O objetivo deste blog é discutir um projeto de desenvolvimento nacional para o Brasil. Esse projeto não brotará naturalmente das forças de mercado e sim de um engajamento político que direcionará os recursos do país na criação de uma nação soberana, desenvolvida e com justiça social.
quinta-feira, fevereiro 25, 2016
A economia e a dominância jurídica. Por Luís Nassif
Foto: Pintura de Hyeronymus Bosch
por Luís Nassif, no GGN
Os economistas discutem se a economia está ou não sob a dominância fiscal – termo para descrever situações em que o quadro fiscal assume tal risco que a economia não responde mais aos impulsos monetários.
Objetivamente, a economia brasileira está sob a dominância jurídica.
Durante boas décadas o país foi governado pela teocracia dos economistas. A inflação elevada, mais a globalização dos mercados, conferiu-lhes poder político acima dos partidos.
A perda do discurso econômico e a erosão da credibilidade presidencial provocaram um vácuo na opinião pública, uma perda de rumo, do discurso e das propostas aglutinadoras, enfim, de um projeto de país. E a dominância econômica cedeu lugar á dominância jurídica.
***
É nesse vácuo que a besta foi liberada - o sentimento de manada irracional, alimentado pelo ódio e pela intolerância, que acomete países que perderam o rumo.
Quem consegue cavalgar a besta, assume o controle do discurso público. Torna-se um deus ex-machina.
A besta foi alimentada com um foco claro: a corrupção política.
De repente, a opinião pública perdida encontra um discurso unificador, a enorme vendetta política contra a corrupção dos outros, como se todos os problemas do país fossem resolvidos meramente com uma gigantesca caça às bruxas.
***
A besta traz consigo a balbúrdia de informações. Os alertas sobre a necessidade de prender os culpados sem desmontar a economia são ignorados. Basta os novos oráculos brandirem frases de senso comum. Tipo, basta limpar a corrupção para a economia ficar saudável. Ou, se quebrar uma empresa, outra surgirá no lugar.
Na era das banalidades, dos factoides das redes sociais, e do empobrecimento do discurso econômico, a descrença em relação às chamadas “opiniões técnicas” permite toda sorte de demagogia do senso comum.
***
Com a falta de ação do Executivo, a sombra da besta vai se impondo sobre todos os setores. Há a banalização das prisões e o recuo das figuras referenciais. Por receio de enfrentar a besta, Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), que se supunha guardiões impávidos dos direitos civis – abolem a apelação à Terceira Instância.
Para prender o vilão símbolo – Luiz Estevão -, em vez de atuar sobre outros fatores de protelação, liquidam com a possibilidade da terceira instância, sujeitando outros tipos de réus às idiossincrasias e influências políticas nos tribunais estaduais.
É só acompanhar o que ocorreu no Maranhão e no Amapá de José Sarney, com políticos eleitos perdendo o mandato em cima de acusações risíveis: compra de um voto por R$ 15,00. Ou no Rio de Janeiro, com as ações da Globo contra jornalistas críticos.
A caça às bruxas atual será refresco perto do que virá pela frente.
***
Nem se pense em uma dominância jurídica impessoal pairando acima das paixões políticas. A besta tem lado e se prevalece das imperfeições jurídicas e políticas.
O modelo político universalizou as práticas ilegais. Todos os partidos se valeram disso. O jogo político consiste em investir contra um lado apenas – blindando e fortalecendo o outro. Ou então, valer-se das dificuldades processuais para proteger aliados. Jackson Lago foi deposto acusado de ter comprado um eleitor com R$ 20,00.
É nítida a aliança entre Ministério Público Federal e grupos de mídia. O bater bumbo da mídia ajuda a superar obstáculos, quando os alvos são adversários da mídia. Quando o suspeito é a própria mídia, obviamente não há bumbo, e não há vontade política de avançar.
É o que explica o caso das informações sobre a Globo, enviadas pelo FBI, estarem paradas há um ano nas mãos de uma juíza de primeira instância.
Culpa das imperfeições jurídicas, é claro.
***
Quando a besta sai às ruas, os valentes tremem, os crentes abjuram, os referenciais se escondem.
A besta reescreve biografias, reputações, reavalia caráteres, pois é um teste de estresse, no qual muitos grandes se apequenam, e alguns pequenos se agigantam.
A besta passa imperial, despejando fogos pelas ventas e farejando de longe o cheiro do medo. Os medrosos, ela espanta com seus uivos. Os que resistem, ela ataca, rasga reputações, destrói histórias, promove grandes orgias públicas expondo os recalcitrantes em praça pública.
É só conferir o que está acontecendo com advogados que ousam criticar a operação. Ou o que irá acontecer com a esposa do publicitário João Santana que, algemada, ousou dizer que não baixará a cabeça. Como não? Será isolada, a prisão será prorrogada, mensagens pessoais serão divulgadas, sua vida será devassada até que baixe a cabeça. Esse Deus vingador não admite esses arroubos.
No Brasil, a besta intimidou até donos de grandes biografias, como o Ministro Luís Roberto Barroso.
***
A pior parte da história é que a besta não resolve problemas econômicos. E não quer abrir mão do protagonismo político. Há uma crise perigosíssima no horizonte. A cada tentativa da presidente de avançar em um acordo com o Congresso ou com a sociedade civil, a besta irrompe de Curitiba e promove um novo festival de factoides, paralisando completamente o discurso público.
***
Nesse clima irracional, há a desmoralização total dos partidos políticos, do PT ao PSDB. Nas últimas pesquisas de opinião, o único segmento que cresceu foi o dos anti-petistas – denominação para os que querem a volta dos militares e acham que os terroristas árabes vão invadir o Brasil. Hoje em dia, tem 18% da opinião pública, mais do que qualquer outro partido.
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Não se sabe até onde irá essa loucura coletiva.
Resta o consolo de saber que, mesmo impotentes, ainda existem juízes que colocam suas convicções acima do medo.
Salve Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio de Mello.
terça-feira, fevereiro 23, 2016
Não ao projeto Serra
Uma empresa que tem 5 bilhões de barris comprovados de petróleo no pré-sal não pode ser apontada como economicamente fraca.
José Carlos de Assis
A Petrobrás é a espinha dorsal do desenvolvimento industrial brasileiro. É estratégica para a afirmação e defesa dos interesses nacionais no campo econômico e no campo social, comandando a maior cadeia produtiva do país, que responde direta e indiretamente por cerca de 15% da geração de emprego e renda no Brasil. É inaceitável para a sociedade brasileira que, por razões fortuitas, a Petrobrás seja enfraquecida e retalhada com a única finalidade de fazer dela objeto de cobiça para investidores internos e internacionais que naturalmente estão indiferentes a seu potencial para o desenvolvimento nacional.
O Brasil enfrenta uma aguda crise econômica e de emprego, com dois anos sucessivos de contração e poucas perspectivas de retomada no próximo ano. Ainda há tempo de reação, contudo. Entretanto, nenhuma reação será possível sem a retomada dos investimentos da Petrobrás aos seus níveis históricos de meados de 2014. A cadeia produtiva da empresa está destroçada. Em muitos canteiros de obras, praticamente abandonados, os equipamentos estão se enferrujando. Enormes perdas devidas à paralisação de obras estão sendo efetivadas sem nenhuma necessidade.
A Petrobrás tem lucros operacionais e condições financeiras para retomar seu ritmo histórico de investimento e estancar e reverter as perdas, salvando centenas de milhares de empregos na sua cadeia produtiva. Mesmo com os baixos preços atuais do petróleo, a empresa é competitiva, já que o óleo retirado do pré-sal tem um custo médio de 8 dólares por barril. O único ponto fraco da Petrobrás é sua vulnerabilidade à pilhagem estrangeira, a ser facilitada, por exemplo, pelo projeto do senador José Serra. Note-se que a consequência direta desse projeto será a liquidação da regra do conteúdo nacional na maioria das explorações do pré-sal, sacrificando milhares de empregos de alta qualidade.
O projeto do Senador José Serra visa a retirar a Petrobrás da condição de operadora única do pré-sal. É um equívoco. O Senador parte de uma premissa errada, a saber, que a Petrobrás não tem condições financeiras para dar conta desse programa. Se fosse verdade, seria terrível para nós na medida em que, possuindo a mais competitiva petrolífera do mundo por sua capacidade de produção em águas profundas, com imenso patrimônio, teríamos mesmo assim que dividir com estrangeiros o potencial dessa riqueza estratégica. Então para que teria servido criar, desenvolver e dotar de alta tecnologia a Petrobrás?
Uma empresa que tem 5 bilhões de barris comprovados de petróleo no pré-sal não pode ser apontada como economicamente fraca. São 3,5 bilhões de barris líquidos de custos. Na medida em que o preço do petróleo volte a 50 dólares o barril, a receita futura bruta acumulada desse patrimônio da Petrobrás será da ordem de 1,750 trilhão de dólares. Acaso isso seria uma base insuficiente para que a Petrobrás, por algum expediente, financie seus investimentos? São muitas as alternativas: financiamento do Tesouro, financiamento do Banco dos BRICS ou de um grande banco chinês, pré-venda de petróleo para a China.
Qualquer dessas alternativas afasta a necessidade do projeto Serra, potencializa a geração de empregos na cadeia produtiva da Petrobrás, leva à recuperação imediata da receita de Estados e municípios produtores, e garante mercado crescente para a indústria de máquinas e equipamentos na cadeia produtiva interna de óleo e gás. Por tudo isso se recomenda a rejeição do projeto Serra e se favorece uma ação governamental firme para recuperação dos investimentos da Petrobrás. Felizmente, devido à ação do senador Requião e de outros nacionalistas, o Senado deverá levantar-se como uma barreira patriótica às pretensões de Serra e seus sócios norte-americanos.
*Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 20 livros sobre economia política brasileira.
José Carlos de Assis
A Petrobrás é a espinha dorsal do desenvolvimento industrial brasileiro. É estratégica para a afirmação e defesa dos interesses nacionais no campo econômico e no campo social, comandando a maior cadeia produtiva do país, que responde direta e indiretamente por cerca de 15% da geração de emprego e renda no Brasil. É inaceitável para a sociedade brasileira que, por razões fortuitas, a Petrobrás seja enfraquecida e retalhada com a única finalidade de fazer dela objeto de cobiça para investidores internos e internacionais que naturalmente estão indiferentes a seu potencial para o desenvolvimento nacional.
O Brasil enfrenta uma aguda crise econômica e de emprego, com dois anos sucessivos de contração e poucas perspectivas de retomada no próximo ano. Ainda há tempo de reação, contudo. Entretanto, nenhuma reação será possível sem a retomada dos investimentos da Petrobrás aos seus níveis históricos de meados de 2014. A cadeia produtiva da empresa está destroçada. Em muitos canteiros de obras, praticamente abandonados, os equipamentos estão se enferrujando. Enormes perdas devidas à paralisação de obras estão sendo efetivadas sem nenhuma necessidade.
A Petrobrás tem lucros operacionais e condições financeiras para retomar seu ritmo histórico de investimento e estancar e reverter as perdas, salvando centenas de milhares de empregos na sua cadeia produtiva. Mesmo com os baixos preços atuais do petróleo, a empresa é competitiva, já que o óleo retirado do pré-sal tem um custo médio de 8 dólares por barril. O único ponto fraco da Petrobrás é sua vulnerabilidade à pilhagem estrangeira, a ser facilitada, por exemplo, pelo projeto do senador José Serra. Note-se que a consequência direta desse projeto será a liquidação da regra do conteúdo nacional na maioria das explorações do pré-sal, sacrificando milhares de empregos de alta qualidade.
O projeto do Senador José Serra visa a retirar a Petrobrás da condição de operadora única do pré-sal. É um equívoco. O Senador parte de uma premissa errada, a saber, que a Petrobrás não tem condições financeiras para dar conta desse programa. Se fosse verdade, seria terrível para nós na medida em que, possuindo a mais competitiva petrolífera do mundo por sua capacidade de produção em águas profundas, com imenso patrimônio, teríamos mesmo assim que dividir com estrangeiros o potencial dessa riqueza estratégica. Então para que teria servido criar, desenvolver e dotar de alta tecnologia a Petrobrás?
Uma empresa que tem 5 bilhões de barris comprovados de petróleo no pré-sal não pode ser apontada como economicamente fraca. São 3,5 bilhões de barris líquidos de custos. Na medida em que o preço do petróleo volte a 50 dólares o barril, a receita futura bruta acumulada desse patrimônio da Petrobrás será da ordem de 1,750 trilhão de dólares. Acaso isso seria uma base insuficiente para que a Petrobrás, por algum expediente, financie seus investimentos? São muitas as alternativas: financiamento do Tesouro, financiamento do Banco dos BRICS ou de um grande banco chinês, pré-venda de petróleo para a China.
Qualquer dessas alternativas afasta a necessidade do projeto Serra, potencializa a geração de empregos na cadeia produtiva da Petrobrás, leva à recuperação imediata da receita de Estados e municípios produtores, e garante mercado crescente para a indústria de máquinas e equipamentos na cadeia produtiva interna de óleo e gás. Por tudo isso se recomenda a rejeição do projeto Serra e se favorece uma ação governamental firme para recuperação dos investimentos da Petrobrás. Felizmente, devido à ação do senador Requião e de outros nacionalistas, o Senado deverá levantar-se como uma barreira patriótica às pretensões de Serra e seus sócios norte-americanos.
*Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 20 livros sobre economia política brasileira.
O que é isso, Dilma? (essas propostas não são nossas!)
Em política, a cegueira fatal é daquele que não quer enxergar por covardia. Priorizar a pauta da austeridade é atirar contra sua própria base.
Lindbergh Farias e João Sicsú
Carta Maior
Fizemos o Brasil mudar. O presidente Lula transformou a história do Brasil. Aqui foi estabelecido um modelo de crescimento, com inclusão social e distribuição de renda. Elegemos a presidente Dilma para dar continuidade ao projeto de desenvolvimento iniciado pelo presidente Lula. Reconhecemos as dificuldades que a presidente Dilma tem enfrentado: o conservadorismo do Congresso, a campanha oposicionista da grande mídia e os movimentos golpistas pelo impeachment.
Sempre estivemos, e estaremos, ao lado da presidente na defesa do seu mandato e dos valores democráticos. Reconhecemos também os problemas da economia mundial, suas crises e desaceleração generalizada. Contudo, a presidente errou, em 2015, ao convidar Joaquim Levy para dirigir a pasta da Fazenda. Suas políticas somente aprofundaram os problemas fiscais e aumentaram o desemprego. Sua substituição era uma necessidade. Agora seria a hora de mudar a política econômica. E retomar o projeto do presidente Lula. Mas fomos surpreendidos com as novas intenções do Governo.
Na última sexta-feira (19/02), o Ministério da Fazenda lançou o documento Reforma Fiscal de Longo Prazo. A proposta do Governo é repetir em 2016 a mesma política de austeridade fiscal de 2015. Mas é mais que uma política para mais um ano. É uma reforma que estabelece regras permanentes. Para o ano corrente, o documento afirma: “o governo realizou um grande esforço de contenção de gastos em 2015 e continuará na mesma direção em 2016”. O Governo considera que o corte de gastos “...não foi suficiente para gerar superávits primários...”. Superávit primário é o nome da poupança que o governo faz para pagar juros aos rentistas e banqueiros. Portanto, mais cortes de gastos correntes ocorrerão. O primeiro corte de R$ 23,4 bilhões já foi anunciado também na última sexta-feira.
O Governo indica como causa do problema fiscal a redução do crescimento e a elevada rigidez do gasto público (contudo, deveria dizer que desonerações aos empresários e despesas públicas com juros são as verdadeiras causas do problema). Para recuperar o crescimento não é sugerida nenhuma medida, mas para “flexibilizar os gastos públicos” (isto é, reduzir despesas obrigatórias) sugere inúmeras possibilidades - até mesmo a suspensão da política de valorização real do salário mínimo que impõe gastos à Previdência. O Governo abandona a afirmação de que é a redução da atividade econômica uma das causas do problema fiscal e nada fala sobre a recuperação do emprego e da renda. E o documento ratifica: “a recuperação da estabilidade fiscal depende do controle do crescimento do gasto público”.
E propõe explicitamente “para controlar o gasto obrigatório é necessário reformar a Previdência, controlar o gasto com pessoal e adotar um limite global para o gasto público da União”. Nenhuma palavra é dada sobre os gastos absurdos com o pagamento de juros (em 2015, foram mais de R$ 500 bilhões). Essa rubrica estaria protegida pela proposta do Governo, para esse gasto não há limites, porque obviamente não é gasto primário nem é gasto com pessoal.
Além disso, o Governo assume o discurso conservador de que é preciso “evitar pressão recorrente por aumento da carga tributária”. Todos sabemos que há uma enorme injustiça tributária no país. Quem paga imposto no Brasil são os pobres, a classe média e os funcionários públicos. Sabemos também que se fosse feita justiça fiscal, a carga tributária tenderia a subir na medida em que ricos, milionários, bilionários, banqueiros, bancos e multinacionais pagam uma carga de impostos desprezível, inadequada ao poder econômico que possuem. Mas sobre essa injustiça nada é dito, é apenas garantido para o “andar de cima” que o governo não está disposto a aumentar a sua carga tributária.
Por fim, o documento estabelece regras que limitariam os níveis de gastos públicos e caso haja ameaça de descumprimento dos limites apresenta uma lista de medidas que serão adotadas. E aí o documento apresenta a lista, um tanto quanto óbvia para os ouvidos conservadores: corte de gastos de custeio (ou seja, programas e gastos sociais), suspensão de concursos públicos, corte de salários dos funcionários públicos, corte de benefícios a servidores públicos e suspensão do aumento real do salário mínimo.
Em política, a cegueira fatal é daquele que não quer enxergar por covardia. Priorizar uma pauta dessa como centro da ação estratégica é atirar contra sua própria base em um momento que travamos uma guerra contra o impeachment, que tivemos uma vitória parcial nas ruas ano passado, mas cujos ataques especulativos da forças conservadoras - caso baixemos a guarda - podem retornar antes que se possa respirar. Se algum estrategista do governo pensa que vai conseguir neutralizar as elites adeptas do neoliberalismo com essa pauta, desconhece a história. Esse pessoal está em guerra sem retorno nem acordo contra nosso projeto político.
O que pode acontecer com esse movimento arriscadíssimo de cedência permanente de espaço ao adversário - visando erroneamente cativá-lo - resulta em Dilma imobilizar ou perder aqueles que ainda estavam dispostos a ir para as ruas em sua defesa. Em 1938, nos ensaios da Segunda Guerra Mundial, o primeiro ministro inglês, Neville Chamberlain, por medo e em nome de uma “paz" dos cemitérios, entregou os territórios da Checoslováquia a Hitler sem disparar um tiro. Da tribuna do parlamento, a voz de estadista de Churchill advertiu: "entre a guerra e a desonra, você escolheu a desonra e terá a guerra”. Assim aconteceu na história. Ainda é tempo de não acontecer assim no Brasil, contudo, advertimos: o tempo urge e estamos prestes a esgotar os últimos minutos.
Lindbergh Farias e João Sicsú
Carta Maior
Fizemos o Brasil mudar. O presidente Lula transformou a história do Brasil. Aqui foi estabelecido um modelo de crescimento, com inclusão social e distribuição de renda. Elegemos a presidente Dilma para dar continuidade ao projeto de desenvolvimento iniciado pelo presidente Lula. Reconhecemos as dificuldades que a presidente Dilma tem enfrentado: o conservadorismo do Congresso, a campanha oposicionista da grande mídia e os movimentos golpistas pelo impeachment.
Sempre estivemos, e estaremos, ao lado da presidente na defesa do seu mandato e dos valores democráticos. Reconhecemos também os problemas da economia mundial, suas crises e desaceleração generalizada. Contudo, a presidente errou, em 2015, ao convidar Joaquim Levy para dirigir a pasta da Fazenda. Suas políticas somente aprofundaram os problemas fiscais e aumentaram o desemprego. Sua substituição era uma necessidade. Agora seria a hora de mudar a política econômica. E retomar o projeto do presidente Lula. Mas fomos surpreendidos com as novas intenções do Governo.
Na última sexta-feira (19/02), o Ministério da Fazenda lançou o documento Reforma Fiscal de Longo Prazo. A proposta do Governo é repetir em 2016 a mesma política de austeridade fiscal de 2015. Mas é mais que uma política para mais um ano. É uma reforma que estabelece regras permanentes. Para o ano corrente, o documento afirma: “o governo realizou um grande esforço de contenção de gastos em 2015 e continuará na mesma direção em 2016”. O Governo considera que o corte de gastos “...não foi suficiente para gerar superávits primários...”. Superávit primário é o nome da poupança que o governo faz para pagar juros aos rentistas e banqueiros. Portanto, mais cortes de gastos correntes ocorrerão. O primeiro corte de R$ 23,4 bilhões já foi anunciado também na última sexta-feira.
O Governo indica como causa do problema fiscal a redução do crescimento e a elevada rigidez do gasto público (contudo, deveria dizer que desonerações aos empresários e despesas públicas com juros são as verdadeiras causas do problema). Para recuperar o crescimento não é sugerida nenhuma medida, mas para “flexibilizar os gastos públicos” (isto é, reduzir despesas obrigatórias) sugere inúmeras possibilidades - até mesmo a suspensão da política de valorização real do salário mínimo que impõe gastos à Previdência. O Governo abandona a afirmação de que é a redução da atividade econômica uma das causas do problema fiscal e nada fala sobre a recuperação do emprego e da renda. E o documento ratifica: “a recuperação da estabilidade fiscal depende do controle do crescimento do gasto público”.
