Alceu Amoroso Lima, sempre uma inspiração para o trabalho e compromisso com os pobres, dizia que devíamos substituir a disjuntiva “ou” pela conjuntiva “e”. A disjuntiva separa: ou isto ou aquilo, como se as coisas fossem sempre opostas.O “e” une, na perspectiva da cooperação, da integração, da complementação.
A experiência histórica do Brasil comprova a importância desse ensinamento do mestre Alceu.Durante muito tempo vivemos a separação: ou o desenvolvimento econômico ou políticas de inclusão e justiça social. Como se o desenvolvimento econômico fosse incompatível com as políticas de distribuição de renda e de melhoria efetiva das condições de vida das populações mais empobrecidas.Por muito tempo vivemos esse mito desagregador. Assim, o país cresceu muito no século 20, mas não garantiu a sustentabilidade social e ambiental desse crescimento exatamente porque não integrou os pobres nesse desenvolvimento, não garantiu, portanto, a inclusão dos pobres.
Hoje estamos vendo que é exatamente o contrário. É preciso crescer, sim, para distribuir. O crescimento econômico é condição básica para distribuição de renda, porém não suficiente. É preciso, para distribuir renda, adotar, como estamos fazendo, vigorosas políticas sociais que devem ser cada vez mais institucionalizadas, colocadas no campo das políticas de estado, de direitos e deveres.
Estamos vendo, com a experiência concreta da rede nacional de proteção e promoção social, que estamos consolidando no Brasil, especialmente por meio de políticas públicas de transferência de renda de grande alcance, como o programa Bolsa Família, que as políticas sociais têm amplos alcances. Além da dimensão ética, humanitária,de assegurar direitos e integrar pessoas, famílias e comunidades mais pobres no projeto nacional, as políticas sociais têm ainda uma dimensão prática, econômica.
Os pobres estão recuperando a cidadania e também se tornando consumidores e isso aquece economias locais. O comércio vende mais e, vendendo mais, o comércio também estimula a indústria. Isso gera mais possibilidade de trabalho, emprego e renda. Estamos vendo hoje que as políticas de transferência de renda estão tendo grande impacto anti-crise no Brasil. Como disse o presidente Lula, os pobres não guardam o dinheiro. O dinheiro que eles recebem do Bolsa Família, do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e dos programas de apoio à agricultura familiar por exemplo, são imediatamente colocados no mercado.
Outra dicotomia que está sendo posta por terra é a que opõe o desenvolvimento econômico com sustentabilidade ambiental. Vemos hoje que em muitas regiões do Brasil o desenvolvimento econômico e, vinculado a ele, o desenvolvimento social pressupõem o desenvolvimento ambiental. Isso porque o desenvolvimento, numa concepção mais integral e integrada, requer a promoção de todas as potencialidades de uma determinada região organizada em torno de suas características comuns do ponto de vista geográfico, econômico, histórico, cultural. O desenvolvimento dessas regiões passa sempre pela recuperação de rios e bacias hidrográficas e de ecossistemas que caracterizam essas regiões.
Os estudos vão mostrando que a revitalização de rios e bacias não é questão meramente de preservação das águas, por mais sagradas que elas sejam. É também fator fundamental para indução do desenvolvimento. São importantes para viabilizar programas de irrigação racional da agricultura, para o desenvolvimento da agroindústria, da indústria, além, é claro, de outras possibilidades no campo da cultura, do turismo, e da qualidade de vida.
O crescimento econômico hoje tem de ter o olhar voltado para o futuro para que a gente possa honrar nosso compromisso com as novas gerações. Temos de crescer, mas preservando a vida e os recursos fundamentais para que as pessoas possam continuar, de maneira adequada, a grande aventura humana na face da terra. Portanto, a exploração necessária dos recursos naturais pressupõe racionalidade, integração de políticas e também desenvolvimento de tecnologias que preservem esses bens para nossos filhos e netos.
A implantação da rede de políticas sociais no Brasil enfrentou mesmos preconceitos do “ou”, “ou”. O principal exemplo é dado pela máxima “dar o peixe ou ensinar a pescar”. Geralmente essa é uma questão colocada por pessoas que nunca deram o peixe e nunca ensinaram a pescar. Porque as pessoas que vivem uma presença maior nas comunidades pobres sabem que as duas coisas são indissociáveis. Uma pessoa que não tenha comido bem o peixe antes não terá condições de pescar. Portanto a alimentação, que muitos veem como “dar o peixe”, não é uma questão assistencialista. É um direito, pressuposto básico da dignidade humana, do direito à vida, do desenvolvimento das potencialidades dos talentos pessoais, familiares e coletivos, comunitários.
Temos cada vez mais de colocar a questão da alimentação, assim como a questão da família e da assistência social no campo dos direitos e das políticas públicas como estamos fazendo no Brasil e como já fizeram no passado os países socialmente mais desenvolvidos e equânimes. Para que uma pessoa possa pescar, e isso é um objetivo que temos também, claro, é necessário que ela tenha resguardadas as condições para isso. Da mesma forma, estamos superando a oposição entre políticas sociais e acomodamento. Essa falsa dicotomia se apresenta como se garantir alimentação, garantir condições básicas de vida, uma renda familiar básica acomodasse as pessoas.
Nesse raciocínio, há um preconceito forte contra os pobres, como se eles não tivessem desejo, como se os pais pobres não quisessem futuro para seus filhos, como se não quisessem progredir na vida. O desenvolvimento pressupõe atendimento de necessidades básicas. O que acomoda as pessoas é a fome, a desnutrição e as doenças e enfermidades que daí decorrem. A história ensina que direitos respeitados com políticas sociais devidamente implementados implicam novos direitos, e também novos deveres e responsabilidade em face da coletividade. Essas reflexões me ocorrem no momento em que estamos vivendo no Brasil a integração de políticas, uma opção que vem sendo debatida internacionalmente.
Estive recentemente na Organização Internacional do Trabalho (OIT) e fiquei muito feliz porque estava sendo discutida exatamente a integração, com o exemplo e referência da experiência brasileira, das políticas sociais com o mundo do trabalho. Isso aponta para superação de mais uma dicotomia, a que opõe o mundo do trabalho às políticas de assistência social.
Na OIT, os estudiosos do assunto partem da constatação de que não há pleno emprego. No dia que houver pleno emprego o sistema capitalista mudará seus pressupostos. E observam que além disso, as mudanças tecnológicas aumentaram mais ainda o fosso do desemprego e as políticas sociais são um vigoroso suporte para impedir que os trabalhadores resvalem para indigência e permaneçam excluídos. Estamos integrando desenvolvimento econômico com desenvolvimento social e enfrentando o desafio cada vez maior de integrar o desenvolvimento econômico e social com o desenvolvimento ambiental.
Defendemos a integração das políticas sociais, atendendo aqui e a agora as pessoas nas suas necessidades mais urgentes, que são também direitos, e articulando com direitos de médio e longo prazo. Temos o compromisso de ampliar nossas políticas emancipatórias que apontam também para benefícios futuros em relação aos filhos, netos dessas pessoas e famílias que estão sendo atendidas hoje.
A lição do mestre Alceu nos indica a superação de tempos difíceis, como diz Drummond, “(...) tempo de divisas, / tempo de gente cortada. / De mãos viajando sem braços, / obscenos gestos avulsos”. Sabemos que o desafio é grande e o caminho, árduo. Mas estamos vencendo, porque, lembra o poeta, “a escuridão estende-se mas não elimina / o sucedâneo da estrela nas mãos.”
Patrus Ananias é ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
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