, Sudão e Síria. Atualmente, a listagem se reduziu a cinco países, porque, graças às políticas de promoção de “mudanças de regime” (eufemismo para evitar dizer “intervenção aberta dos EUA”), Afeganistão, Iraque, Líbia, Sérvia e Montenegro foram incorporados à categoria de nações democráticas. O Sudão, por sua vez, foi dividido em dois e a região rica em petróleo se converteu em Sudão do Sul. O resto continua sendo “Estado canalha”.
Porém, as reviravoltas da história ou a “astúcia da razão” hegeliana fizeram com que hoje esse termo se volte contra seu criador. Os estigmatizados o eram por sua pretensa violação aos direitos humanos, seu apoio ao terrorismo e suas armas de destruição maciça constituíam ameaças letais à comunidade de nações. Cuba, a maior exportadora mundial de professores e médicos, permanece nessa lista da infâmia até os dias de hoje! Em síntese, eram governos que violavam a legalidade internacional e, por isso mesmo, a obrigação dos Estados Unidos e seus aliados era acabar com esse flagelo. No entanto, foram dois eminentes intelectuais norte-americanos, Noam Chomsky e William Blum, e um cineasta, Oliver Stone, que desconstruíram o argumento da Casa Branca ao fundamentar as razões pelas quais o principal “Estado canalha” do planeta e a maior ameaça terrorista à paz mundial não era outro senão os Estados Unidos.
O Reino Unido não fica atrás como “Estado canalha”. Nos últimos tempos fez mais que o suficiente para dividir o pódio com seu descendente do outro lado do Atlântico. A evidência é espantosa e, se algo faltava às suas reiteradas manifestações de desprezo perante a legalidade internacional, representada pelas resoluções da Assembleia Geral e o Comitê de Descolonização das Nações Unidas, no caso das Ilhas Malvinas (bem como em mais outros nove casos, totalizando 16), a atitude de Londres em relação a Julian Assange acaba com qualquer dúvida sobre o assunto. Seria possível afirmar que, com a gestão de David Cameron, o Reino Unido se converteu em um autêntico “violador em série” de leis e tratados internacionais.
Bravatas, como o envio do destróier Dauntless às Malvinas, empalidecem diante da denúncia do chanceler equatoriano Ricardo Patiño, afirmando que o governo britânico transmitiu a Quito uma “ameaça expressa e por escrito de que poderiam assaltar nossa Embaixada do Equador em Londres caso não entregassem Julian Assange”. O Secretário de Assuntos Estrangeiros do Reino Unido ratificou, posteriormente, essa ameaça que viola a Convenção de Viena, onde se estabelece a inviolabilidade das sedes diplomáticas (extensiva à residência dos embaixadores, automóveis das embaixadas e às bagagens diplomáticas), coisa que nem os sanguinários ditadores como Jorge Rafael Videla e Augusto Pinochet se atreveram a desrespeitar. Basta lembrar que o ex-presidente Héctor Cámpora ficou refugiado na embaixada do México em Buenos Aires durante cinco anos e, quando obteve asilo político, saiu do país sem ser molestado. No entanto, Londres assegurou, ainda que o Equador já tenha concedido o asilo a Assange, que não o deixará sair da embaixada.
Assim, transgride o que explicitamente estabelece a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados que o próprio Reino Unido assinou, descumprindo-o na prática com sua desobediência. É que o delito cometido por Assange tornou-se imperdoável ao tornar pública a corrupção e os crimes cometidos e mantidos em segredo pelo império. Em consequência, os Estados Unidos vêm mobilizando suas forças em nível mundial para acossá-lo, ainda que violando todas as leis e tratados internacionais e atropelando todas as liberdades e direitos humanos, para dar a ele o castigo que merece
A imprensa hegemônica de todo o mundo aplaude a “coragem de Londres”. É que o Reino Unido é um dócil peão da estratégia imperial, como também o é o atual governo sueco e, pior ainda, o da Austrália, país do qual é oriundo Assange e que, de maneira escandalosa, ignorou o caso. Claro, em novembro de 2011, Barack Obama anunciou que enviaria uma tripulação de 2.500 marines a uma nova base a ser inaugurada em Camberra, na Austrália, como primeiro passo de uma estratégia muito mais ambiciosa para conter o “expansionismo chinês” nesse país. Diante disso, como poderia o governo australiano preocupar-se com a sorte do atualmente mais famoso de seus cidadãos?
Atílio Borón é sociólogo, professor universitário, argentino. Traduzido pelo Portal do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
sábado, agosto 25, 2012
A independência brasileira
Gilson Caroni Filho: 7 de setembro, as margens ainda são plácidas?
No Vi o Mundo
Nos dias de hoje, um país independente só pode embasar-se na legitimidade do seu regime político e na participação social dos seus cidadãos. Sem estes requisitos, a independência é degradada à mera função de serviços de Estado fraco e mercado desregulado, como vimos nos anos FHC.
O 7 de setembro de 1822 marca o surgimento de um novo Estado – o do Brasil. Mas a nação que ele deveria expressar ainda estava em formação. Surgia ali uma configuração estatal que, se não era uma ficção, adiantava-se ao processo de formação nacional, para erigir-se em função dos interesses de grupos sociais específicos e de uma região particular.
A ruptura dos laços com a metrópole portuguesa, sob o bafejo do capital inglês, não redundaria na criação de um Estado nacional de corte burguês. Antes, permitiu que uma oligarquia escravocrata e fundiária articulasse um tipo de dominação senhorial que impôs uma superestrutura política liquidada apenas no século XX.
Precisamente este recorte viabilizou o que seria a marca das classes dominantes brasileiras: a autonomia nacional não se acompanhou da inserção da massa do povo no espaço da cidadania. A estratégia das chamadas elites operou – e ainda opera quase dois séculos após o Ato do Ipiranga – no sentido de frustrar a democratização da vida social, realizando a exclusão de amplos setores sociais da cena pública. A constituição do Estado, entre nós, verificou-se sistematicamente com o controle e a manipulação, pelo alto, da intervenção popular.
Convém lembrar que há 190 anos o Brasil já era uma sociedade de classes, na qual uns – os proprietários de terra – haviam aprendido que o uso da força lhes permitiria apropriar-se do fruto do trabalho de outros: a grande massa dos trabalhadores diretos. A Constituição de 1824, fruto de um golpe de Estado, consagrou a exclusão da vida política tanto de escravos – por sua condição jurídica – quanto de uma imensa maioria de trabalhadores livres da cidade e do campo.
Mesmo as mais notáveis inflexões no processo de constituição e desenvolvimento do Estado não reverteram a lógica da política excludente. Sempre que as lutas populares surgiram uma e outra vez, levantando as bandeiras de uma independência verdadeira e de uma autêntica justiça social, as classes dominantes não vacilaram em recorrer ao uso pleno da força que elas detinham de fato e – segundo estabeleceram várias constituições – de direito. Ainda que derrotadas, as sucessivas lutas pela conquista de direitos influíram fortemente na consciência nacional. Chegaria um tempo em que a sucessão de movimentos – o republicano, a revolução de 1930, as campanhas pelo petróleo, pelas reformas de base, pelas Diretas-Já – mostraria que a nação, ao contrário do que desejavam suas elites, já era uma realidade.
É por tudo isso que a comemoração dos 190 anos do Ato do Ipiranga deve merecer atenção especial, motivando a reflexão e a análise de todos os que pretendem que a independência e a soberania se fundem num Estado que expresse os interesses da massa dos cidadãos.
Nos dias de hoje, um país independente só pode embasar-se na legitimidade do seu regime político e na participação social dos seus cidadãos. Sem estes requisitos, a independência é degradada à mera função de serviços de Estado fraco e mercado desregulado, como vimos nos anos FHC.
É evidente que a independência não é uma questão estritamente política. Ela se liga intimamente à economia, especialmente num mundo em que a integração dos processos econômicos é uma exigência intrínseca da produção. No entanto, exatamente para isso, o controle dos aparatos estatais pelos representantes da população politicamente organizada é um pressuposto de independência.
Continuar cumprindo o projeto de soberania que o 7 de setembro inaugura, agora, é aprofundar os avanços obtidos nos últimos dez anos, dialogando com os movimentos sociais, em especial o MST . Manter a política externa, adensando a integração regional de forma a contemplar os interesses das forças sociais empenhadas no combate à exploração imperialista é imperativo.
Não podemos, como quer a direita encastelada no Instituto Millenium, voltar a ser um Estado de quatro poderes, com um deles – o das redações “Moderadoras” –, servindo a um vice-rei para recordar à burguesia e às oligarquias que seus interesses são defendidos se a cidadania for excluída. Ou se a razão do mercado aniquilar a vontade política.
Para as forças progressistas – que sempre deram o melhor de si para que a autonomia política se traduzisse em soberania nacional – a independência não é apenas uma data do calendário cívico. É uma luta contínua contra os que se empenham para que não haja mudança alguma no caráter de classe do Estado brasileiro. É combate diário contra os que pretendem submeter a autonomia dos Poderes – em especial o Judiciário – à linha editorial de uma mídia corporativa que não comporta a diversidade e o contraditório.