E propõe explicitamente “para controlar o gasto obrigatório é necessário reformar a Previdência, controlar o gasto com pessoal e adotar um limite global para o gasto público da União”. Nenhuma palavra é dada sobre os gastos absurdos com o pagamento de juros (em 2015, foram mais de R$ 500 bilhões). Essa rubrica estaria protegida pela proposta do Governo, para esse gasto não há limites, porque obviamente não é gasto primário nem é gasto com pessoal.
Além disso, o Governo assume o discurso conservador de que é preciso “evitar pressão recorrente por aumento da carga tributária”. Todos sabemos que há uma enorme injustiça tributária no país. Quem paga imposto no Brasil são os pobres, a classe média e os funcionários públicos. Sabemos também que se fosse feita justiça fiscal, a carga tributária tenderia a subir na medida em que ricos, milionários, bilionários, banqueiros, bancos e multinacionais pagam uma carga de impostos desprezível, inadequada ao poder econômico que possuem. Mas sobre essa injustiça nada é dito, é apenas garantido para o “andar de cima” que o governo não está disposto a aumentar a sua carga tributária.
Por fim, o documento estabelece regras que limitariam os níveis de gastos públicos e caso haja ameaça de descumprimento dos limites apresenta uma lista de medidas que serão adotadas. E aí o documento apresenta a lista, um tanto quanto óbvia para os ouvidos conservadores: corte de gastos de custeio (ou seja, programas e gastos sociais), suspensão de concursos públicos, corte de salários dos funcionários públicos, corte de benefícios a servidores públicos e suspensão do aumento real do salário mínimo.
Em política, a cegueira fatal é daquele que não quer enxergar por covardia. Priorizar uma pauta dessa como centro da ação estratégica é atirar contra sua própria base em um momento que travamos uma guerra contra o impeachment, que tivemos uma vitória parcial nas ruas ano passado, mas cujos ataques especulativos da forças conservadoras - caso baixemos a guarda - podem retornar antes que se possa respirar. Se algum estrategista do governo pensa que vai conseguir neutralizar as elites adeptas do neoliberalismo com essa pauta, desconhece a história. Esse pessoal está em guerra sem retorno nem acordo contra nosso projeto político.
O que pode acontecer com esse movimento arriscadíssimo de cedência permanente de espaço ao adversário - visando erroneamente cativá-lo - resulta em Dilma imobilizar ou perder aqueles que ainda estavam dispostos a ir para as ruas em sua defesa. Em 1938, nos ensaios da Segunda Guerra Mundial, o primeiro ministro inglês, Neville Chamberlain, por medo e em nome de uma “paz" dos cemitérios, entregou os territórios da Checoslováquia a Hitler sem disparar um tiro. Da tribuna do parlamento, a voz de estadista de Churchill advertiu: "entre a guerra e a desonra, você escolheu a desonra e terá a guerra”. Assim aconteceu na história. Ainda é tempo de não acontecer assim no Brasil, contudo, advertimos: o tempo urge e estamos prestes a esgotar os últimos minutos.
sexta-feira, fevereiro 19, 2016
Uma revolução popular está a caminho
Independentemente da vitória de Sanders, Piketty prevê 'o fim do ciclo político-ideológico' aberto por Ronald Reagan e pelas elites financeiras em 1980
Lauren McCauley - Commons Dreams
O influente economista Thomas Piketty recentemente observou que o "incrível sucesso do ‘socialista’ Bernie Sanders" é um forte indicativo de que progressivamente toma forma um movimento popular muito mais profundo ao redor dos Estados Unidos.
Em uma coluna publicada no jornal francês Le Monde, na segunda-feira, Piketty argumenta que, independentemente de Sanders ganhar as primárias democratas, "estamos testemunhando o fim do ciclo político-ideológico aberto pela vitória de Ronald Reagan nas eleições de novembro de 1980".
Demarcando o avanço de Sanders dentro do contexto histórico, Piketty revisita o período entre 1930 e 1980, quando os EUA "buscaram uma política ambiciosa de redução das desigualdades sociais" com políticas econômicas que incluíam taxações progressivas sobre renda e propriedade, bem como a implementação de um salário mínimo federal (superior a 10 dólares/hora, corrigidos para 2016, no final da década de 1960).
"Meio século de progressividade fiscal estável" chegou a um fim abrupto em 1980, quando Ronald Reagan assumiu a presidência "em um programa destinado a restabelecer um suposto capitalismo mítico que ele dizia ter existido no passado", impulsionado em grande parte pelas frustrações “das elites financeiras".
Piketty afirma que isso culminou com a reforma fiscal de 1986, que reduziu o teto superior de tributação para 28% (em comparação com uma taxa média de 82% para os americanos mais ricos durante a era anterior), bem como o congelamento do salário mínimo federal.
Em nenhuma medida, observa ele, esses retrocessos foram "verdadeiramente desafiados pelos democratas dos anos Clinton e da era Obama", levando a uma "explosão de desigualdades, salários desproporcionais(...) e estagnação dos rendimentos da maioria". Na verdade, o economista francês ganhou destaque mundial em 2014, quando argumentou em seu livro “O Capital no século XXI” que o mundo havia entrado em novos Anos Dourados.
Piketty admite: "Diante da máquina eleitoral da Clinton e do conservadorismo da grande mídia, Bernie talvez não vença as primárias". Mas acrescenta: "esse processo demonstrou que um outro Sanders, possivelmente mais jovem e menos branco, pode um dia ganhar as eleições presidenciais norte-americanas e mudar a cara do país".
"Hoje, o sucesso de Sanders demonstra que uma proporção substancial dos americanos está cansada dessa desigualdade crescente e de pseudo-alternativas e, assim, pretende voltar a uma agenda progressista e a uma tradição americana de igualitarismo", conclui.
O irmão mais velho de Bernie Sanders, Larry, que vive no Reino Unido e é um líder local do Partido Verde, apresentou um argumento semelhante na semana passada. Larry Sanders atribuiu a popularidade de seu irmão ao seu foco na desigualdade econômica, dizendo a BBC: "A concentração da riqueza social na mãos dos super-ricos é um fato notório e, quando alguém diz isso, as pessoas ficam atentas".
Tradução por Allan Brum
Lauren McCauley - Commons Dreams
O influente economista Thomas Piketty recentemente observou que o "incrível sucesso do ‘socialista’ Bernie Sanders" é um forte indicativo de que progressivamente toma forma um movimento popular muito mais profundo ao redor dos Estados Unidos.
Em uma coluna publicada no jornal francês Le Monde, na segunda-feira, Piketty argumenta que, independentemente de Sanders ganhar as primárias democratas, "estamos testemunhando o fim do ciclo político-ideológico aberto pela vitória de Ronald Reagan nas eleições de novembro de 1980".
Demarcando o avanço de Sanders dentro do contexto histórico, Piketty revisita o período entre 1930 e 1980, quando os EUA "buscaram uma política ambiciosa de redução das desigualdades sociais" com políticas econômicas que incluíam taxações progressivas sobre renda e propriedade, bem como a implementação de um salário mínimo federal (superior a 10 dólares/hora, corrigidos para 2016, no final da década de 1960).
"Meio século de progressividade fiscal estável" chegou a um fim abrupto em 1980, quando Ronald Reagan assumiu a presidência "em um programa destinado a restabelecer um suposto capitalismo mítico que ele dizia ter existido no passado", impulsionado em grande parte pelas frustrações “das elites financeiras".
Piketty afirma que isso culminou com a reforma fiscal de 1986, que reduziu o teto superior de tributação para 28% (em comparação com uma taxa média de 82% para os americanos mais ricos durante a era anterior), bem como o congelamento do salário mínimo federal.
Em nenhuma medida, observa ele, esses retrocessos foram "verdadeiramente desafiados pelos democratas dos anos Clinton e da era Obama", levando a uma "explosão de desigualdades, salários desproporcionais(...) e estagnação dos rendimentos da maioria". Na verdade, o economista francês ganhou destaque mundial em 2014, quando argumentou em seu livro “O Capital no século XXI” que o mundo havia entrado em novos Anos Dourados.
Piketty admite: "Diante da máquina eleitoral da Clinton e do conservadorismo da grande mídia, Bernie talvez não vença as primárias". Mas acrescenta: "esse processo demonstrou que um outro Sanders, possivelmente mais jovem e menos branco, pode um dia ganhar as eleições presidenciais norte-americanas e mudar a cara do país".
"Hoje, o sucesso de Sanders demonstra que uma proporção substancial dos americanos está cansada dessa desigualdade crescente e de pseudo-alternativas e, assim, pretende voltar a uma agenda progressista e a uma tradição americana de igualitarismo", conclui.
O irmão mais velho de Bernie Sanders, Larry, que vive no Reino Unido e é um líder local do Partido Verde, apresentou um argumento semelhante na semana passada. Larry Sanders atribuiu a popularidade de seu irmão ao seu foco na desigualdade econômica, dizendo a BBC: "A concentração da riqueza social na mãos dos super-ricos é um fato notório e, quando alguém diz isso, as pessoas ficam atentas".
Tradução por Allan Brum
quinta-feira, fevereiro 18, 2016
Montadoras no Brasil lucram três vezes mais que nos EUA
Por Joel Silveira Leite – Os dirigentes das montadoras disseminam há décadas a tese de que a causa do alto preço do carro no Brasil é o imposto. O mantra pegou e é quase senso comum que a carga tributária é que faz o brasileiro pagar o carro mais caro do mundo.
Outro fator que costuma ser citado é o custo Brasil, um conjunto de dificuldades estruturais e burocráticas, destacando-se a falta de qualificação profissional e uma estrutura logística cara, insuficiente e arcaica. As enormes dificuldades que o empresário enfrenta para produzir no Brasil explicam, em parte, o alto preço praticado – não apenas do carro, mas de em qualquer produto.
Mas impostos nem o custo Brasil justificam os US$37.636,00 que o brasileiro para por um Corolla, enquanto o seu colega norte-americano paga US$15.450,00. Na Argentina, país mais próximo tanto geograficamente quanto em relação às dificuldades e problemas, o Corolla também custa mais barato: US$21.658,00.
No Paraguai, o consumidor paga pelo Kia Soul US$18 mil, metade do preço no Brasil. Ambos vêm da Coreia. Não há imposto que justifique tamanha diferença. O Volkswagen Jetta custa R$65 mil no Brasil, menos de R$40 mil no México e R$30 mil nos EUA – a propaganda do carro, aliás, tem como protagonista não um executivo, mas um… universitário sofrido (clique aqui). Há vários outros exemplos. Cito mais um: o Hyundai IX35 é vendido na Argentina por R$56 mil. O consumidor brasileiro paga R$88 mil.
Se o custo Brasil fosse um fardo pesado nas costas do empresariado, seria impraticável a redução da margem operacional. A crise de 2008 revelou, porém, que havia gordura para queimar: os preços despencaram.
O índice AutoInforme/Molicar indicou queda média de preço de 10,1% desde a crise de 2008. Carros de algumas marcas tiveram queda de preço de 20%. Não se tem notícia de que essas empresas tenham entrado em colapso por causa disso.
O Hyundai Azera, que era vendido por R$100 mil, passou a custar R$80 mil após a crise de 2008. Descontos de R$5 mil até R$10 mil foram comuns no auge da crise, revelando a enorme margem com que algumas montadoras trabalham: em 2010 a GM vendeu um lote do Corsa Classic com desconto de 35% para uma locadora paulista, conforme um ex-executivo da própria locadora.
A chegada dos chineses desvendou o mistério. Equipados e baratos, ameaçaram as marcas tradicionais. O QQ, da Chery, chegou recheado de equipamentos, alguns inexistentes mesmo em carros de categoria superior, como airbags, freio ABS, sistema de som e sensor de estacionamento. Preço: R$22.990,00. Mas daria para vender por R$19,9 mil, segundo uma fonte da importadora, não fosse a pressão dos concessionários por uma margem maior.
Em março de 2011, a também chinesa JAC Motors começou a vender no Brasil o J3 por R$37,9 mil. Reação imediata: a Ford reposicionou o Fiesta hatch, passou a vender o carro pelos mesmos R$37,9 mil e instalou nele alguns dos equipamentos que o chinês trazia de série, mas apenas em São Paulo, Rio e Brasília – onde o J3 ameaçava o concorrente.
Mesmo assim, as montadoras instaladas no Brasil se sentiram ameaçadas e, argumentando a defesa do emprego na indústria nacional, pediram socorro ao governo, sendo prontamente atendidas: medida editada em setembro de 2011 impôs super IPI às empresas que não têm fábrica no País. Pela primeira vez, a Anfavea – associação das montadoras –, cujos associados não foram atingidos pelo imposto extra, não se rebelou contra nova carga tributária.
A maioria das importadoras absorveu parte dos impostos adicionais e praticou um aumento inferior ao que seria necessário para manter a margem de lucro, indicando que havia muita gordura.
A grande diferença de preço do carro vendido no Brasil em relação a outros países chamou a atenção do Senado. A pedido da senadora Ana Amélia (PP/RS), a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado convocou audiência pública para “discutir e esclarecer as razões para os altos preços dos veículos automotores no país e discutir medidas para a solução do problema”.
Realizada na semana passada, com a presença de representantes do Ministério da Fazenda, do Ministério do Desenvolvimento, do Ministério Público Federal, do Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores) e deste jornalista. Lamentada ausência da Anfavea, a audiência revelou (por um estudo apresentado pelo Sindipeças) que a margem de lucro das montadoras instaladas no Brasil é três vezes maior que nos EUA: no Brasil é de 10%, nos EUA é 3% e a média mundial é de 5%.
A discussão deve continuar, enquanto houver tanta gordura pra queimar!
Publicado originalmente em Pensador Anônimo
Outro fator que costuma ser citado é o custo Brasil, um conjunto de dificuldades estruturais e burocráticas, destacando-se a falta de qualificação profissional e uma estrutura logística cara, insuficiente e arcaica. As enormes dificuldades que o empresário enfrenta para produzir no Brasil explicam, em parte, o alto preço praticado – não apenas do carro, mas de em qualquer produto.
Mas impostos nem o custo Brasil justificam os US$37.636,00 que o brasileiro para por um Corolla, enquanto o seu colega norte-americano paga US$15.450,00. Na Argentina, país mais próximo tanto geograficamente quanto em relação às dificuldades e problemas, o Corolla também custa mais barato: US$21.658,00.
No Paraguai, o consumidor paga pelo Kia Soul US$18 mil, metade do preço no Brasil. Ambos vêm da Coreia. Não há imposto que justifique tamanha diferença. O Volkswagen Jetta custa R$65 mil no Brasil, menos de R$40 mil no México e R$30 mil nos EUA – a propaganda do carro, aliás, tem como protagonista não um executivo, mas um… universitário sofrido (clique aqui). Há vários outros exemplos. Cito mais um: o Hyundai IX35 é vendido na Argentina por R$56 mil. O consumidor brasileiro paga R$88 mil.
Se o custo Brasil fosse um fardo pesado nas costas do empresariado, seria impraticável a redução da margem operacional. A crise de 2008 revelou, porém, que havia gordura para queimar: os preços despencaram.
O índice AutoInforme/Molicar indicou queda média de preço de 10,1% desde a crise de 2008. Carros de algumas marcas tiveram queda de preço de 20%. Não se tem notícia de que essas empresas tenham entrado em colapso por causa disso.
O Hyundai Azera, que era vendido por R$100 mil, passou a custar R$80 mil após a crise de 2008. Descontos de R$5 mil até R$10 mil foram comuns no auge da crise, revelando a enorme margem com que algumas montadoras trabalham: em 2010 a GM vendeu um lote do Corsa Classic com desconto de 35% para uma locadora paulista, conforme um ex-executivo da própria locadora.
A chegada dos chineses desvendou o mistério. Equipados e baratos, ameaçaram as marcas tradicionais. O QQ, da Chery, chegou recheado de equipamentos, alguns inexistentes mesmo em carros de categoria superior, como airbags, freio ABS, sistema de som e sensor de estacionamento. Preço: R$22.990,00. Mas daria para vender por R$19,9 mil, segundo uma fonte da importadora, não fosse a pressão dos concessionários por uma margem maior.
Em março de 2011, a também chinesa JAC Motors começou a vender no Brasil o J3 por R$37,9 mil. Reação imediata: a Ford reposicionou o Fiesta hatch, passou a vender o carro pelos mesmos R$37,9 mil e instalou nele alguns dos equipamentos que o chinês trazia de série, mas apenas em São Paulo, Rio e Brasília – onde o J3 ameaçava o concorrente.
Mesmo assim, as montadoras instaladas no Brasil se sentiram ameaçadas e, argumentando a defesa do emprego na indústria nacional, pediram socorro ao governo, sendo prontamente atendidas: medida editada em setembro de 2011 impôs super IPI às empresas que não têm fábrica no País. Pela primeira vez, a Anfavea – associação das montadoras –, cujos associados não foram atingidos pelo imposto extra, não se rebelou contra nova carga tributária.
A maioria das importadoras absorveu parte dos impostos adicionais e praticou um aumento inferior ao que seria necessário para manter a margem de lucro, indicando que havia muita gordura.
A grande diferença de preço do carro vendido no Brasil em relação a outros países chamou a atenção do Senado. A pedido da senadora Ana Amélia (PP/RS), a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado convocou audiência pública para “discutir e esclarecer as razões para os altos preços dos veículos automotores no país e discutir medidas para a solução do problema”.
Realizada na semana passada, com a presença de representantes do Ministério da Fazenda, do Ministério do Desenvolvimento, do Ministério Público Federal, do Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores) e deste jornalista. Lamentada ausência da Anfavea, a audiência revelou (por um estudo apresentado pelo Sindipeças) que a margem de lucro das montadoras instaladas no Brasil é três vezes maior que nos EUA: no Brasil é de 10%, nos EUA é 3% e a média mundial é de 5%.
A discussão deve continuar, enquanto houver tanta gordura pra queimar!
Publicado originalmente em Pensador Anônimo
quarta-feira, fevereiro 17, 2016
Nassif disseca os bastidores da conspiração golpista
Miguel do Rosário - O Cafezinho
É o que eu digo. Eles podem até conseguir dar o golpe. Mas não levaremos mais décadas para destrinchar suas conspirações e seu jogo sujo.
Os golpes do século XXI são desmascarados no momento mesmo em que são preparados.
O lado ruim é que isso os obriga a se movimentarem com sofisticação bem mais avançada do que no passado.
A esta altura, depois de tantos livros, filmes, vazamentos, wikileaks, revelações do Snowden, desclassificação de documentos, não há mais dúvidas de que a metade final do século XX foi a era das conspirações.
Quando a verdade veio à tôna, constatou-se que as conspirações eram mais sinistras do que todas teorias conspiratórias.
Aqueles hippies malucos, com teses sobre a CIA, revelaram-se proféticos, mas também ingênuos: a coisa era muito pior do que eles mesmos imaginavam.
Nenhum país escapou das conspirações articuladas a partir dos interesses geopolíticos da guerra fria.
Houve golpes de Estado virtualmente no mundo inteiro, em todos os continentes. Na América Central, governos democráticos foram derrubados um a um, e em todos os países se verificou a existência de conspirações, em geral lideradas, à direita, por membros do alto funcionalismo público (militares, juízes, procuradores, políticos).
A vítima, obviamente, é sempre o povo.
Hoje temos um cenário diferente.
O jogo sujo, conforme revelado por Snowdem, é muito mais sinistro.
As potências imperiais promovem hoje espionagem em massa, usando o que existe de mais avançado em termos de inteligência artificial, para manipular comportamentos.
Não é teoria de conspiração. Isso está comprovado em documentos vazados por Snowden, um tema que a nossa mídia soube explorar em seu devido tempo, e que hoje deixa engavetado, como se fosse um episódio do passado distante que não tenha mais influência sobre a conjuntura política atual.
É evidente, além disso, que a espionagem é apenas uma parcela do que fazem em prol da manutenção do domínio político.
Todos os golpes precisam aparentar legalidade. Todos os golpes precisam ser pró-democráticos.
Em 1964, quando o golpe militar é desferido no Brasil, os editoriais dos jornalões tinham todos o mesmo título: Ressurge a democracia.
"Fugiu Goulart e a democracia está sendo restabelecida"...
E todos os movimentos militares a partir daí tinham o cuidado de obedecer a ritos jurídicos e pseudo-constitucionais.
Não mudou nada neste sentido.
Hoje, porém, o golpe precisa ser ainda mais bem vestido.
Por isso mesmo, o poder foi atrás dos juízes. A Globo turbinou o Prêmio Faz Diferença. Premiou Joaquim Barbosa e Sergio Moro. Passou a bajular juízes "amigos" de maneira inédita.
Em toda essa conspiração, o fator mais inexplicável é a aposta irracional, violentíssima, na sabotagem da economia.
Neste ponto, entram em jogo alguns elementos geopolíticos.
