POR FERNANDO BRITO
Petróleo, até as pedras sabem, é commodity.
Tem, portanto, preço internacional, e preço que caiu quase 50% desde nosso último reajuste da gasolina, no dia 6 de dezembro do ano passado. Em contrapartida, o dólar, de lá para cá, subiu 55%.
O preço do petróleo é, como o de todas as commodities, em dólar. Naquele dezembro passado, o preço do litro de gasolina variava entre R$2,85 e R$ 3,20 nas capitais brasileiras, segundo a ANP. O dólar valia, então, R$ 2,60, o que dava um preço de algo entre US$ 1,1 a US$ 1,25 por litro.
Hoje, com o dólar a R$ 4, e o litro de gasolina variando entre R$ 3,06 e R$ 4, segundo o último boletim da ANP, o preço em dólar vai de US$ 0,75 a US$ 1.
Abaixo do média mundial de US$ 1,06, mostrada pelo site GlobalPetrolPrices, de onde retirei o ranking, a preços de ontem, que reproduzo no post e, aqui, numa imagem ampliada, onde pode ser verificado o valor em dólar do preço do combustível em cada país, de forma legível, o que não é possível na miniatura.
Porque, sem informação, a discussão sobre se a gasolina está barata ou cara é um simples exercício de”achismo” ou então a conversa de que isso se deve aos impostos – o papo do Instituto Millenium, para quem o imposto é a encarnação do demônio.
O reajuste vai ter muito pouco impacto na inflação, porque parte dele será compensado pelo (aliás, tardio) crescimento do consumo de etanol, que não vinha, há muito tempo, oferecendo preço competitivo para concorrer com a gasolina.
Mas, é claro, a mídia vai se aproveitar para a conversa de sempre de que a Petrobras está “quebrada” para justificar um reajuste de 6%, que sequer atinge a inflação em real acumulada no período e apenas compensa a equação “baixa do petróleo x alta do dólar”.
E esfregando as mãos para mais um pouco de desgaste para o governo.
Mas bem que se poderia sugerir aos que acham que a gasolina deveria ser baratinha, quase de graça, que olhem para o exemplo dos “bolivarianos” da Venezuela, onde o país praticamente flutua em petróleo e a gasolina custa R$ 0,08 por litro. Querem ir pra lá?
O objetivo deste blog é discutir um projeto de desenvolvimento nacional para o Brasil. Esse projeto não brotará naturalmente das forças de mercado e sim de um engajamento político que direcionará os recursos do país na criação de uma nação soberana, desenvolvida e com justiça social.
quarta-feira, setembro 30, 2015
Um mito e algumas verdades sobre os tributos no Brasil
Debate questiona crença segundo a qual carga tributária brasileira é “altíssima”. Problema real é outro: ricos e poderosos pagam pouquíssimo; somos o país dos impostos injustos
por Antonio Martins
[Este é o blog do site Outras Palavras em CartaCapital. Aqui você vê o site completo]
Ao longo do processo eleitoral deste ano, um mito voltará a bloquear o debate sobre a construção de uma sociedade mais justa. Todas as vezes em que se lançar à mesa uma proposta de políticas públicas avançadas, demandando redistribuição de riquezas, algum “especialista” objetará: “não há recursos para isso no Orçamento; seria preciso elevar ainda mais a carga tributária”. A ideia será, então, esquecida, porque a sociedade brasileira está subjugada por um tabu: afirma-se que somos “o país com impostos mais altos do mundo”. Sustenta-se que criar novos tributos é oprimir a sociedade. Impede-se, deste modo, que avancemos para uma Reforma Tributária.
A partir das 10h desta sexta-feira (29/8), três conhecedores profundos do sistema de impostos no Brasil enfrentaram este mito, num debate transmitido por webTV (acesse aqui). O auditor da Receita Federal Paulo Gil Introini, ex-presidente do sindicato nacional da categoria e os economista Jorge Mattoso e Evilásio Salvadorargumentaram, com base em muitos dados, que o problema da carga tributária brasileira não está em ser “a mais alta do mundo” (uma grossa mentira), mas em estar, seguramente, entre as mais injustas do planeta. Os grandes grupos econômicos e os mais ricos usam seu poder político para criar leis que os isentam de impostos — despejados sobre as costas dos assalariados e da classe média. A mídia comercial esconde esta realidade, para que nada mude. No debate, organizado em conjunto pela Campanha TTF Brasil e Fundação Perseu Abramo, emergiram alguns fatos muito relevantes, porém pouquíssimo conhecidos.
> A carga tributária brasileira não é a “mais alta do mundo”, mas a 32ª (entre 178 países). O cálculo é de um estudo comparativo da Fundação Heritage, um thinktank norte-americano conservador — mas com algum compromisso com a realidade.
> A carga tributária subiu consideravelmente, de fato, entre 1991 e 2011. Passou de 27% do PIB para 35,1%. Porém, a parte deste aumento de arrecadação foi consumido no pagamento de juros pelo Estado — quase sempre, para grandes grupos econômicos. A taxa Selic subiu para até 40% ao ano nas duas crises cambiais que o país viveu sob o governo FHC. O aumento do gasto social (de 11,24% do PIB para 15,24%, no período), que ocorreu de fato, a partir de 2002, consumiu apenas parte do aumento da receita.
> O poder econômico usa uma série de expedientes para livrar-se de impostos. O principal é a estrutura tributária brasileira. Ela foi cuidadosamente construída para basear-se em impostos indiretos (os que incidem sobre preços de produtos e serviços) e reduzir ao máximo os impostos diretos. Há duas vantagens, para as elites, nesta escolha. a)Impostos indiretos são, por natureza, regressivos. A alíquota de ICMS que um bilionário paga sobre um tubo de pasta de dentes, uma geladeira ou a conta de luz é idêntica à de um favelado; b) Além disso, assalariados e classe média consomem quase tudo o que ganham — por isso, pagam impostos indiretos sobre toda sua renda. Já os endinheirados entesouram a maior parte de seus rendimentos, fugindo dos tributos pagos pelo conjunto da sociedade.
> Esta primeira distorção cria um cenário quase surreal de injustiça tributária. Um estudo do IPEA (veja principalmente o gráfico 2, à página 6) revela que quanto mais alto está o contribuinte, na pirâmide de concentração de renda, menos ele compromete, de sua renda, com impostos. Por exemplo: os 10% mais pobres contribuem para o Tesouro com 32% de seus rendimentos; enquanto isso, os 10% mais ricos, contribuem com apenas 21%…
> Basear a estrutura tributária em tributos indiretos é uma particularidade brasileira, que atende aos interesses dos mais ricos. Aqui os Impostos sobre a Renda respondem por apenas 13,26% da carga tributária. Nos países capitalistas mais desenvolvidos, membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os impostos diretos correspondem a 2/3 do total dos tributos.
> Além disso, e sempre em favor dos mais poderosos, o Brasil praticamente renuncia a arrecadar impostos sobre o patrimônio. Aqui, os tributos que incidem diretamente sobre a propriedade equivalem apenas a 1,31% do PIB. Este percentual chega a 10% no Canadá, 10,3% no Japão, 11,8% na Coreia do Sul e 12,5% nos Estados Unidos…
> Ainda mais privilegiados são setores específicos das elites. O Imposto Territorial Rural (ITR), que incide sobre a propriedade de terra, arrecada o equivalente a apenas 0,01% do PIB. A renúncia do Estado a receber tributos sobre os latifundiários provoca, todos os anos, perda de bilhões de reais — que poderiam assegurar, por exemplo, Saúde e Educação públicas de qualidade.
Nos últimos treze anos o Brasil viveu um processo real — embora ainda muito tímido — de redistribuição de renda. Entre 1991 e 2002, o Coeficiente de Gini caiu de 0,593 para 0,526, depois de décadas de elevação (segundo este cálculo, quanto mais alto o índice, que vai de 0 a 1, maior a desigualdade). Ainda é muito pouco: segundo cálculos do Banco Mundial, em 2013 o país era o 13º mais desigual do mundo. Para continuar reduzindo a desigualdade, uma Reforma Tributária é instrumento essencial. Não é por outro motivo que as elites insistem em manter este conservar este tema como tabu.
por Antonio Martins
[Este é o blog do site Outras Palavras em CartaCapital. Aqui você vê o site completo]
Ao longo do processo eleitoral deste ano, um mito voltará a bloquear o debate sobre a construção de uma sociedade mais justa. Todas as vezes em que se lançar à mesa uma proposta de políticas públicas avançadas, demandando redistribuição de riquezas, algum “especialista” objetará: “não há recursos para isso no Orçamento; seria preciso elevar ainda mais a carga tributária”. A ideia será, então, esquecida, porque a sociedade brasileira está subjugada por um tabu: afirma-se que somos “o país com impostos mais altos do mundo”. Sustenta-se que criar novos tributos é oprimir a sociedade. Impede-se, deste modo, que avancemos para uma Reforma Tributária.
A partir das 10h desta sexta-feira (29/8), três conhecedores profundos do sistema de impostos no Brasil enfrentaram este mito, num debate transmitido por webTV (acesse aqui). O auditor da Receita Federal Paulo Gil Introini, ex-presidente do sindicato nacional da categoria e os economista Jorge Mattoso e Evilásio Salvadorargumentaram, com base em muitos dados, que o problema da carga tributária brasileira não está em ser “a mais alta do mundo” (uma grossa mentira), mas em estar, seguramente, entre as mais injustas do planeta. Os grandes grupos econômicos e os mais ricos usam seu poder político para criar leis que os isentam de impostos — despejados sobre as costas dos assalariados e da classe média. A mídia comercial esconde esta realidade, para que nada mude. No debate, organizado em conjunto pela Campanha TTF Brasil e Fundação Perseu Abramo, emergiram alguns fatos muito relevantes, porém pouquíssimo conhecidos.
> A carga tributária brasileira não é a “mais alta do mundo”, mas a 32ª (entre 178 países). O cálculo é de um estudo comparativo da Fundação Heritage, um thinktank norte-americano conservador — mas com algum compromisso com a realidade.
> A carga tributária subiu consideravelmente, de fato, entre 1991 e 2011. Passou de 27% do PIB para 35,1%. Porém, a parte deste aumento de arrecadação foi consumido no pagamento de juros pelo Estado — quase sempre, para grandes grupos econômicos. A taxa Selic subiu para até 40% ao ano nas duas crises cambiais que o país viveu sob o governo FHC. O aumento do gasto social (de 11,24% do PIB para 15,24%, no período), que ocorreu de fato, a partir de 2002, consumiu apenas parte do aumento da receita.