É essa a realidade que enfrentamos hoje. As forças do passado, reivindicando sua tradição oligárquica, se apoiam na grande imprensa, que cala vozes, para evitar profundas renovações da sociedade brasileira. Nas margens plácidas do Ipiranga, as possibilidades se multiplicam.
quinta-feira, agosto 23, 2012
Governo quer usar 100% dos royalties do pré-sal na educação Afirmação foi feita pelo ministro Aloizio Mercadante após reunião com a presidenta Dilma e dirigentes da UNE
Por: Blog do Planalto
Brasília - O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, afirmou ontem (22) que o governo defende a aplicação de todos os recursos provenientes dos royalties do petróleo e do pré-sal na educação. O objetivo é ter uma receita que permita ao governo investir 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação.
“O governo está disposto a colocar todos os royalties do petróleo e do pré-sal e pelo menos metade do fundo social do petróleo para educação, exclusivamente para educação, isso para os municípios, os estados e a União (…) Essa é a posição do governo, é isso que nós vamos defender no Congresso Nacional, é uma posição da presidenta”, disse o ministro, após reunir-se nesta quarta-feira com a presidenta Dilma Rousseff e o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Daniel Iliescu.
“É muito melhor colocar os royalties do petróleo na sala de aula do que desperdiçar na máquina pública (…) A função prioritária dos royalties é preparar a economia pós-petróleo, o petróleo é uma fonte de energia não-renovável e o melhor caminho para preparar o Brasil para o pós-petróleo é o investimento em educação”, disse.
O Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em caráter conclusivo no fim de junho em uma comissão especial da Câmara dos Deputados, determinou que o governo deve investir 10% do PIB em educação até 2022. Segundo Mercadante, os recursos dos royalties – valor cobrado das empresas que exploram petróleo – permitiriam alcançar a meta de investimento estipulada pelo PNE, que ainda depende de aprovação do Senado.
quarta-feira, agosto 22, 2012
Tristes bonecas de ventríloquo da Amerika & de suas guerras
Paul Craig Roberts, Institute for Political Economy
“Pussy Riot, The Unfortunate Dupes of Amerikan Hegemony”
Traduzido pelo opessoal da Vila Vudu
http://redecastorphoto.blogspot.com.br
Paul Craig Roberts
Meu coração está com as três mulheres da banda russa Agito das Bucetas [orig. Pussy Riot] – que foram brutalmente manipuladas e usadas por ONGs pagas por Washington infiltradas na Rússia. A banda Agito das Bucetas foi mandada cometer crime, enviada em missão absolutamente ilegal. O pique das moças é admirável. Mas é triste a facilidade com que se deixaram enganar e manipular.
Washington andava à procura de alguma coisa “popular” que pudesse usar para demonizar o governo russo e, assim, puni-lo pelo “crime” de opor-se à decisão de Washington de destruir a Síria, exatamente como Washington destruiu o Iraque, o Afeganistão e a Líbia; e como Washington ainda planeja destruir o Líbano e o Irã.
Mas ofender e atacar deliberadamente locais de culto e crentes religiosos seria denunciado como crime de ódio nos EUA e nos estados-fantoches dos EUA na Europa e no Canadá e na Grã-Bretanha. Então, a banda Agito das Bucetas violou a lei russa. E os EUA viram, ali, o “fato” de que precisavam.
Antes de as mulheres serem julgadas, o presidente Putin dissera que, em sua opinião, as mulheres não deveriam receber pena severa. Acompanhando a opinião de Putin, o juiz condenou as mulheres – enganadas, manipuladas e usadas por ONGs que vivem do mesmo dinheiro que financia as guerras da Amerika – a dois, não aos sete anos de prisão que a lei russa prevê para o crime de atentado à liberdade de religião e culto.
Banda Pussy Riot
As mulheres da banda não foram torturadas, não passaram por “simulação de afogamento” como procedimento de “interrogatório estimulado”, não foram estupradas, não foram obrigadas a assinar falsas confissões, nem foram entregues a governos ditatoriais “amigos” dos EUA para serem torturadas, dentre outras práticas já consagradas no sistema de “justiça” dos EUA.
Tudo levava a crer que, em alguns meses, Putin encontraria meio legal para libertar aquelas mulheres. Nada disso, é claro, poderia ser usado como propaganda a favor do Império Amerikano. Então, a 5ª Coluna paga por Washington e ativa na Rússia entrou em ação para tornar impossível, para Putin, oferecer alguma espécie de indulto às mulheres do grupo Agito das Bucetas.
Vladimir Putin
A tática de Washington, então, foi organizar manifestações, tumultos, quebrar igrejas, destruir prédios públicos e imagens religiosas na Rússia, de modo que Putin fique impossibilitado, ante a opinião pública russa, de comutar a pena das integrantes do Agito das Bucetas.
O que Washington mais deseja é minar o prestígio popular do governo de Putin e semear a divisão dentro da Rússia. É o mesmo processo pelo qual Washington continua a assassinar quantidades imensas de pessoas pelo mundo, ao mesmo tempo em que, simultaneamente, vai criando fatos como a ação e a prisão das integrantes da banda Agito das Bucetas, que são entregues como pasto onde se delicia a imprensa-empresa mercenária – presstitute, em inglês.
Em todo o ocidente, a imprensa-empresa mercenária prostituída por-se-á a denunciar os crimes de Putin contra a banda Agito das Bucetas, não os crimes de Washington, Londres e dos estados-poodles na União Europeia os quais, esses sim, massacram muçulmanos pelos quatro cantos do planeta, ao som de discursos sobre “democracia”.
A disparidade entre direitos humanos no ocidente e no oriente é espantosa. Por exemplo: quando um dissidente chinês dito “militante da liberdade” procurou asilo em Washington, os chineses “autoritários” não impediram que o homem deixasse a China e viajasse à Amerika: se queria ir... que fosse!
Julian Assange
Mas quando Julian Assange, o qual – absolutamente diferente da mídia-empresa mercenária ocidental – efetivamente trabalha para oferecer informação verdadeira e confiável aos cidadãos, recebe asilo político do Estado do Equador, a ex-Grã, hoje mini, Bretanha, curva-se ante o patrão norte-americano, e recusa o direito de passagem, para que Assange viaje ao Equador.
O governo britânico não se incomoda com violar a lei internacional, porque foi pago para violar a lei internacional! Washington pagou... e o Reino Unido não se envergonhou de converter-se em estado pária! A que ponto chegaram!
Karl Marx ensinou bem que o dinheiro converte tudo em mercadoria, em coisa que se compra e vende: governo, democracia, honra, moralidade, prestígio, a narrativa histórica, a lei. Nada escapa: tudo se compra e vende. Esse traço do capitalismo já alcançou amplíssimo desenvolvimento nos EUA e em todos os estados-poodles que obedecem aos EUA, cujos governos vendem o interesse dos próprios cidadãos, sempre que Washington estala os dedos. Assim, vão enriquecendo, não os estados, nem os cidadãos, mas os governantes, como Tony Blair, comprado por $35 milhões – preço que, para muitos, foi gigantesco desperdício de dinheiro.
Mandar soldados ingleses combater por interesses de Washington e do Império da Amerika em terras distantes, esse é o serviço que políticos europeus corruptos sempre têm a vender e que políticos norte-americanos corruptos sempre estão dispostos a comprar e compram.
Apesar de todos os conceitos, discursos e ritos enunciados, repetidos e encenados em nome da Democracia Europeia, os povos da Europa e o povo britânico absolutamente nada podem fazer contra o modo como são usados como bucha nos canhões de Washington e morrem pelos interesses de Washington.
Estamos conhecendo nova modalidade de escravidão: sempre que um governo distante alia-se ao governo da Amerika, os cidadãos daquele governo distante passam a ter de servir à Amerika e morrer pela Amerika; são os neoescravos de Washington.
Toda a atenção que a mídia-empresa em todo o mundo trabalhou para atrair na direção da banda Agito das Bucetas – banda obscura, sem nenhum talento conhecido – só serve para comprovar que toda a imprensa-empresa mercenária é a mesma, em todo o planeta e, toda ela, está incorporada numa mesma operação de propaganda dos EUA.
Atenção: a banda Agito das Bucetas NÃO É The Beatles dos anos 1960s. Os jovens que se manifestam a favor da banda nem suspeitam que todos, a banda e eles, estão sendo usados hoje como figurantes em imagens para a televisão. Amanhã ou depois, talvez estejam outra vez na televisão, mas já metidos em sacos de cadáveres, nos quais voltam para casa os soldados de países distantes que morrem nas guerras da Amerika.
Bradley Manning
Há tantas outras questões tão mais importantes, para as quais a imprensa deveria chamar a atenção! Há o caso da detenção ilegal de Bradley Manning, soldado que foi preso e torturado e que continua preso, sem acusação formalizada, pelo governo dos EUA.
Manning já está na prisão, sem condenação e sem culpa formalizada – e em território dos EUA! – há mais tempo do que a sentença a que foram condenadas as mulheres da banda Agito das Bucetas!