Os procuradores da Lava Jato foram inúmeras vezes aos Estados Unidos, colher informações contra grandes empresas nacionais, como Petrobrás, Eletronuclear, Odebrecht. Sempre são as empresas mais estratégicas, e que oferecem algum tipo de concorrência à grandes companhias das economias centrais.
Enquanto isso, os viralatas aplaudem a destruição de seus próprios empregos e de seu próprio país.
Vamos à análise do Nassif.
***
Quem é quem no xadrez do impeachment
Por Luis Nassif, no Jornal GGN.
Atualizado às 13:00
Os jogos em torno do impeachment não são de fácil diagnóstico. Que existe um movimento articulado, não se discute. Mas existem também tendências internacionais, estados de espírito internos que induzem as pessoas a certas atitudes, de tal maneira que se torna difícil separar o que é conspiração ou tendência induzida pelas circunstâncias históricas.
É evidente que a conspiração atua sobre as características políticas do momento. Mas nem todos que endossam esse movimento agem com intenção conspiratória. Meramente seguem tendências tornando-se massa de manobra.
Para facilitar o raciocínio, vamos separar as principais peças do jogo para tentar remonta-las mais adiante.
Primeiro conjunto: as tendências internacionais
A institucionalização da bestificação do discurso político não é meramente uma obra da mídia. Grupos de mídia são empresas comerciais, com interesses econômicos claros, que atuam quase sempre pró-ciclicamente – isto é, acentuando os movimentos de opinião pública.
Mas não são meros agentes passivos. Em tempos de alta intolerância, o poder dos grupos de mídia se potencializa. Com os ânimos exaltados, os nervos desencapados, a opinião pública fica muito mais suscetível à manipulação. Quebram-se os filtros da verossimilhança, qualquer denúncia cola, avultam as teorias conspiratórias e consegue-se manipular o estouro da boiada através da recriação de alguns mitos históricos, como o do inimigo externo, das ameaças insondáveis à família, do castigo eterno aos ímpios e outros mitos que, tendo como pano de fundo a superstição, alimentaram os piores episódios de intolerância do século 20.
É quando a besta – esse sentimento de intolerância massificado – sai da jaula a passa a ser tangida por palavras de ordem emanadas da mídia ou de lideranças populares. Aí, a mídia adquire poder de vida e de morte sobre personalidades públicas. Vide o macarthismo, o uso da informação de massa pelo fascismo ou, mesmo sem o modelo de mídia ocidental, mas navegando nas mesmas águas da intolerância, a revolução cultural chinesa.
Os fatores de intolerância
Se não é um fenômeno estritamente brasileiro, o que caracterizaria, então, a universalização atual dessas ondas de intolerância?
Está-se em um quadro claro de falência do modelo de economia liberal, que começa em 1972, e de democracia representativa que vigorou em todo século 20.
Nos modelos democráticos, o equilíbrio geral – econômico, social e político - é uma percepção criada pelo trabalho articulado entre quatro setores - Executivo, Legislativo, Judiciário e Mídia -, por um quadro econômico estável, e com válvulas de escape permitindo administrar os conflitos internos, com relativa abertura para processos lentos de inclusão.
A crise de 2008 matou a utopia e trouxe à tona diversos elementos desestabilizadores, como a insegurança econômica e o medo de perda de status social.
A globalização e os grandes movimentos de inclusão trouxeram uma nova população invadindo os mercados de consumo, de lazer, de educação e de opinião. Enquanto o mito econômico se sustentou, foi mais fácil administrar as intolerâncias e preconceitos em relação aos “invasores”. Com a crise e o fim das ilusões, a busca de bodes expiatórios foi bater nas costas dos imigrantes e dos novos incluídos, muito mais concretos para atiçar o primarismo da besta do que movimentos financeiros sofisticados ou as grandes jogadas empresariais.
Somou-se o desmantelamento dos sistemas tradicionais de mídia. . O sistema que vigorou no século, a não ser nas fases iniciais da era do rádio, embora alimentasse a intolerância, funcionava também como descarrego das manifestações individuais de seus leitores.
Houve então um estilhaçamento de todas as formas de coordenação e controle da opinião pública em um momento de conflitos étnicos e de ódio interno nos países. A besta arrebentou as grades e invadiu as ruas, as cidades, até as conversas de família.
Principalmente, comprometeu radicalmente um dos elementos centrais dos pactos democráticos: a hipocrisia da democracia representativa.
O primado da separação de poderes criou um conjunto de freios ao poder absoluto. E a ideia genérica de que “todos são iguais perante a lei” legitimou o modelo. Além disso, abriu espaço para a assimilação lenta e gradual das políticas de inclusão, que deveriam acompanhar sempre o pensamento médio nacional.
Cada grupo social precisava, antes, expandir suas ideias, viabilizar-se politicamente para, mais à frente, inserir seus princípios nas leis e na política.
Esse modelo gradual, garantiu a disciplina das chamadas massas, mantendo sob controle as disputas de classe e permitindo a prevalência do poder econômico em todas as instâncias, em alguns casos amenizado por um conjunto de regramentos.
Na política, o poder econômico avançou através dos financiamentos de campanha. No dia-a-dia da economia tornaram-se os parceiros mais influentes de todos os presidentes. Nos Estados Unidos, levaram à guerra contra a Espanha, em fins do século 19, à guerra contra o Iraque, no século 21.No Brasil, FHC buscou seus aliados junto ao setor financeiro; Lula, junto aos grandes grupos da economia real.
A própria prestação da Justiça desdobrou-se em várias formas de proteção aos poderosos, das apelações infindáveis às diversas maneiras de interpretar o “garantismo” – a defesa das garantias individuais – dependendo de grandes escritórios de advocacia. Em alguns casos, como nos EUA, em nome do interesse nacional foi conferido até direito do Presidente da República conceder indulto a crimes econômicos praticados.
Essa mesma parceria manifestou-se em relação à mídia, com os diversos modelos de financiamento dos grupos de mídia subordinando-os a interesses de grupos.
Apenas nas eleições o eleitor tinha condições de se manifestar. Mesmo assim, submetidos a formas variadas de controle e manipulação da informação.
Todo esse aparato institucional visava criar uma mediação e controle das demandas públicas. E nem se julgue essa constatação um fator totalmente negativo: não há nada pior para um país ou uma comunidade que uma opinião pública descontrolada, reagindo aos estímulos de líderes de torcida.
Esse mundo desabou.
Em cima da decepção com o modelo democrático, vieram as novas formas de comunicação das redes sociais, passando a ilusão da democracia direta em todas as instâncias.
Nas ruas, o grito sem a mediação dos partidos e da mídia. No mercado de opinião, a atoarda das redes sociais, nas quais a mídia é apenas um perfil a mais, com seus seguidores. Na Justiça, a busca do justiçamento, a justiça com as próprias mãos e a interpretação de que toda forma de garantismo como maneira de livrar os poderosos dos rigores da lei.
Em cada escaninho de poder, cada detentor de poder, pequeno, médio ou grande, se julgou com liberdade para exercitar seu voluntarismo. O descarrilhamento das estruturas de poder se dá para fora e para dentro.
Nesse quadro, dois personagens emergiram exercitando uma violência descontrolada: os grupos de mídia, atropelados pelas novas formas de comunicação; e a oposição aos governos que conseguiram montar políticas vitoriosas de inclusão.
Essas políticas geraram novos consumidores, mas também novos cidadãos. O partido que patrocina a inclusão ganhou uma massa de votos imbatível, levando a oposição a uma luta extra-eleitoral encarniçada para se manter no jogo. E as armas principais às quais têm recorrido, seja na Fox News, seja na Veja, é a exploração radical da intolerância existente na sociedade.
Segundo conjunto: o caso brasileiro
O caso brasileiro foi montado em cima dessas características globais atuais acrescidas das particularidades internas. Alguns dos episódios condicionantes do momento:
1. Roberto Civita importa dos EUA o estilo escatológico de Rupert Murdock. Em 2005 há o pacto dos grupos de mídia para enfrentar a globalização do setor. A campanha pró-armamento descobre um mercado promissor na exploração do discurso do ódio e em uma nova direita que nascia.
2. A enorme inclusão social ocorrida na última década, cujos conflitos foram amenizados pela fase de bonança econômica, explodem com o fim da bonança mundial dos commodities e os erros políticos e econômicos cometidos por Dilma em 2014 e 2015.
3. O desmonte da base de apoio do período Lula, mas a corrosão na popularidade da presidente, abrem uma vulnerabilidade inédita no Executivo.
4. Antes disso, a cobertura intensiva do julgamento do “mensalão”, visando obscurecer a CPMI de Cachoeira, testando pela primeira vez a massificação das denúncias de corrupção de forma continuada. A campanha do “mensalão” ajudou a fixar na classe média a ideia de que a corrupção estava no PT e a solução, no seu extermínio.
Criou-se o clima adequado para os grandes movimentos de manada.
A ira difusa em relação ao desconforto atual, ao sistema político, à lentidão do Judiciário, tudo isto é canalizado contra o governo. E a Lava Jato bateu na imensa mina de corrupção montada em torno da Petrobras e amplificou os ecos não esquecidos do mensalão.
A disfuncionalidade política, de governo e oposição, a desconfiança em relação ao Judiciário (especialmente após a frustração das Operações Satiagraha e Castelo de Areia) ampliaram os movimentos de ação direta, nas ruas.
Terceiro conjunto: a orquestração política
Desse conjunto de fatores germinaram as ações radicalizantes que passamos a analisar a seguir.
Na análise sobre os personagens envolvidos, haverá certa dificuldade em identificar as movimentações.
Para facilitar o raciocínio, vamos dividi-los em três grupos principais:
1. Aqueles cujo fator mobilizante é a indignação pura e simples. Entram aí movimentos de rua.
2. O grupo motivado pela disputa corporativa por espaço político. Inserem-se aí procuradores, delegados, juízes de primeira instância, técnicos do TCU (Tribunal de Contas da União)
3. E há o terceiro grupo, o dos conspiradores efetivos, manobrando as circunstâncias do momento.
Para nossa análise, interessa identificar esse terceiro grupo.
Os pontos que chamam a atenção, por induzir a uma ação concertada são os seguintes, tendo como instrumento de guerra a parceria mídia-Lava Jato:
1. A estratégia jurídica
A perfeita coordenação entre as estratégias de Gilmar Mendes e Dias Toffoli no TSE e Sérgio Moro na Lava Jato – de encontrar indícios para criminalizar o caixa 1 da campanha de Dilma.
A concatenação entre a Lava Jato e a Zelotes é outro indício de atuação coordenada.
Além disso, a maneira como um juiz de Primeira Instância, no Paraná, conseguiu deflagrar a mais abrangente operação criminal brasileira cujo único elo com sua jurisdição era um doleiro que já tivera os benefícios da delação premiada e voltara a prevaricar.
2. A estratégia política.
A concatenação entre o fluxo de vazamentos da Lava Jato e as estratégias pró-impeachment da oposição.
A blindagem aos nomes de oposição que surgem nas delações premiadas.
Em momentos mais críticos, a Lava Jato providencia um fluxo maior de factoides destinados a estimular a opinião pública.
3. A estratégia econômica.
Um viés totalmente internacionalizante, no âmbito do Congresso - toda vez que o governo entra em sinuca, a saída apresentada consiste na flexibilização da Lei do Petróleo e das políticas sociais – e no âmbito da própria Lava Jato e do Ministério Público Federal através dos acordos de cooperação internacional. Parece haver um trabalho articulado para atingir setores de interesse direto dos Estados Unidos: Petrobras com a lei do petróleo, empreiteiras brasileiras (que se tornaram competitivas internacionalmente) e setor eletronuclear.
Na visita do PGR a Washington, por exemplo, levou informações contra a Petrobras e trouxe informações de escândalos na Eletronuclear. Há um ataque sem quartel a todas as políticas visando fortalecer a economia interna, da mesma maneira que na Operação Mãos Limpas.
A ideologia do jogo – expresso não apenas na oposição, na Lava Jato e na própria Procuradoria Geral da República, através da chamada cooperação internacional – é a do internacionalismo. A corrupção é decorrência de uma economia fechada. O mercado liberta, o Estado corrompe.
A não ser os grupos ligados a direitos humanos, o grosso dos procuradores provavelmente esposa essa visão reducionista de mercado.
Os personagens do jogo
Os personagens do jogo serão analisados com base nas informações que tenho sobre eles e nas impressões deixadas pela forma como estão jogando.
Há alguns pontos centrais de articulação – como o Instituto Milenium, que continua cumprindo à altura seu papel de sucessor do velho IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática). Fora ele, não há sinais de locais mais expressivos de articulação.
Entendidos esses aspectos do jogo, vamos aos jogadores.
Congresso
Há um conjunto de personagens secundários que ganharam visibilidade por ecoar a intolerância. Políticos como Carlos Sampaio, Mendonça Neto, Agripino Maia, Aloisio Nunes, Ronaldo Caiado, Roberto Freire, vociferantes, mas personagens menores que apenas. Os amadores aparecem mais; os profissionais se preservam.
São quatro os personagens a serem analisados.
O primeiro deles é Aécio Neves, o candidato do PSDB nas últimas eleições presidenciais. Tem importância apenas pelo recall das últimas eleições.
É politicamente inexpressivo, incapaz sequer de articular de forma consistente interesses mais complexos.
É candidato a um indiciamento próximo por duas razões: em algum momento o MPF terá que mostrar isenção e a cada dia se avolumam mais evidências contra ele. A segunda razão é que ele se tornou uma liderança disfuncional, incapaz de articular um corpo mínimo de ideias e estratégias.
O grupo profissional tem três elementos: Michel Temer, Renan Calheiros e José Serra.
No curto espaço de tempo em que se tornou protagonista político, Temer não demonstrou maior envergadura política. Encampou a tal agenda liberal, surgiu no horizonte político e desapareceu como um cometa fugaz.
Renan é político com uma concepção muito mais sólida de poder. Fareja como ninguém os centros de poder e sabe agir com rigor e objetividade. Provavelmente sua aproximação com a agenda liberal e com as mudanças na lei do petróleo se prendam a essa percepção mais apurada sobre poder. Sob ameaça da Lava Jato, como estratégia de sobrevivência tratou de se aproximar do foco mais influente do poder.
José Serra é o grande articulador. É o político que transita pelos grandes grupos internacionais – lembrem-se do Wikileaks com ele prometendo à lobista da indústria petrolífera flexibilizar a lei do petróleo assim que eleito. Transita também pela mídia e pelo submundo do Judiciário – Polícia Federal e procuradores, com os quais montou uma verdadeira indústria de dossiês.
Foi curioso o açodamento de Serra e de Eduardo Cunha assim que se comprovou o desmanche da base de apoio de Dilma: ambos saíram correndo para ver quem teria a primazia de primeiro apresentar o projeto para flexibilizar a lei do petróleo, comprovando que são dois dos maiores operadores políticos do Congresso
Justiça
Os dois personagens centrais dessa articulação são Gilmar Mendes no STF (Supremo Tribunal Federal) e no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e Sérgio Moro na Lava Jato. São os grandes estrategistas que provavelmente estreitaram relações entre si durante o julgamento do “mensalão”.
Suas estratégias se completam, assim como o recurso recorrente à mídia, Gilmar em episódios ostensivamente manipulados, como o grampo sem áudio, o grampo no Supremo ou o encontro com Lula, factoides que explodiam e desapareciam como fogo fátuo; Moro de forma profissional, abastecendo a mídia com jorros ininterruptos de notícias e factoides.
As ligações históricas de Gilmar com José Serra, o trabalho de cooptação de Dias Toffoli, seu trabalho pertinaz no STF e TSE, o colocam como personagem central da conspiração. O que, convenhamos, não chega a ser nenhuma novidade.
A Força Tarefa da Lava Jato, Moro, os procuradores e delegados, são o epicentro operacional dessas articulações. Mas não conseguiram disfarçar a posição ostensivamente partidária. Já viraram o fio há algum tempo.
Já o problema do MPF é muito mais o de perda de controle sobre os jovens procuradores, devido ao fato do Procurador Geral Rodrigo Janot responder à sua base, e não à presidência da República, como determina a Constituição.
Há três fatores que afetam a imagem do MPF como um todo.
Um deles, as entrevistas políticas do procurador falastrão, Carlos Fernando dos Santos Lima. O segundo, a excessiva politização do MPF do Distrito Federal. O terceiro, o exibicionismo de jovens procuradores, tentando de todas as formas se habilitar aos holofotes da mídia através de representações estapafúrdias.
Mesmo a maneira como se insere na cooperação internacional – na qual é patente o alinhamento com interesses dos Estados Unidos – parece muito mais falta de reflexão interna sobre os aspectos geopolíticos da cooperação, do que qualquer postura conspiratória.
Quanto a Janot, em que pese a blindagem de Aécio Neves, é uma figura pública respeitável, preso a esses dilemas entre garantir a legalidade e, ao mesmo tempo, não remar contra o sentimento de onipotência que acometeu a categoria, após a Lava Jato. Vai acabar se queimando pela incapacidade de disciplinar o exibicionismo de procuradores e de blindar Aécio Neves.
Mídia
Aí se concentra o poder maior, que está na Globo. Veja, Folha e Estadão são apenas agentes auxiliares, que fornecem as pautas para o Jornal Nacional.
É o que eu digo. Eles podem até conseguir dar o golpe. Mas não levaremos mais décadas para destrinchar suas conspirações e seu jogo sujo.
Os golpes do século XXI são desmascarados no momento mesmo em que são preparados.
O lado ruim é que isso os obriga a se movimentarem com sofisticação bem mais avançada do que no passado.
A esta altura, depois de tantos livros, filmes, vazamentos, wikileaks, revelações do Snowden, desclassificação de documentos, não há mais dúvidas de que a metade final do século XX foi a era das conspirações.
Quando a verdade veio à tôna, constatou-se que as conspirações eram mais sinistras do que todas teorias conspiratórias.
Aqueles hippies malucos, com teses sobre a CIA, revelaram-se proféticos, mas também ingênuos: a coisa era muito pior do que eles mesmos imaginavam.
Nenhum país escapou das conspirações articuladas a partir dos interesses geopolíticos da guerra fria.
Houve golpes de Estado virtualmente no mundo inteiro, em todos os continentes. Na América Central, governos democráticos foram derrubados um a um, e em todos os países se verificou a existência de conspirações, em geral lideradas, à direita, por membros do alto funcionalismo público (militares, juízes, procuradores, políticos).
A vítima, obviamente, é sempre o povo.
Hoje temos um cenário diferente.
O jogo sujo, conforme revelado por Snowdem, é muito mais sinistro.
As potências imperiais promovem hoje espionagem em massa, usando o que existe de mais avançado em termos de inteligência artificial, para manipular comportamentos.
Não é teoria de conspiração. Isso está comprovado em documentos vazados por Snowden, um tema que a nossa mídia soube explorar em seu devido tempo, e que hoje deixa engavetado, como se fosse um episódio do passado distante que não tenha mais influência sobre a conjuntura política atual.
É evidente, além disso, que a espionagem é apenas uma parcela do que fazem em prol da manutenção do domínio político.
Todos os golpes precisam aparentar legalidade. Todos os golpes precisam ser pró-democráticos.
Em 1964, quando o golpe militar é desferido no Brasil, os editoriais dos jornalões tinham todos o mesmo título: Ressurge a democracia.
"Fugiu Goulart e a democracia está sendo restabelecida"...
E todos os movimentos militares a partir daí tinham o cuidado de obedecer a ritos jurídicos e pseudo-constitucionais.
Não mudou nada neste sentido.
Hoje, porém, o golpe precisa ser ainda mais bem vestido.
Por isso mesmo, o poder foi atrás dos juízes. A Globo turbinou o Prêmio Faz Diferença. Premiou Joaquim Barbosa e Sergio Moro. Passou a bajular juízes "amigos" de maneira inédita.
Em toda essa conspiração, o fator mais inexplicável é a aposta irracional, violentíssima, na sabotagem da economia.
Neste ponto, entram em jogo alguns elementos geopolíticos.
Os procuradores da Lava Jato foram inúmeras vezes aos Estados Unidos, colher informações contra grandes empresas nacionais, como Petrobrás, Eletronuclear, Odebrecht. Sempre são as empresas mais estratégicas, e que oferecem algum tipo de concorrência à grandes companhias das economias centrais.
Enquanto isso, os viralatas aplaudem a destruição de seus próprios empregos e de seu próprio país.
Vamos à análise do Nassif.
***
Quem é quem no xadrez do impeachment
Por Luis Nassif, no Jornal GGN.
Atualizado às 13:00
Os jogos em torno do impeachment não são de fácil diagnóstico. Que existe um movimento articulado, não se discute. Mas existem também tendências internacionais, estados de espírito internos que induzem as pessoas a certas atitudes, de tal maneira que se torna difícil separar o que é conspiração ou tendência induzida pelas circunstâncias históricas.
É evidente que a conspiração atua sobre as características políticas do momento. Mas nem todos que endossam esse movimento agem com intenção conspiratória. Meramente seguem tendências tornando-se massa de manobra.
Para facilitar o raciocínio, vamos separar as principais peças do jogo para tentar remonta-las mais adiante.
Primeiro conjunto: as tendências internacionais
A institucionalização da bestificação do discurso político não é meramente uma obra da mídia. Grupos de mídia são empresas comerciais, com interesses econômicos claros, que atuam quase sempre pró-ciclicamente – isto é, acentuando os movimentos de opinião pública.