> O poder econômico usa uma série de expedientes para livrar-se de impostos. O principal é a estrutura tributária brasileira. Ela foi cuidadosamente construída para basear-se em impostos indiretos (os que incidem sobre preços de produtos e serviços) e reduzir ao máximo os impostos diretos. Há duas vantagens, para as elites, nesta escolha. a)Impostos indiretos são, por natureza, regressivos. A alíquota de ICMS que um bilionário paga sobre um tubo de pasta de dentes, uma geladeira ou a conta de luz é idêntica à de um favelado; b) Além disso, assalariados e classe média consomem quase tudo o que ganham — por isso, pagam impostos indiretos sobre toda sua renda. Já os endinheirados entesouram a maior parte de seus rendimentos, fugindo dos tributos pagos pelo conjunto da sociedade.
> Esta primeira distorção cria um cenário quase surreal de injustiça tributária. Um estudo do IPEA (veja principalmente o gráfico 2, à página 6) revela que quanto mais alto está o contribuinte, na pirâmide de concentração de renda, menos ele compromete, de sua renda, com impostos. Por exemplo: os 10% mais pobres contribuem para o Tesouro com 32% de seus rendimentos; enquanto isso, os 10% mais ricos, contribuem com apenas 21%…
> Basear a estrutura tributária em tributos indiretos é uma particularidade brasileira, que atende aos interesses dos mais ricos. Aqui os Impostos sobre a Renda respondem por apenas 13,26% da carga tributária. Nos países capitalistas mais desenvolvidos, membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os impostos diretos correspondem a 2/3 do total dos tributos.
> Além disso, e sempre em favor dos mais poderosos, o Brasil praticamente renuncia a arrecadar impostos sobre o patrimônio. Aqui, os tributos que incidem diretamente sobre a propriedade equivalem apenas a 1,31% do PIB. Este percentual chega a 10% no Canadá, 10,3% no Japão, 11,8% na Coreia do Sul e 12,5% nos Estados Unidos…
> Ainda mais privilegiados são setores específicos das elites. O Imposto Territorial Rural (ITR), que incide sobre a propriedade de terra, arrecada o equivalente a apenas 0,01% do PIB. A renúncia do Estado a receber tributos sobre os latifundiários provoca, todos os anos, perda de bilhões de reais — que poderiam assegurar, por exemplo, Saúde e Educação públicas de qualidade.
Nos últimos treze anos o Brasil viveu um processo real — embora ainda muito tímido — de redistribuição de renda. Entre 1991 e 2002, o Coeficiente de Gini caiu de 0,593 para 0,526, depois de décadas de elevação (segundo este cálculo, quanto mais alto o índice, que vai de 0 a 1, maior a desigualdade). Ainda é muito pouco: segundo cálculos do Banco Mundial, em 2013 o país era o 13º mais desigual do mundo. Para continuar reduzindo a desigualdade, uma Reforma Tributária é instrumento essencial. Não é por outro motivo que as elites insistem em manter este conservar este tema como tabu.
A velha e amarga receita tucana
As ideias dos economistas do PSDB provocariam a quebra da rede de proteção social existente
por Lindbergh Farias*
Carta Capital
Na semana passada, o PSDB realizou seminário intitulado “Caminhos para o Brasil”. Seus economistas apresentaram o receituário tucano para a crise. Numa bula de remédio, as recomendações do PSDB deveriam aparecer nas contraindicações e nos efeitos colaterais. Não são indicações que possam ser usadas no Brasil, mas se aplicadas causariam efeitos diretos e colaterais que levariam a uma verdadeira quebra da rede de proteção social existente e acabariam de vez com as esperanças de reequilíbrio das contas públicas.
O objetivo do seminário tucano era avaliar a situação atual e a política econômica do governo. Como é sabido o governo adotou uma política de austeridade que não encontra resultados fiscais e provoca sérios danos sociais.
Nosso déficit que era 6,7% do PIB em 2014, já alcançou 8,8% no acumulado de doze meses até agosto. Tínhamos uma taxa de desemprego em julho de 2014 que era de 4,9%, em julho de 2015 já chegou 7,5%. Na época dos governos tucanos, em julho de 2002, por exemplo, era 11,9%.
O déficit orçamentário sempre esteve, nos últimos anos, em patamares aceitáveis. O descontrole fiscal começou no ano passado quando o governo fez como os tucanos faziam na década de 1990: elevou a taxa de juros Selic e desonerou empresas. O déficit orçamentário do ano passado foi de 343,9 bilhões de reais. Destes, pagamos de juros referentes à dívida o montante de 311,4 bilhões de reais. E, além disso, promovemos isenções tributárias para as empresas da ordem de 100 bilhões de reais. Sob essas circunstâncias, os tucanos fizeram várias propostas.
As recomendações do seminário do PSDB não são indicadas ao Brasil porque o que precisamos é de crescimento e o que eles querem é promover a destruição da rede de proteção social que existe (porque dizem que é muito cara). Dizem que os cortes de gastos públicos propostos pelo governo são insuficientes, precisam ser maiores.
Falam em desindexar tudo aquilo que pode gerar impactos no orçamento. Estão de olho na regra que reajusta o salário mínimo. Tanto é verdade que também propõem que a Previdência Social possa pagar benefícios com valor inferior ao salário mínimo – que o salário mínimo não seja mais o piso do valor do benefício previdenciário.
É necessário lembrar que as reduções das desigualdades dos últimos anos ocorreram devido ao aumento do emprego formal e ao aumento do valor dos benefícios da Previdência Social – que paga quase 30 milhões benefícios por mês e tem o piso de valor estabelecido em um salário mínimo.
Esqueceram que a principal indexação, aquela que provoca gastos públicos exorbitantes, é a indexação de títulos públicos à taxa de juros Selic. Nos últimos 12 meses, já gastamos 451,8 bilhões de reais por conta das elevadas taxas de juros Selic dos títulos da dívida pública. Para fins de comparação, vale lembrar que o orçamento da Previdência gira em torno de 500 bilhões de reais, da educação e saúde, somados, em 2015 não vai sequer atingir a 200 bilhões de reais.
Os tucanos querem metas mais ousadas de superávit primário: de 1%, 2% e 3% do PIB para os próximos três anos. Isso significa 60 bilhões, 120 bilhões e 180 bilhões de reais de recursos adicionais para o pagamento de juros. E indicam de onde viriam os recursos: do fim de todas as vinculações orçamentárias, isto é, não teríamos mais gastos mínimos que seriam obrigatoriamente aplicados na saúde e na educação.
É bom deixar claro: a redução de gastos na saúde e na educação piora a vida daqueles mais precisam e utilizam tais serviços. Em outras palavras, querem reduzir o orçamento da saúde e da educação para aumentar a reserva de recursos adicionais para o pagamento de juros aos banqueiros. Querem piorar a vida dos pobres para melhorar ainda mais a vida dos ricos.
Nessa linha, e em tom de denúncia, criticaram a aprovação do Plano Nacional de Educação (2014-2024) taxando-o de medida orçamentária irresponsável. Em verdade, a crítica é à prática do planejamento, com metas e gastos vinculados à educação.
O plano estabeleceu 11 metas estruturantes que visam à garantia do direito à educação básica com qualidade, que estão relacionadas ao acesso, à universalização da alfabetização e à ampliação da escolaridade e das oportunidades. Irresponsabilidade orçamentária e social seria não prover recursos para a execução do Plano. É por isso que temos que ter recursos vinculados, que estão protegidos da sanha dos rentistas detentores de títulos da dívida pública.
Além de concordarem com o arrocho salarial ao funcionalismo público proposto pelo governo para 2016, os tucanos propõem algo mais inusitado para a categoria: que existam funcionários públicos de primeira e de segunda, uns teriam estabilidade e outros, não. De forma complementar, para desmontar a rede de proteção social baseada nos serviços de saúde, educação e nos benefícios previdenciários, objetivam enfraquecer o corpo de funcionários públicos com arrocho salarial e ameaça de demissão.
Sobre o nosso sistema tributário, que é regressivo e socialmente injusto, apenas apontam que tal sistema é complexo e encarece a atividade empresarial. Não têm um olhar de justiça social quando analisam o nosso sistema tributário. Apenas estão preocupados com a complexidade do sistema e com um dos lados da sociedade, a atividade empresarial.
Nada foi comentado, pelo menos que tenha sido veiculado na imprensa, sobre o excesso de carga tributária paga pelos trabalhadores, pela classe média, pelos pobres e o funcionalismo público. E menos ainda foi dito sobre a isenção de lucros e dividendos quando são recebidos por donos ou sócios de empresas. Essa é a principal fonte de regressividade e de injustiças do sistema tributário brasileiro. Tal “jabuticaba” tributária foi introduzida em 1996, durante o governo dos tucanos.
As recomendações tucanas são mais do mesmo. Já foram aplicadas no Brasil e na América do Sul nos anos 1990. E o resultado foi a estagnação econômica e o agravamento dos problemas sociais. Espanha e Grécia, por exemplo, adotaram desde 2012 esse receituário. E só encontraram mais recessão e desequilíbrio fiscal associado ao desmonte, em larga escala, da rede de proteção social.
A alternativa para resolver os problemas fiscais e consolidar os avanços sociais é o crescimento. Foi assim que o governo do presidente Lula, entre 2007-2010, reduziu o déficit orçamentário e ampliou as conquistas sociais. Naquele período, a economia cresceu (4,5% em média por ano), a arrecadação aumentou e o déficit orçamentário foi reduzido para 2,56% do PIB, número que era, em 2002, de 4,38% – foi provado, assim, que a estratégia de crescimento com distribuição de renda e geração empregos produz resultados fiscais e sociais desejáveis.
*Lindbergh Farias é senador (PT-RJ)
por Lindbergh Farias*
Carta Capital
Na semana passada, o PSDB realizou seminário intitulado “Caminhos para o Brasil”. Seus economistas apresentaram o receituário tucano para a crise. Numa bula de remédio, as recomendações do PSDB deveriam aparecer nas contraindicações e nos efeitos colaterais. Não são indicações que possam ser usadas no Brasil, mas se aplicadas causariam efeitos diretos e colaterais que levariam a uma verdadeira quebra da rede de proteção social existente e acabariam de vez com as esperanças de reequilíbrio das contas públicas.
O objetivo do seminário tucano era avaliar a situação atual e a política econômica do governo. Como é sabido o governo adotou uma política de austeridade que não encontra resultados fiscais e provoca sérios danos sociais.
Nosso déficit que era 6,7% do PIB em 2014, já alcançou 8,8% no acumulado de doze meses até agosto. Tínhamos uma taxa de desemprego em julho de 2014 que era de 4,9%, em julho de 2015 já chegou 7,5%. Na época dos governos tucanos, em julho de 2002, por exemplo, era 11,9%.
