quinta-feira, fevereiro 25, 2016

A economia e a dominância jurídica. Por Luís Nassif





Foto: Pintura de Hyeronymus Bosch

por Luís Nassif, no GGN

Os economistas discutem se a economia está ou não sob a dominância fiscal – termo para descrever situações em que o quadro fiscal assume tal risco que a economia não responde mais aos impulsos monetários.

Objetivamente, a economia brasileira está sob a dominância jurídica.

Durante boas décadas o país foi governado pela teocracia dos economistas. A inflação elevada, mais a globalização dos mercados, conferiu-lhes poder político acima dos partidos.

A perda do discurso econômico e a erosão da credibilidade presidencial provocaram um vácuo na opinião pública, uma perda de rumo, do discurso e das propostas aglutinadoras, enfim, de um projeto de país. E a dominância econômica cedeu lugar á dominância jurídica.

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É nesse vácuo que a besta foi liberada - o sentimento de manada irracional, alimentado pelo ódio e pela intolerância, que acomete países que perderam o rumo.

Quem consegue cavalgar a besta, assume o controle do discurso público. Torna-se um deus ex-machina.

A besta foi alimentada com um foco claro: a corrupção política.

De repente, a opinião pública perdida encontra um discurso unificador, a enorme vendetta política contra a corrupção dos outros, como se todos os problemas do país fossem resolvidos meramente com uma gigantesca caça às bruxas.

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A besta traz consigo a balbúrdia de informações. Os alertas sobre a necessidade de prender os culpados sem desmontar a economia são ignorados. Basta os novos oráculos brandirem frases de senso comum. Tipo, basta limpar a corrupção para a economia ficar saudável. Ou, se quebrar uma empresa, outra surgirá no lugar.

Na era das banalidades, dos factoides das redes sociais, e do empobrecimento do discurso econômico, a descrença em relação às chamadas “opiniões técnicas” permite toda sorte de demagogia do senso comum.

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Com a falta de ação do Executivo, a sombra da besta vai se impondo sobre todos os setores. Há a banalização das prisões e o recuo das figuras referenciais. Por receio de enfrentar a besta, Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), que se supunha guardiões impávidos dos direitos civis – abolem a apelação à Terceira Instância.

Para prender o vilão símbolo – Luiz Estevão -, em vez de atuar sobre outros fatores de protelação, liquidam com a possibilidade da terceira instância, sujeitando outros tipos de réus às idiossincrasias e influências políticas nos tribunais estaduais.

É só acompanhar o que ocorreu no Maranhão e no Amapá de José Sarney, com políticos eleitos perdendo o mandato em cima de acusações risíveis: compra de um voto por R$ 15,00. Ou no Rio de Janeiro, com as ações da Globo contra jornalistas críticos.

A caça às bruxas atual será refresco perto do que virá pela frente.

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Nem se pense em uma dominância jurídica impessoal pairando acima das paixões políticas. A besta tem lado e se prevalece das imperfeições jurídicas e políticas.

O modelo político universalizou as práticas ilegais. Todos os partidos se valeram disso. O jogo político consiste em investir contra um lado apenas – blindando e fortalecendo o outro. Ou então, valer-se das dificuldades processuais para proteger aliados. Jackson Lago foi deposto acusado de ter comprado um eleitor com R$ 20,00.

É nítida a aliança entre Ministério Público Federal e grupos de mídia. O bater bumbo da mídia ajuda a superar obstáculos, quando os alvos são adversários da mídia. Quando o suspeito é a própria mídia, obviamente não há bumbo, e não há vontade política de avançar.

É o que explica o caso das informações sobre a Globo, enviadas pelo FBI, estarem paradas há um ano nas mãos de uma juíza de primeira instância.

Culpa das imperfeições jurídicas, é claro.

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Quando a besta sai às ruas, os valentes tremem, os crentes abjuram, os referenciais se escondem.

A besta reescreve biografias, reputações, reavalia caráteres, pois é um teste de estresse, no qual muitos grandes se apequenam, e alguns pequenos se agigantam.

A besta passa imperial, despejando fogos pelas ventas e farejando de longe o cheiro do medo. Os medrosos, ela espanta com seus uivos. Os que resistem, ela ataca, rasga reputações, destrói histórias, promove grandes orgias públicas expondo os recalcitrantes em praça pública.

É só conferir o que está acontecendo com advogados que ousam criticar a operação. Ou o que irá acontecer com a esposa do publicitário João Santana que, algemada, ousou dizer que não baixará a cabeça. Como não? Será isolada, a prisão será prorrogada, mensagens pessoais serão divulgadas, sua vida será devassada até que baixe a cabeça. Esse Deus vingador não admite esses arroubos.

No Brasil, a besta intimidou até donos de grandes biografias, como o Ministro Luís Roberto Barroso.

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A pior parte da história é que a besta não resolve problemas econômicos. E não quer abrir mão do protagonismo político. Há uma crise perigosíssima no horizonte. A cada tentativa da presidente de avançar em um acordo com o Congresso ou com a sociedade civil, a besta irrompe de Curitiba e promove um novo festival de factoides, paralisando completamente o discurso público.

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Nesse clima irracional, há a desmoralização total dos partidos políticos, do PT ao PSDB. Nas últimas pesquisas de opinião, o único segmento que cresceu foi o dos anti-petistas – denominação para os que querem a volta dos militares e acham que os terroristas árabes vão invadir o Brasil. Hoje em dia, tem 18% da opinião pública, mais do que qualquer outro partido.

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Não se sabe até onde irá essa loucura coletiva.

Resta o consolo de saber que, mesmo impotentes, ainda existem juízes que colocam suas convicções acima do medo.

Salve Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio de Mello.

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