Mas não são meros agentes passivos. Em tempos de alta intolerância, o poder dos grupos de mídia se potencializa. Com os ânimos exaltados, os nervos desencapados, a opinião pública fica muito mais suscetível à manipulação. Quebram-se os filtros da verossimilhança, qualquer denúncia cola, avultam as teorias conspiratórias e consegue-se manipular o estouro da boiada através da recriação de alguns mitos históricos, como o do inimigo externo, das ameaças insondáveis à família, do castigo eterno aos ímpios e outros mitos que, tendo como pano de fundo a superstição, alimentaram os piores episódios de intolerância do século 20.
É quando a besta – esse sentimento de intolerância massificado – sai da jaula a passa a ser tangida por palavras de ordem emanadas da mídia ou de lideranças populares. Aí, a mídia adquire poder de vida e de morte sobre personalidades públicas. Vide o macarthismo, o uso da informação de massa pelo fascismo ou, mesmo sem o modelo de mídia ocidental, mas navegando nas mesmas águas da intolerância, a revolução cultural chinesa.
Os fatores de intolerância
Se não é um fenômeno estritamente brasileiro, o que caracterizaria, então, a universalização atual dessas ondas de intolerância?
Está-se em um quadro claro de falência do modelo de economia liberal, que começa em 1972, e de democracia representativa que vigorou em todo século 20.
Nos modelos democráticos, o equilíbrio geral – econômico, social e político - é uma percepção criada pelo trabalho articulado entre quatro setores - Executivo, Legislativo, Judiciário e Mídia -, por um quadro econômico estável, e com válvulas de escape permitindo administrar os conflitos internos, com relativa abertura para processos lentos de inclusão.
A crise de 2008 matou a utopia e trouxe à tona diversos elementos desestabilizadores, como a insegurança econômica e o medo de perda de status social.
A globalização e os grandes movimentos de inclusão trouxeram uma nova população invadindo os mercados de consumo, de lazer, de educação e de opinião. Enquanto o mito econômico se sustentou, foi mais fácil administrar as intolerâncias e preconceitos em relação aos “invasores”. Com a crise e o fim das ilusões, a busca de bodes expiatórios foi bater nas costas dos imigrantes e dos novos incluídos, muito mais concretos para atiçar o primarismo da besta do que movimentos financeiros sofisticados ou as grandes jogadas empresariais.
Somou-se o desmantelamento dos sistemas tradicionais de mídia. . O sistema que vigorou no século, a não ser nas fases iniciais da era do rádio, embora alimentasse a intolerância, funcionava também como descarrego das manifestações individuais de seus leitores.
Houve então um estilhaçamento de todas as formas de coordenação e controle da opinião pública em um momento de conflitos étnicos e de ódio interno nos países. A besta arrebentou as grades e invadiu as ruas, as cidades, até as conversas de família.
Principalmente, comprometeu radicalmente um dos elementos centrais dos pactos democráticos: a hipocrisia da democracia representativa.
O primado da separação de poderes criou um conjunto de freios ao poder absoluto. E a ideia genérica de que “todos são iguais perante a lei” legitimou o modelo. Além disso, abriu espaço para a assimilação lenta e gradual das políticas de inclusão, que deveriam acompanhar sempre o pensamento médio nacional.
Cada grupo social precisava, antes, expandir suas ideias, viabilizar-se politicamente para, mais à frente, inserir seus princípios nas leis e na política.
Esse modelo gradual, garantiu a disciplina das chamadas massas, mantendo sob controle as disputas de classe e permitindo a prevalência do poder econômico em todas as instâncias, em alguns casos amenizado por um conjunto de regramentos.
Na política, o poder econômico avançou através dos financiamentos de campanha. No dia-a-dia da economia tornaram-se os parceiros mais influentes de todos os presidentes. Nos Estados Unidos, levaram à guerra contra a Espanha, em fins do século 19, à guerra contra o Iraque, no século 21.No Brasil, FHC buscou seus aliados junto ao setor financeiro; Lula, junto aos grandes grupos da economia real.
A própria prestação da Justiça desdobrou-se em várias formas de proteção aos poderosos, das apelações infindáveis às diversas maneiras de interpretar o “garantismo” – a defesa das garantias individuais – dependendo de grandes escritórios de advocacia. Em alguns casos, como nos EUA, em nome do interesse nacional foi conferido até direito do Presidente da República conceder indulto a crimes econômicos praticados.
Essa mesma parceria manifestou-se em relação à mídia, com os diversos modelos de financiamento dos grupos de mídia subordinando-os a interesses de grupos.
Apenas nas eleições o eleitor tinha condições de se manifestar. Mesmo assim, submetidos a formas variadas de controle e manipulação da informação.
Todo esse aparato institucional visava criar uma mediação e controle das demandas públicas. E nem se julgue essa constatação um fator totalmente negativo: não há nada pior para um país ou uma comunidade que uma opinião pública descontrolada, reagindo aos estímulos de líderes de torcida.
Esse mundo desabou.
Em cima da decepção com o modelo democrático, vieram as novas formas de comunicação das redes sociais, passando a ilusão da democracia direta em todas as instâncias.
Nas ruas, o grito sem a mediação dos partidos e da mídia. No mercado de opinião, a atoarda das redes sociais, nas quais a mídia é apenas um perfil a mais, com seus seguidores. Na Justiça, a busca do justiçamento, a justiça com as próprias mãos e a interpretação de que toda forma de garantismo como maneira de livrar os poderosos dos rigores da lei.
Em cada escaninho de poder, cada detentor de poder, pequeno, médio ou grande, se julgou com liberdade para exercitar seu voluntarismo. O descarrilhamento das estruturas de poder se dá para fora e para dentro.
Nesse quadro, dois personagens emergiram exercitando uma violência descontrolada: os grupos de mídia, atropelados pelas novas formas de comunicação; e a oposição aos governos que conseguiram montar políticas vitoriosas de inclusão.
Essas políticas geraram novos consumidores, mas também novos cidadãos. O partido que patrocina a inclusão ganhou uma massa de votos imbatível, levando a oposição a uma luta extra-eleitoral encarniçada para se manter no jogo. E as armas principais às quais têm recorrido, seja na Fox News, seja na Veja, é a exploração radical da intolerância existente na sociedade.
Segundo conjunto: o caso brasileiro
O caso brasileiro foi montado em cima dessas características globais atuais acrescidas das particularidades internas. Alguns dos episódios condicionantes do momento:
1. Roberto Civita importa dos EUA o estilo escatológico de Rupert Murdock. Em 2005 há o pacto dos grupos de mídia para enfrentar a globalização do setor. A campanha pró-armamento descobre um mercado promissor na exploração do discurso do ódio e em uma nova direita que nascia.
2. A enorme inclusão social ocorrida na última década, cujos conflitos foram amenizados pela fase de bonança econômica, explodem com o fim da bonança mundial dos commodities e os erros políticos e econômicos cometidos por Dilma em 2014 e 2015.
3. O desmonte da base de apoio do período Lula, mas a corrosão na popularidade da presidente, abrem uma vulnerabilidade inédita no Executivo.
4. Antes disso, a cobertura intensiva do julgamento do “mensalão”, visando obscurecer a CPMI de Cachoeira, testando pela primeira vez a massificação das denúncias de corrupção de forma continuada. A campanha do “mensalão” ajudou a fixar na classe média a ideia de que a corrupção estava no PT e a solução, no seu extermínio.
Criou-se o clima adequado para os grandes movimentos de manada.
A ira difusa em relação ao desconforto atual, ao sistema político, à lentidão do Judiciário, tudo isto é canalizado contra o governo. E a Lava Jato bateu na imensa mina de corrupção montada em torno da Petrobras e amplificou os ecos não esquecidos do mensalão.
A disfuncionalidade política, de governo e oposição, a desconfiança em relação ao Judiciário (especialmente após a frustração das Operações Satiagraha e Castelo de Areia) ampliaram os movimentos de ação direta, nas ruas.
Terceiro conjunto: a orquestração política
Desse conjunto de fatores germinaram as ações radicalizantes que passamos a analisar a seguir.
Na análise sobre os personagens envolvidos, haverá certa dificuldade em identificar as movimentações.
Para facilitar o raciocínio, vamos dividi-los em três grupos principais:
1. Aqueles cujo fator mobilizante é a indignação pura e simples. Entram aí movimentos de rua.
2. O grupo motivado pela disputa corporativa por espaço político. Inserem-se aí procuradores, delegados, juízes de primeira instância, técnicos do TCU (Tribunal de Contas da União)
3. E há o terceiro grupo, o dos conspiradores efetivos, manobrando as circunstâncias do momento.
Para nossa análise, interessa identificar esse terceiro grupo.
Os pontos que chamam a atenção, por induzir a uma ação concertada são os seguintes, tendo como instrumento de guerra a parceria mídia-Lava Jato:
1. A estratégia jurídica
A perfeita coordenação entre as estratégias de Gilmar Mendes e Dias Toffoli no TSE e Sérgio Moro na Lava Jato – de encontrar indícios para criminalizar o caixa 1 da campanha de Dilma.
A concatenação entre a Lava Jato e a Zelotes é outro indício de atuação coordenada.
Além disso, a maneira como um juiz de Primeira Instância, no Paraná, conseguiu deflagrar a mais abrangente operação criminal brasileira cujo único elo com sua jurisdição era um doleiro que já tivera os benefícios da delação premiada e voltara a prevaricar.
2. A estratégia política.
A concatenação entre o fluxo de vazamentos da Lava Jato e as estratégias pró-impeachment da oposição.
A blindagem aos nomes de oposição que surgem nas delações premiadas.
Em momentos mais críticos, a Lava Jato providencia um fluxo maior de factoides destinados a estimular a opinião pública.
3. A estratégia econômica.
Um viés totalmente internacionalizante, no âmbito do Congresso - toda vez que o governo entra em sinuca, a saída apresentada consiste na flexibilização da Lei do Petróleo e das políticas sociais – e no âmbito da própria Lava Jato e do Ministério Público Federal através dos acordos de cooperação internacional. Parece haver um trabalho articulado para atingir setores de interesse direto dos Estados Unidos: Petrobras com a lei do petróleo, empreiteiras brasileiras (que se tornaram competitivas internacionalmente) e setor eletronuclear.
Na visita do PGR a Washington, por exemplo, levou informações contra a Petrobras e trouxe informações de escândalos na Eletronuclear. Há um ataque sem quartel a todas as políticas visando fortalecer a economia interna, da mesma maneira que na Operação Mãos Limpas.
A ideologia do jogo – expresso não apenas na oposição, na Lava Jato e na própria Procuradoria Geral da República, através da chamada cooperação internacional – é a do internacionalismo. A corrupção é decorrência de uma economia fechada. O mercado liberta, o Estado corrompe.
A não ser os grupos ligados a direitos humanos, o grosso dos procuradores provavelmente esposa essa visão reducionista de mercado.
Os personagens do jogo
Os personagens do jogo serão analisados com base nas informações que tenho sobre eles e nas impressões deixadas pela forma como estão jogando.
Há alguns pontos centrais de articulação – como o Instituto Milenium, que continua cumprindo à altura seu papel de sucessor do velho IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática). Fora ele, não há sinais de locais mais expressivos de articulação.
Entendidos esses aspectos do jogo, vamos aos jogadores.
Congresso
Há um conjunto de personagens secundários que ganharam visibilidade por ecoar a intolerância. Políticos como Carlos Sampaio, Mendonça Neto, Agripino Maia, Aloisio Nunes, Ronaldo Caiado, Roberto Freire, vociferantes, mas personagens menores que apenas. Os amadores aparecem mais; os profissionais se preservam.
São quatro os personagens a serem analisados.
O primeiro deles é Aécio Neves, o candidato do PSDB nas últimas eleições presidenciais. Tem importância apenas pelo recall das últimas eleições.
É politicamente inexpressivo, incapaz sequer de articular de forma consistente interesses mais complexos.
É candidato a um indiciamento próximo por duas razões: em algum momento o MPF terá que mostrar isenção e a cada dia se avolumam mais evidências contra ele. A segunda razão é que ele se tornou uma liderança disfuncional, incapaz de articular um corpo mínimo de ideias e estratégias.
O grupo profissional tem três elementos: Michel Temer, Renan Calheiros e José Serra.
No curto espaço de tempo em que se tornou protagonista político, Temer não demonstrou maior envergadura política. Encampou a tal agenda liberal, surgiu no horizonte político e desapareceu como um cometa fugaz.
Renan é político com uma concepção muito mais sólida de poder. Fareja como ninguém os centros de poder e sabe agir com rigor e objetividade. Provavelmente sua aproximação com a agenda liberal e com as mudanças na lei do petróleo se prendam a essa percepção mais apurada sobre poder. Sob ameaça da Lava Jato, como estratégia de sobrevivência tratou de se aproximar do foco mais influente do poder.
José Serra é o grande articulador. É o político que transita pelos grandes grupos internacionais – lembrem-se do Wikileaks com ele prometendo à lobista da indústria petrolífera flexibilizar a lei do petróleo assim que eleito. Transita também pela mídia e pelo submundo do Judiciário – Polícia Federal e procuradores, com os quais montou uma verdadeira indústria de dossiês.
Foi curioso o açodamento de Serra e de Eduardo Cunha assim que se comprovou o desmanche da base de apoio de Dilma: ambos saíram correndo para ver quem teria a primazia de primeiro apresentar o projeto para flexibilizar a lei do petróleo, comprovando que são dois dos maiores operadores políticos do Congresso
Justiça
Os dois personagens centrais dessa articulação são Gilmar Mendes no STF (Supremo Tribunal Federal) e no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e Sérgio Moro na Lava Jato. São os grandes estrategistas que provavelmente estreitaram relações entre si durante o julgamento do “mensalão”.
Suas estratégias se completam, assim como o recurso recorrente à mídia, Gilmar em episódios ostensivamente manipulados, como o grampo sem áudio, o grampo no Supremo ou o encontro com Lula, factoides que explodiam e desapareciam como fogo fátuo; Moro de forma profissional, abastecendo a mídia com jorros ininterruptos de notícias e factoides.
As ligações históricas de Gilmar com José Serra, o trabalho de cooptação de Dias Toffoli, seu trabalho pertinaz no STF e TSE, o colocam como personagem central da conspiração. O que, convenhamos, não chega a ser nenhuma novidade.
A Força Tarefa da Lava Jato, Moro, os procuradores e delegados, são o epicentro operacional dessas articulações. Mas não conseguiram disfarçar a posição ostensivamente partidária. Já viraram o fio há algum tempo.
Já o problema do MPF é muito mais o de perda de controle sobre os jovens procuradores, devido ao fato do Procurador Geral Rodrigo Janot responder à sua base, e não à presidência da República, como determina a Constituição.
Há três fatores que afetam a imagem do MPF como um todo.
Um deles, as entrevistas políticas do procurador falastrão, Carlos Fernando dos Santos Lima. O segundo, a excessiva politização do MPF do Distrito Federal. O terceiro, o exibicionismo de jovens procuradores, tentando de todas as formas se habilitar aos holofotes da mídia através de representações estapafúrdias.
Mesmo a maneira como se insere na cooperação internacional – na qual é patente o alinhamento com interesses dos Estados Unidos – parece muito mais falta de reflexão interna sobre os aspectos geopolíticos da cooperação, do que qualquer postura conspiratória.
Quanto a Janot, em que pese a blindagem de Aécio Neves, é uma figura pública respeitável, preso a esses dilemas entre garantir a legalidade e, ao mesmo tempo, não remar contra o sentimento de onipotência que acometeu a categoria, após a Lava Jato. Vai acabar se queimando pela incapacidade de disciplinar o exibicionismo de procuradores e de blindar Aécio Neves.
Mídia
Aí se concentra o poder maior, que está na Globo. Veja, Folha e Estadão são apenas agentes auxiliares, que fornecem as pautas para o Jornal Nacional.
A corrupção endêmica e o aparelhamento tucano em SP
Segundo um dos maiores juristas do país, o PSDB conseguiu aparelhar um sistema de controle sobre a Assembleia Legislativa, as Polícias, o Judiciário e o MP
Tatiana Carlotti
Garantindo que não desistirá de denunciar “a impostura política que prevalece neste país sob a forma constitucional”, o jurista Fábio Konder Comparato, uma das maiores autoridades do mundo Jurídico do país, analisa a fragilidade da democracia brasileira, a corrupção endêmica no país e, também, a sistemática blindagem dos escândalos que envolvem o tucanato em São Paulo.
Em diálogo com a reportagem Operação Abafa: como os tucanos se mantêm no poder, o jurista avalia que o PSDB “conseguiu aparelhar um sistema de controle, ou pelo menos de influência dominante, sobre a Assembleia Legislativa, as Polícias e também, em grande parte, o Judiciário e o Ministério Público”. Além de “montar igualmente um esquema de controle do eleitorado, esquema esse, aliás, vinculado à corrupção”.
Konder Comparato também recupera as origens e as características da corrupção brasileira, um “mal endêmico” desde os tempos coloniais, denunciando “o costume da privatização do dinheiro público, usado pelos oligarcas como uma espécie de patrimônio pessoal”. Vale destacar que, atenta a esse “costume”, a Carta Maior vem recuperando uma série de escândalos de corrupção que, na prática, não deram em nada. Leiam também: Tucano bom é tucano solto e A Sociologia da Honestidade de FHC.
Nesta entrevista, o professor Konder Comparato alerta sobre a inexistência de uma verdadeira democracia em nosso país: “O povo jamais teve qualquer espécie de poder político no Brasil”. Um exemplo? A própria Constituição brasileira que determina ser da competência exclusiva do Congresso Nacional autorizar referendo e convocar plebiscito. “Somente os mandatários do povo tem poder para autorizar as manifestações de vontade deste!”, denuncia.
Confiram a entrevista:
A corrupção dos órgãos oficiais do Estado de São Paulo
Como é possível avançar no combate à corrupção, apesar do bloqueio e das manobras sistemáticas que impedem, por exemplo, investigações e CPIs no Estado de São Paulo?
Fábio Konder Comparato - O PSDB acha-se no governo do Estado há mais de um quarto de século. Durante esse tempo, conseguiu aparelhar um sistema de controle, ou pelo menos de influência dominante, sobre a Assembleia Legislativa, as Polícias e também, em grande parte, o Judiciário e o Ministério Público. O partido conseguiu, além disso, montar igualmente um esquema de controle do eleitorado, esquema esse, aliás, vinculado à corrupção.
A eliminação dessa máquina de poder partidário somente ocorrerá quando tivermos introduzido em nossa organização constitucional algumas medidas, como a eleição do chefe do Ministério Público estadual pelos seus pares, e a autonomia da Polícia Judiciária em relação à chefia do Poder Executivo.
Enquanto tais medidas não existirem, é preciso usar dos poucos recursos disponíveis pelos cidadãos, como a ação popular e outras ações judiciais, bem como representações junto ao Ministério Público, ou até mesmo o Conselho Nacional de Justiça ou o Conselho Nacional do Ministério Público, em Brasília. Como se percebe, não é um jogo fácil.
A corrupção no Brasil, como um mal endêmico
O sr. vem alertando que a corrupção é um mal endêmico no Brasil. Tivemos algum avanço?
Konder Comparato - Denomina-se endemia uma doença infecciosa que ocorre habitualmente e com incidência significativa numa determinada população. Pois bem, falando simbolicamente, a corrupção dos órgãos públicos no Brasil é uma endemia cujas primeiras manifestações irromperam já no primeiro século da colonização. Assinale-se que, quando em 1549 aqui chegou Tomé de Souza, o primeiro Governador-Geral do Brasil, ele trazia consigo um Ouvidor-Geral, ou seja, chefe dos serviços de Justiça e Polícia, e um Provedor-Mor, ou seja, o encarregado de dirigir os assuntos econômicos da colônia. Pois bem, ambos haviam sido acusados de desviar dinheiro do Tesouro Régio, quando ainda estavam em Portugal. Ao aqui chegar, o Ouvidor-Geral enviou um ofício enviado ao Rei de Portugal, para declarar que o quadro geral da colônia configurava “uma pública ladroíce e grande malícia”.
Note-se que, à época, os administradores para cá enviados pela metrópole haviam comprado seus cargos públicos, costume já consolidado em Portugal. Aqui chegando, a fim de amortizar o valor da compra de seus cargos e para compensar o sacrifício de viver nesta colônia atrasada e distante, tais administradores procuravam de qualquer maneira ganhar dinheiro. Para tanto, associavam-se aos senhores de engenho e grandes fazendeiros, participando de seus negócios; quando não se tornavam, eles próprios, senhores de engenho ou proprietários de fazendas.
A partir de então, institucionalizou-se a associação permanente dos potentados econômicos privados com os grandes agentes estatais, formando o grupo oligárquico que até hoje comanda este país. Estabeleceu-se desde então o costume da privatização do dinheiro público, usado pelos oligarcas como uma espécie de patrimônio pessoal. Ou seja, corruptos são apenas os que se vendem por dois tostões de mel coado. É o tema do conto de Machado de Assis, Suje-se gordo!
Sem dúvida, a operação Lava Jato parece ter sido o começo de uma mudança nessa longa tradição. Mas é preciso dizer que tal operação tem sido ostensivamente seletiva, pois deixa de lado todas as ladroíces cometidas nos governos anteriores ao PT no poder, abusando do vício dos dois pesos e duas medidas.