O déficit orçamentário sempre esteve, nos últimos anos, em patamares aceitáveis. O descontrole fiscal começou no ano passado quando o governo fez como os tucanos faziam na década de 1990: elevou a taxa de juros Selic e desonerou empresas. O déficit orçamentário do ano passado foi de 343,9 bilhões de reais. Destes, pagamos de juros referentes à dívida o montante de 311,4 bilhões de reais. E, além disso, promovemos isenções tributárias para as empresas da ordem de 100 bilhões de reais. Sob essas circunstâncias, os tucanos fizeram várias propostas.
As recomendações do seminário do PSDB não são indicadas ao Brasil porque o que precisamos é de crescimento e o que eles querem é promover a destruição da rede de proteção social que existe (porque dizem que é muito cara). Dizem que os cortes de gastos públicos propostos pelo governo são insuficientes, precisam ser maiores.
Falam em desindexar tudo aquilo que pode gerar impactos no orçamento. Estão de olho na regra que reajusta o salário mínimo. Tanto é verdade que também propõem que a Previdência Social possa pagar benefícios com valor inferior ao salário mínimo – que o salário mínimo não seja mais o piso do valor do benefício previdenciário.
É necessário lembrar que as reduções das desigualdades dos últimos anos ocorreram devido ao aumento do emprego formal e ao aumento do valor dos benefícios da Previdência Social – que paga quase 30 milhões benefícios por mês e tem o piso de valor estabelecido em um salário mínimo.
Esqueceram que a principal indexação, aquela que provoca gastos públicos exorbitantes, é a indexação de títulos públicos à taxa de juros Selic. Nos últimos 12 meses, já gastamos 451,8 bilhões de reais por conta das elevadas taxas de juros Selic dos títulos da dívida pública. Para fins de comparação, vale lembrar que o orçamento da Previdência gira em torno de 500 bilhões de reais, da educação e saúde, somados, em 2015 não vai sequer atingir a 200 bilhões de reais.
Os tucanos querem metas mais ousadas de superávit primário: de 1%, 2% e 3% do PIB para os próximos três anos. Isso significa 60 bilhões, 120 bilhões e 180 bilhões de reais de recursos adicionais para o pagamento de juros. E indicam de onde viriam os recursos: do fim de todas as vinculações orçamentárias, isto é, não teríamos mais gastos mínimos que seriam obrigatoriamente aplicados na saúde e na educação.
É bom deixar claro: a redução de gastos na saúde e na educação piora a vida daqueles mais precisam e utilizam tais serviços. Em outras palavras, querem reduzir o orçamento da saúde e da educação para aumentar a reserva de recursos adicionais para o pagamento de juros aos banqueiros. Querem piorar a vida dos pobres para melhorar ainda mais a vida dos ricos.
Nessa linha, e em tom de denúncia, criticaram a aprovação do Plano Nacional de Educação (2014-2024) taxando-o de medida orçamentária irresponsável. Em verdade, a crítica é à prática do planejamento, com metas e gastos vinculados à educação.
O plano estabeleceu 11 metas estruturantes que visam à garantia do direito à educação básica com qualidade, que estão relacionadas ao acesso, à universalização da alfabetização e à ampliação da escolaridade e das oportunidades. Irresponsabilidade orçamentária e social seria não prover recursos para a execução do Plano. É por isso que temos que ter recursos vinculados, que estão protegidos da sanha dos rentistas detentores de títulos da dívida pública.
Além de concordarem com o arrocho salarial ao funcionalismo público proposto pelo governo para 2016, os tucanos propõem algo mais inusitado para a categoria: que existam funcionários públicos de primeira e de segunda, uns teriam estabilidade e outros, não. De forma complementar, para desmontar a rede de proteção social baseada nos serviços de saúde, educação e nos benefícios previdenciários, objetivam enfraquecer o corpo de funcionários públicos com arrocho salarial e ameaça de demissão.
Sobre o nosso sistema tributário, que é regressivo e socialmente injusto, apenas apontam que tal sistema é complexo e encarece a atividade empresarial. Não têm um olhar de justiça social quando analisam o nosso sistema tributário. Apenas estão preocupados com a complexidade do sistema e com um dos lados da sociedade, a atividade empresarial.
Nada foi comentado, pelo menos que tenha sido veiculado na imprensa, sobre o excesso de carga tributária paga pelos trabalhadores, pela classe média, pelos pobres e o funcionalismo público. E menos ainda foi dito sobre a isenção de lucros e dividendos quando são recebidos por donos ou sócios de empresas. Essa é a principal fonte de regressividade e de injustiças do sistema tributário brasileiro. Tal “jabuticaba” tributária foi introduzida em 1996, durante o governo dos tucanos.
As recomendações tucanas são mais do mesmo. Já foram aplicadas no Brasil e na América do Sul nos anos 1990. E o resultado foi a estagnação econômica e o agravamento dos problemas sociais. Espanha e Grécia, por exemplo, adotaram desde 2012 esse receituário. E só encontraram mais recessão e desequilíbrio fiscal associado ao desmonte, em larga escala, da rede de proteção social.
A alternativa para resolver os problemas fiscais e consolidar os avanços sociais é o crescimento. Foi assim que o governo do presidente Lula, entre 2007-2010, reduziu o déficit orçamentário e ampliou as conquistas sociais. Naquele período, a economia cresceu (4,5% em média por ano), a arrecadação aumentou e o déficit orçamentário foi reduzido para 2,56% do PIB, número que era, em 2002, de 4,38% – foi provado, assim, que a estratégia de crescimento com distribuição de renda e geração empregos produz resultados fiscais e sociais desejáveis.
*Lindbergh Farias é senador (PT-RJ)
Pré-sal: perfuração confirma potencial de petróleo de boa qualidade em Carcará
A perfuração do terceiro poço na área de Carcará (Bloco BM-S-8), localizado em águas ultraprofundas da Bacia de Santos, confirmou a descoberta de petróleo leve e de boa qualidade (31º API) nos reservatórios do pré-sal. O poço 3-SPS-104DA (nomenclatura Petrobras), informalmente conhecido como Carcará Noroeste, está situado na área do Plano de Avaliação da Descoberta do poço descobridor 4-SPS-86B (Carcará) e se localiza a 5,5 km a noroeste do poço descobridor, em profundidade de água de 2.024 metros, a cerca de 226 km do litoral do estado de São Paulo.
Dados de pressão comprovam tratar-se da mesma acumulação dos outros dois poços anteriormente perfurados na área, confirmando a extensão para oeste da descoberta do poço 4-SPS-86B. O poço está situado em reservatórios carbonáticos com excelentes características, situados logo abaixo da camada de sal, a partir de 5.870 metros de profundidade, e constatou uma expressiva coluna de 318 metros de óleo, não tendo atingido o contato óleo/água dessa acumulação.
Nos próximos dias serão iniciadas operações previstas no Plano de Avaliação de Descoberta (PAD) para a avaliação da produtividade dos reservatórios do pré-sal por meio de testes de formação no poço 3-SPS-105, cuja perfuração foi recentemente concluída. O Plano de Avaliação da descoberta de Carcará aprovado pela Agencia Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) tem término previsto para março de 2018.
Operamos (66%) o consórcio em parceria com a Petrogal Brasil (14%), Barra Energia do Brasil Petróleo e Gás (10%) e Queiroz Galvão Exploração e Produção S.A. (10%).
Postado em: [Atividades, Institucional]
Dados de pressão comprovam tratar-se da mesma acumulação dos outros dois poços anteriormente perfurados na área, confirmando a extensão para oeste da descoberta do poço 4-SPS-86B. O poço está situado em reservatórios carbonáticos com excelentes características, situados logo abaixo da camada de sal, a partir de 5.870 metros de profundidade, e constatou uma expressiva coluna de 318 metros de óleo, não tendo atingido o contato óleo/água dessa acumulação.
Nos próximos dias serão iniciadas operações previstas no Plano de Avaliação de Descoberta (PAD) para a avaliação da produtividade dos reservatórios do pré-sal por meio de testes de formação no poço 3-SPS-105, cuja perfuração foi recentemente concluída. O Plano de Avaliação da descoberta de Carcará aprovado pela Agencia Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) tem término previsto para março de 2018.
Operamos (66%) o consórcio em parceria com a Petrogal Brasil (14%), Barra Energia do Brasil Petróleo e Gás (10%) e Queiroz Galvão Exploração e Produção S.A. (10%).
Postado em: [Atividades, Institucional]
Discurso de Putin no 70º aniversário da ONU
(…), Senhoras e senhores.
O 70º aniversário da ONU é boa ocasião para considerar a história e falar de nosso futuro comum.
Em 1945, os países que derrotaram o nazismo reuniram esforços para lançar fundações sólidas para a ordem mundial do pós-guerra. Permitam-me lembrar-lhes que as decisões chaves sobre os princípios que guiaram a cooperação entre estados e o estabelecimento da ONU foram tomadas em nosso país – em Yalta, na Crimeia – onde se reuniram os líderes da coalizão anti-Hitler.
O sistema de Yalta nasceu de fato em ação. Nasceu ao custo de dez milhões de vidas e de duas guerras mundiais que varreram o planeta no século 20. Sejamos justos – o sistema de Yalta ajudou a humanidade a atravessar eventos turbulentos, muitas vezes dramáticos, das últimas sete décadas. E salvou o mundo de levantes em grande escala.
A ONU é única em sua legitimidade, representação e universalidade. É verdade que, em tempos recentes, a ONU tem sido amplamente criticada por supostamente não ser suficientemente eficiente e pelo fato de que a tomada de decisão em questões fundamentais resulta paralisada por diferenças insuperáveis – em primeiro lugar entre os membros do Conselho de Segurança.
Mas gostaria de lembrar que sempre houve diferenças na ONU ao longo desses 70 anos. O direito de vetar sempre foi exercido pelos EUA, pelo Reino Unido, pela França, pela China, pela União Soviética e pela Rússia em pés de igualdade.
É absolutamente normal que seja assim, numa organização representativa e tão diversa. Quando a ONU foi constituída, os fundadores de modo algum supuseram que sempre haveria unanimidade. De fato, a missão da ONU é buscar e alcançar consensos, sempre, claro, com concessões. A força da ONU advém de levar em consideração diferentes visadas e opiniões.
Decisões debatidas na ONU podem ser convertidas em Resolução, ou não. Como dizem os diplomatas, elas “passam ou não passam”. E todas e quaisquer ações que um estado empreenda sem considerar esses procedimentos são ações ilegítimas, colidem com a Carta da ONU e desafiam a lei internacional.