Qual o “crime” de Manning? Ninguém sabe. Washington o acusa por ter cumprido o dever, nos termos do Código Militar dos EUA e denunciado um crime de guerra – quando soube que militares norte-americanos haviam assassinado civis, entre os quais dois jornalistas, no Iraque – e por ter “vazado” documentos para WikiLeaks que expuseram ao mundo as mentiras do governo dos EUA.
Quer dizer: Manning é hoje o grande herói dos direitos civis, da liberdade de manifestação e expressão e da democracia no mundo. Por isso, precisamente, a Amerika o deseja preso e torturado, no fundo de uma de suas masmorras.
Julian Assange, de WikiLeaks, acusado de postar na Internet os documentos vazados, está confinado no prédio da Embaixada do Equador em Londres. O regime britânico defensor de direitos humanos, muito estranhamente, se recusa a cumprir a lei internacional e a dar direito de passagem a Assange, que recebeu asilo político e deve viajar ao Equador.
Não há quem trabalhe com leis internacionais e não saiba que o direito de asilo tem precedência sobre outros procedimentos, sobretudo tem precedência sobre golpes, ilegalidades e declarações mentirosas.
Washington armou e financiou terceiros para destruir a Síria e quer fazer o país rachar, dividido entre facções em guerra. Em vez de protestar contra esse ato odioso praticado por Washington, o mundo protesta contra o governo sírio por resistir contra a ameaça de a Síria ser destruída por Washington. Acho que nem George Orwell imaginou que os povos do mundo fossem tão supremamente estúpidos.
Na Amerika da “liberdade e da democracia”, o presidente Obama recusa-se a obedecer ordem de uma corte federal, que lhe ordenou que cesse de violar direitos Constitucionais, claros, perfeitos, dos cidadãos norte-americanos. Em vez de obedecer, o presidente dos EUA desafia a decisão da Corte e mantêm presos cidadãos norte-americanos, sem julgamento e sem acusação formal. E não se veem movimentos e protestos contra essa ação de tirania. Não. Ao contrário, a Amerika é exibida ao mundo como exemplo de democracia. Por que não se veem manifestações e protestos em todas as ruas dos EUA?
Moralidade de um lado só
PAULO MOREIRA LEITE - Época
Meu ponto de vista é que o mensalão não foi apenas caixa 2 para campanhas eleitorais nem apenas um esquema de desvio de recursos públicos. Foi uma combinação de ambos, como sempre acontece em sistemas eleitorais que permitem ao poder econômico privatizar o poder político com contribuições eleitorais privadas.
Um julgamento justo será aquele capaz de distinguir uma coisa da outra, uma acusação da outra, um réu do outro.
Quem combate o financiamento público de campanha não quer garantir a liberdade de expressão financeira dos eleitores, como, acredite, alguns pensadores do Estado mínimo argumentam por aí e nem sempre ficam ruborizados.
Quer, sim, garantir a colonização do Estado pelo poder econômico, impedindo que um governo seja produto da equação 1 homem = 1 voto.
É aqui o centro da questão.
Tesoureiros políticos arrecadam para seus candidatos, empresários fazem contribuições clandestinas e executivos que tem posições de mando em empresas do Estado ajudam no desvio. Operadores organizam a arrecadação eleitoral e contam com portas abertas para tocar negócios privados. Fica tudo em família – quando são pessoas com o mesmo sobrenome.
Foi assim no mensalão tucano, também, com o mesmo Marcos Valério, as mesmas agências de publicidade e o mesmo Visanet. Um publicitário paulista garante pelos filhos que em 2003 participava de reuniões com Marcos Valério para fazer acertos com tucanos e petistas. Era tudo igual, no mesmo endereço, duas fases do mesmo espetáculo.
Só não houve igualdade na hora de investigar e julgar. Por decisão do mesmo tribunal, acusados pelos mesmos crimes, os mesmos personagens receberam tratamentos diferentes quando vestiam a camisa tucana e quando vestiam a camisa petista. É tão absurdo que deveriam dizer, em voz baixa: “Sou ou não sou?” Ou: “Que rei sou eu?”
Mesmo o mensalão do DEM, que, sob certos aspectos, envolveu momentos de muito mau gosto, foi desmembrado.
Diante da hipocrisia absoluta da legislação eleitoral, sua contrapartida necessária é o discurso moralista, indispensável para dar uma satisfação ao cidadão comum. Os escândalos geram um sentimento de revolta e inconformismo, estimulando o coro de “pega ladrão!”, estimulado para “dar uma satisfação à sociedade” ou para “dar um basta na impunidade!” Bonito e inócuo. Perverso, também.
Até porque é feito sempre de forma seletiva, controlada, por quem tem o poder de escolher os inimigos, uma força que está muito acima de onze juízes. Estes são, acima de tudo, pressionados a andar na linha…
Em 1964, o mais duradouro golpe contra a democracia brasileira em sua história, teve como um dos motes ilusórios a eliminação da corrupção. O outro era eliminar a subversão, como nós sabemos. Isso demonstra não só que a corrupção é antiga mas que a manipulação da denúncia e do escândalo também é. Também lembra que está sempre associada a uma motivação política.
Entre aqueles que se tornaram campeões da moralidade de 64, um número considerável de parlamentares recebeu, um ano e meio antes do golpe, cinco milhões de dólares da CIA para tentar emparedar João Goulart no Congresso. Depois do 31 de março essa turma é que deu posse a Ranieri Mazzilli, alegando que Jango abandonara a presidência embora ele nunca tenha pedido a renúncia.
Seis anos depois do golpe, o deputado Rubens Paiva, que liderou a CPI que apurou a distribuição de verbas da CIA e foi cassado logo nos primeiros dias, foi sequestrado e executado por militares que diziam combater a subversão e a corrupção. Não informam sequer o que aconteceu com seu corpo. Está desaparecido e ninguém sabe quem deu a ordem nem quem executou. Segredo dos que combatiam a subversão e a corrupção, você entende.
O alvo era outro. A democracia, a sempre insuportável equação de 1 homem = 1 voto.
Eu acho curioso que a oposição e grande parte da imprensa – nem sempre elas se distinguem, vamos combinar, e recentemente uma executiva dos jornais disse que eram de fato a mesma coisa – tenham assumido a perspectiva de associar, quatro décadas depois, a corrupção com aquelas forças e aquelas ideias que, em 64, se chamavam de subversão.
A coisa pretende ser refinada, embora pratique-se uma antropologia de segunda mão, uma grosseria impar. Não faltam intelectuais para associar Estado forte a maior corrupção, proteção social a paternalismo e distribuição de renda à troca de favores. Ou seja: a simples ideia de bem-estar social, conforme essa visão, já é um meio caminho da corrupção.
Bolsa-Família, claro, é compra de votos. Como o mensalão, ainda que nenhuma das 300 testemunhas ouvidas no inquérito tenha confirmado isso e o próprio calendário das votações desminta uma conexão entre uma coisa e outra. Roberto Jefferson disse, na Policia Federal, que o mensalão era uma “criação mental” mas a denúncia reafirma que a distribuição de recursos era compra de consciência, era corrupção – você já viu aonde essa turma pretende chegar.
A corrupção dos subversivos é intolerável enquanto a dos amigos de sempre vai para debaixo do tapete.
Desse ponto de vista, eu acho mesmo que o julgamento tem um sentido histórico. Não por ser inédito, mas por ser repetitivo, por representar uma nova tentativa de ajuste de contas. Não é uma farsa, como lembrou Bob Fernandes num comentário que você deve procurar na internet.
A farsa é o contexto.
Veja quantas iniciativas já ocorreram. O desmembramento, que só foi oferecido aos tucanos. O fatiamento, que nunca havia ocorrido num processo penal e que apanhou o revisor de surpresa.
Agora que a mudança de regras garantiu que Cezar Peluso possa votar pelo menos em algumas fases do processo (“é melhor do que nada”, diz o procurador geral) já se coloca uma outra questão: o que acontece se o plenário, reduzido a dez, votar em empate? Valerá a regra histórica, que eu aprendi com uns oito anos de idade, pela qual em dúvida os réus se beneficiam? Ou o presidente Ayres Britto irá votar duas vezes?
E, se, mesmo assim, houver uma minoria de quatro votos, o que acontece? Vai-se aceitar a ideia de que é possível tentar um recurso?
Ali, no arquivo das possibilidades eventuais, surgiu uma conversa do ministro Toffoli, às 2 e meia da manhã, numa festa em Brasília. Já tem sido usada para dar liçãozinha de moral no ministro. No vale-tudo, servirá para criar constrangimento.
Enquanto isso, os visitantes que chegam a Praça dos Três Poderes demonstram mais interesse em tirar foto turística para o facebook do que em seguir os debates, como revelou reportagem de O Globo. Calma. O julgamento não vai ser tão rápido como se gostaria. Com a cobertura diária no horário nobre, manchetes frequentes, é possível mudar isso…
Minha mãe ria muito de uma vizinha, que dias antes do 31 de março de 64 foi às ruas de São Paulo protestar a favor de Deus, da Família, contra a corrupção e a subversão. Quando essa vizinha descobriu, era um pouco tarde demais e a filha dela já tinha virado base de apoio da guerrilha do PC do B. O diplomata e historiador Muniz Bandeira conta que a CIA trouxe até padre americano para ajudar na organização daqueles protestos.