Democracia inexistente
Quais os entraves e caminhos que ainda precisamos percorrer para que o poder, efetivamente, “emane do povo”?
Konder Comparato - Para resumir o assunto, o povo jamais teve qualquer espécie de poder político no Brasil. Fala-se habitualmente em reconquista da democracia com o término do regime de exceção empresarial-militar instalado em 1964, e o restabelecimento das eleições. Mas nestas, a vontade popular é sistematicamente falseada pela influência do poder econômico dos oligarcas e as práticas ardilosas dos políticos profissionais.
Pior ainda: na nossa política, desde os tempos coloniais temos tido uma tradição de dissimulação do poder oligárquico por meio de belas instituições oficiais ocultando a realidade. Nossas Constituições, por exemplo, desde a primeira de 1824, são peças puramente retóricas, incapazes de enfraquecer e, menos ainda, de extinguir o regime oligárquico.
A atual “Constituição Cidadã”, por exemplo, declara em seu art. 14 que a soberania popular é exercida, além do sufrágio eleitoral, pelo plebiscito, o referendo e a iniciativa popular legislativa. Mais adiante, porém, o art. 49, inciso XV vem precisar que “é da competência exclusiva do Congresso Nacional autorizar referendo e convocar plebiscito”. Ou seja, trocando em miúdos, somente os mandatários do povo tem poder para autorizar as manifestações de vontade deste! É, literalmente, a submissão do mandante à autoridade do mandatário.
E quanto à iniciativa popular, a direção da Câmara dos Deputados já fixou, desde o início de vigência da Constituição, que os milhares de assinaturas necessárias à apresentação de um projeto de lei de iniciativa popular devem ser reconhecidas, uma a uma, pelos funcionários daquela Casa do Congresso Nacional. É exatamente por isso que até hoje nenhum projeto dessa natureza foi votado e aprovado pelo Congresso Nacional.
Revoltado contra esse embuste jurídico oficial, tentei atuar. Em 2004, em nome do Conselho Federal da OAB, apresentei à Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados um projeto de lei de regulamentação do art. 14 da Constituição, para eliminar a interpretação de que o Congresso Nacional tem poderes acima do povo soberano, em matéria de plebiscitos e referendos. O projeto ainda não foi votado em plenário na Câmara, mas já um substitutivo apresentado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania por um deputado do PT veio reafirmar, com outras palavras, que somente o Congresso Nacional tem o poder de autorizar o povo soberano a votar em plebiscitos e referendos.
Em 2005, apresentei a dois Senadores um anteprojeto de Proposta de Emenda Constitucional, introduzindo em nosso país o instituto de recall; isto é, do referendo revocatório de mandatos políticos. O povo elege e pode, portanto, destituir o representante eleito. Obviamente, após nove anos de tramitação, a proposta foi desaprovada em plenário.
Mas saibam que não desistirei de denunciar a impostura política que prevalece neste país sob a forma constitucional.
Tatiana Carlotti
Garantindo que não desistirá de denunciar “a impostura política que prevalece neste país sob a forma constitucional”, o jurista Fábio Konder Comparato, uma das maiores autoridades do mundo Jurídico do país, analisa a fragilidade da democracia brasileira, a corrupção endêmica no país e, também, a sistemática blindagem dos escândalos que envolvem o tucanato em São Paulo.
Em diálogo com a reportagem Operação Abafa: como os tucanos se mantêm no poder, o jurista avalia que o PSDB “conseguiu aparelhar um sistema de controle, ou pelo menos de influência dominante, sobre a Assembleia Legislativa, as Polícias e também, em grande parte, o Judiciário e o Ministério Público”. Além de “montar igualmente um esquema de controle do eleitorado, esquema esse, aliás, vinculado à corrupção”.
Konder Comparato também recupera as origens e as características da corrupção brasileira, um “mal endêmico” desde os tempos coloniais, denunciando “o costume da privatização do dinheiro público, usado pelos oligarcas como uma espécie de patrimônio pessoal”. Vale destacar que, atenta a esse “costume”, a Carta Maior vem recuperando uma série de escândalos de corrupção que, na prática, não deram em nada. Leiam também: Tucano bom é tucano solto e A Sociologia da Honestidade de FHC.
Nesta entrevista, o professor Konder Comparato alerta sobre a inexistência de uma verdadeira democracia em nosso país: “O povo jamais teve qualquer espécie de poder político no Brasil”. Um exemplo? A própria Constituição brasileira que determina ser da competência exclusiva do Congresso Nacional autorizar referendo e convocar plebiscito. “Somente os mandatários do povo tem poder para autorizar as manifestações de vontade deste!”, denuncia.
Confiram a entrevista:
A corrupção dos órgãos oficiais do Estado de São Paulo
Como é possível avançar no combate à corrupção, apesar do bloqueio e das manobras sistemáticas que impedem, por exemplo, investigações e CPIs no Estado de São Paulo?
Fábio Konder Comparato - O PSDB acha-se no governo do Estado há mais de um quarto de século. Durante esse tempo, conseguiu aparelhar um sistema de controle, ou pelo menos de influência dominante, sobre a Assembleia Legislativa, as Polícias e também, em grande parte, o Judiciário e o Ministério Público. O partido conseguiu, além disso, montar igualmente um esquema de controle do eleitorado, esquema esse, aliás, vinculado à corrupção.
A eliminação dessa máquina de poder partidário somente ocorrerá quando tivermos introduzido em nossa organização constitucional algumas medidas, como a eleição do chefe do Ministério Público estadual pelos seus pares, e a autonomia da Polícia Judiciária em relação à chefia do Poder Executivo.
Enquanto tais medidas não existirem, é preciso usar dos poucos recursos disponíveis pelos cidadãos, como a ação popular e outras ações judiciais, bem como representações junto ao Ministério Público, ou até mesmo o Conselho Nacional de Justiça ou o Conselho Nacional do Ministério Público, em Brasília. Como se percebe, não é um jogo fácil.
A corrupção no Brasil, como um mal endêmico
O sr. vem alertando que a corrupção é um mal endêmico no Brasil. Tivemos algum avanço?
Konder Comparato - Denomina-se endemia uma doença infecciosa que ocorre habitualmente e com incidência significativa numa determinada população. Pois bem, falando simbolicamente, a corrupção dos órgãos públicos no Brasil é uma endemia cujas primeiras manifestações irromperam já no primeiro século da colonização. Assinale-se que, quando em 1549 aqui chegou Tomé de Souza, o primeiro Governador-Geral do Brasil, ele trazia consigo um Ouvidor-Geral, ou seja, chefe dos serviços de Justiça e Polícia, e um Provedor-Mor, ou seja, o encarregado de dirigir os assuntos econômicos da colônia. Pois bem, ambos haviam sido acusados de desviar dinheiro do Tesouro Régio, quando ainda estavam em Portugal. Ao aqui chegar, o Ouvidor-Geral enviou um ofício enviado ao Rei de Portugal, para declarar que o quadro geral da colônia configurava “uma pública ladroíce e grande malícia”.
Note-se que, à época, os administradores para cá enviados pela metrópole haviam comprado seus cargos públicos, costume já consolidado em Portugal. Aqui chegando, a fim de amortizar o valor da compra de seus cargos e para compensar o sacrifício de viver nesta colônia atrasada e distante, tais administradores procuravam de qualquer maneira ganhar dinheiro. Para tanto, associavam-se aos senhores de engenho e grandes fazendeiros, participando de seus negócios; quando não se tornavam, eles próprios, senhores de engenho ou proprietários de fazendas.
A partir de então, institucionalizou-se a associação permanente dos potentados econômicos privados com os grandes agentes estatais, formando o grupo oligárquico que até hoje comanda este país. Estabeleceu-se desde então o costume da privatização do dinheiro público, usado pelos oligarcas como uma espécie de patrimônio pessoal. Ou seja, corruptos são apenas os que se vendem por dois tostões de mel coado. É o tema do conto de Machado de Assis, Suje-se gordo!
Sem dúvida, a operação Lava Jato parece ter sido o começo de uma mudança nessa longa tradição. Mas é preciso dizer que tal operação tem sido ostensivamente seletiva, pois deixa de lado todas as ladroíces cometidas nos governos anteriores ao PT no poder, abusando do vício dos dois pesos e duas medidas.
Democracia inexistente
Quais os entraves e caminhos que ainda precisamos percorrer para que o poder, efetivamente, “emane do povo”?
Konder Comparato - Para resumir o assunto, o povo jamais teve qualquer espécie de poder político no Brasil. Fala-se habitualmente em reconquista da democracia com o término do regime de exceção empresarial-militar instalado em 1964, e o restabelecimento das eleições. Mas nestas, a vontade popular é sistematicamente falseada pela influência do poder econômico dos oligarcas e as práticas ardilosas dos políticos profissionais.
Pior ainda: na nossa política, desde os tempos coloniais temos tido uma tradição de dissimulação do poder oligárquico por meio de belas instituições oficiais ocultando a realidade. Nossas Constituições, por exemplo, desde a primeira de 1824, são peças puramente retóricas, incapazes de enfraquecer e, menos ainda, de extinguir o regime oligárquico.
A atual “Constituição Cidadã”, por exemplo, declara em seu art. 14 que a soberania popular é exercida, além do sufrágio eleitoral, pelo plebiscito, o referendo e a iniciativa popular legislativa. Mais adiante, porém, o art. 49, inciso XV vem precisar que “é da competência exclusiva do Congresso Nacional autorizar referendo e convocar plebiscito”. Ou seja, trocando em miúdos, somente os mandatários do povo tem poder para autorizar as manifestações de vontade deste! É, literalmente, a submissão do mandante à autoridade do mandatário.
E quanto à iniciativa popular, a direção da Câmara dos Deputados já fixou, desde o início de vigência da Constituição, que os milhares de assinaturas necessárias à apresentação de um projeto de lei de iniciativa popular devem ser reconhecidas, uma a uma, pelos funcionários daquela Casa do Congresso Nacional. É exatamente por isso que até hoje nenhum projeto dessa natureza foi votado e aprovado pelo Congresso Nacional.
Revoltado contra esse embuste jurídico oficial, tentei atuar. Em 2004, em nome do Conselho Federal da OAB, apresentei à Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados um projeto de lei de regulamentação do art. 14 da Constituição, para eliminar a interpretação de que o Congresso Nacional tem poderes acima do povo soberano, em matéria de plebiscitos e referendos. O projeto ainda não foi votado em plenário na Câmara, mas já um substitutivo apresentado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania por um deputado do PT veio reafirmar, com outras palavras, que somente o Congresso Nacional tem o poder de autorizar o povo soberano a votar em plebiscitos e referendos.
Em 2005, apresentei a dois Senadores um anteprojeto de Proposta de Emenda Constitucional, introduzindo em nosso país o instituto de recall; isto é, do referendo revocatório de mandatos políticos. O povo elege e pode, portanto, destituir o representante eleito. Obviamente, após nove anos de tramitação, a proposta foi desaprovada em plenário.
Mas saibam que não desistirei de denunciar a impostura política que prevalece neste país sob a forma constitucional.
segunda-feira, fevereiro 15, 2016
Deputado petista apresenta projeto para taxar barcos e aeronaves
Projeto apresentado por Paulo Pimenta (PT-RS) visa criar um imposto semelhante ao IPVA para taxar proprietários de embarcações e aeronaves
Por: Agência PT, em 15 de fevereiro de 2016 às 11:07:58
Assim que o Congresso Nacional deu início ao ano legislativo de 2016, o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS) apresentou um projeto de lei para a criação de um imposto semelhante ao IPVA para proprietários de embarcações e aeronaves.
A proposta deverá isentar veículos usados para fins comerciais e taxar bens de luxo, como iates, jet skis, jatinhos e helicópteros, que atualmente não são tributados.
O tema chegou a ser debatido em 2007, mas não avançou. Na época, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu o IPVA não deveria incidir sobre esses bens, por se tratar de um imposto que sucedeu a Taxa Rodoviária Única, que historicamente exclui embarcações e aeronaves.
Para Pimenta, a ausência do imposto para esses bens provocou uma “grave distorção”. “O cidadão que tem um carro popular paga, anualmente, o IPVA por aquela propriedade, mas aquele que tem um helicóptero, um iate ou um avião particular, não paga nenhum imposto”, justifica.
PAULO PIMENTA“Isso é uma relação desigual e injusta, do ponto de vista tributário”, condena o parlamentar.
De acordo com o petista, o objetivo do projeto é corrigir essa “injustiça” ao estender também para o proprietário de bens de maior valor a mesma forma de tributação existente para carros populares, por exemplo.
“Você acaba fazendo com que a pessoa que pode pagar mais imposto não seja mais isenta, como é hoje, de maneira errônea”, explica.
Pimenta defende ainda que o imposto seja visto como uma “fonte alternativa” de arrecadação, que não irá penalizar os cidadãos mais tributados. “À medida que ampliamos a base tributária, evitamos punir quem já paga imposto, acabe pagando mais”, sustenta.
Para o deputado, o projeto ganhará facilmente o apoio da população. “Muitas pessoas se surpreendem, inclusive, com a inexistência de imposto para esses bens”, afirma Pimenta, ao destacar que o imposto incidirá sobre um percentual pequeno da população.
“É importante ressaltar que os barcos de serviço, aviões comerciais, não entram na lista. Apenas bens de uso particular”, completa.
A estimativa de quanto deverá ser arrecadado com o novo imposto ainda é objeto de estudo por entidades da área fiscal e órgãos fiscalizadores. “Esperamos que o texto tenha uma tramitação rápida, justamente porque acreditamos que a maioria da população apoia esse objetivo”, finaliza o autor da proposta.
Por Flávia Umpierre, da Agência PT de Notícias
Por: Agência PT, em 15 de fevereiro de 2016 às 11:07:58
Assim que o Congresso Nacional deu início ao ano legislativo de 2016, o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS) apresentou um projeto de lei para a criação de um imposto semelhante ao IPVA para proprietários de embarcações e aeronaves.
A proposta deverá isentar veículos usados para fins comerciais e taxar bens de luxo, como iates, jet skis, jatinhos e helicópteros, que atualmente não são tributados.
O tema chegou a ser debatido em 2007, mas não avançou. Na época, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu o IPVA não deveria incidir sobre esses bens, por se tratar de um imposto que sucedeu a Taxa Rodoviária Única, que historicamente exclui embarcações e aeronaves.
Para Pimenta, a ausência do imposto para esses bens provocou uma “grave distorção”. “O cidadão que tem um carro popular paga, anualmente, o IPVA por aquela propriedade, mas aquele que tem um helicóptero, um iate ou um avião particular, não paga nenhum imposto”, justifica.
PAULO PIMENTA“Isso é uma relação desigual e injusta, do ponto de vista tributário”, condena o parlamentar.
De acordo com o petista, o objetivo do projeto é corrigir essa “injustiça” ao estender também para o proprietário de bens de maior valor a mesma forma de tributação existente para carros populares, por exemplo.
“Você acaba fazendo com que a pessoa que pode pagar mais imposto não seja mais isenta, como é hoje, de maneira errônea”, explica.
Pimenta defende ainda que o imposto seja visto como uma “fonte alternativa” de arrecadação, que não irá penalizar os cidadãos mais tributados. “À medida que ampliamos a base tributária, evitamos punir quem já paga imposto, acabe pagando mais”, sustenta.
Para o deputado, o projeto ganhará facilmente o apoio da população. “Muitas pessoas se surpreendem, inclusive, com a inexistência de imposto para esses bens”, afirma Pimenta, ao destacar que o imposto incidirá sobre um percentual pequeno da população.
“É importante ressaltar que os barcos de serviço, aviões comerciais, não entram na lista. Apenas bens de uso particular”, completa.
A estimativa de quanto deverá ser arrecadado com o novo imposto ainda é objeto de estudo por entidades da área fiscal e órgãos fiscalizadores. “Esperamos que o texto tenha uma tramitação rápida, justamente porque acreditamos que a maioria da população apoia esse objetivo”, finaliza o autor da proposta.
Por Flávia Umpierre, da Agência PT de Notícias
Lula não será preso. A imprensa ladra e Moro ainda não endoidou, apesar das controvérsias
DAVIS SENA FILHO
Davis Sena Filho é editor do blog Palavra Livre
O juiz federal de primeira instância, Sérgio Moro, juntamente com seus correligionários e cúmplices ideológicos e partidários, os políticos do PSDB e os delegados aecistas da PF do Paraná, que xingaram desrespeitosamente o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma Rousseff pelo facebook, no decorrer das eleições de 2014, tem muita vontade de mandar prender o maior e mais popular presidente da República da história do Brasil, somente a se comparar com o líder petista, o presidente igualmente trabalhista, o estadista Getúlio Vargas.
Moro é um juiz de primeira instância e faz o que quer e o que lhe aprouver. Ponto. Depois de prender pessoas por meio da delação premiada, que é um meio e jamais um fim no que relativo à jurisprudência, tal juiz agora demonstra que, antes de a possibilidade de destruir o PT e desconstruir o mandato de Dilma Rousseff, necessário se faz demolir o Brasil e tudo o que até agora foi conquistado, a partir da ascensão de presidentes trabalhistas ao poder central.
Como juiz de primeira instância, Moro se fez magistrado de última instância, porém, o único e capaz de fazer com que os tribunais superiores se calem, porque também a eles interessam a desqualificação e desmoralização do Governo Trabalhista e a destruição, inapelavelmente, da candidatura Lula, em 2018. A arrogância desse juiz e sua falta de prudência sobre as prisões ora realizadas, remonta aos tempos da ditadura, só que agora em uma nova roupagem, em que os juízes e os promotores se transformam em zorros de capas e espadas e determinam como os governos e os eleitos do povo brasileiro, em âmbito presidencial, devem governar, bem como decidir sobre seus programas de governo e projeto de País.
Inacreditável o mandonismo desenfreado de um juiz que sequer é questionado pelos magistrados de tribunais superiores, bem como não é combatido em seus deslizes autocráticos pela OAB, que, timidamente, o questiona, sem, no entanto, repercutir à sociedade brasileira os desmandos desse juiz do Paraná, que objetiva desconstruir tudo o que já foi conquistado pela população, além de fazer o jogo de uma direita irresponsável, que não se importa se o Brasil tenha prejuízos gigantescos, ao ponto de prejudicar a economia, diminuir os empregos e abrir as portas para empresas estrangeiras tomarem o lugar das brasileiras, como, por exemplo, as dos setores petrolífero, naval, construção civil e elétrico.
Há muitos anos a direita entreguista e apátrida deste País luta para chegar ao poder e, posteriormente, abrir o mercado interno brasileiro sem qualquer proteção, além de viabilizar uma diplomacia colonizada e subserviente, pois alinhada automaticamente aos interesses dos Estados Unidos e, consequentemente, permitir que o Mercosul, a Unasul, os Brics, as alianças comerciais bilaterais com os países africanos, do Oriente Médio e asiáticos caiem por terra.
A oposição conservadora exala ódio e intolerância por todos seus poros e pelos cantos do Brasil. A direita tem por meta estancar o desenvolvimento social, a distribuição de renda e riqueza, e, por sua vez, deixar mais lenta a inclusão dos pobres, porque o propósito é atender às demandas das grandes corporações econômicas e financeiras internacionais, além de favorecer os interesses do Departamento de Estado e da Presidência da República dos Estados Unidos.
E nada mais objetivo do que colocar o Lula na mira de alça e fazer com que a esquerda recue e fique temerosa de lutar pelo poder. Realidades e fatos históricos como os de hoje lembram, e muito, os bastidores e as crises pretéritas às quedas de João Goulart, de Getúlio e, posteriormente, o suicídio do gaúcho estadista. A radicalização político-ideológica é extremamente perigosa para a jovem democracia brasileira. A oposição irada e sistemática da imprensa burguesa dá uma conotação real de um embate sem trégua por parte de uma oposição reacionária, que até hoje não se conforma de ficar 12 anos e meio sem controlar o Governo Federal e suas estatais e bancos públicos.
Por isso, a direita se mobiliza e, ousadamente, utiliza um avião da FAB para se aventurar em terras venezuelanas, provocar um governo democrático, eleito pelo povo e chamá-lo de ditadura, além de mentir ter sido molestada pelos partidários do Governo Bolivariano, quando a verdade é que a trupe de patetas cujo líder é o senador derrotado, Aécio Neves, praticamente apenas realizou um pouso naquele País do norte da América do Sul, com o intuito de criar situação política e ideológica de enfrentamento, além promover uma gritaria para constranger diplomaticamente o Itamaraty e o Palácio do Planalto.
Contudo, esses políticos irresponsáveis e que somente querem conquistar o poder para atender os interesses da plutocracia e, com efeito, receber as migalhas, tem a cumplicidade, o apoio e as ações de um Ministério Público e de uma Justiça que há muito tempo vestiram a camisa da oposição e se tornaram instituições partidarizadas, sem a mínima preocupação com em esconder suas intenções, porque, apesar de muitos brasileiros perceberem, juízes, promotores e delegados que se associaram ao PSDB e à mídia alienígena dos magnatas bilionários, sabem que a imprensa de direita vai sempre apoiá-los e protegê-los até que Lula, um dia, seja preso e moralmente destruído. Afinal, é muita ousadia um ex-operário se tornar presidente da República duas vezes e eleger sua sucessora duas vezes.