Todos sabemos que, depois do fim da Guerra Fria, emergiu no mundo um centro de dominação. E então, os que se viram naquele momento no topo da pirâmide foram tentados a crer que, se somos tão fortes e excepcionais, então sabemos mais e melhor o que fazer, que o resto do mundo; assim sendo, por que, afinal, teríamos de reconhecer a ONU, a qual, em vez de automaticamente autorizar e legitimar decisões que pareçam necessárias, tantas vezes cria obstáculos ou, em outras palavras “mete-se no caminho?”.
Já se tornou lugar comum dizer que, no formato original, a organização tornou-se obsoleta e já teria cumprido sua missão histórica.
Claro, o mundo está mudando, e a ONU tem de ser consistente com essa transformação natural. A Rússia está pronta a trabalhar com todos os parceiros, à base de consenso amplo, mas consideramos extremamente perigosas as tentativas para solapar a autoridade e a legitimidade da ONU. Podem levar ao colapso de toda a arquitetura das relações internacionais. Aí, não nos restariam outras leis, se não a lei do mais forte.
Poderíamos chegar a um mundo dominado pelo egoísmo, não pelo trabalho coletivo. Um mundo cada vez mais caracterizado pela violência, não pela igualdade e por democracia e liberdade genuínas. Um mundo no qual estados verdadeiramente independentes seriam substituídos por número crescente de protetorados de facto e territórios controlados de fora para dentro.
O que é, afinal, a soberania do Estado? A soberania tem a ver, basicamente, com liberdade e com o direito de cada pessoa, nação ou estado escolher livremente o próprio futuro.
Na mesma direção caminha a chamada legitimidade da autoridade do Estado. Não se deve brincar com elas, nem manipular as palavras. Na lei internacional, nos negócios internacionais, cada termo deve ser claro, transparente, interpretado por critério uniformemente compreendido por todos.
Todos somos diferentes. E todos devemos respeitar as diferenças. Ninguém tem de encaixar-se num único modelo de desenvolvimento que outro, em algum momento, tenha decidido, de uma vez por todas, e para todos, que seria o único modelo correto.
Todos devemos lembrar o que nosso passado nos ensinou. Também recordamos alguns episódios da história da União Soviética. “Experimentos sociais” para exportação, tentativas de impor mudanças dentro de outros países baseadas em preferências ideológicas, quase sempre levaram a consequências trágicas e à degradação, não ao progresso.
Parece, contudo, que longe de aprender com os erros dos outros, tantos agora se põem, exatamente, a repeti-los. Por isso continua a exportação de revoluções, agora chamadas “democráticas”.
Para ver que assim é, basta examinar a situação no Oriente Médio e Norte da África. Claro que naquela região os problemas sociais já se acumulavam há longo tempo. Claro que as pessoas queriam mudanças.
Mas no que realmente deu tudo aquilo? Em vez de promover reformas, uma interferência estrangeira agressiva resultou na visível destruição de instituições nacionais e, até, de estilos de vida. Em vez de algum triunfo da democracia e de mais progresso, o que obtivemos foi mais violência, mais miséria e um desastre social. E ninguém dá qualquer atenção a qualquer dos direitos humanos, inclusive ao direito de viver.
Não posso me impedir de perguntar aos que causaram essa situação: Os senhores dão-se conta do que fizeram? Mas temo que ninguém responderá minha pergunta. Na verdade, nunca foram abandonadas as sempre mesmas políticas baseadas na arrogância, na cega confiança na própria excepcionalidade e ‘correspondente’ total impunidade.
Já é agora óbvio que o vácuo de poder criado em alguns países do Oriente Médio e Norte da África levou à emergência de áreas de anarquia. As quais, imediatamente, passaram a encher-se de extremistas e terroristas. Dezenas de milhares de militantes combatem hoje sob os estandartes do chamado Estado Islâmico. Naquelas fileiras há ex-soldados iraquianos desmobilizados e jogados à rua depois da invasão do Iraque em 2003. Muitos dos recrutados também vêm da Líbia – país onde o próprio Estado foi destruído, na sequência de grosseira violação da Resolução n. 1.973 do Conselho de Segurança da ONU.
E agora as fileiras dos radicais são inchadas por membros de uma chamada “oposição síria moderada”, sustentada, mantida, por países ocidentais. Primeiro, os radicais são armados e treinados; imediatamente depois, desertam e unem-se ao Estado Islâmico.
Mas o próprio Estado Islâmico, ele tampouco surgiu do nada, de lugar algum. O Estado Islâmico foi forjado inicialmente como ferramenta a empregar contra regimes seculares indesejáveis. Em seguida, depois de ter estabelecido uma base no Iraque e na Síria, o Estado Islâmico pôs-se a se expandir ativamente para outras regiões. Agora busca dominar o mundo islâmico. E tem planos para avançar ainda além disso.
A situação é mais do que perigosa. Nessas circunstâncias, é atitude hipócrita e irresponsável pôr-se a fazer ‘declarações’ sobre a ameaça do terrorismo internacional, ao mesmo tempo em que os mesmos ‘declarantes’ fingem que não veem os canais por onde caminha o dinheiro que financia e mantém terroristas, inclusive o tráfico de drogas e o comércio ilícito de petróleo e de armas. Também é igualmente irresponsável tentar ‘manobrar’ grupos extremistas e pô-los a seu próprio serviço para que ‘colaborem’ na busca de objetivos políticos só dos supostos ‘manobradores’, na esperança de “negociar com eles” ou, dito de outro modo, sob a certeza de que, “depois”, poderão matá-los facilmente.
Aos que têm procedido assim, gostaria de dizer: “Caros senhores, não duvidem: os senhores estão lidando com gente dura e cruel, mas não são pessoas ‘primitivas’ ou ‘atrasadas’. São exata e precisamente tão espertos quanto os senhores. Na relação com eles, ninguém jamais saberá quem manipula quem. Perfeita prova disso está nos dados recentes sobre destino final do armamento doado àquela oposição suposta “moderada”.
Os russos acreditamos que qualquer tentativa de ‘jogar’ ou ‘brincar’ com terroristas – e de armar terroristas, então, nem fala! – não é só comportamento de pessoas sem visão, mas é criar pontos de alto risco de fogo, do tipo que iniciam grandes incêndios. É comportamento que pode resultar em aumento dramático na ameaça terrorista, e que se alastre para outras regiões – dado, especialmente, que o Estado Islâmico reúne em seus campos de treinamento militantes de muitos países, inclusive de países europeus.
Infelizmente, a Rússia não é exceção. Nós não podemos deixar que esses criminosos que já provaram o cheiro de sangue voltem aos seus países, para continuar suas práticas assassinas. Ninguém quer que tal coisas aconteçam, suponho.
A Rússia sempre se opôs firme e consistentemente, sempre, contra o terrorismo em todas as suas formas. Hoje, damos assistência militar e técnica ao Iraque e à Síria, que enfrentam grupos terroristas.
Entendemos que é erro enorme e grave recusar-se a cooperar com o governo sírio e suas forças armadas, que valentemente lutam cara a cara contra o terrorismo. É mais que hora de reconhecer afinal que ninguém, além das forças armadas do presidente Assad e das milícias curdas estão dando real combate ao Estado Islâmico e a outras organizações terroristas na Síria.
Caros colegas, devo notar que a abordagem direta e honesta da Rússia foi recentemente usada como pretexto para nos acusar de estarmos alimentando ambições crescentes (como se os que nos acusam fossem libertos de todas as ambições…).
Mas a questão não é as ambições russas. A questão é reconhecer o fato de que já ninguém pode continuar a tolerar o atual estado de coisas no mundo.
Na essência, estamos sugerindo que nos façamos guiar por valores comuns e interesses comuns, não por ambições. Temos de unir esforços, considerando a lei internacional, para enfrentar os problemas que estão diante de todos nós, e criar uma coalizão ampla e genuinamente internacional contra o terrorismo.
Semelhante à coalizão que se constituiu anti-Hitler, a nova coalizão dever unir gama ampla de forças que desejem resolutamente resistir contra os que, exatamente como os nazistas, semeiam o mal e o ódio contra a humanidade.
Evidentemente, os países muçulmanos têm papel chave a desempenhar na coalizão, tanto mais que o Estado Islâmico não é só ameaça contra a sobrevivência deles, mas, além disso, ativamente agride e ofende, com suas práticas sanguinárias, uma das maiores religiões do mundo. Os ideólogos daquela militância zombam do Islã e pervertem todos os valores verdadeiramente humanistas do Islã.
Gostaria de me dirigir aos líderes espirituais muçulmanos, porque sua autoridade e orientação são agora ainda mais profundamente importantes. É essencial impedir que jovens recrutados por militantes tomem as mais desgraçadas decisões sobre a própria vida. E também os que já se tenham envolvido, que já foram enganados e que, pelas mais diferentes circunstâncias da vida, vejam-se hoje vivendo entre terroristas, esses também precisam de ajuda, para que consigam voltar à trilha da vida normal, para que deponham as armas e ponham fim ao fratricídio.
A Rússia, como atual presidente do Conselho de Segurança, convocará em breve uma reunião ministerial para que se faça análise ampla das ameaças que cercam o Oriente Médio.
Em primeiro lugar, propomos que se discuta a possibilidade de construir uma Resolução que vise a coordenar as ações de todas as forças que já estão resistindo contra o Estado Islâmico e outras organizações terroristas. Mas uma vez: essa coordenação terá de basear-se nos princípios da Carta da ONU.
Esperamos que a comunidade internacional será capaz de desenvolver uma estratégia ampla de estabilização política e, também para a recuperação social e econômica do Oriente Médio. Isso feito, não será preciso criar novos campos para concentração de refugiados.
Hoje, o fluxo de pessoas forçadas a deixar a terra natal já literalmente inundou a Europa. Há centenas de milhares deles agora e não demorará para que sejam milhões. De fato, é grande e trágica migração de pessoas. E é dura lição para os europeus.
Quero destacar: refugiados precisam, sem dúvida, de nossa compaixão e apoio. Mas o único meio de resolver esse problema em nível mais fundamental é restaurar o Estado, em todos os pontos onde foi destruído; reforçar as instituições de governo onde elas ainda existam ou estejam sendo restabelecidas; prover ajuda ampla – militar, econômica e material – a países em situação difícil; e, com certeza, também aos que não abandonarão suas casas, não importa quais sejam os padecimentos.