A marcha de 64 foi um sucesso, escreveu o embaixador norte-americano Lincoln Gordon, num despacho enviado a seus chefes em Washington, já envolvidos no apoio e nos preparativos do golpe. Mas era uma pena, reparou Gordon, que havia poucos trabalhadores e homens do povo.
terça-feira, agosto 21, 2012
O aumento do investimento - Antonio Delfim Netto
Gostemos ou não, a organização social ("simplisticamente" chamada de capitalismo) que o homem encontrou no desenrolar de sua história através de uma seleção quase natural é, até agora, a única que permitiu conciliar, numa medida imperfeita, a liberdade de iniciativa dos indivíduos com uma relativa eficiência produtiva. Ela dá resposta aos crescentes desejos de consumo criados pelo aumento constante da própria liberdade.
Trata-se de um movimento que depende basicamente da construção de um Estado forte, constitucionalmente controlado, capaz de assegurar o bom funcionamento de quantos mercados forem necessários para a manifestação da liberdade de iniciativa e assegurar que os benefícios dela decorrentes possam ser apropriados pelos agentes que a promovem. É por isso que a propriedade privada e a segurança jurídica são condições necessárias, mas não suficientes, para que o ciclo se complete continuamente, cada vez num nível produtivo mais elevado.
Nos casos dos países emergentes com contingente demográfico significativo, que pretendem ser repúblicas e democracias, o processo se repete: começam importando os padrões de consumo e a tecnologia dos mais avançados antes de criarem a sua. Diante desse quadro, é evidente que a antinomia Estado versus mercado é imprópria e prejudicial: não há administração estatal eficiente sem utilizar os mecanismos de mercado, e não há mecanismo de mercado que possa funcionar sem as garantias de um Estado suficientemente forte para controlá-lo.
Neste momento, o excesso de pessimismo que se abateu sobre a economia nacional - em parte consequência da mundial, e em parte resultado de entendimento defeituoso do mercado financeiro com relação aos objetivos da política econômica do governo -, parece começar a ceder e dar lugar a uma pequena recuperação da atividade. Nada mais oportuno e importante para acelerá-la do que o amplo programa de cooptação do setor privado anunciado pela presidenta Dilma Rousseff para a ampliação dos investimentos em infraestrutura.
Trata-se de um programa ambicioso, que revela uma nova postura do governo federal: 1) declara definitivamente superada a desconfiança mútua (sempre negada explicitamente) entre ele e o setor privado, mais dinâmico e melhor apetrechado de técnica e recursos; e 2) devolve aos programas do governo uma visão logística estratégica, que incorpora e integra as rodovias com as ferrovias, com os portos e a geração de energia.
A criação da Empresa de Planejamento Logístico (EPL) recupera e amplia o velho Grupo Executivo de Integração da Política de Transporte (Geipot) criado em 1965, transformado em empresa em 1973, extinta pela irresponsável "reforma" do Estado de 1990. A partir daí, destruiu-se a coordenação logística do governo. Lentamente ela foi sendo entregue à sanha dos partidos que apoiam o "presidencialismo de coalizão de plantão".
O resultado foi o caos temperado com uma boa dose de corrupção, como mostra, exemplarmente, o caso da Valec. Um ponto importante é que a EPL será dirigida por um técnico de reconhecida probidade e competência, Bernardo Figueiredo.
Outro aspecto significativo do novo programa foi a autorização para o aumento das dívidas de 17 Estados, cujas condições financeiras e administrativas são adequadas para acelerar suas próprias obras de infraestrutura: mobilidade urbana em suas capitais, estradas, saneamento básico e habitação, importante não apenas para ajudar a estimular o crescimento econômico mas, também, melhorar as condições objetivas de vida de suas populações.
O papel do governo federal é de integrador do território nacional, mas a vida de cada cidadão depende de condições locais, dos Estados e municípios. O montante de endividamento autorizado é razoável: da ordem de R$ 42 bilhões. Depois dos imensos abusos que destruíram a credibilidade de Estados e municípios e foram corrigidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, é saudável a mudança do entendimento (até agora vigente), que todo e qualquer endividamento é um pecado capital.
Entre o programa e o começo da sua efetiva execução será preciso pelo menos 12 meses, se houver a colaboração dos órgãos de controle ambiental e entendimento adequado do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União, sem esquecer o apoio rápido e decisivo do BNDES pelo seu departamento de infraestrutura, hoje dirigido pelo excelente economista Guilherme Lacerda.
Certamente haverá um efeito antecipado sobre o ânimo da sociedade, que começa a ver uma pequena retomada econômica em resposta às medidas fiscais, monetárias e cambiais executadas até agora. A redução da desconfiança mútua entre o setor privado e o governo vai melhorar o ambiente de negócios em todos os setores. O primeiro não quer e não precisa de benesses ou subsídios. Precisa: 1) de condições isonômicas para competir; e 2) de leilões bem projetados, não apenas para atender o presente, mas, principalmente, sustentar investimentos futuros que garantam a melhoria permanente da qualidade dos serviços.
Caiu a ficha! Quando a incerteza sobre o futuro é absoluta, quando o passado não contém informação sobre o futuro, só uma ação decidida e forte do Estado, como a que estamos vendo, pode pôr em marcha o setor privado e a economia. Essa ação, correta e crível, é capaz de antecipar a esperança...
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.
VALOR ECONÔMICO
Controladas pelos EUA, agências uniformizam a desinformação
O vice-presidente da Federação Internacional de Jornalistas, Gustavo Granero, defendeu nesta segunda-feira (20), durante Seminário de Comunicação da Confederação Sindical dos Trabalhadores das Américas (CSA), em Montevidéu, o fortalecimento de redes entre as centrais para combater a “uniformização da desinformação realizada pelas agências de notícias em função dos interesses dos Estados Unidos”.
Por Leonardo Severo, de Montevidéu-Uruguai
De acordo com Granero, o investimento do movimento sindical nos seus próprios instrumentos e na conformação de redes é essencial para a democratização da comunicação, um debate público que envolve o conjunto dos países da América Latina neste momento, essencial para o aprofundamento da democracia em nossas sociedades e, consequentemente, para a garantia de direitos e avanço das conquistas da classe trabalhadora.
“Há uma reprodução sistemática de notícias dos grupos hegemônicos estadunidenses, das multinacionais e do sistema financeiro, uma coordenação estratégica para reproduzir o mais amplamente possível uma ideologia desinformativa. O objetivo dessa uniformização do discurso é nos manter desunidos, atentando contra a soberania política e econômica dos nossos países, alinhados pela retirada de direitos dos trabalhadores”, acrescentou.
Esta ação manipuladora e desagregadora dos grandes conglomerados privados de comunicação em função dos interesses dos Estados Unidos é histórica, esclareceu, tendo ganho maior envergadura com a fundação da Sociedade Interamericana de Prensa (SIP) em 1942. “Um agente da CIA foi o primeiro presidente da SIP. Foi através dela que cometeram os maiores crimes, como a Operação Condor, que prendeu, torturou, assassinou milhares de lutadores sociais. Foi através da SIP que os governos pró-EUA censuraram o continente”, lembrou.
Granero citou o exemplo de seu país, a Argentina, onde os grupos Clarin e La Nación, que controlam os dois principais jornais, fizeram uma aliança e formaram uma agência de notícias onde cada artigo e reportagem tem uma “classificação, com prioridades”. E de que forma conseguiam que os demais veículos – jornais, emissoras de rádio e televisão – reproduzissem este conteúdo, apontado como estratégico para martelar dia e noite determinadas “verdades”? “Ao reproduzir as notícias prioritárias, os meios de comunicação ganhavam um abono, um desconto no valor que tinham de pagar. Se era um jornal, como tinham o monopólio do papel, garantiam um preço mais barato. São instrumentos que utilizaram para padronizar a informação”, disse.
Em contraposição à lógica da alienação para o cifrão, vários governos nacionalistas, democráticos e populares, estão promovendo debates e estimulando processos para que o conjunto da sociedade se aproprie do tema. “Naturalmente, os donos da mídia apontam estes processos de democratização, como na Argentina e no Equador, como ataques à liberdade de expressão, pois atinge em cheio aos seus interesses. Daí a relevância e a necessidade de maior envolvimento do conjunto dos movimentos sindical e social para estimular o avanço e impedir o retrocesso”, ressaltou.
* Leonardo Severo é jornalista e escritor, autor de O Latifúndio Midiota
Fonte: Blog Pensatempo
Suécia admite extraditar Assange. E agora?
PAULO MOREIRA LEITE
Se você ainda acredita que Julian Assange só quer escapar da denúncia de crime sexual quando alega que o governo sueco pode extraditá-lo para os Estados Unidos, saiba que as autoridades de Escolmo acabam de admitir que são capazes de fazer isso mesmo.