Enquanto Lula estiver vivo; enquanto o político nordestino e pernambucano, que mora em São Paulo há mais de 50 anos fazer política, vai ser impiedosamente perseguido. É a sina dos políticos trabalhistas e de esquerda deste País, que ousaram melhorar a vida do povo e não se submeteram e muito menos aderiram ou foram cooptados pelo establishment. Ponto.
Lula é politicamente e historicamente muito maior do que pensam a perversa e medíocre Casa Grande e a pequena burguesia analfabeta política, com ares de coxinha paneleiro frequentador de Miami. Muito maior do que pensa os capitães do mato da grande burguesia, das oligarquias, a exemplo de juízes como Sérgio Moro e Joaquim Barbosa e procuradores da estirpe de Geraldo Brindeiro e Roberto Gurgel. Não há, historicamente, termos de comparação real entre Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso — o Neoliberal I —, que mediocremente e lamentavelmente é um dos membros do Clube de Madrid, uma associação internacional de golpistas, de entreguistas e de ex-presidentes de direita que levaram à bancarrota seus países, processados pelos tribunais internacionais de direitos humanos e implantaram o neoliberalismo na América Latina, de forma que quase todos os países, inclusive o Brasil, faliram ou ficaram como pacientes de uma UTI econômica.
A resumir: venderam o patrimônio público, alinharam-se aos interesses dos países ricos e desempregaram seus povos. Para se ter uma ideia, o FMI tratava o Brasil como trata agora, como cachorros abandonados e sarnentos, a Grécia e Portugal. Uma lástima as políticas públicas desses irresponsáveis, que deveriam estar presos, ao invés de ficarem a deitar falação sem fim, apesar de seus governos fracassados, entreguistas, apátridas e traidores de suas nações. Quem lidera o Clube de Madrid é o presidente estadunidense, Barack Obama. E não poderia ser de outra forma, não é cara pálida?
Voltemos a Lula. O líder esquerdista fundou o PT, a CUT, o Foro de São Paulo, além de ser um dos fundadores do Brics, do G-20 e um dos políticos que mais tiveram influência para o fortalecimento da Unasul, do Mercosul e da Celac. Todavia, a direita brasileira quer o fim desse processo diplomático de autodeterminação dos povos e de independência dos países em relação às potências europeias e aos Estados Unidos.
A reação conservadora quer simplesmente destruir o Brasil para poder derrotar o PT, que, por conseguinte, tem de urgentemente fazer uma revisão sobre seus projetos e programas, bem como voltar ao seio de suas bases para se revigorar e, por sua vez, fundamentar e fortalecer a ideologia socialista e trabalhista, além de retomar suas bandeiras históricas deixadas de lado, como a reforma agrária ampla, o aumento das taxas e impostos sobre grandes fortunas, o controle mais duro das remessas de lucros, a elaboração de uma agenda comum com os movimentos sociais, com a CUT e o MST.
Além disso, fortalecer ainda mais o internacionalismo com os países da América Latina e do Caribe, promover a igualdade entre os gêneros, reduzir a jornada de 40 horas sem redução de salários, proteger as leis trabalhistas, e, principalmente, redemocratizar os meios de comunicação, a começar pela efetivação de um marco regulatório para o setor, que, autoritário e intervencionista, quer pautar os governos e governantes eleitos, além de querer impor seus ditames ideológicos e desejos econômicos acima dos interesses do povo brasileiro. O marco civil da internet foi aprovado, então, não há motivos outros e escusos para que o marco para as mídias também não seja implementado conforme reza a Constituição.
Sérgio Moro não vai prender Lula ou fazer com que Dilma seja levada ao seu impedimento. Os mandatários não cometeram crimes de responsabilidade e não meteram as mãos nos cofres do povo brasileiro para proveito próprio. No Brasil não se comporta mais travessuras judiciais que se parecem mais com uma chicana, ou aventuras irresponsáveis como dar golpes em presidentes constituídos e eleitos legalmente pela vontade soberana do povo. Sérgio Moro é juiz, e de primeira instância. Não é Deus e muito menos está doido. A imprensa de mercado ladra, mas há controvérsias. Uma virtual prisão de Lula acarretaria em uma comoção popular que não se sabe como acabaria. É isso aí.
Davis Sena Filho é editor do blog Palavra Livre
O juiz federal de primeira instância, Sérgio Moro, juntamente com seus correligionários e cúmplices ideológicos e partidários, os políticos do PSDB e os delegados aecistas da PF do Paraná, que xingaram desrespeitosamente o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma Rousseff pelo facebook, no decorrer das eleições de 2014, tem muita vontade de mandar prender o maior e mais popular presidente da República da história do Brasil, somente a se comparar com o líder petista, o presidente igualmente trabalhista, o estadista Getúlio Vargas.
Moro é um juiz de primeira instância e faz o que quer e o que lhe aprouver. Ponto. Depois de prender pessoas por meio da delação premiada, que é um meio e jamais um fim no que relativo à jurisprudência, tal juiz agora demonstra que, antes de a possibilidade de destruir o PT e desconstruir o mandato de Dilma Rousseff, necessário se faz demolir o Brasil e tudo o que até agora foi conquistado, a partir da ascensão de presidentes trabalhistas ao poder central.
Como juiz de primeira instância, Moro se fez magistrado de última instância, porém, o único e capaz de fazer com que os tribunais superiores se calem, porque também a eles interessam a desqualificação e desmoralização do Governo Trabalhista e a destruição, inapelavelmente, da candidatura Lula, em 2018. A arrogância desse juiz e sua falta de prudência sobre as prisões ora realizadas, remonta aos tempos da ditadura, só que agora em uma nova roupagem, em que os juízes e os promotores se transformam em zorros de capas e espadas e determinam como os governos e os eleitos do povo brasileiro, em âmbito presidencial, devem governar, bem como decidir sobre seus programas de governo e projeto de País.
Inacreditável o mandonismo desenfreado de um juiz que sequer é questionado pelos magistrados de tribunais superiores, bem como não é combatido em seus deslizes autocráticos pela OAB, que, timidamente, o questiona, sem, no entanto, repercutir à sociedade brasileira os desmandos desse juiz do Paraná, que objetiva desconstruir tudo o que já foi conquistado pela população, além de fazer o jogo de uma direita irresponsável, que não se importa se o Brasil tenha prejuízos gigantescos, ao ponto de prejudicar a economia, diminuir os empregos e abrir as portas para empresas estrangeiras tomarem o lugar das brasileiras, como, por exemplo, as dos setores petrolífero, naval, construção civil e elétrico.
Há muitos anos a direita entreguista e apátrida deste País luta para chegar ao poder e, posteriormente, abrir o mercado interno brasileiro sem qualquer proteção, além de viabilizar uma diplomacia colonizada e subserviente, pois alinhada automaticamente aos interesses dos Estados Unidos e, consequentemente, permitir que o Mercosul, a Unasul, os Brics, as alianças comerciais bilaterais com os países africanos, do Oriente Médio e asiáticos caiem por terra.
A oposição conservadora exala ódio e intolerância por todos seus poros e pelos cantos do Brasil. A direita tem por meta estancar o desenvolvimento social, a distribuição de renda e riqueza, e, por sua vez, deixar mais lenta a inclusão dos pobres, porque o propósito é atender às demandas das grandes corporações econômicas e financeiras internacionais, além de favorecer os interesses do Departamento de Estado e da Presidência da República dos Estados Unidos.
E nada mais objetivo do que colocar o Lula na mira de alça e fazer com que a esquerda recue e fique temerosa de lutar pelo poder. Realidades e fatos históricos como os de hoje lembram, e muito, os bastidores e as crises pretéritas às quedas de João Goulart, de Getúlio e, posteriormente, o suicídio do gaúcho estadista. A radicalização político-ideológica é extremamente perigosa para a jovem democracia brasileira. A oposição irada e sistemática da imprensa burguesa dá uma conotação real de um embate sem trégua por parte de uma oposição reacionária, que até hoje não se conforma de ficar 12 anos e meio sem controlar o Governo Federal e suas estatais e bancos públicos.
Por isso, a direita se mobiliza e, ousadamente, utiliza um avião da FAB para se aventurar em terras venezuelanas, provocar um governo democrático, eleito pelo povo e chamá-lo de ditadura, além de mentir ter sido molestada pelos partidários do Governo Bolivariano, quando a verdade é que a trupe de patetas cujo líder é o senador derrotado, Aécio Neves, praticamente apenas realizou um pouso naquele País do norte da América do Sul, com o intuito de criar situação política e ideológica de enfrentamento, além promover uma gritaria para constranger diplomaticamente o Itamaraty e o Palácio do Planalto.
Contudo, esses políticos irresponsáveis e que somente querem conquistar o poder para atender os interesses da plutocracia e, com efeito, receber as migalhas, tem a cumplicidade, o apoio e as ações de um Ministério Público e de uma Justiça que há muito tempo vestiram a camisa da oposição e se tornaram instituições partidarizadas, sem a mínima preocupação com em esconder suas intenções, porque, apesar de muitos brasileiros perceberem, juízes, promotores e delegados que se associaram ao PSDB e à mídia alienígena dos magnatas bilionários, sabem que a imprensa de direita vai sempre apoiá-los e protegê-los até que Lula, um dia, seja preso e moralmente destruído. Afinal, é muita ousadia um ex-operário se tornar presidente da República duas vezes e eleger sua sucessora duas vezes.
Enquanto Lula estiver vivo; enquanto o político nordestino e pernambucano, que mora em São Paulo há mais de 50 anos fazer política, vai ser impiedosamente perseguido. É a sina dos políticos trabalhistas e de esquerda deste País, que ousaram melhorar a vida do povo e não se submeteram e muito menos aderiram ou foram cooptados pelo establishment. Ponto.
Lula é politicamente e historicamente muito maior do que pensam a perversa e medíocre Casa Grande e a pequena burguesia analfabeta política, com ares de coxinha paneleiro frequentador de Miami. Muito maior do que pensa os capitães do mato da grande burguesia, das oligarquias, a exemplo de juízes como Sérgio Moro e Joaquim Barbosa e procuradores da estirpe de Geraldo Brindeiro e Roberto Gurgel. Não há, historicamente, termos de comparação real entre Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso — o Neoliberal I —, que mediocremente e lamentavelmente é um dos membros do Clube de Madrid, uma associação internacional de golpistas, de entreguistas e de ex-presidentes de direita que levaram à bancarrota seus países, processados pelos tribunais internacionais de direitos humanos e implantaram o neoliberalismo na América Latina, de forma que quase todos os países, inclusive o Brasil, faliram ou ficaram como pacientes de uma UTI econômica.
A resumir: venderam o patrimônio público, alinharam-se aos interesses dos países ricos e desempregaram seus povos. Para se ter uma ideia, o FMI tratava o Brasil como trata agora, como cachorros abandonados e sarnentos, a Grécia e Portugal. Uma lástima as políticas públicas desses irresponsáveis, que deveriam estar presos, ao invés de ficarem a deitar falação sem fim, apesar de seus governos fracassados, entreguistas, apátridas e traidores de suas nações. Quem lidera o Clube de Madrid é o presidente estadunidense, Barack Obama. E não poderia ser de outra forma, não é cara pálida?
Voltemos a Lula. O líder esquerdista fundou o PT, a CUT, o Foro de São Paulo, além de ser um dos fundadores do Brics, do G-20 e um dos políticos que mais tiveram influência para o fortalecimento da Unasul, do Mercosul e da Celac. Todavia, a direita brasileira quer o fim desse processo diplomático de autodeterminação dos povos e de independência dos países em relação às potências europeias e aos Estados Unidos.
A reação conservadora quer simplesmente destruir o Brasil para poder derrotar o PT, que, por conseguinte, tem de urgentemente fazer uma revisão sobre seus projetos e programas, bem como voltar ao seio de suas bases para se revigorar e, por sua vez, fundamentar e fortalecer a ideologia socialista e trabalhista, além de retomar suas bandeiras históricas deixadas de lado, como a reforma agrária ampla, o aumento das taxas e impostos sobre grandes fortunas, o controle mais duro das remessas de lucros, a elaboração de uma agenda comum com os movimentos sociais, com a CUT e o MST.
Além disso, fortalecer ainda mais o internacionalismo com os países da América Latina e do Caribe, promover a igualdade entre os gêneros, reduzir a jornada de 40 horas sem redução de salários, proteger as leis trabalhistas, e, principalmente, redemocratizar os meios de comunicação, a começar pela efetivação de um marco regulatório para o setor, que, autoritário e intervencionista, quer pautar os governos e governantes eleitos, além de querer impor seus ditames ideológicos e desejos econômicos acima dos interesses do povo brasileiro. O marco civil da internet foi aprovado, então, não há motivos outros e escusos para que o marco para as mídias também não seja implementado conforme reza a Constituição.
Sérgio Moro não vai prender Lula ou fazer com que Dilma seja levada ao seu impedimento. Os mandatários não cometeram crimes de responsabilidade e não meteram as mãos nos cofres do povo brasileiro para proveito próprio. No Brasil não se comporta mais travessuras judiciais que se parecem mais com uma chicana, ou aventuras irresponsáveis como dar golpes em presidentes constituídos e eleitos legalmente pela vontade soberana do povo. Sérgio Moro é juiz, e de primeira instância. Não é Deus e muito menos está doido. A imprensa de mercado ladra, mas há controvérsias. Uma virtual prisão de Lula acarretaria em uma comoção popular que não se sabe como acabaria. É isso aí.
quinta-feira, fevereiro 11, 2016
O que Sanders tem a dizer ao PT e à classe média brasileira?
Um desequilíbrio estrutural empareda agora a vida dos filhos das camadas médias no mesmo torniquete de impossibilidades que espreme os jovens nas periferias
por: Saul Leblon
Carta Maior
Nada é mais central na luta política brasileira nesse momento do que posicionar-se em relação ao massacre do qual Lula é o alvo explícito.
Está longe de ser o único, porém.
Enganam-se tragicamente os que pensarem assim.
Lula é uma ponte simbólica -- e estratégica.
Sua densidade histórica deriva do último grande ciclo de ascensão de massas no Brasil, iniciado com os levantes operários do ABC paulista, no final dos anos 70, seguido da campanha das Diretas, da Constituinte Cidadã e de quatro vitórias presidenciais progressistas na sétima maior economia do mundo.
Nas quatro letras que formam o seu nome junta-se o denso caudal da esperança na construção de um Brasil socialmente convergente e libertário, a erigir uma democracia social no coração da América Latina, em pleno século 21.
Desnecessário sublinhar a irradiação contagiante que um marco bem sucedido dessa natureza traria à luta pelo desenvolvimento nos quatro cantos do planeta.
Desnecessário reiterar a ferocidade dos interesses contrariados por essa possibilidade.
A singularidade da trajetória do ex-metalúrgico, o alcance de sua palavra, a credibilidade que carrega condensam, assim, um potencial transformador inestimável, e ao mesmo tempo, temido.
No momento em que a mais longa crise mundial do capitalismo desde 1929 impõe a repactuação das bases do desenvolvimento, a exigir um novo degrau de democratização da economia e da sociedade, é preciso lixiviar a possibilidade de que esse potencial, (na verdade nunca inteiramente exercido), estabeleça um novo estirão progressista na história brasileira.
Tudo isso que Lula traz grudado na pele, a irradiar perigosa mistura de precedente, otimismo e encorajamento social é o alvo efetivo da mira conservadora que o picota diuturnamente.
Vive-se uma contagem regressiva golpista.
O que se espera agora é que um personagem do rodapé da história se apresente ao desfrute conservador, de avental e machado na mão, a fremir nas ventas a disposição de desfechar o gesto final.
São esses burros de carga das encomendas superiores que cuidam também das manchetes sulfurosas nesse momento.
Suspeitos canteiros de acelga, canoas e pedalinhos de cisne em pesqueiro frequentado por Lula, em Atibaia, compõem o cerne de sua passagem pela história.
Que um jornalista como Clóvis Rossi, da Folha, tenha dado ao ‘complexo de Atibaia’ o epíteto de ‘um luxo’, evidencia a cooptação feroz dos espíritos pelo cuore conservador.
Com suas contradições de carne e osso, Lula é a costela de pirarucu atravessada na garganta conservadora brasileira. Trata-se da ponte mais extensa a conectar o rico e diversificado campo progressista às camadas mais amplas e sofridas da população.
Não é preciso endossar cada passo e ato do ciclo que elevou em 70% o poder de compra do salário mínimo e retirou 40 milhões de brasileiros da miséria para entender o porquê da convergência que agora avança inescrupulosamente para desloca-lo do imaginário social para um prontuário policial.
Consumada a operação, a restauração neoliberal está contratada para 2018, não importa quem seja o seu portador. Até um material político da qualidade de um José Serra torna-se competitivo nessas condições.
Exatamente por estar em disputa uma nova hegemonia e não uma simples dança das cadeiras dentro de uma mesma época histórica, a defesa daquilo que Lula representa não pode mais ser apenas retrospectiva.
É preciso dizer o que o seu potencial político tem a propor ao passo seguinte do país.
Dize-lo, sobretudo, à base social que o sustenta.
Mas não só.
Entre outras lacunas políticas na trajetória recente da esquerda brasileira, há uma que cobra cada vez mais alto uma resposta desassombrada, que de certa forma condicionará a eficácia das demais.
O que o campo progressista tem a dizer ao segmento mais numeroso da classe média, hoje, como sempre, o principal substrato do preconceito, da desinformação e da incerteza, manipulados para servir de base à agenda do golpismo neoliberal?
O sucesso ou o fracasso dessa resposta condicionará em grande medida o desfecho do braço de ferro que, inicialmente, o conservadorismo tentou resolver com o impeachment; e agora admite decidir nas urnas de 2018, desde que consiga trancar Lula fora da cédula.
Não existe ‘uma classe média única’.
Sob esse guarda-chuva sociológico reúne-se uma vasta gama de renda intermediária, da qual faz parte também uma elite integralmente identificada com os interesses dominantes da sociedade.
Não é desse pedaço do Brasil que se trata aqui.
Mas dos anseios de um amplo contingente de assalariados, profissionais liberais e funcionários públicos, cevados com doses maciças de medo e incerteza pela cooptação conservadora.
Inclui-se aí um pedaço significativo da juventude que vivencia na rua e no bolso o estreitamento do espaço de ascensão que seus pais desfrutaram --ou imaginaram desfrutar um dia, mas que o capitalismo rentista não mais propiciará.
Não é um gargalo criado pelo ‘lulopetismo’, como diz a propaganda das falanges dentro e fora da mídia.
É um estreitamento estrutural dos canais de mobilidade no capitalismo globalizado.
Nele, o emprego estável, de qualidade e bem remunerado sucumbiu, desde a base industrial minguante, até o setor de serviços expandido, configurando-se um novo normal de vagas abastardadas pela provisoriedade, a supressão de direitos e o achatamento real dos salários.
Um dado resume todos os demais: a modalidade atual de emprego que mais cresce na Inglaterra sob o domínio conservador é a que reduz o trabalhador a um insumo igual a qualquer matéria-prima. Só requisitada do ‘depósito’ (o mercado) quando a demanda assim o exige, ela receberá apenas e somente o equivalente ao tempo durante o qual seu cérebro e músculos forem diretamente consumidos pela engrenagem produtiva.
Isso não impede, na verdade guarda estreita funcionalidade com o fastígio da riqueza na ponta financeira do sistema.
Quase 2,5 milhões de crianças vivendo na antessala da pobreza absoluta na terceira maior economia europeia, compõe a síntese desse paradoxo semeado por Pinochet e Thatcher desde os anos 70/80, cuja essência consiste em libertar o capitalismo de seus contrapesos regulatórios de natureza econômica, política e social.
Deu-se o que se traduz nesse momento em um desconcertante avanço da desigualdade em escala global.
Um de seus vórtices foi exaustivamente documentado por Thomas Piketty: a riqueza financeira não apenas cresce sempre à frente, mas em contraposição à expansão real da renda per capita.
Em sua cristalização mais recente, a gosma inutilizou o sonho sistêmico do way of life na qual a classe média saboreou waffles com creme de mobilidade social, do pós-guerra até meados dos anos 70.
O protocolo da meritocracia perdeu sentido.
Nenhum critério uniforme de avaliação é justo quando a igualdade de oportunidades inexiste.
Um desequilíbrio estrutural empareda agora a vida dos filhos das camadas de renda média no mesmo torniquete de impossibilidades que espreme a existência dos jovens nas periferias conflagradas.
Questões básicas como o atendimento à saúde, a qualidade do ensino, a segurança e a moradia, o emprego, o custo de criar um filho sem sistemas públicos eficientes, o amparo à velhice dos pais mas também o anseio por dignidade, reconhecimento e convivência pública, assumem o peso crescente de uma centralidade política carente de respostas.
Nenhum agrupamento progressista logrou de fato traduzir esse mal-estar social do capitalismo financeiro em um projeto capaz de transformar os desfavorecidos de toda a sociedade em um novo sujeito histórico.
A extrema direita navega com razoável sucesso e competência nesse vácuo, como mostra os Le Pen, na França, o Tea Party, nos EUA, e uma ampla gama de fascistas em ascensão nos países nórdicos e do leste europeu.