Claro que qualquer assistência a estados soberanos pode e deve ser oferecida, nunca imposta; e única e exclusivamente de acordo com a Carta da ONU. Em outras palavras, tudo nesse campo está sendo ou será feito em obediência ao disposto na lei internacional e com o apoio de nossa organização universal. Tudo que infrinja disposições da Carta da ONU deve ser rejeitado.
Acima de tudo, creio que é de máxima importância ajudar a restaurar as instituições de governo na Líbia, apoiar o novo governo do Iraque e prover assistência ampla ao governo legítimo da Síria.
Colegas, garantir a paz e a estabilidade regionais e globais continuam a ser os objetivos chaves da comunidade internacional, com a ONU no comando.
Acreditamos que isso implica criar um espaço de segurança igual e indivisível, não para uns poucos seletos, mas para todos. Sim, é tarefa desafiadora, difícil e que exige tempo, mas simplesmente não há via alternativa.
Porém, o pensamento de bloco dos tempos da Guerra Fria e o desejo de explorar novas áreas geopolíticas ainda persistem em alguns de nossos colegas.
É de lastimar que alguns dos nossos colegas tenham, até aqui, escolhido outra via – a via de explorar predatoriamente novos espaços geopolíticos.
Primeiro, continuaram sua política de expandir a OTAN e sua infraestrutura militar. Depois, ofereceram aos países pós-soviéticos uma escolha falsa: pôr-se ao lado do ocidente ou ao lado do oriente.
Essa lógica de confrontação está fadada, mais cedo ou mais tarde, a desencadear uma grave crise geopolítica. É precisamente o que foi feito na Ucrânia, onde o descontentamento da população com as autoridades foi usado, e se orquestrou um golpe militar de fora para dentro do país; e esse golpe disparou uma guerra civil.
Temos certeza de que só mediante a plena e fiel implementação dos Acordos de Minsk de 12/2/2015, poderemos pôr fim ao banho de sangue na Ucrânia e encontrar saída para aquele impasse.
A integridade territorial da Ucrânia não pode ser assegurada por tratados e sob armas. Indispensável ali é consideração genuína pelos interesses e direitos do povo na região do Donbass e respeito pelo que escolherem. É preciso coordenar com eles, como fazem os Acordos de Minsk, os elementos chaves da política do país.
Esses passos garantirão que a Ucrânia desenvolverá um estado civilizado, como elo essencial na construção de um espaço comum de segurança e cooperação econômica ao mesmo tempo na Europa e na Eurásia.
Senhoras e senhores, falei propositadamente de espaço comum de cooperação econômica. Não há muito tempo, parecia que na esfera econômica, com suas objetivas leis de mercado, aprenderíamos a viver sem linhas divisórias. Que construiríamos regras transparentes e de comum acordo, que incluiriam os princípios da Organização Mundial de Comércio, que estipulam a liberdade de comércio e investimento e a livre concorrência.
Mas hoje já é quase lugar comum impor sanções unilaterais que burlam o que determina a Carta da ONU. Além de perseguir objetivos políticos, essas sanções são visível manobra mal-intencionada, para eliminar concorrentes comerciais.
Quero apontar ainda mais um sinal de crescente “autismo econômico”. Alguns países escolheram criar associações econômicas como clubes fechados e “exclusivos”, cuja fundação está sendo negociada na clandestinidade, ocultada até dos próprios cidadãos daqueles países, do público em geral e da comunidade empresarial.
Outros estados, cujos interesses podem vir a ser afetados não são informados, tampouco, de coisa alguma. Parece que estamos a um passo de ser confrontados com um fato consumado, de que as regras do jogo foram mudadas a favor de um poucos privilegiados, sem que a OMC tenha sido jamais ouvida. Assim se desequilibra completamente o sistema comercial e desintegra-se o espaço econômico global.
Essas questões afetam os interesses de todos os estados e influenciam o futuro de toda a economia mundial. Por isso propomos que essas questões seja discutidas dentro da ONU, dentro da OMC e dentro do G-20.
Ao contrário da política de “exclusividade”, a Rússia propõe harmonizar os projetos econômicos regionais. Refiro-me à chamada “integração de integrações”, baseada em regras universais e transparentes do comércio internacional.
À guisa de exemplo, quero citar nossos planos para interconectar a União Econômica Eurasiana e a iniciativa da China, do Cinturão Econômico da Rota da Seda. Ainda acreditamos que harmonizar os processos de integração dentro da União Econômica Eurasiana e a União Europeia é movimento altamente promissor.
Senhoras e senhores, as questões que afetam o futuro de todos os povos incluem o desafio da mudança do clima global.
É do nosso interesse fazer da Conferência da ONU sobre Mudança Climática, em dezembro, em Paris, um sucesso. Como parte de nossa contribuição nacional, temos planos para reduzir para 70-75% a emissão dos gases de efeito estufa, até 2030, de volta aos níveis de 1990.
Mas sugiro que tomemos, sobre essa questão, visada muito mais ampla. Sim, podemos aplacar as dificuldades, por algum tempo, definindo quotas de emissões venenosas, ou tomando outras medidas que, contudo, são medidas apenas táticas. Mas, por esse caminho, nada resolveremos.
Precisamos de abordagem completamente diferente. Temos de nos focar em, fundamentalmente, introduzir novas tecnologias inspiradas pela natureza e que não causarão dano ao meio ambiente, e conviverão em harmonia com ele. Além disso, elas restaurarão o equilíbrio entre a biosfera e tecnofera, alterado pelas atividades humanas.
É desafio, realmente, de escopo planetário. Mas tenho confiança de que a humanidade tem potencial intelectual para enfrentá-lo.
Temos de unir esforços. Refiro-me, em primeiro lugar, aos estados que têm sólida base de pesquisas e que têm obtido avanços significativos em ciência fundamental.
Propomos organizar um fórum especial, sob os auspícios da ONU, para discussão ampla das questões relacionadas ao esgotamento de recursos naturais não renováveis, à destruição do meio ambiente e à mudança climática. A Rússia está pronta para copatrocinar esse fórum.
Senhoras e senhores, foi em Londres, dia 10/1/1946, que a Assembleia Geral da ONU reuniu-se para sua primeira sessão. Zuleta Angel, diplomata colombiano, e presidente da Comissão Preparatória, abriu a sessão oferecendo, entendo eu, uma definição concisa dos princípios básicos que a ONU deveria seguir em suas atividades: defender o livre arbítrio, desafiar os conluios e trapaças e preservar o espírito de cooperação.
Hoje, essas palavras ainda soam como orientação para todos nós.
A Rússia acredita no enorme potencial da ONU, e deve ajudar-nos a evitar uma confrontação global e a nos engajar em franca cooperação estratégica. Juntos com outros países, trabalharemos empenhadamente para fortalecer o papel da ONU, de coordenação central.
Confio que, trabalhando juntos, conseguiremos fazer do mundo lugar pacífico e seguro, e asseguraremos condições propícias para o desenvolvimento de estados e nações.
Obrigado. [Fim do discurso]
(trad. não oficial do texto original (a conferir com o vídeo) – McClatchy
http://www.mcclatchydc.com/news/nation-world/world/article36860463.html
Traduzido por Vila Vudu
O 70º aniversário da ONU é boa ocasião para considerar a história e falar de nosso futuro comum.
Em 1945, os países que derrotaram o nazismo reuniram esforços para lançar fundações sólidas para a ordem mundial do pós-guerra. Permitam-me lembrar-lhes que as decisões chaves sobre os princípios que guiaram a cooperação entre estados e o estabelecimento da ONU foram tomadas em nosso país – em Yalta, na Crimeia – onde se reuniram os líderes da coalizão anti-Hitler.
O sistema de Yalta nasceu de fato em ação. Nasceu ao custo de dez milhões de vidas e de duas guerras mundiais que varreram o planeta no século 20. Sejamos justos – o sistema de Yalta ajudou a humanidade a atravessar eventos turbulentos, muitas vezes dramáticos, das últimas sete décadas. E salvou o mundo de levantes em grande escala.
A ONU é única em sua legitimidade, representação e universalidade. É verdade que, em tempos recentes, a ONU tem sido amplamente criticada por supostamente não ser suficientemente eficiente e pelo fato de que a tomada de decisão em questões fundamentais resulta paralisada por diferenças insuperáveis – em primeiro lugar entre os membros do Conselho de Segurança.
Mas gostaria de lembrar que sempre houve diferenças na ONU ao longo desses 70 anos. O direito de vetar sempre foi exercido pelos EUA, pelo Reino Unido, pela França, pela China, pela União Soviética e pela Rússia em pés de igualdade.
É absolutamente normal que seja assim, numa organização representativa e tão diversa. Quando a ONU foi constituída, os fundadores de modo algum supuseram que sempre haveria unanimidade. De fato, a missão da ONU é buscar e alcançar consensos, sempre, claro, com concessões. A força da ONU advém de levar em consideração diferentes visadas e opiniões.
Decisões debatidas na ONU podem ser convertidas em Resolução, ou não. Como dizem os diplomatas, elas “passam ou não passam”. E todas e quaisquer ações que um estado empreenda sem considerar esses procedimentos são ações ilegítimas, colidem com a Carta da ONU e desafiam a lei internacional.
Todos sabemos que, depois do fim da Guerra Fria, emergiu no mundo um centro de dominação. E então, os que se viram naquele momento no topo da pirâmide foram tentados a crer que, se somos tão fortes e excepcionais, então sabemos mais e melhor o que fazer, que o resto do mundo; assim sendo, por que, afinal, teríamos de reconhecer a ONU, a qual, em vez de automaticamente autorizar e legitimar decisões que pareçam necessárias, tantas vezes cria obstáculos ou, em outras palavras “mete-se no caminho?”.
Já se tornou lugar comum dizer que, no formato original, a organização tornou-se obsoleta e já teria cumprido sua missão histórica.
Claro, o mundo está mudando, e a ONU tem de ser consistente com essa transformação natural. A Rússia está pronta a trabalhar com todos os parceiros, à base de consenso amplo, mas consideramos extremamente perigosas as tentativas para solapar a autoridade e a legitimidade da ONU. Podem levar ao colapso de toda a arquitetura das relações internacionais. Aí, não nos restariam outras leis, se não a lei do mais forte.
Poderíamos chegar a um mundo dominado pelo egoísmo, não pelo trabalho coletivo. Um mundo cada vez mais caracterizado pela violência, não pela igualdade e por democracia e liberdade genuínas. Um mundo no qual estados verdadeiramente independentes seriam substituídos por número crescente de protetorados de facto e territórios controlados de fora para dentro.
O que é, afinal, a soberania do Estado? A soberania tem a ver, basicamente, com liberdade e com o direito de cada pessoa, nação ou estado escolher livremente o próprio futuro.