Numa demonstração de que as cogitações sobre uma possível extradição já ultrapassaram as etapas preliminares, uma alta funcionária do governo sueco acaba de admitir que seu governo teria pelo menos uma m condição para aceitar o pedido de extradição: que Julian Assange não corra o risco de ser condenado à morte por revelar segredos de Estado.
“Nunca entregaremos uma pessoa que estiver ameaçada de pena de morte,” afirmou Cecília Riddselius, vice-diretora de assuntos penais e cooperação internacional do Ministério da Justiça sueca.
Muito humanitário. Brady Manning, o militar acusado de ser a fonte dos 500 000 documentos do Departamento de Estado divulgados pelo WikiLeaks, e que se encontra preso há 800 dias, não corre o risco de um processo de pena de morte. Acusado, formalmente, em fevereiro de 2012, a pena que pode enfrentar é de prisão perpétua.
O essencial é que as alegações de Julian Assange se confirmam. Caso se apresente para responder a denúncia de crime sexual, corre o risco de ser extraditado pela acusação de espionagem.
E aí eu me pergunto como ficam nossos paladinos da liberdade de imprensa, agora que ela não envolve revelações comprometedoras sobre governos adversários, mas sobre os amigos de Washington. Onde estão as entidades internacionais, as associações, os repórteres sem fronteira? Você não está ficando surdo com tanto silêncio?
Eu estou. Qual a diferença essencial entre essas revelações e os papéis do Pentágono? Ou sobre o escândalo Watergate?
A única diferença é que são revelações mais relevantes, mais amplas e, o que é um ponto a favor do WikiLeaks, foram liberdadas em bloco, na íntegra, sem passar por um filtro prévio, seletivo, tão comum nesses casos.
É claro que se pode acusar Rafael Correa, presidente do Equador, de aproveitar a perseguição a Assange para fazer um lance de marketing, oferecendo-lhe asilo em seu país. Vamos combinar que é do jogo.
Eu prefiro o marketing conduz a coisa certa do que a truculência de quem ameaça fazer a coisa errada. É o caso do governo britânico do conservador James Cameron, que cultivou o propósito de invadir a embaixada do Equador. No plano das realidades concretas, não é difícil concluir quem se mostrou mais civilizado, concorda?
A mídia e o ódio à política
Saul Leblon #Eleições2012
Do Portal Carta Maior
Começa nesta terça-feira o horário eleitoral gratuito do pleito municipal de 2012. Com todas as ressalvas cabíveis – a rendição ao publicitarismo desprovido de conteúdo programático é uma delas – constitui uma das raras janelas em que o critério de tempo, e a seleção dos temas tratados, escapa à pauta política imposta pela grande mídia à sociedade. A má vontade dos autointitulados ‘formadores de opinião’ com essas ilhas de autonomia é conhecida.
Editorial da Folha deste domingo rememora a ladainha: trata-se de um instrumento de natureza impositiva, com veiculação simultânea obrigatória, que subtrai 60 horas da grade de programação das TVs comerciais; estas, como se sabe, oferecem ao país a crème de la crème do repertório cultural e informativo da humanidade.
A repulsa ao horário eleitoral tem sua origem na mesma cepa que identifica na Voz do Brasil não um serviço de utilidade pública suprapartidário, credor de aperfeiçoamento, mas uma agressão do ‘leviatã hobesiano’ à livre escolha da sociedade civil.
Deriva desta fornalha ainda a ojeriza às televisões públicas, assim como ao chamado “Estado anunciante’, cujo efeito deletério, sugestivamente, ganhou os holofotes dos ‘pesquisadores’ à medida em que o governo desconcentrou a veiculação da publicidade oficial, antes abocanhada quase integralmente pelos ‘barões da mídia’.
Aos liberais que não se libertam jamais da canga conservadora, não ocorre arguir se a estrutura de propriedade dos meios de comunicação -sobretudo no caso da televisão– assegura a pluralidade narrativa necessária à formação critica do discernimento nacional.
A verdade é que a indigência política no caso brasileiro tem como um de seus principais tributários a própria mídia. Baratear o debate sonegando espaço e relevância aos grandes temas que afrontem o seu interesse, é uma de suas especialidades.
Um exemplo é o tratamento demonizante dispensado ao tema da regulação democrática do setor; outro, as acusações de chavismo carimbadas contra qualquer opinião favorável à ampliação da democracia participativa (leia nesta pág. a coluna de Laurindo Lalo Leal Filho, A criminalização da política).
A mesma edição dominical da ‘Folha’ que critica o horário eleitoral gratuito como sinônimo de recurso impositivo e de má qualidade, oferece ao leitor um suplemento ilustrativo dessa contribuição ao aperfeiçoamento do debate político nacional.
Um encarte na forma de quadrinhos, que almeja despertar o interesse decepcionante do distinto público pelo julgamento do chamado mensalão , condensa todo um coquetel tóxico de preconceito e generalização colegial.
O conjunto está na raiz da infantilização e das deformações da vida política que o jornal critica. Aos bordões típicos do conservadorismo contra a instituição partidária, subjaz uma dissimulada genuflexão ao agonizante credo neoliberal, a saber: tudo o que não é mercado é corrupção; tudo o que não é mercado é ineficiente; tudo o que não é mercado é irrelevante, é descartável e suspeito.
Nada mais caricato do que uma caricatura que se presta a baratear a realidade para vender o peixe do conservadorismo obtuso e do atomismo social.
Perto do ódio à política massificado pelo dispositivo midiático conservador, as deficiências efetivas do horário eleitoral são, ao contrário do que sugere a Folha, o mal menor
O significado da reeleição de Chávez
Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania:
A espetacularização da política brasileira está impedindo a sociedade de perceber a evolução de um contexto político no qual está inserida e que deve afetar profundamente a sua vida, podendo vir a ditar-lhe o rumo no futuro próximo. Com mensalão, CPI do Cachoeira e eleições, estamos deixando passar batido um dos fatos políticos mais importantes da atualidade.
Praticamente todas as sondagens do processo eleitoral venezuelano dão conta de que o presidente Hugo Chávez deve ser reeleito com certa facilidade. Sua vantagem é reconhecida até mesmo pelo “oposicionista” Datanálisis, o Datafolha venezuelano, onde tem 16% de dianteira sobre o segundo colocado, o conservador Henrique Capriles.
Detalhe: em institutos tidos como menos parciais em favor da oposição, a vantagem de Chávez sobre o principal adversário se aproxima dos 30%.
O cenário político venezuelano revela uma realidade que se espalha pela América do Sul mais do que por qualquer outra parte do mundo: projetos político-administrativos de centro-esquerda – ou, como preferem alguns, social-democratas – parecem cada vez mais longe do “esgotamento de modelo” que a mídia conservadora das Américas já ensaia decretar.
Ainda que no Brasil o modelo político que impera na América do Sul encontre maior dificuldade para funcionar devido a peculiaridades político-institucionais do país e a uma maior dificuldade em politizar o povo como fizeram os governos Hugo Chávez, Cristina Kirchner, Rafael Correa, Evo Morales e José Mujica, aqui também vige o modelo de inclusão social desenvolvimentista análogo ao modelo “revolucionário” venezuelano.
Chávez prega a própria reeleição com o objetivo alegado de tornar o seu modelo político-econômico-institucional “irreversível”. O que seja, obrigar a todos os atores políticos do país a adotarem o caminho da inclusão social em projetos regionais, inclusive nos governos de províncias controlados pela oposição ao governo central.
O modelo chavista é o que deu origem a outros projetos sul-americanos que vão se mostrando cada vez mais sólidos. E o que fez esse modelo se espalhar foram seus impressionantes resultados sociais obtidos ao longo da mais de uma década de duração da revolução bolivariana.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o Índice de Gini – que medem, respectivamente, a qualidade de vida e a concentração de renda de um país em relação aos outros – da Venezuela lideram o ranking de melhora nas três Américas e inspiraram processos análogos na Argentina, na Bolívia, no Equador, no Uruguai e no próprio Brasil.
A única diferença em nosso país é que, por aqui, ainda não se está obtendo avanços institucionais como a implantação de legislação concreta para regular a comunicação, legislação que, nos países vizinhos, é inspirada nas legislações dos países mais desenvolvidos, tais como Estados Unidos, França, Inglaterra e outros.
O quadro político-eleitoral venezuelano, enfim, contrasta com o opinionismo político das mídias brasileira e internacional, que decretara não só o “esgotamento” do modelo venezuelano, mas a morte de Chávez antes das eleições por conta de problemas de saúde que disse “terminais”, mas que o vigor com que ele conduz a própria campanha desmente.
O modelo político e institucional original de Chávez se espalhou por todos os países supracitados da América do Sul, menos no Brasil. Isso significa que impérios midiáticos que durante o século XX pintaram e bordaram na região, em seus países mais importantes estão com os dias contados.
Ao menos na Argentina, na Bolívia, no Equador e na Venezuela, os impérios de comunicação vão perder o poder de falarem sozinhos àquelas sociedades e não permanecerão do tamanho paquidérmico a que chegaram, pois as leis de redistribuição de propriedade de meios de comunicação inspirada nas leis de países desenvolvidos farão a comunicação, nesses países, chegar ao século XXI.