A radicalização conservadora da classe média brasileira –localmente temperada pelo fermento golpista— reflete em certa medida esse mesmo caldo de cultura.
O fantasma da espiral descendente é o seu leme.
Escola pública de qualidade, transporte barato e eficiente, moradias sociais, saúde pública de reconhecida competência formaram no pós-guerra europeu um substrato de estabilidade, capaz de afastar assalariados e classe média das tentações totalitárias que a incerteza atual enseja.
O ganho de produtividade subtraído aos salários em nome da eficiência industrial era compensado pela rede de proteção coletiva, ancorada em uma tributação mais justa de todo espectro da riqueza.
A inexistência desse horizonte empurra o subconsciente da classe média a uma disjuntiva: aderir ao apartheid explícito ou regredir.
Sem falar a essa encruzilhada dos setores de renda média, será cada vez mais difícil a uma sigla progressista romper o cerco ideológico que a impede de ser ouvida pelo conjunto da sociedade.
O crescimento contagiante da candidatura do social democrata Bernie Sanders, nos EUA, que disputa com Hillary Clinton a indicação dos democratas à corrida presidencial, traz um sopro de esperança a essa equação.
O fenômeno Sanders consiste em falar aos ‘desiguais’ com uma mesma proposta: uma sociedade de serviços públicos dignos e eficientes para todos.
Os mais pobres, naturalmente.
Cerca de 47 milhões de pessoas encontram-se nessa categoria nos EUA -- uma em cada cinco crianças, no país mais rico da terra.
Mas não só a eles.
A classe média espremida pela hipoteca, o desemprego, a descrença no futuro, o desamparo diante da velhice, a humilhação familiar e individual passou também a prestar atenção as suas palavras.
Sobretudo, os seus filhos.
Nas prévias dos democratas em Iowa, Sanders teve nada menos que 84% dos votos na faixa dos eleitores entre 17 e 29 anos.
Um ponto fora da curva?
Tudo indica que não.
A juventude ‘apática’, ‘apolítica’, ‘desligada dos partidos’, ‘indiferente aos velhos paradigmas de direita e esquerda’, como diz a sociologia conveniente de Marina Silva & FHC, que se atirou agora de corpo e alma na campanha de Sanders, é irmã histórica daquela que no ano passado, com igual entusiasmo, deu o comando do trabalhismo britânico a um velho socialista, Jeremy Corbyn
Todo o planeta pulsa a saturação da mais lenta, errática e incerta recuperação de todas as crises vividas pelo capitalismo do século XX até agora.
Desafios econômicos, sociais, ambientais e sanitários – a exemplo do aquecimento global e do zika vírus agora no Brasil— cobrarão cada vez mais respostas cuja eficácia técnica terá que repousar na repactuação política das formas de viver e de produzir, e contar com indispensável mobilização da sociedade.
Nada mais distante disso do que o fermento de preconceito, ódio de classe e desmonte do aparato público com o qual a restauração neoliberal pretende pavimentar a sua volta ao poder no Brasil.
O medo egoísta da classe média é o seu veículo.
Quem acha que não há nada a fazer sob o domínio do capitalismo desregulado do século 21, e pretende insistir no celofane da indiferenciação programática, abraçando reformas que o mercado exige, deveria atentar para o discurso simples e ao mesmo tempo empolgante de um sexagenário social-democrata norte-americano.
Bernie Sanders –tema do Especial de carnaval de Carta Maior-- tem algo a dizer à encruzilhada do PT, de Lula; e à do Brasil, de Dilma.
Boa Leitura
A cobiça de Wall Street está destruindo a economia dos EUA'
Opera Mundi
Os pré-candidatos democratas à presidência dos Estados Unidos participaram de um debate na noite de sábado (19/11) em que se uniram para criticar o republicano Donald Trump, mas também trocaram algumas farpas entre si.
Um dos temas que gerou polêmica foi quando o pré-candidato e senador pelo estado de Vermont, Bernie Sanders, acusou sua adversária, Hillary Clinton, de obter respaldo empresarial em sua campanha política.
"A cobiça de Wall Street está destruindo nossa economia", afirmou Sanders. "É uma ameaça para a economia norte-americana e tem muito poder político", acrescentou, dirigindo-se à rival.
Durante o debate, Hillary foi questionada pelo moderador David Muir, da emissora ABC News, por sua relações com diretores das grandes empresas em com as quais mantinha contato há anos.
por: Saul Leblon
Carta Maior
Nada é mais central na luta política brasileira nesse momento do que posicionar-se em relação ao massacre do qual Lula é o alvo explícito.
Está longe de ser o único, porém.
Enganam-se tragicamente os que pensarem assim.
Lula é uma ponte simbólica -- e estratégica.
Sua densidade histórica deriva do último grande ciclo de ascensão de massas no Brasil, iniciado com os levantes operários do ABC paulista, no final dos anos 70, seguido da campanha das Diretas, da Constituinte Cidadã e de quatro vitórias presidenciais progressistas na sétima maior economia do mundo.
Nas quatro letras que formam o seu nome junta-se o denso caudal da esperança na construção de um Brasil socialmente convergente e libertário, a erigir uma democracia social no coração da América Latina, em pleno século 21.
Desnecessário sublinhar a irradiação contagiante que um marco bem sucedido dessa natureza traria à luta pelo desenvolvimento nos quatro cantos do planeta.
Desnecessário reiterar a ferocidade dos interesses contrariados por essa possibilidade.
A singularidade da trajetória do ex-metalúrgico, o alcance de sua palavra, a credibilidade que carrega condensam, assim, um potencial transformador inestimável, e ao mesmo tempo, temido.
No momento em que a mais longa crise mundial do capitalismo desde 1929 impõe a repactuação das bases do desenvolvimento, a exigir um novo degrau de democratização da economia e da sociedade, é preciso lixiviar a possibilidade de que esse potencial, (na verdade nunca inteiramente exercido), estabeleça um novo estirão progressista na história brasileira.
Tudo isso que Lula traz grudado na pele, a irradiar perigosa mistura de precedente, otimismo e encorajamento social é o alvo efetivo da mira conservadora que o picota diuturnamente.
Vive-se uma contagem regressiva golpista.
O que se espera agora é que um personagem do rodapé da história se apresente ao desfrute conservador, de avental e machado na mão, a fremir nas ventas a disposição de desfechar o gesto final.
São esses burros de carga das encomendas superiores que cuidam também das manchetes sulfurosas nesse momento.
Suspeitos canteiros de acelga, canoas e pedalinhos de cisne em pesqueiro frequentado por Lula, em Atibaia, compõem o cerne de sua passagem pela história.
Que um jornalista como Clóvis Rossi, da Folha, tenha dado ao ‘complexo de Atibaia’ o epíteto de ‘um luxo’, evidencia a cooptação feroz dos espíritos pelo cuore conservador.
Com suas contradições de carne e osso, Lula é a costela de pirarucu atravessada na garganta conservadora brasileira. Trata-se da ponte mais extensa a conectar o rico e diversificado campo progressista às camadas mais amplas e sofridas da população.
Não é preciso endossar cada passo e ato do ciclo que elevou em 70% o poder de compra do salário mínimo e retirou 40 milhões de brasileiros da miséria para entender o porquê da convergência que agora avança inescrupulosamente para desloca-lo do imaginário social para um prontuário policial.
Consumada a operação, a restauração neoliberal está contratada para 2018, não importa quem seja o seu portador. Até um material político da qualidade de um José Serra torna-se competitivo nessas condições.
Exatamente por estar em disputa uma nova hegemonia e não uma simples dança das cadeiras dentro de uma mesma época histórica, a defesa daquilo que Lula representa não pode mais ser apenas retrospectiva.
É preciso dizer o que o seu potencial político tem a propor ao passo seguinte do país.
Dize-lo, sobretudo, à base social que o sustenta.
Mas não só.
Entre outras lacunas políticas na trajetória recente da esquerda brasileira, há uma que cobra cada vez mais alto uma resposta desassombrada, que de certa forma condicionará a eficácia das demais.
O que o campo progressista tem a dizer ao segmento mais numeroso da classe média, hoje, como sempre, o principal substrato do preconceito, da desinformação e da incerteza, manipulados para servir de base à agenda do golpismo neoliberal?
O sucesso ou o fracasso dessa resposta condicionará em grande medida o desfecho do braço de ferro que, inicialmente, o conservadorismo tentou resolver com o impeachment; e agora admite decidir nas urnas de 2018, desde que consiga trancar Lula fora da cédula.
Não existe ‘uma classe média única’.
Sob esse guarda-chuva sociológico reúne-se uma vasta gama de renda intermediária, da qual faz parte também uma elite integralmente identificada com os interesses dominantes da sociedade.
Não é desse pedaço do Brasil que se trata aqui.
Mas dos anseios de um amplo contingente de assalariados, profissionais liberais e funcionários públicos, cevados com doses maciças de medo e incerteza pela cooptação conservadora.
Inclui-se aí um pedaço significativo da juventude que vivencia na rua e no bolso o estreitamento do espaço de ascensão que seus pais desfrutaram --ou imaginaram desfrutar um dia, mas que o capitalismo rentista não mais propiciará.
Não é um gargalo criado pelo ‘lulopetismo’, como diz a propaganda das falanges dentro e fora da mídia.
É um estreitamento estrutural dos canais de mobilidade no capitalismo globalizado.
Nele, o emprego estável, de qualidade e bem remunerado sucumbiu, desde a base industrial minguante, até o setor de serviços expandido, configurando-se um novo normal de vagas abastardadas pela provisoriedade, a supressão de direitos e o achatamento real dos salários.
Um dado resume todos os demais: a modalidade atual de emprego que mais cresce na Inglaterra sob o domínio conservador é a que reduz o trabalhador a um insumo igual a qualquer matéria-prima. Só requisitada do ‘depósito’ (o mercado) quando a demanda assim o exige, ela receberá apenas e somente o equivalente ao tempo durante o qual seu cérebro e músculos forem diretamente consumidos pela engrenagem produtiva.
Isso não impede, na verdade guarda estreita funcionalidade com o fastígio da riqueza na ponta financeira do sistema.
Quase 2,5 milhões de crianças vivendo na antessala da pobreza absoluta na terceira maior economia europeia, compõe a síntese desse paradoxo semeado por Pinochet e Thatcher desde os anos 70/80, cuja essência consiste em libertar o capitalismo de seus contrapesos regulatórios de natureza econômica, política e social.
Deu-se o que se traduz nesse momento em um desconcertante avanço da desigualdade em escala global.
Um de seus vórtices foi exaustivamente documentado por Thomas Piketty: a riqueza financeira não apenas cresce sempre à frente, mas em contraposição à expansão real da renda per capita.
Em sua cristalização mais recente, a gosma inutilizou o sonho sistêmico do way of life na qual a classe média saboreou waffles com creme de mobilidade social, do pós-guerra até meados dos anos 70.
O protocolo da meritocracia perdeu sentido.
Nenhum critério uniforme de avaliação é justo quando a igualdade de oportunidades inexiste.
Um desequilíbrio estrutural empareda agora a vida dos filhos das camadas de renda média no mesmo torniquete de impossibilidades que espreme a existência dos jovens nas periferias conflagradas.
Questões básicas como o atendimento à saúde, a qualidade do ensino, a segurança e a moradia, o emprego, o custo de criar um filho sem sistemas públicos eficientes, o amparo à velhice dos pais mas também o anseio por dignidade, reconhecimento e convivência pública, assumem o peso crescente de uma centralidade política carente de respostas.
Nenhum agrupamento progressista logrou de fato traduzir esse mal-estar social do capitalismo financeiro em um projeto capaz de transformar os desfavorecidos de toda a sociedade em um novo sujeito histórico.
A extrema direita navega com razoável sucesso e competência nesse vácuo, como mostra os Le Pen, na França, o Tea Party, nos EUA, e uma ampla gama de fascistas em ascensão nos países nórdicos e do leste europeu.
A radicalização conservadora da classe média brasileira –localmente temperada pelo fermento golpista— reflete em certa medida esse mesmo caldo de cultura.
O fantasma da espiral descendente é o seu leme.
Escola pública de qualidade, transporte barato e eficiente, moradias sociais, saúde pública de reconhecida competência formaram no pós-guerra europeu um substrato de estabilidade, capaz de afastar assalariados e classe média das tentações totalitárias que a incerteza atual enseja.
O ganho de produtividade subtraído aos salários em nome da eficiência industrial era compensado pela rede de proteção coletiva, ancorada em uma tributação mais justa de todo espectro da riqueza.
A inexistência desse horizonte empurra o subconsciente da classe média a uma disjuntiva: aderir ao apartheid explícito ou regredir.
Sem falar a essa encruzilhada dos setores de renda média, será cada vez mais difícil a uma sigla progressista romper o cerco ideológico que a impede de ser ouvida pelo conjunto da sociedade.
O crescimento contagiante da candidatura do social democrata Bernie Sanders, nos EUA, que disputa com Hillary Clinton a indicação dos democratas à corrida presidencial, traz um sopro de esperança a essa equação.
O fenômeno Sanders consiste em falar aos ‘desiguais’ com uma mesma proposta: uma sociedade de serviços públicos dignos e eficientes para todos.
Os mais pobres, naturalmente.
Cerca de 47 milhões de pessoas encontram-se nessa categoria nos EUA -- uma em cada cinco crianças, no país mais rico da terra.
Mas não só a eles.
A classe média espremida pela hipoteca, o desemprego, a descrença no futuro, o desamparo diante da velhice, a humilhação familiar e individual passou também a prestar atenção as suas palavras.
Sobretudo, os seus filhos.
Nas prévias dos democratas em Iowa, Sanders teve nada menos que 84% dos votos na faixa dos eleitores entre 17 e 29 anos.
Um ponto fora da curva?
Tudo indica que não.
A juventude ‘apática’, ‘apolítica’, ‘desligada dos partidos’, ‘indiferente aos velhos paradigmas de direita e esquerda’, como diz a sociologia conveniente de Marina Silva & FHC, que se atirou agora de corpo e alma na campanha de Sanders, é irmã histórica daquela que no ano passado, com igual entusiasmo, deu o comando do trabalhismo britânico a um velho socialista, Jeremy Corbyn
Todo o planeta pulsa a saturação da mais lenta, errática e incerta recuperação de todas as crises vividas pelo capitalismo do século XX até agora.
Desafios econômicos, sociais, ambientais e sanitários – a exemplo do aquecimento global e do zika vírus agora no Brasil— cobrarão cada vez mais respostas cuja eficácia técnica terá que repousar na repactuação política das formas de viver e de produzir, e contar com indispensável mobilização da sociedade.
Nada mais distante disso do que o fermento de preconceito, ódio de classe e desmonte do aparato público com o qual a restauração neoliberal pretende pavimentar a sua volta ao poder no Brasil.
O medo egoísta da classe média é o seu veículo.
Quem acha que não há nada a fazer sob o domínio do capitalismo desregulado do século 21, e pretende insistir no celofane da indiferenciação programática, abraçando reformas que o mercado exige, deveria atentar para o discurso simples e ao mesmo tempo empolgante de um sexagenário social-democrata norte-americano.
Bernie Sanders –tema do Especial de carnaval de Carta Maior-- tem algo a dizer à encruzilhada do PT, de Lula; e à do Brasil, de Dilma.
Boa Leitura
A cobiça de Wall Street está destruindo a economia dos EUA'
Opera Mundi
Os pré-candidatos democratas à presidência dos Estados Unidos participaram de um debate na noite de sábado (19/11) em que se uniram para criticar o republicano Donald Trump, mas também trocaram algumas farpas entre si.
Um dos temas que gerou polêmica foi quando o pré-candidato e senador pelo estado de Vermont, Bernie Sanders, acusou sua adversária, Hillary Clinton, de obter respaldo empresarial em sua campanha política.
"A cobiça de Wall Street está destruindo nossa economia", afirmou Sanders. "É uma ameaça para a economia norte-americana e tem muito poder político", acrescentou, dirigindo-se à rival.
Durante o debate, Hillary foi questionada pelo moderador David Muir, da emissora ABC News, por sua relações com diretores das grandes empresas em com as quais mantinha contato há anos.
Desindustrialização, histerese e o complexo debate das contas públicas
Um grande problema do déficit fiscal brasileiro aparece quando se considera a conta de juros nominais, de 8,5% do PIB, quando a inflação não é de demanda.
Rodrigo Medeiros
Um tema que vem merecendo um bom destaque na imprensa é o das contas públicas e suas relações com a evolução da economia brasileira. Desde o fim da eleição de 2014, já havia a expectativa de um ajuste a ser realizado. Para que a confiança do mercado financeiro estivesse presente ao longo do processo, o governo trouxe uma figura de respeito desse setor para integrar a nova equipe econômica. O viés contracionista do ajuste macro buscava oferecer a perspectiva de rápida recuperação da “confiança”, através de uma espécie de “austeridade expansionista” tão criticada por Krugman, Stiglitz e outros que consideram a importância dos multiplicadores fiscais.
Desde o início do processo que visava a “recuperação” da confiança na economia, não acreditei que seria algo rápido e fácil de realizar. Afinal, desde meados de 2014, os preços internacionais das commodities, que representam aproximadamente dois terços das exportações brasileiras, caíram fortemente e tal fato impactaria negativamente na nossa economia em 2% do PIB (pelo método do multiplicador da base exportadora). Algum tempo depois, o Ministério da Fazenda divulgou a estimativa de que a operação Lava Jato levaria outros 2% do PIB por conta da paralisação de investimentos e projetos. Essas questões afetaram adversamente as receitas públicas em nosso país, inclusive o potencial de crescimento da relação dívida/PIB em uma recessão aprofundada.
A economia brasileira vinha deslizando para baixo desde 2011 e já era possível notar que o governo federal tentava "esticar a situação anterior" a partir de 2012 com algumas medidas que hoje são tão criticadas, mas que foram apresentadas pelo empresariado então (as desonerações fiscais e a queda dos preços de energia elétrica, por exemplo). Segundo avaliaram José Oreiro (IE/UFRJ) e Paulo Gala (FGV-EESP), a histerese derivada da desindustrialização prematura da economia brasileira aponta para a saída lenta, difícil e dolorosa da crise. O Fundo Monetário Internacional (FMI), por sua vez, estimou que o nosso PIB deverá cair 3,5% em 2016 e parar de piorar em 2017.
De acordo com o “Resultado do Tesouro Nacional”, de dezembro de 2015, a receita total em 2015 caiu 6,3% em termos reais e as despesas totais cresceram 2,1% para o governo central. As despesas discricionárias caíram em termos reais a um patamar inferior ao ano de 2013. Para o “Cenário Macroeconômico 2016”, da Gradual Investimentos, "o problema fiscal [brasileiro] verificado nos últimos anos foi derivado não de um aumento repentino das despesas, mas antes de tudo de uma queda abrupta das receitas. Não quero dizer com isso que não houve aumento das despesas nos últimos anos, mas o ponto aqui é verificar o que de fato estourou as contas públicas em 2014/2015".
Desde o final de 2014, estava claro para mim que a desindustrialização prematura da economia brasileira dificultaria o processo de rápida recuperação econômica em um contexto no qual o FMI chamou, posteriormente em 2015, de “um novo medíocre” em termos de expectativas de crescimento global. Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro norte-americano e acadêmico de prestígio internacional, defende a tese da “estagnação secular” e suas implicações derivadas da histerese na redução do crescimento potencial (“Vox/ CEPR's Policy Portal”, 30/10/2014). Entre nós, poucos identificaram o efeito de histerese na desindustrialização prematura (nesse sentido, recomendo os blogs dos economistas Paulo Gala e José Oreiro). Segundo afirma Paulo Gala (FGV-EESP), “como bem ressalta o economista argentino Roberto Frenkel num trabalho recente, aquele que se queima com leite vê uma vaca e chora! (Ditado argentino.) Será muito difícil convencer os empresários brasileiros a voltarem a investir no setor de bens transacionáveis não commodities depois de uma década de sobrevalorização cambial. Sem esses investimentos não haverá aumento de produtividade e complexidade e nossa renda per capita mal conseguirá crescer, se é que vai crescer nos próximos anos” (04/01/2016).
José Oreiro (IE/UFRJ), por sua vez, diz que “se a taxa de câmbio permanece sobrevalorizada por longos períodos, como ocorreu com a economia brasileira no período 2005-2014, então a mudança na estrutura produtiva decorrente dessa sobrevalorização não poderá ser totalmente revertida com o retorno da taxa de câmbio ao seu patamar original. Será necessário que a taxa de câmbio se deprecie além do ponto inicial e fique nesse novo patamar por um período de tempo suficientemente longo para que as firmas estrangeiras que entraram no bojo da sobrevalorização cambial decidam se retirar do mercado” (06/01/2016). A sobrevalorização cambial crônica do real vem ocorrendo desde o Plano Real (1994) e foi intensificada no boom das commodities, algo que contribuiu para a nossa desindustrialização prematura e a estagflação vigente. No plano das contas públicas, é bem interessante observar o drama do Estado do Rio de Janeiro e como a “maldição do petróleo” impactou nas finanças públicas fluminenses.