Na mesma direção caminha a chamada legitimidade da autoridade do Estado. Não se deve brincar com elas, nem manipular as palavras. Na lei internacional, nos negócios internacionais, cada termo deve ser claro, transparente, interpretado por critério uniformemente compreendido por todos.
Todos somos diferentes. E todos devemos respeitar as diferenças. Ninguém tem de encaixar-se num único modelo de desenvolvimento que outro, em algum momento, tenha decidido, de uma vez por todas, e para todos, que seria o único modelo correto.
Todos devemos lembrar o que nosso passado nos ensinou. Também recordamos alguns episódios da história da União Soviética. “Experimentos sociais” para exportação, tentativas de impor mudanças dentro de outros países baseadas em preferências ideológicas, quase sempre levaram a consequências trágicas e à degradação, não ao progresso.
Parece, contudo, que longe de aprender com os erros dos outros, tantos agora se põem, exatamente, a repeti-los. Por isso continua a exportação de revoluções, agora chamadas “democráticas”.
Para ver que assim é, basta examinar a situação no Oriente Médio e Norte da África. Claro que naquela região os problemas sociais já se acumulavam há longo tempo. Claro que as pessoas queriam mudanças.
Mas no que realmente deu tudo aquilo? Em vez de promover reformas, uma interferência estrangeira agressiva resultou na visível destruição de instituições nacionais e, até, de estilos de vida. Em vez de algum triunfo da democracia e de mais progresso, o que obtivemos foi mais violência, mais miséria e um desastre social. E ninguém dá qualquer atenção a qualquer dos direitos humanos, inclusive ao direito de viver.
Não posso me impedir de perguntar aos que causaram essa situação: Os senhores dão-se conta do que fizeram? Mas temo que ninguém responderá minha pergunta. Na verdade, nunca foram abandonadas as sempre mesmas políticas baseadas na arrogância, na cega confiança na própria excepcionalidade e ‘correspondente’ total impunidade.
Já é agora óbvio que o vácuo de poder criado em alguns países do Oriente Médio e Norte da África levou à emergência de áreas de anarquia. As quais, imediatamente, passaram a encher-se de extremistas e terroristas. Dezenas de milhares de militantes combatem hoje sob os estandartes do chamado Estado Islâmico. Naquelas fileiras há ex-soldados iraquianos desmobilizados e jogados à rua depois da invasão do Iraque em 2003. Muitos dos recrutados também vêm da Líbia – país onde o próprio Estado foi destruído, na sequência de grosseira violação da Resolução n. 1.973 do Conselho de Segurança da ONU.
E agora as fileiras dos radicais são inchadas por membros de uma chamada “oposição síria moderada”, sustentada, mantida, por países ocidentais. Primeiro, os radicais são armados e treinados; imediatamente depois, desertam e unem-se ao Estado Islâmico.
Mas o próprio Estado Islâmico, ele tampouco surgiu do nada, de lugar algum. O Estado Islâmico foi forjado inicialmente como ferramenta a empregar contra regimes seculares indesejáveis. Em seguida, depois de ter estabelecido uma base no Iraque e na Síria, o Estado Islâmico pôs-se a se expandir ativamente para outras regiões. Agora busca dominar o mundo islâmico. E tem planos para avançar ainda além disso.
A situação é mais do que perigosa. Nessas circunstâncias, é atitude hipócrita e irresponsável pôr-se a fazer ‘declarações’ sobre a ameaça do terrorismo internacional, ao mesmo tempo em que os mesmos ‘declarantes’ fingem que não veem os canais por onde caminha o dinheiro que financia e mantém terroristas, inclusive o tráfico de drogas e o comércio ilícito de petróleo e de armas. Também é igualmente irresponsável tentar ‘manobrar’ grupos extremistas e pô-los a seu próprio serviço para que ‘colaborem’ na busca de objetivos políticos só dos supostos ‘manobradores’, na esperança de “negociar com eles” ou, dito de outro modo, sob a certeza de que, “depois”, poderão matá-los facilmente.
Aos que têm procedido assim, gostaria de dizer: “Caros senhores, não duvidem: os senhores estão lidando com gente dura e cruel, mas não são pessoas ‘primitivas’ ou ‘atrasadas’. São exata e precisamente tão espertos quanto os senhores. Na relação com eles, ninguém jamais saberá quem manipula quem. Perfeita prova disso está nos dados recentes sobre destino final do armamento doado àquela oposição suposta “moderada”.
Os russos acreditamos que qualquer tentativa de ‘jogar’ ou ‘brincar’ com terroristas – e de armar terroristas, então, nem fala! – não é só comportamento de pessoas sem visão, mas é criar pontos de alto risco de fogo, do tipo que iniciam grandes incêndios. É comportamento que pode resultar em aumento dramático na ameaça terrorista, e que se alastre para outras regiões – dado, especialmente, que o Estado Islâmico reúne em seus campos de treinamento militantes de muitos países, inclusive de países europeus.
Infelizmente, a Rússia não é exceção. Nós não podemos deixar que esses criminosos que já provaram o cheiro de sangue voltem aos seus países, para continuar suas práticas assassinas. Ninguém quer que tal coisas aconteçam, suponho.
A Rússia sempre se opôs firme e consistentemente, sempre, contra o terrorismo em todas as suas formas. Hoje, damos assistência militar e técnica ao Iraque e à Síria, que enfrentam grupos terroristas.
Entendemos que é erro enorme e grave recusar-se a cooperar com o governo sírio e suas forças armadas, que valentemente lutam cara a cara contra o terrorismo. É mais que hora de reconhecer afinal que ninguém, além das forças armadas do presidente Assad e das milícias curdas estão dando real combate ao Estado Islâmico e a outras organizações terroristas na Síria.
Caros colegas, devo notar que a abordagem direta e honesta da Rússia foi recentemente usada como pretexto para nos acusar de estarmos alimentando ambições crescentes (como se os que nos acusam fossem libertos de todas as ambições…).
Mas a questão não é as ambições russas. A questão é reconhecer o fato de que já ninguém pode continuar a tolerar o atual estado de coisas no mundo.
Na essência, estamos sugerindo que nos façamos guiar por valores comuns e interesses comuns, não por ambições. Temos de unir esforços, considerando a lei internacional, para enfrentar os problemas que estão diante de todos nós, e criar uma coalizão ampla e genuinamente internacional contra o terrorismo.
Semelhante à coalizão que se constituiu anti-Hitler, a nova coalizão dever unir gama ampla de forças que desejem resolutamente resistir contra os que, exatamente como os nazistas, semeiam o mal e o ódio contra a humanidade.
Evidentemente, os países muçulmanos têm papel chave a desempenhar na coalizão, tanto mais que o Estado Islâmico não é só ameaça contra a sobrevivência deles, mas, além disso, ativamente agride e ofende, com suas práticas sanguinárias, uma das maiores religiões do mundo. Os ideólogos daquela militância zombam do Islã e pervertem todos os valores verdadeiramente humanistas do Islã.
Gostaria de me dirigir aos líderes espirituais muçulmanos, porque sua autoridade e orientação são agora ainda mais profundamente importantes. É essencial impedir que jovens recrutados por militantes tomem as mais desgraçadas decisões sobre a própria vida. E também os que já se tenham envolvido, que já foram enganados e que, pelas mais diferentes circunstâncias da vida, vejam-se hoje vivendo entre terroristas, esses também precisam de ajuda, para que consigam voltar à trilha da vida normal, para que deponham as armas e ponham fim ao fratricídio.
A Rússia, como atual presidente do Conselho de Segurança, convocará em breve uma reunião ministerial para que se faça análise ampla das ameaças que cercam o Oriente Médio.
Em primeiro lugar, propomos que se discuta a possibilidade de construir uma Resolução que vise a coordenar as ações de todas as forças que já estão resistindo contra o Estado Islâmico e outras organizações terroristas. Mas uma vez: essa coordenação terá de basear-se nos princípios da Carta da ONU.
Esperamos que a comunidade internacional será capaz de desenvolver uma estratégia ampla de estabilização política e, também para a recuperação social e econômica do Oriente Médio. Isso feito, não será preciso criar novos campos para concentração de refugiados.
Hoje, o fluxo de pessoas forçadas a deixar a terra natal já literalmente inundou a Europa. Há centenas de milhares deles agora e não demorará para que sejam milhões. De fato, é grande e trágica migração de pessoas. E é dura lição para os europeus.
Quero destacar: refugiados precisam, sem dúvida, de nossa compaixão e apoio. Mas o único meio de resolver esse problema em nível mais fundamental é restaurar o Estado, em todos os pontos onde foi destruído; reforçar as instituições de governo onde elas ainda existam ou estejam sendo restabelecidas; prover ajuda ampla – militar, econômica e material – a países em situação difícil; e, com certeza, também aos que não abandonarão suas casas, não importa quais sejam os padecimentos.
Claro que qualquer assistência a estados soberanos pode e deve ser oferecida, nunca imposta; e única e exclusivamente de acordo com a Carta da ONU. Em outras palavras, tudo nesse campo está sendo ou será feito em obediência ao disposto na lei internacional e com o apoio de nossa organização universal. Tudo que infrinja disposições da Carta da ONU deve ser rejeitado.
Acima de tudo, creio que é de máxima importância ajudar a restaurar as instituições de governo na Líbia, apoiar o novo governo do Iraque e prover assistência ampla ao governo legítimo da Síria.
Colegas, garantir a paz e a estabilidade regionais e globais continuam a ser os objetivos chaves da comunidade internacional, com a ONU no comando.
Acreditamos que isso implica criar um espaço de segurança igual e indivisível, não para uns poucos seletos, mas para todos. Sim, é tarefa desafiadora, difícil e que exige tempo, mas simplesmente não há via alternativa.
Porém, o pensamento de bloco dos tempos da Guerra Fria e o desejo de explorar novas áreas geopolíticas ainda persistem em alguns de nossos colegas.
É de lastimar que alguns dos nossos colegas tenham, até aqui, escolhido outra via – a via de explorar predatoriamente novos espaços geopolíticos.
Primeiro, continuaram sua política de expandir a OTAN e sua infraestrutura militar. Depois, ofereceram aos países pós-soviéticos uma escolha falsa: pôr-se ao lado do ocidente ou ao lado do oriente.
Essa lógica de confrontação está fadada, mais cedo ou mais tarde, a desencadear uma grave crise geopolítica. É precisamente o que foi feito na Ucrânia, onde o descontentamento da população com as autoridades foi usado, e se orquestrou um golpe militar de fora para dentro do país; e esse golpe disparou uma guerra civil.