O modelo de republiqueta midiática conservadora ainda deve permanecer por um bom tempo no Brasil por falta de condições políticas internas furtadas pelo poderio muito maior que as elites adquiriram por aqui, com a institucionalização da comunicação como poder direcionador de políticas públicas e da opinião da sociedade, o que impede, inclusive, dissonâncias.
Todavia, o caráter promissor do modelo oriundo da Revolução Bolivariana da Venezuela que, em maior ou menor grau, espalhou-se pelo continente, reside em uma relação de troca entre esse modelo e as massas empobrecidas da região. Tanto no Brasil quanto em seus vizinhos progressistas estabeleceu-se a troca de bem-estar social por votos.
Em países com tanta desigualdade social e pobreza como nos países latino-americanos, a possibilidade de manter o poder pela via democrática é imensa. Eis, porém, que se levanta o velho fantasma do golpismo que marcou a região no século XX, ou seja, na ruptura institucional aplicada pelas elites sem votos com uso de forças armadas submissas.
Em países com avançada politização social como na Venezuela, o recurso às forças armadas praticamente desapareceu sobretudo porque estas, na base, são compostas pelo povo, por soldados que viveram na pobreza e que, também na era Chávez, viram suas vidas melhorarem como a dos compatriotas civis.
O fenômeno venezuelano de conversão das Forças Armadas aos cânones democráticos e legalistas se repete da Argentina até o Equador, com exceção do Brasil, onde a consciência social (muito) menor ainda faz com que não se possa contar com o espírito legalista e democrático das tropas, que ainda, em tese, poderiam se prestar ao golpismo.
Todavia, mesmo no Brasil há dúvidas da viabilidade de um golpe militar. Não são poucos os relatos que este blog já recebeu de militares que não querem aparecer nem anonimamente, mas que garantem que delírios golpistas de chefes militares de pijama não seriam seguidos pela base das Forças Armadas.
Em um momento em que a mídia brasileira pinta e borda, manipulando desde o Judiciário até o Legislativo, passando pelo Executivo (em alguma medida), vale refletir sobre a situação política sul-americana. O Brasil pode ser grande o suficiente para contrariar o resto da América do Sul, mas a sua centro-esquerda tem instrumentos para evitar. Se quiser.
segunda-feira, agosto 20, 2012
No Brasil, 32 mil escolas públicas têm ensino integral
A presidenta Dilma Rousseff destacou que o Programa de Ensino Integral Mais Escola oferece educação em dois turnos em 32 mil escolas públicas de todo o país, sendo que em quase 18 mil delas a maioria dos alunos é beneficiário do Bolsa Família.
- Nosso objetivo é ampliar o tempo de estudo da criança e do jovem na escola, com maior acompanhamento dos professores e assim, ao mesmo tempo, estamos assegurando acesso à alimentação de qualidade e ao esporte -, disse.
No programa semanal de rádio Café com a Presidenta, ela explicou que, no turno complementar às aulas, os alunos têm acompanhamento pedagógico, sobretudo em áreas como português e matemática. A escola oferece ainda atividades como música e esportes, que ajudam na concentração e na disciplina dos estudantes.
Dilma comentou também os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), apresentados na semana passada. Segundo ela, os números mostram que o aprendizado no país melhorou em escolas com ensino integral.
- Nos anos iniciais do ensino fundamental, o Brasil teve nota 5 no Ideb, superando a meta de 2011 e também a de 2013. Nós tivemos bons resultados também nos anos finais do ensino fundamental – o Ideb atingiu 4,1, também acima da meta para 2011 -, destacou.
A presidenta avaliou, entretanto, que é preciso fazer “um grande esforço” em relação ao ensino médio brasileiro. A estratégia, segundo ela, deve ser baseada na implementação do ensino integral nas escolas e na melhoria dos currículos.
Pressa tem pouco a ver com Justiça
por Paulo Moreira Leite, em seu blog
Agora que o “maior julgamento da história” já começou de verdade, crescem as preocupações com o decoro. Parece que os 11 ministros do Supremo merecem uma advertência para exibir bom comportamento, não manchar sua imagem e outros cuidados do gênero. O ambiente está tão confuso que, como recordam Mariângela Galucci e Ricardo Brito, no Estado de S. Paulo de hoje, os ministros voltam aos trabalhos sem ao menos saber o que vão fazer. Pode ser que o relator Joaquim Barbosa resolva continuar seu voto, interrompido na quinta-feira. Mas pode ser que Joaquim já tenha terminado essa parte de sua intervenção, cabendo agora ao revisor Ricardo Lewandovski fazer uso da palavra.
Há uma tensão evidente no Supremo e sua causa não se encontra na falta de boas maneiras dos ministros mas na diferença de visão entre as partes. O grau de conflito entre Barbosa e Lewandovski é bem maior do que um problema de etiqueta. Envolve a visão que cada um tem do processo, a qualidade da denúncia apresentada e o destino reservado aos 38 réus.
A primeira fase do julgamento, quando os advogados fizeram a sustentação oral dos acusados, terminou com um ponto a favor da defesa. Ficou muito claro para quem acompanhou suas intervenções que boa parte das provas foram obtidas sem que os acusados tivessem direito ao contraditório e devida garantia judicial. Isso vai comover os juízes? Ninguém sabe. A convicção de muitos advogados é que eles começaram o julgamento com sua convicção formada e dificilmente vão mudar de ideia.
A novidade da nova fase é o fatiamento, que privilegia a discussão de 37 casos particulares e prejudica o debate geral sobre o caráter do mensalão.
O pressuposto do sistema de fatiamento é que a denuncia do Ministério Público se refere a fatos verdadeiros, já demonstrados, restando, apenas, a definição da culpa de cada um dos envolvidos.
Como escrevi numa nota anterior, por este método não haverá espaço para uma discussão geral, que envolve o conceito de mensalão: foi um assalto ao Estado, uma ação criminosa, a obra de uma quadrilha disfarçada de partido político, como diz a acusação? Ou foi uma ação condenável de financiamento eleitoral e político, que tem antecedentes no próprio mensalão tucano, que teve direito a outro julgamento, com regras menos duras para os réus acusados dos mesmos crimes?
O estranho do fatiamento é que essa discussão tenha sido feita assim, de repente. O julgamento já estava em andamento quando Joaquim Barbosa, na hora de dar seu voto, abrindo a fase final, informa que queria mudar as regras do jogo. Numa homenagem a retórica do presidente Lula, eu digo: Barbosa parecia o sujeito que vai cobrar uma falta na entrada da área e, na hora de dar o chute, quer impedir o goleiro adversário de montar uma barreira.
Eu achei estranho. Fora de hora. Não podia ter feito essa discussão antes?
Confesso que também estranhei a atitude do juiz do jogo, Ayres Britto, que deu curso a uma discussão tão relevante, sem sequer pedir um intervalo para uma conversa fechada.
Não foi uma mudança qualquer. Não sei se há uma jurisprudência do fatiamento. Não foi empregado, pelo que se saiba, nem no julgamento de Collor, que definiu o destino de um presidente da República.
Julgamentos que a imprensa não definiu como o “maior da história” mas terão imensa relevância no destino dos 190 milhões de brasileiros foram resolvidos pela forma tradicional. O relator apresentava seu voto por inteiro e o plenário tomava posição. Quando havia uma dissidência o debate se polarizava.
Foi assim no debate sobre a Lei de Anistia, que manteve a veto sobre a investigação da tortura ocorrida no regime militar. Também foi assim na discussão sobre reservas indígenas e nas pesquisas sobre células-tronco embrionárias. Por que mudar agora, quando o julgamento do mensalão já tinha começado vários dias antes?
O mais estranho é que um argumento importante a favor do fatiamento é extra-curricular. Envolve o prazo para terminar o julgamento. Um dos motivos parece pequeno, vulgar, mas é real. Pretende-se garantir ao ministro Cezar Peluso, que se aposenta em 3 de setembro, o direito de participar pelo menos de algumas deliberações (e condenações, asseguram os jornais).
Se tudo se resolvesse pelo método tradicional, havia o risco do julgamento não terminar a tempo. Então, faz-se um esforço para andar rápido. É um esforço tão grande que, na quinta-feira, o próprio Joaquim Barbosa lembrou que, em função de seus problemas de coluna, ele próprio poderia ser forçado a deixar o serviço de relator antes da hora, se o julgamento se prolongasse demais.
É curioso que isso seja dito assim, às claras, com toda transparência.
Na quinta-feira, o ministro Ayres Brito chegou a sugerir que cada um votasse como bem entendesse – solução tão inviável como admitir que uma parte do plenário seguisse regras do futebol e a outra, basquete, e, mesmo assim, acreditar que seria possível chegar a um placar coerente no final. “Não me preocupa a angústia do tempo,” reagiu Celso de Mello, quando Ayres Britto sugeriu que se apressasse numa intervenção em meio as discussões.
A reação de Celso de Mello lembra que a aposentadoria de um ministro e as dores lombares de outro pouco tem a ver com a Justiça. Por mais que se reconheça que a sentença do mensalão terá impacto nas eleições municipais, e que uma possível condenação da maioria dos réus possa prejudicar o PT, eu acho que essa questão nem deveria ser colocada.