Câmbio e juros são dois preços fundamentais voláteis em uma economia emergente. Nesse sentido, algumas reflexões se mostram bem relevantes. O professor e ex-ministro João Sayad, no livro “Dinheiro, Dinheiro” (Portfolio Penguin, 2015), levanta a hipótese de que “o regime de metas de inflação gera instabilidade. Aumenta a inflação, sobem os juros. A inflação cai, mas a taxa de câmbio também. No curto prazo, um ano, o resultado é favorável, mas num prazo maior o balanço de pagamentos se desequilibra”. O economista Bráulio Borges, na “Folha de S.Paulo” (02/09/2014), ao analisar o desempenho do tripé macroeconômico implementado em 1999, afirma que “chama a atenção o fato de que, no período de 16 anos compreendido entre 1999 e 2014, a inflação medida pelo IPCA foi igual ou inferior ao centro da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional em apenas 4 (ou 25% do total)”. Entre 2004 e 2008, ele foi exitoso em apenas 2 dos 5 anos.
Quando se fala sobre o Brasil, a comparação com outros países da região aponta, na cabeça de alguns, para uma receita a ser seguida. Se “eles” crescem mais, "estão em melhor forma". Não se avalia se esse tipo de crescimento está distribuindo renda ou concentrando riquezas nas mãos de poucos e se o Brasil suportaria efetivamente permanecer aprisionado a esse modelo primário-exortador. A destruição ambiental tampouco é considerada, assim como não é avaliado se um modelo que "serve" a um país de menor dimensão atenderá a um país maior.
O jornal “El País Brasil” (24/10/2015) publicou uma matéria sobre a crise na América Latina, citando como o Brasil, a Colômbia, o Peru e o Chile amargam déficit nas contas públicas com o fim da festa das commodities. Ricardo Caballero (MIT) afirma, na matéria citada, que “tivemos um episódio daquilo que se conhece como doença holandesa. Quando o preço e a produção de um bem de exportação sobem muito, as matérias-primas em nosso caso, geralmente elas arruínam o resto do setor exportador, por causa de uma valorização sustentada da taxa de câmbio”. Para o colombiano José Antonio Ocampo (Universidade Columbia), também citado na respectiva matéria, “a desindustrialização foi excessiva, o investimento em tecnologia muito baixo, e há muito por fazer até obter uma educação de qualidade, um setor público eficaz, e uma melhora na infraestrutura que potencialize o crescimento”.
Um relatório da Economist Intelligence Unit (EIU), de setembro de 2015, chamado “Growth in an Uncertain Global Environment”, trouxe um olhar de preocupação para a América Latina. As moedas da região já sofriam pressões por desvalorizações cambiais e as políticas monetárias domésticas enfrentavam então um delicado dilema. Afinal, devem as autoridades monetárias elevar as taxas básicas de juros domésticas para combater as pressões inflacionárias derivadas de repasses das desvalorizações cambiais das moedas nacionais quando as economias estão desacelerando? O relatório “Fiscal Monitor” (outubro de 2015), do FMI, mostrou em números como países da América Latina e de outras regiões enfrentam problemas nos seus resultados fiscais. Segundo foi projetado, o Chile, por exemplo, só zerará o seu déficit fiscal primário em 2018. O caso do Peru é parecido para esse mesmo horizonte de tempo. No horizonte de projeção do FMI até 2020, não consta a expectativa de que os EUA zerem o seu déficit primário. Essa expectativa também não está presente para o G7 e o G20.
Um grande problema do déficit fiscal brasileiro aparece quando se considera a conta de juros nominais, de 8,5% do PIB, quando a inflação não é de demanda. Não é estranho, portanto, que o setor bancário tenha elevado de forma extraordinária os seus lucros: “somados, os ganhos dos quatro maiores bancos cresceram mais de 40% no primeiro semestre, na comparação com os primeiros seis meses de 2014” (“G1”, 14/08/2015). Felizmente, há questões no presente que representam pontos de convergências na priorização de reflexões e ações para o curto prazo: a reversão de renúncias fiscais concedidas de forma indiscriminada, o combate sistemático à sonegação fiscal anual da ordem e 10% do PIB, a redução dos custos de transação na economia, o enxugamento de excessos burocráticos, as melhorias na gestão pública e nas agências reguladoras, a avaliação de programas, o orçamento de base zero, entre outros.
Por outro lado, existem temas bem relevantes, como é o caso da tributação progressiva, que não são considerados pelos supply-siders. Eles preferem atacar as vinculações orçamentárias e as despesas obrigatórias dos orçamentos públicos. O Brasil já viveu o tempo no qual a sua inserção global foi primário-exportadora e os governos estiveram livres de vinculações orçamentárias e algumas despesas obrigatórias. A Primeira República, oligárquica e antissocial, não resolveu o problema das contas públicas brasileiras e isso ficou bem claro nos desdobramentos da crise de 1929: concentração de riquezas e socialização de prejuízos. Coube posteriormente ao ministro Osvaldo Aranha um levantamento dos empréstimos que Estados e municípios tinham contraído no estrangeiro, tendo em vista a consolidação da dívida externa brasileira. A década de 1930, na onda da Grande Depressão, não foi marcada pelos avanços do liberalismo econômico e da paz mundial. Em síntese, desvalorizações cambiais competitivas em um processo de desaceleração global representam um sinal de alerta.
Os tempos são “outros”, mas é importante aprender com as experiências passadas do sistema capitalista. Para Dani Rodrik, professor de Harvard, "a economia não é o tipo de ciência na qual alguma vez poderá existir um único modelo genuíno que funcione melhor em todos os contextos (...) diferentemente das ciências naturais, o avanço científico das econômicas não se dá pela substituição de velhos modelos por melhores, mas pela expansão de sua biblioteca de modelos, com cada um esclarecendo uma contingência social diferente" (“Valor Econômico”, 11/09/2015). Essa é uma boa reflexão para um debate civilizado, aberto ao dissenso e que seja pautado pela ética da responsabilidade.
Rodrigo Medeiros é professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)
Rodrigo Medeiros
Um tema que vem merecendo um bom destaque na imprensa é o das contas públicas e suas relações com a evolução da economia brasileira. Desde o fim da eleição de 2014, já havia a expectativa de um ajuste a ser realizado. Para que a confiança do mercado financeiro estivesse presente ao longo do processo, o governo trouxe uma figura de respeito desse setor para integrar a nova equipe econômica. O viés contracionista do ajuste macro buscava oferecer a perspectiva de rápida recuperação da “confiança”, através de uma espécie de “austeridade expansionista” tão criticada por Krugman, Stiglitz e outros que consideram a importância dos multiplicadores fiscais.
Desde o início do processo que visava a “recuperação” da confiança na economia, não acreditei que seria algo rápido e fácil de realizar. Afinal, desde meados de 2014, os preços internacionais das commodities, que representam aproximadamente dois terços das exportações brasileiras, caíram fortemente e tal fato impactaria negativamente na nossa economia em 2% do PIB (pelo método do multiplicador da base exportadora). Algum tempo depois, o Ministério da Fazenda divulgou a estimativa de que a operação Lava Jato levaria outros 2% do PIB por conta da paralisação de investimentos e projetos. Essas questões afetaram adversamente as receitas públicas em nosso país, inclusive o potencial de crescimento da relação dívida/PIB em uma recessão aprofundada.
A economia brasileira vinha deslizando para baixo desde 2011 e já era possível notar que o governo federal tentava "esticar a situação anterior" a partir de 2012 com algumas medidas que hoje são tão criticadas, mas que foram apresentadas pelo empresariado então (as desonerações fiscais e a queda dos preços de energia elétrica, por exemplo). Segundo avaliaram José Oreiro (IE/UFRJ) e Paulo Gala (FGV-EESP), a histerese derivada da desindustrialização prematura da economia brasileira aponta para a saída lenta, difícil e dolorosa da crise. O Fundo Monetário Internacional (FMI), por sua vez, estimou que o nosso PIB deverá cair 3,5% em 2016 e parar de piorar em 2017.
De acordo com o “Resultado do Tesouro Nacional”, de dezembro de 2015, a receita total em 2015 caiu 6,3% em termos reais e as despesas totais cresceram 2,1% para o governo central. As despesas discricionárias caíram em termos reais a um patamar inferior ao ano de 2013. Para o “Cenário Macroeconômico 2016”, da Gradual Investimentos, "o problema fiscal [brasileiro] verificado nos últimos anos foi derivado não de um aumento repentino das despesas, mas antes de tudo de uma queda abrupta das receitas. Não quero dizer com isso que não houve aumento das despesas nos últimos anos, mas o ponto aqui é verificar o que de fato estourou as contas públicas em 2014/2015".
Desde o final de 2014, estava claro para mim que a desindustrialização prematura da economia brasileira dificultaria o processo de rápida recuperação econômica em um contexto no qual o FMI chamou, posteriormente em 2015, de “um novo medíocre” em termos de expectativas de crescimento global. Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro norte-americano e acadêmico de prestígio internacional, defende a tese da “estagnação secular” e suas implicações derivadas da histerese na redução do crescimento potencial (“Vox/ CEPR's Policy Portal”, 30/10/2014). Entre nós, poucos identificaram o efeito de histerese na desindustrialização prematura (nesse sentido, recomendo os blogs dos economistas Paulo Gala e José Oreiro). Segundo afirma Paulo Gala (FGV-EESP), “como bem ressalta o economista argentino Roberto Frenkel num trabalho recente, aquele que se queima com leite vê uma vaca e chora! (Ditado argentino.) Será muito difícil convencer os empresários brasileiros a voltarem a investir no setor de bens transacionáveis não commodities depois de uma década de sobrevalorização cambial. Sem esses investimentos não haverá aumento de produtividade e complexidade e nossa renda per capita mal conseguirá crescer, se é que vai crescer nos próximos anos” (04/01/2016).
José Oreiro (IE/UFRJ), por sua vez, diz que “se a taxa de câmbio permanece sobrevalorizada por longos períodos, como ocorreu com a economia brasileira no período 2005-2014, então a mudança na estrutura produtiva decorrente dessa sobrevalorização não poderá ser totalmente revertida com o retorno da taxa de câmbio ao seu patamar original. Será necessário que a taxa de câmbio se deprecie além do ponto inicial e fique nesse novo patamar por um período de tempo suficientemente longo para que as firmas estrangeiras que entraram no bojo da sobrevalorização cambial decidam se retirar do mercado” (06/01/2016). A sobrevalorização cambial crônica do real vem ocorrendo desde o Plano Real (1994) e foi intensificada no boom das commodities, algo que contribuiu para a nossa desindustrialização prematura e a estagflação vigente. No plano das contas públicas, é bem interessante observar o drama do Estado do Rio de Janeiro e como a “maldição do petróleo” impactou nas finanças públicas fluminenses.
Câmbio e juros são dois preços fundamentais voláteis em uma economia emergente. Nesse sentido, algumas reflexões se mostram bem relevantes. O professor e ex-ministro João Sayad, no livro “Dinheiro, Dinheiro” (Portfolio Penguin, 2015), levanta a hipótese de que “o regime de metas de inflação gera instabilidade. Aumenta a inflação, sobem os juros. A inflação cai, mas a taxa de câmbio também. No curto prazo, um ano, o resultado é favorável, mas num prazo maior o balanço de pagamentos se desequilibra”. O economista Bráulio Borges, na “Folha de S.Paulo” (02/09/2014), ao analisar o desempenho do tripé macroeconômico implementado em 1999, afirma que “chama a atenção o fato de que, no período de 16 anos compreendido entre 1999 e 2014, a inflação medida pelo IPCA foi igual ou inferior ao centro da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional em apenas 4 (ou 25% do total)”. Entre 2004 e 2008, ele foi exitoso em apenas 2 dos 5 anos.
Quando se fala sobre o Brasil, a comparação com outros países da região aponta, na cabeça de alguns, para uma receita a ser seguida. Se “eles” crescem mais, "estão em melhor forma". Não se avalia se esse tipo de crescimento está distribuindo renda ou concentrando riquezas nas mãos de poucos e se o Brasil suportaria efetivamente permanecer aprisionado a esse modelo primário-exortador. A destruição ambiental tampouco é considerada, assim como não é avaliado se um modelo que "serve" a um país de menor dimensão atenderá a um país maior.
O jornal “El País Brasil” (24/10/2015) publicou uma matéria sobre a crise na América Latina, citando como o Brasil, a Colômbia, o Peru e o Chile amargam déficit nas contas públicas com o fim da festa das commodities. Ricardo Caballero (MIT) afirma, na matéria citada, que “tivemos um episódio daquilo que se conhece como doença holandesa. Quando o preço e a produção de um bem de exportação sobem muito, as matérias-primas em nosso caso, geralmente elas arruínam o resto do setor exportador, por causa de uma valorização sustentada da taxa de câmbio”. Para o colombiano José Antonio Ocampo (Universidade Columbia), também citado na respectiva matéria, “a desindustrialização foi excessiva, o investimento em tecnologia muito baixo, e há muito por fazer até obter uma educação de qualidade, um setor público eficaz, e uma melhora na infraestrutura que potencialize o crescimento”.
Um relatório da Economist Intelligence Unit (EIU), de setembro de 2015, chamado “Growth in an Uncertain Global Environment”, trouxe um olhar de preocupação para a América Latina. As moedas da região já sofriam pressões por desvalorizações cambiais e as políticas monetárias domésticas enfrentavam então um delicado dilema. Afinal, devem as autoridades monetárias elevar as taxas básicas de juros domésticas para combater as pressões inflacionárias derivadas de repasses das desvalorizações cambiais das moedas nacionais quando as economias estão desacelerando? O relatório “Fiscal Monitor” (outubro de 2015), do FMI, mostrou em números como países da América Latina e de outras regiões enfrentam problemas nos seus resultados fiscais. Segundo foi projetado, o Chile, por exemplo, só zerará o seu déficit fiscal primário em 2018. O caso do Peru é parecido para esse mesmo horizonte de tempo. No horizonte de projeção do FMI até 2020, não consta a expectativa de que os EUA zerem o seu déficit primário. Essa expectativa também não está presente para o G7 e o G20.
Um grande problema do déficit fiscal brasileiro aparece quando se considera a conta de juros nominais, de 8,5% do PIB, quando a inflação não é de demanda. Não é estranho, portanto, que o setor bancário tenha elevado de forma extraordinária os seus lucros: “somados, os ganhos dos quatro maiores bancos cresceram mais de 40% no primeiro semestre, na comparação com os primeiros seis meses de 2014” (“G1”, 14/08/2015). Felizmente, há questões no presente que representam pontos de convergências na priorização de reflexões e ações para o curto prazo: a reversão de renúncias fiscais concedidas de forma indiscriminada, o combate sistemático à sonegação fiscal anual da ordem e 10% do PIB, a redução dos custos de transação na economia, o enxugamento de excessos burocráticos, as melhorias na gestão pública e nas agências reguladoras, a avaliação de programas, o orçamento de base zero, entre outros.
Por outro lado, existem temas bem relevantes, como é o caso da tributação progressiva, que não são considerados pelos supply-siders. Eles preferem atacar as vinculações orçamentárias e as despesas obrigatórias dos orçamentos públicos. O Brasil já viveu o tempo no qual a sua inserção global foi primário-exportadora e os governos estiveram livres de vinculações orçamentárias e algumas despesas obrigatórias. A Primeira República, oligárquica e antissocial, não resolveu o problema das contas públicas brasileiras e isso ficou bem claro nos desdobramentos da crise de 1929: concentração de riquezas e socialização de prejuízos. Coube posteriormente ao ministro Osvaldo Aranha um levantamento dos empréstimos que Estados e municípios tinham contraído no estrangeiro, tendo em vista a consolidação da dívida externa brasileira. A década de 1930, na onda da Grande Depressão, não foi marcada pelos avanços do liberalismo econômico e da paz mundial. Em síntese, desvalorizações cambiais competitivas em um processo de desaceleração global representam um sinal de alerta.
Os tempos são “outros”, mas é importante aprender com as experiências passadas do sistema capitalista. Para Dani Rodrik, professor de Harvard, "a economia não é o tipo de ciência na qual alguma vez poderá existir um único modelo genuíno que funcione melhor em todos os contextos (...) diferentemente das ciências naturais, o avanço científico das econômicas não se dá pela substituição de velhos modelos por melhores, mas pela expansão de sua biblioteca de modelos, com cada um esclarecendo uma contingência social diferente" (“Valor Econômico”, 11/09/2015). Essa é uma boa reflexão para um debate civilizado, aberto ao dissenso e que seja pautado pela ética da responsabilidade.
Rodrigo Medeiros é professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)
Não ao Auxílio-Moradia
AUXILIÔMETRO ATUALIZADO - FEVEREIRO
Passada a folia de Momo, lembremos de outra nobreza e de outra Corte onde nós somos os plebeus. O Judiciário e o Ministério Público brasileiros já gastaram, em dois meses de 2016, mais de R$ 250 milhões para bancar o auxílio-moradia de juízes, desembargadores, promotores e procuradores.
E, a nós, cabe pagar a conta.
terça-feira, fevereiro 09, 2016
A liberdade como expressão do contraditório
Por: Laerte Fedrigo*, publicado na Tribuna Regional
A Ciência Econômica concebe a economia como sendo o processo de transformação da natureza por meio do trabalho. Por esse caminho, o homem foi se distanciando dos outros animais. Em lugar de colher os frutos oferecidos pela natureza, ele passou a viver em função do trabalho, desenvolvendo características essencialmente humanas, a liberdade criativa e a liberdade de escolha, dando sentido à própria vida. Esse progresso implicou no aumento da capacidade produtiva da sociedade. Quanto mais complexas as ferramentas, maior o domínio do homem sobre a natureza e maior a produtividade do trabalho, o que resultou na geração de excedentes, apropriados por uma classe numericamente reduzida, consubstanciando, na história, os diferentes modos de produção: o modo escravista, o modo feudal e o modo capitalista.
Em cada tempo dessa história foi necessária uma ideologia que justificasse moralmente as contradições do sistema econômico. Para impedir a mobilidade social ascendente, a ética paternalista cristã, ideologia do feudalismo, condenou a usura e obrigou a prática do justo preço, práticas essas que viraram as virtudes do modo capitalista de produção. A burguesia operou esse milagre difundindo os ideais liberais, segundo os quais o indivíduo sabe o melhor destino a dar aos recursos e o faz sempre da forma mais eficiente, devendo, porquanto, ter a liberdade: a livre iniciativa. Nas entrelinhas do texto de Adam Smith, pai do liberalismo, fica evidente que o indivíduo seria o capitalista, que deveria ter a liberdade de explorar o outro, acumulando riquezas em proveito próprio. Como na concepção protestante os homens se justificam pela fé e não pelas boas ações, desde então o indivíduo acumula riquezas, explorando o outro, e no final de semana vai à igreja dar o testemunho da sua fé.
Graças aos impulsos individualistas, o capitalismo se desenvolveu de forma triunfante. Da primeira revolução industrial à nanotecnologia; do capitalismo concorrencial ao capitalismo globalizado. Do obscurantismo, miramos o espaço; a medicina se renovou e a biogenética prolongou a vida. Não obstante, o capitalismo fragmentou o processo produtivo, extirpando a liberdade criativa dos homens e mulheres. Negando o processo histórico, a criação se tornou obra dos deuses e o trabalho, um movimento repetitivo, um fardo para o trabalhador que, desprovido da noção de totalidade, só se sente feliz nas suas funções animais, em detrimento das funções humanas. Do medo do inferno, porquanto, migramos para o tempo do capital fetiche, da missa aeróbica, da banalização do humano.
Como a liberdade criativa não pertence mais ao mundo dos homens, o que resta é a ilusão da liberdade de escolha. Se por um lado a apropriação da criatividade é cada vez mais privada, por outro, do ponto de vista do consumo, a sensação é a de que ela é cada vez mais democratizada. A cada instante uma nova tecnologia é apresentada e facilmente difundida para o deleite de homens e mulheres. Essa difusão do uso das novas tecnologias dá a sensação de participação direta nas decisões de poder. Neste contexto, podemos inserir, por exemplo, a primavera árabe. As escolhas, no entanto, deveriam ser resultantes das diferenças, mas o mercado não respeita as diferenças. O que prevalece é a ditadura do consumo. O marketing agressivo camufla a racionalidade dos mortais comuns, levando-os ao consumo por impulso. Em lugar de possuirmos as coisas, as coisas nos possuem.
Qual seria, então, a perspectiva utópica de futuro? Ao que parece, o tempo histórico da superação da sociedade do trabalho se avizinha. Na era do capitalismo globalizado, a reprodução ampliada do capital passou a se dar na sua forma mais abstrata, como capital financeiro. Mesmo quando passa por outras formas de mercadoria, a produção é cada vez mais intensiva em tecnologia, desdobrando-se na crescente substituição do trabalho presente pelo trabalho pretérito. Não estaria em curso a concepção de uma economia sem a necessidade do emprego de homens e mulheres, abrindo precedentes para a superação da condenação bíblica de se viver com o suor do próprio rosto? A classe trabalhadora estaria impedida de negar o sistema, mas a humanidade não estaria dando o grande salto para o reino da liberdade? Embora viver não seja preciso, é imperativo acreditar na possibilidade de se chegar ao paraíso. Que venha a Sociedade dos Homens Livres.
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*Bacharel em Ciências Econômicas pela PUC/SP, onde obteve também o título de Mestre em Economia Política. É professor de Economia.
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