Temos certeza de que só mediante a plena e fiel implementação dos Acordos de Minsk de 12/2/2015, poderemos pôr fim ao banho de sangue na Ucrânia e encontrar saída para aquele impasse.
A integridade territorial da Ucrânia não pode ser assegurada por tratados e sob armas. Indispensável ali é consideração genuína pelos interesses e direitos do povo na região do Donbass e respeito pelo que escolherem. É preciso coordenar com eles, como fazem os Acordos de Minsk, os elementos chaves da política do país.
Esses passos garantirão que a Ucrânia desenvolverá um estado civilizado, como elo essencial na construção de um espaço comum de segurança e cooperação econômica ao mesmo tempo na Europa e na Eurásia.
Senhoras e senhores, falei propositadamente de espaço comum de cooperação econômica. Não há muito tempo, parecia que na esfera econômica, com suas objetivas leis de mercado, aprenderíamos a viver sem linhas divisórias. Que construiríamos regras transparentes e de comum acordo, que incluiriam os princípios da Organização Mundial de Comércio, que estipulam a liberdade de comércio e investimento e a livre concorrência.
Mas hoje já é quase lugar comum impor sanções unilaterais que burlam o que determina a Carta da ONU. Além de perseguir objetivos políticos, essas sanções são visível manobra mal-intencionada, para eliminar concorrentes comerciais.
Quero apontar ainda mais um sinal de crescente “autismo econômico”. Alguns países escolheram criar associações econômicas como clubes fechados e “exclusivos”, cuja fundação está sendo negociada na clandestinidade, ocultada até dos próprios cidadãos daqueles países, do público em geral e da comunidade empresarial.
Outros estados, cujos interesses podem vir a ser afetados não são informados, tampouco, de coisa alguma. Parece que estamos a um passo de ser confrontados com um fato consumado, de que as regras do jogo foram mudadas a favor de um poucos privilegiados, sem que a OMC tenha sido jamais ouvida. Assim se desequilibra completamente o sistema comercial e desintegra-se o espaço econômico global.
Essas questões afetam os interesses de todos os estados e influenciam o futuro de toda a economia mundial. Por isso propomos que essas questões seja discutidas dentro da ONU, dentro da OMC e dentro do G-20.
Ao contrário da política de “exclusividade”, a Rússia propõe harmonizar os projetos econômicos regionais. Refiro-me à chamada “integração de integrações”, baseada em regras universais e transparentes do comércio internacional.
À guisa de exemplo, quero citar nossos planos para interconectar a União Econômica Eurasiana e a iniciativa da China, do Cinturão Econômico da Rota da Seda. Ainda acreditamos que harmonizar os processos de integração dentro da União Econômica Eurasiana e a União Europeia é movimento altamente promissor.
Senhoras e senhores, as questões que afetam o futuro de todos os povos incluem o desafio da mudança do clima global.
É do nosso interesse fazer da Conferência da ONU sobre Mudança Climática, em dezembro, em Paris, um sucesso. Como parte de nossa contribuição nacional, temos planos para reduzir para 70-75% a emissão dos gases de efeito estufa, até 2030, de volta aos níveis de 1990.
Mas sugiro que tomemos, sobre essa questão, visada muito mais ampla. Sim, podemos aplacar as dificuldades, por algum tempo, definindo quotas de emissões venenosas, ou tomando outras medidas que, contudo, são medidas apenas táticas. Mas, por esse caminho, nada resolveremos.
Precisamos de abordagem completamente diferente. Temos de nos focar em, fundamentalmente, introduzir novas tecnologias inspiradas pela natureza e que não causarão dano ao meio ambiente, e conviverão em harmonia com ele. Além disso, elas restaurarão o equilíbrio entre a biosfera e tecnofera, alterado pelas atividades humanas.
É desafio, realmente, de escopo planetário. Mas tenho confiança de que a humanidade tem potencial intelectual para enfrentá-lo.
Temos de unir esforços. Refiro-me, em primeiro lugar, aos estados que têm sólida base de pesquisas e que têm obtido avanços significativos em ciência fundamental.
Propomos organizar um fórum especial, sob os auspícios da ONU, para discussão ampla das questões relacionadas ao esgotamento de recursos naturais não renováveis, à destruição do meio ambiente e à mudança climática. A Rússia está pronta para copatrocinar esse fórum.
Senhoras e senhores, foi em Londres, dia 10/1/1946, que a Assembleia Geral da ONU reuniu-se para sua primeira sessão. Zuleta Angel, diplomata colombiano, e presidente da Comissão Preparatória, abriu a sessão oferecendo, entendo eu, uma definição concisa dos princípios básicos que a ONU deveria seguir em suas atividades: defender o livre arbítrio, desafiar os conluios e trapaças e preservar o espírito de cooperação.
Hoje, essas palavras ainda soam como orientação para todos nós.
A Rússia acredita no enorme potencial da ONU, e deve ajudar-nos a evitar uma confrontação global e a nos engajar em franca cooperação estratégica. Juntos com outros países, trabalharemos empenhadamente para fortalecer o papel da ONU, de coordenação central.
Confio que, trabalhando juntos, conseguiremos fazer do mundo lugar pacífico e seguro, e asseguraremos condições propícias para o desenvolvimento de estados e nações.
Obrigado. [Fim do discurso]
(trad. não oficial do texto original (a conferir com o vídeo) – McClatchy
http://www.mcclatchydc.com/news/nation-world/world/article36860463.html
Traduzido por Vila Vudu
segunda-feira, setembro 28, 2015
Austeridade, estelionato eleitoral e a tesoura na Constituição Federal
Se instalou no Brasil um círculo vicioso entre queda de arrecadação, corte do gasto público e prolongamento da recessão, que o ajuste fiscal não contornará
Pedro Paulo Zahluth Bastos *
É evidente que aqueles que defenderam realizar um ajuste fiscal em meio a uma economia em forte desaceleração cíclica erraram de diagnóstico. Anunciaram publicamente que a política fiscal pró-cíclica não teria efeito relevante sobre o crescimento e poderia até mesmo reanimá-lo rapidamente.
Alguém lembra que, em novembro de 2014, Dilma Rousseff afirmou que realizaria um ajuste fiscal que não prejudicaria a demanda agregada e o crescimento econômico? Que, já em janeiro de 2015, Joaquim Levy afirmou que teríamos, no máximo, um trimestre de recessão?
Depois de dois trimestres de recessão, Levy disse recentemente que a recuperação será uma questão de meses. Esqueceu de dizer quantos.
Alguém lembra, em dezembro de 2014, os analistas do mercado financeiro consultados pelo boletim FOCUS do Banco Central previam, em média, um crescimento econômico de 0,8% em 2015 a despeito do esforço para gerar um superávit fiscal primário de 1,2% do PIB? Que, na mesma época, as agências de classificação do risco de crédito soberano recomendavam o ajuste fiscal?
Depois que o governo realizou um esforço fiscal de 2,3% do PIB em 2015 para tentar gerar um superávit de 1,2% e, ainda assim, corre o risco de repetir ou agravar o déficit de 0,63% de 2014, os mesmos analistas do mercado financeiro preveem agora uma recessão superior a 2,0% do PIB e uma das agências de classificação de risco cortou o investment grade do país, sem que ninguém viesse a público para admitir o erro da recomendação pré-keynesiana feita em 2014. Aliás, reforçando-a, por motivos que abordaremos depois.
Alguém lembra, depois que se noticiou que o resultado fiscal de 2014 registrou um déficit de 0,63% do PIB por causa da contração das receitas tributárias em termos reais – manifestação óbvia da retração cíclica do gasto privado -, o Ministério da Fazenda alegou que continuava mirando o resultado de 1,2% do PIB, o que elevava o esforço fiscal para 1,83% do PIB em 2015?
A fada da credibilidade e o círculo vicioso da austeridade
Admitir um erro não é fácil na vida pessoal e é mais difícil na vida pública. É verdade que a equipe econômica do governo esteve prestes a admitir o erro ao mudar, em julho, o resultado fiscal primário planejado para 2015 (0,15%) e 2016 (0,7%). A modificação ocorreu porque o ajuste fiscal pró-cíclico evidentemente contribuiu para a recessão histórica, conjugado à elevação de juros e à depreciação cambial impulsionada pelo desmonte gradual das operações de swap cambial – também peça do ajuste fiscal.
Como a fada da credibilidade que Levy dizia invocar não animou o gasto privado, a contração da economia muito maior do que a esperada, o que fez as receitas tributárias despencarem a despeito da redução de desonerações fiscais e elevação de alguns impostos.
Como ocorreu várias vezes na história quando os governos seguiram a disciplina austera exigida pelos credores em meio a uma recessão, se instalou no Brasil um círculo vicioso entre queda de arrecadação, corte do gasto público, prolongamento da recessão que, sem reversão de política, apenas um milagre exportador pode contornar. Enquanto o milagre não ocorre, a relação dívida pública bruta/PIB tende a crescer a despeito – ou melhor, por causa do ajuste fiscal contraproducente.
A mesma admissão de erro e a consciência do círculo vicioso pareciam implícitas no projeto de lei orçamentária (PLDO) anunciado em fins de agosto com previsão de déficit primário para 2016, exceto se o Congresso Nacional aprovasse novos impostos.
Admitir um erro publicamente é mais difícil quando há muitos interesses em jogo, além da reputação técnica dos economistas ortodoxos vinculados à academia, ao mercado financeiro, lobbies empresariais e consultorias privadas. É mais difícil porque as recomendações econômicas que apoiavam a realização de um ajuste fiscal eram muito arrogantes. Arrogavam o monopólio da competência técnica, muito embora pautado em ignorância provinciana. Afinal, existe hoje um consenso internacional, presente mesmo em periódicos científicos ortodoxos, que um governo não consegue poupar através de cortes de gastos quando uma economia caminha para recessão ou então a aprofunda severamente, mesmo antes de jogar a economia em deflação.
Ou seja, os economistas das agências de classificação de risco (SP, Moody´s, Fitch) e a imensa maioria dos economistas ortodoxos brasileiros estão simplesmente desatualizados! Ou, então, o que é muito pior, temperam suas recomendações com a astúcia do cinismo político.
De fato, depois que a queda da arrecadação e a enorme recessão produzida pelo ajuste aumentaram o desajuste fiscal, os austeros resolveram inventar que o desajuste fiscal brasileiro tem raízes estruturais, associadas às destinações constitucionais obrigatórias (como saúde e educação), gastos social e despesas previdenciárias.
Estelionatos eleitorais e a venda de uma alma política.