Estamos falando de longas penas de prisão, da humilhação pública, da destruição do futuro pessoal e profissional, além dos demais prejuízos que uma condenação pode causar aos réus. Seja do ponto de vista da acusação, ou da defesa, é uma situação grave, séria e, considerando que se trata de um tribunal de última instância, muito possivelmente incorrigível. Vamos fazer assim, apressados?
É este o processo que se queria exemplar?
Não é bom esclarecer o principal: exemplo de que?
domingo, agosto 19, 2012
Joel Leite: Chávez vai se igualar a Roosevelt?
Depois de três mandatos na presidência da República, não é que o sujeito resolve se candidatar outra vez? Isso mesmo: ele quer ser presidente pela quarta vez consecutiva, assim, na maior cara de pau. Me diga, como você classificaria esse político: democrata ou ditador?
Por Joel Leite, no blog O mundo em movimento
Veja o que ele costuma fazer para se eleger:
Numa cidade do interior do país, 349 funcionários foram convocados para fazer o levantamento da preferência eleitoral dos candidatos e muitos daqueles que declararam que não pretendiam votar no candidato do governo perderam o emprego. Em outro distrito exigia-se que os trabalhadores votassem num senador que apoiava o presidente; os que se recusaram foram excluídos dos seus empregos. Os funcionários filiados a outros partidos que não o do presidente, eram avisados que teriam de trocar suas filiações partidárias se eles quisessem se manter empregados.
Cartas foram enviadas aos empregados instruindo-os a doar 2% do salário para a campanha se eles quisessem manter seus empregos e comerciantes eram requisitados a oferecer dinheiro para a campanha.
A distribuição de empregos aumentou dramaticamente no ano eleitoral e foram distribuídos “vales-emprego” com duração de dois meses, tempo da fase final da campanha.
Um homem que recebia um bom salário em um emprego burocrático foi transferido para outro cargo, para trabalhar com uma picareta numa mina de calcário, depois de ter se recusado a mudar sua filiação para o partido do presidente candidato.
Volto a perguntar: um presidente, depois de completar o terceiro mandato, quer ainda o quarto, e faz esse tipo de pressão junto à sociedade para ser eleito, como deve ser classificado? Democrata ou ditador?
Bem, a classificação vai depender do país onde ele vive e do nível de comprometimento da imprensa que divulga o fato. Se ele viver na Venezuela e seu nome for Hugo Chávez, será considerado um ditador. Mas se o presidente-candidato em questão viveu nos Estados Unidos e o seu nome era Franklin Roosevelt, ele é o símbolo maior da democracia nas Américas, eternizado com a esfinge na moeda de US$ 0,10.
Pois é: o candidato e a situação descrita acima são de Franklin Roosevelt e essas informações foram levantadas por investigações junto ao Senado dos Estados Unidos em 1938 e reunidas no livro How Capitalism Saved America: The Untold History of Our Country, from the Pilgrims to the Present, de Thomas DiLorenzo.
Depois da quarta eleição de Roosevelt, o regime estadunidense mudou as regras e as eleições passaram a ser indiretas, o povo deixou de votar diretamente e o presidente passou a ser eleito por um Colégio Eleitoral.
Em quase todos os estados, o vencedor do voto popular leva todos os votos do Colégio Eleitoral, o que pode provocar distorções como a que ocorreu na primeira eleição do republicano George W. Bush, em 2000, quando ganhou a presidência mesmo obtendo um número de votos menor do que o seu concorrente, o democrata Al Gore. Bush teve 50.460.110 votos, ou 47,9% do total e Al Gore 51.003.926 votos, 48,4%. Bush levou. Imagine se isso acontecesse na Venezuela!
O ilibado jornal The Washington Post considerou Roosevelt um dos três “grandes” presidentes dos Estados Unidos (ao lado de Washington e Lincoln). O presidente de quatro mandatos é também o sexto colocado na lista de Pessoas Popularmente Admiradas do século XX pelos cidadãos dos EUA (pesquisa Gallup).
Achei curiosa a trajetória do presidente estadunidense. Ele tem o perfil exato que a grande imprensa brasileira, venezuelana e internacional traça do presidente venezuelano, a quem chamam de ditador, mesmo ele tendo sido eleito – com larga margem de votos – por três vezes consecutivas.
O instituto Datanálisis da Venezuela indica que a intenção de voto a favor de Hugo Chávez é de 61,03%, contra 38,97% a favor do candidato da direita Henrique Capriles Radonski. A mesma pesquisa revela que a aprovação do governo Chávez é de 62,55%.
O “ditador” vai ser, mais uma vez, democraticamente eleito, enquanto os “democratas” Franklin Roosevelt e George W. Bush não podem reescrever a sua história.
Mauro Santayana: As rosas de agosto
”Guardei-a, até que se desfez, aquela rosa de agosto”, conta-me a amiga de Madri. “Procurei, depois, uma fotografia sua, mas os pais desapareceram de Zamora. Não sei se viveram muito depois disso: ela era a única filha. Eles se haviam casado tarde. Não creio que arranjassem, em qualquer lugar do mundo, um pouco que fosse de alegria.”
Por Mauro Santayana, em seu blog
A amiga de Madri era menina durante a Guerra Civil. Antes que fizesse 11 anos, os fascistas tomaram a cidade e Maria foi presa.
“Nós éramos muito amigas. Ela me ensinava as coisas. Tinha um ano a mais. O corpo começava a tomar formas de mulher. E eu lhe invejava os seios que nasciam. Mas era maior em muitas outras coisas. Fazia versos. Recitava-os. Não eram versos piedosos ou bonitinhos. Falavam de justiça, de paz, de igualdade. Não foram os pais que lhe ensinaram coisas assim. Eu acho que ela descobriu sozinha, ou aprendeu com um de seus professores no colégio, que era socialista”
A amiga não se lembra se foi no aniversário da instauração da República ou em outra data nacional que houve o desfile. Deve ter sido em abril, porque a Frente Popular estava no poder. Maria foi escolhida para levar o estandarte. Estava muito bonita, as cores do rosto realçadas pela pintura discreta.
“Eu mesma ajudei a arrumá-la. Depois marchamos pela avenida principal, ela à frente, levando a bandeira. Na porta do ayuntamiento paramos e houve discursos. Maria subiu até o estrado, agitou a bandeira e gritou “Viva a República!”. Depois a formação se dissolveu e fomos juntas levar o estandarte ao colégio. “
Maria, conta a amiga, lia muito e era, na sua classe, das mais adiantadas. As meninas ricas olhavam-na de lado porque era bela, inteIigente, solta. Os pais eram comerciantes pobres, tão discriminados na sociedade daquele tempo como os trabalhadores. Possuíam pequeno armazém, onde vendiam vinho e azeite a granel. Às vezes Maria ficava no balcão, para que os dois pudessem sair juntos.
“Quando os fascistas tomaram Zamora, um grupo da ‘Falange’ prendeu Maria, de madrugada. Eu soube depois que estava, entre eles, um irmão do padre de nossa paróquia, que uma vez jogara um ‘piropo’ a Maria, e ela lhe disse que o dirigisse ao senhor cura, que também usava saias. Era um rapaz esquisito, de espinhas na cara, que não era de andar com amigos nem de fazer ‘piropos’ normalmente. Eu acho que ele se atreveu naquele dia porque Maria e eu vínhamos do campo e atravessávamos sozinhas a ponte. Pois bem, ele fazia parte da ‘Falange’ e a gente não sabia. Prenderam Maria e a levaram para uma casa de freiras. Das freiras que tomavam conta do hospital. Ali a fecharam em um quartinho e, em agosto, a fuzilaram… “
Minha amiga de Madri se chama Libertad. Mas, a partir de 1936, com o triunfo de Franco, mudaram-lhe o nome para Luísa. Por ordem das autoridades, os oficiais de registro civil rasuraram os livros de nascimentos, trocando nomes como Libertad, Alba, Alegria. Isso sem falar nos nomes bascos, por nomes bem católicos. “Soledad podia, mas Libertad, não.” A minha amiga de Madri sorri.
“Mas, na escola, meus amigos continuaram a chamar-me Liber, como sempre. Eu, distraída, ganhava faltas porque não respondia ‘presente’ na hora da chamada. Oficialmente continuo sendo Luísa até hoje mas nunca assinei este nome. Usei sempre de uma saída esperta: abreviava o Luísa com o ‘L” de Libertad.”
Maria morreu em um domingo, juntamente com outros, e pela madrugada. “Eu acordei com os tiros regulares, que vinham do cemitério. Ouvíamos tantos tiros pela madrugada que eu não podia saber que um daqueles se disparava contra o coração de minha amiga. No dia seguinte, os pais, só os pais, foram autorizados a vestir o corpo e a enterrá-lo. Meu pai e minha mãe me contaram e me disseram que chorasse escondida em meu quarto. Não chorei. Fui ao jardim, apanhei a rosa, a maior e mais vermelha de todas as que havia naquele agosto. Guardei-a até que suas pétalas se desfizeram com o tempo. “
* Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Última Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
sábado, agosto 18, 2012
Vladimir Safatle: A mídia mundial não tem direito à ambiguidade no caso Assange
Cartaz em frente à embaixada do Equador em Londres, vigiada diuturnamente pela polícia
por Vladimir Safatle, em CartaCapital
O governo do Equador deu asilo ao fundador do WikiLeaks, Julian Assange. O Reino Unido, com seu conhecido respeito seletivo pela legislação internacional, desenterrou uma lei bisonha para afirmar que poderia invadir a embaixada do país latino-americano, a fim de capturar seu inimigo público.
Até onde consigo lembrar, esta será a primeira vez que uma embaixada é invadida pela polícia do país no qual ela está situada. Nem mesmo em ditaduras algo parecido ocorreu.
Há de se perguntar se todo esse zelo do Reino Unido pelo cumprimento de um pedido de extradição feito pela Suécia vem realmente do amor à lei. Ou será que devemos dizer que Assange é o protótipo claro de um perseguido político pela democracia liberal?Alguns tendem a defender a posição dos governos britânico e sueco com o argumento de que, enfim, ninguém está acima da lei.
Independentemente do que Assange represente, isso não lhe daria direito de “estuprar” duas garotas. É verdade que a definição de estupro pela legislação sueca é mais flexível do que a habitual. Ela engloba imagens como: um homem e uma mulher que estão na cama de comum acordo, sem nenhum tipo de coerção, mas que, em um dado momento, veem a situação modificada pelo fato de a garota dizer “não” e mesmo assim ser, de alguma forma, forçada.
Vale a pena lembrar que tal definição é juridicamente tão complicada que, quando a acusação contra Assange foi apresentada pela primeira vez à Justiça sueca, ela foi recusada por uma magistrada que entendeu ser muito difícil provar a veracidade da descrição. A acusação só foi aceita quando reapresentada uma segunda vez, não por acaso logo depois de o WikiLeaks começar a divulgar telegramas comprometedores da diplomacia internacional.
Mas não faltaram aqueles de bom coração que perguntaram: se a acusação é tão difícil de ser provada, então por que Assange não vai à Suécia e se defende? Porque a Suécia pode aceitar um pedido de extradição para os EUA, onde ele seria julgado por crime de espionagem e divulgação de segredos de Estado, o que lhe poderia valer até a pena de morte. Não seria a primeira vez que alguém enfrentaria a cadeira elétrica por “crimes” dessa natureza.
Nesse sentido, é possível montar um quebra-cabeça no qual descobrimos a imagem de uma verdadeira perseguição política. Persegue-se atualmente não de uma maneira explícita, mas utilizando algum tipo de acusação que visa desqualificar moralmente o perseguido. Assange não estaria sendo caçado por ter inaugurado um mundo onde nenhum segredo de Estado está seguramente distante da esfera da opinião pública. Um mundo de transparência radical, no qual os interesses inconfessáveis do poder são sistematicamente abertos. Ele estaria sendo caçado por ser um maníaco sexual. Seu problema não seria político, mas moral.
Desde há muito é assim que a democracia liberal tenta esconder seu totalitarismo. Ela procura desmoralizar seus perseguidos, isso em vez de simplesmente dar conta das questões que tais pessoas colocam. No caso de Assange, ele apenas colocou em prática dois princípios que todo político liberal diz respeitar: transparência e honestidade. Mostrar tudo o que se faz.
Sua perseguição evidencia como vivemos em um mundo em que todos sabem que os governos não fazem, na política internacional, aquilo que dizem. Há um acordo tácito a respeito desse cinismo. Mas, quando essa contradição é exposta de maneira absoluta, então ela torna-se insuportável.
Lembrem, por exemplo, das razões aventadas pelos governos dos países centrais para a não publicação dos telegramas: eles colocariam em risco a vida de funcionários e diplomatas. Na verdade, eles só colocaram em risco o emprego de analistas desastrados, ditadores como o tunisiano Ben-Ali (que teve seus casos de corrupção divulgados) e negociadores de paz mal-intencionados.
Por isso, a boa questão é: o mundo seria melhor ou pior com pessoas dispostas a fazer o que Julian Assange fez?
Por fim, vale dizer que aqueles que realmente se interessam por uma mídia livre precisam saudar a decisão do governo equatoriano. A mídia mundial não tem direito à ambiguidade neste caso. Nunca a liberdade de imprensa esteve tão ameaçada quanto agora, diante do problema do WikiLeaks. Pois o site de Assange é o modelo de um novo regime de divulgação de informações e de pressão contra os Estados. Ele é a aplicação da cultura hacker na revitalização do papel da mídia como quarto poder.
Assange, Correa e a liberdade seletiva
Por Paulo Moreira Leite, na coluna Vamos combinar:
Pois é, meus amigos. Coube ao governo de Rafael Correa, apontado como inimigo da liberdade de imprensa, acusado de ser um candidato a ditador latino-americano, boliviariano de carteirinha, a primeira e até agora única iniciativa para defender os direitos de Julian Assange, o patrono do Wikileaks, responsável pelas mais importantes revelações sobre a diplomacia norte-americana desde a a liberação dos papéis do Pentágono, durante a Guerra do Vietnã.
Você sabe a história. Com auxílio de fontes militares, Assange divulgou pelos principais jornais do planeta um pacote de documentos internos do Departamento de Estado. Mostrou políticos locais bajulando embaixadores. Desmascarou demagogos e revelou pilantras sempre a postos a prestar favores a Washington, contrariando os interesses de seus países.
Graças a Assange, fomos informados de que a embaixada dos EUA em Tegucigalpa sempre soube que a queda de Manoel Zelaya, em 2009, foi um golpe de Estado – e não uma ação em defesa da democracia, como Washington passou a acreditar quando se constatou que seus aliados de sempre haviam se livrado de um adversário bolivariano para governar o país com os métodos reacionários de sempre.
Não é qualquer coisa, quando se sabe que, três anos mais tarde, outro elo fraco da democracia no continente – o Paraguai – seria derrubado num golpe instantâneo, desta vez com apoio de Washington desde o primeiro minuto.
As informações divulgadas por Assange não têm aquela função de entretenimento cotidiano, que alimenta a indústria de comunicação com sua carga regular de fofocas, escândalos, e vez por outra, grandes reportagens – relevantes ou não.
Ele também não é uma Yaoni Sanchez, a dissidente cubana que faz oposição ao regime de Fidel Castro. Yaoni deveria ter todo o direito de trabalhar em paz, ninguém discute.
Num período de Murdoch na Inglaterra e jornalismo cachoeira no Brasil, Assange atua em outra esfera e assumiu relevância mundial.
Veicula informações de interesse público, confiáveis e fidedignas, que nos ajudam a entender como o mundo funciona nos bastidores da vida real e não nos coquetéis promovidos por empresas de relações públicas. Seu trabalho contribui, efetivamente, para elevar a consciência de nossa época. E é por isso que incomoda tanto. Pressionadas, até corporações financeiras gigantescas, como Visa e Master Cards, deixaram de receber as contribuições que sustentavam o Wikileaks.
Num mundo em que tantos pilantras e delinquentes se enrolam na bandeira da liberdade de expressão para aplicar golpes e divulgar mentiras, Assange recoloca em termos atuais o debate sobre sigilo da fonte. Defender o sigilo da fonte, muitas vezes, é apenas uma obrigação em nome de um direito maior, que envolve uma proteção universal.
A defesa da liberdade de imprensa, muitas vezes, é feita apesar da imprensa. APESAR de seus erros, apesar de seus desvios, não se pode aceitar a censura e por isso defendemos o direito da imprensa errar. É essa situação que leva muitas pessoas a defender – com indignação risível – profissionais e veículos que cometem grandes barbaridades e veiculam delinquências em letras de forma só porque tem certeza da própria impunidade.
Julian Assange provocou escândalos porque não precisava ser tolerado nem defendido. Jamais publicou uma informação errada. Jamais pode ser acusado de falsificar um único dado. E, em nova ironia da história, o soldado que é apontado como sua fonte permanece preso, incomunicável, há quase 3 anos, num quartel dos Estados Unidos.
Com tais antecedentes, você não teria receio de ser raptado e levado sem julgamento para uma prisão nos EUA?
Estamos assim. Libera-se a fonte dos picaretas e malandros. Prende-se a fonte do Wikileaks. Murdoch e seus empregados que espionavam famílias e cidadãos inocentes, corrompendo policiais para conseguir segredinhos e ganhar dinheiro, tem direito a constituir advogado, comparecem a julgamento, se defendem. Já o Wikileaks é tratado na força bruta.
Há outra ironia, porém. Abrigado na representação do Equador em Londres, Assange precisa de um salvo conduto para deixar o país. O governo Cameron se recusa a fornecer o documento. Conforme notícia dos jornais, até ameaça invadir a embaixada, o que seria, vamos combinar, um escândalo dentro de outro. Assim, o governo que protegeu e alimentou tantos empregados de Rupert Murdoch e sua fábrica de mentiras, resolve jogar duro contra uma organização que até agora só publicou verdades indesmentíveis.
Tempos estranhos, não?
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