Ao contrário do imaginado pelos estratégicas políticos do Palácio do Planalto em novembro de 2014 e vários intelectuais autointitulados progressistas, o ajuste fiscal não reduziu os conflitos sociais e políticos. Pelo contrário, os aguçou enormemente. Embora a direita exigisse do governo a realização de um ajuste fiscal que cortasse na carne de sua base social, ela aproveitou a vulnerabilidade econômica e política trazida pela aceitação do “conselho amigo” por parte do governo para atacá-lo em todas as frentes, inclusive com a acusação de estelionato eleitoral.
Este estelionato de fato desmobilizou os apoiadores do governo, reduziu sua popularidade e, consequentemente, sua governabilidade perante a base infiel no Congresso Nacional. A incompetência do diagnóstico e da estratégica política do governo é patente: governabilidade resulta mais de legitimidade e popularidade do que de favores. Ou o governo poderia prestar o favor a Eduardo Cunha de intervir na Procuradoria Geral da República e na Polícia Federal para bloquear a investigação contra ele? Isso aumentaria a legitimidade, a popularidade e a governabilidade de Dilma Rousseff?
O tamanho do cinismo político manifesta-se no fato que a mesma direita que acusa o governo de estelionato eleitoral quer, agora, aproveitar a oportunidade para realizar um estelionato muito maior: mudar a Constituição Federal com o pretexto de resolver o desequilíbrio fiscal. Alguém lembra de um candidato vitorioso nas eleições de 2014 que tenha proposto reformas constitucionais que prejudicassem sua eleição?
O desequilíbrio fiscal foi produzido, em 2014, pela desaceleração cíclica e pela proliferação de desonerações tributárias e, em 2015, pela recessão auto-infligida, punindo trabalhadores e beneficiários de serviços públicos e políticas sociais. Enquanto isso, os proprietários de títulos de dívida pública asseguram uma bolsa-família equivalente a cerca de 8% do PIB em 2015 graças à política de juros do BC, totalmente inoperante para atacar a inflação de custos (câmbio e tarifas). Isso é um problema estrutural.
Convenientemente, os constitucionalistas neoliberais calam sobre as injustiças tributárias estruturais, quando brasileiros que recebem até dois salários mínimos pagam mais de 50% da renda em tributos, enquanto proprietários do capital nada pagam ao receberem lucros e dividendos distribuídos por suas empresas. Impostos indiretos que tributam mais os pobres estão muito acima da média internacional para países da renda do Brasil; impostos sobre o capital, o patrimônio e heranças estão muito abaixo. Isso é um problema estrutural.
Resta saber se o governo vai voltar a aceitar o “conselho amigo”, mesmo que, agora, ele venha temperado com a ameaça de decapitação se não houver nova capitulação. Os estrategistas políticos do governo já deviam ter entendido que os únicos grupos sociais e políticos capazes de evitar a decapitação são aqueles que não aceitam mais que ganhe um mero mandato-tampão até 2018 em troca, agora, da entrega de direitos sociais constitucionais, além da austeridade de costume. Uma transação nesses termos envolverá custos políticos muito maiores a longo prazo, pois junto com a Constituição Cidadã irá toda uma alma. Uma alma construída por mais de 35 anos que, lamentavelmente, nenhum estelionato eleitoral será capaz de recuperar.
* Professor Associado (Livre Docente) do Instituto de Economia da UNICAMP. Ex-presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica (ABPHE).
Pedro Paulo Zahluth Bastos *
É evidente que aqueles que defenderam realizar um ajuste fiscal em meio a uma economia em forte desaceleração cíclica erraram de diagnóstico. Anunciaram publicamente que a política fiscal pró-cíclica não teria efeito relevante sobre o crescimento e poderia até mesmo reanimá-lo rapidamente.
Alguém lembra que, em novembro de 2014, Dilma Rousseff afirmou que realizaria um ajuste fiscal que não prejudicaria a demanda agregada e o crescimento econômico? Que, já em janeiro de 2015, Joaquim Levy afirmou que teríamos, no máximo, um trimestre de recessão?
Depois de dois trimestres de recessão, Levy disse recentemente que a recuperação será uma questão de meses. Esqueceu de dizer quantos.
Alguém lembra, em dezembro de 2014, os analistas do mercado financeiro consultados pelo boletim FOCUS do Banco Central previam, em média, um crescimento econômico de 0,8% em 2015 a despeito do esforço para gerar um superávit fiscal primário de 1,2% do PIB? Que, na mesma época, as agências de classificação do risco de crédito soberano recomendavam o ajuste fiscal?
Depois que o governo realizou um esforço fiscal de 2,3% do PIB em 2015 para tentar gerar um superávit de 1,2% e, ainda assim, corre o risco de repetir ou agravar o déficit de 0,63% de 2014, os mesmos analistas do mercado financeiro preveem agora uma recessão superior a 2,0% do PIB e uma das agências de classificação de risco cortou o investment grade do país, sem que ninguém viesse a público para admitir o erro da recomendação pré-keynesiana feita em 2014. Aliás, reforçando-a, por motivos que abordaremos depois.
Alguém lembra, depois que se noticiou que o resultado fiscal de 2014 registrou um déficit de 0,63% do PIB por causa da contração das receitas tributárias em termos reais – manifestação óbvia da retração cíclica do gasto privado -, o Ministério da Fazenda alegou que continuava mirando o resultado de 1,2% do PIB, o que elevava o esforço fiscal para 1,83% do PIB em 2015?
A fada da credibilidade e o círculo vicioso da austeridade
Admitir um erro não é fácil na vida pessoal e é mais difícil na vida pública. É verdade que a equipe econômica do governo esteve prestes a admitir o erro ao mudar, em julho, o resultado fiscal primário planejado para 2015 (0,15%) e 2016 (0,7%). A modificação ocorreu porque o ajuste fiscal pró-cíclico evidentemente contribuiu para a recessão histórica, conjugado à elevação de juros e à depreciação cambial impulsionada pelo desmonte gradual das operações de swap cambial – também peça do ajuste fiscal.
Como a fada da credibilidade que Levy dizia invocar não animou o gasto privado, a contração da economia muito maior do que a esperada, o que fez as receitas tributárias despencarem a despeito da redução de desonerações fiscais e elevação de alguns impostos.
Como ocorreu várias vezes na história quando os governos seguiram a disciplina austera exigida pelos credores em meio a uma recessão, se instalou no Brasil um círculo vicioso entre queda de arrecadação, corte do gasto público, prolongamento da recessão que, sem reversão de política, apenas um milagre exportador pode contornar. Enquanto o milagre não ocorre, a relação dívida pública bruta/PIB tende a crescer a despeito – ou melhor, por causa do ajuste fiscal contraproducente.
A mesma admissão de erro e a consciência do círculo vicioso pareciam implícitas no projeto de lei orçamentária (PLDO) anunciado em fins de agosto com previsão de déficit primário para 2016, exceto se o Congresso Nacional aprovasse novos impostos.
Admitir um erro publicamente é mais difícil quando há muitos interesses em jogo, além da reputação técnica dos economistas ortodoxos vinculados à academia, ao mercado financeiro, lobbies empresariais e consultorias privadas. É mais difícil porque as recomendações econômicas que apoiavam a realização de um ajuste fiscal eram muito arrogantes. Arrogavam o monopólio da competência técnica, muito embora pautado em ignorância provinciana. Afinal, existe hoje um consenso internacional, presente mesmo em periódicos científicos ortodoxos, que um governo não consegue poupar através de cortes de gastos quando uma economia caminha para recessão ou então a aprofunda severamente, mesmo antes de jogar a economia em deflação.
Ou seja, os economistas das agências de classificação de risco (SP, Moody´s, Fitch) e a imensa maioria dos economistas ortodoxos brasileiros estão simplesmente desatualizados! Ou, então, o que é muito pior, temperam suas recomendações com a astúcia do cinismo político.
De fato, depois que a queda da arrecadação e a enorme recessão produzida pelo ajuste aumentaram o desajuste fiscal, os austeros resolveram inventar que o desajuste fiscal brasileiro tem raízes estruturais, associadas às destinações constitucionais obrigatórias (como saúde e educação), gastos social e despesas previdenciárias.
Estelionatos eleitorais e a venda de uma alma política.
Ao contrário do imaginado pelos estratégicas políticos do Palácio do Planalto em novembro de 2014 e vários intelectuais autointitulados progressistas, o ajuste fiscal não reduziu os conflitos sociais e políticos. Pelo contrário, os aguçou enormemente. Embora a direita exigisse do governo a realização de um ajuste fiscal que cortasse na carne de sua base social, ela aproveitou a vulnerabilidade econômica e política trazida pela aceitação do “conselho amigo” por parte do governo para atacá-lo em todas as frentes, inclusive com a acusação de estelionato eleitoral.
Este estelionato de fato desmobilizou os apoiadores do governo, reduziu sua popularidade e, consequentemente, sua governabilidade perante a base infiel no Congresso Nacional. A incompetência do diagnóstico e da estratégica política do governo é patente: governabilidade resulta mais de legitimidade e popularidade do que de favores. Ou o governo poderia prestar o favor a Eduardo Cunha de intervir na Procuradoria Geral da República e na Polícia Federal para bloquear a investigação contra ele? Isso aumentaria a legitimidade, a popularidade e a governabilidade de Dilma Rousseff?
O tamanho do cinismo político manifesta-se no fato que a mesma direita que acusa o governo de estelionato eleitoral quer, agora, aproveitar a oportunidade para realizar um estelionato muito maior: mudar a Constituição Federal com o pretexto de resolver o desequilíbrio fiscal. Alguém lembra de um candidato vitorioso nas eleições de 2014 que tenha proposto reformas constitucionais que prejudicassem sua eleição?
O desequilíbrio fiscal foi produzido, em 2014, pela desaceleração cíclica e pela proliferação de desonerações tributárias e, em 2015, pela recessão auto-infligida, punindo trabalhadores e beneficiários de serviços públicos e políticas sociais. Enquanto isso, os proprietários de títulos de dívida pública asseguram uma bolsa-família equivalente a cerca de 8% do PIB em 2015 graças à política de juros do BC, totalmente inoperante para atacar a inflação de custos (câmbio e tarifas). Isso é um problema estrutural.
Convenientemente, os constitucionalistas neoliberais calam sobre as injustiças tributárias estruturais, quando brasileiros que recebem até dois salários mínimos pagam mais de 50% da renda em tributos, enquanto proprietários do capital nada pagam ao receberem lucros e dividendos distribuídos por suas empresas. Impostos indiretos que tributam mais os pobres estão muito acima da média internacional para países da renda do Brasil; impostos sobre o capital, o patrimônio e heranças estão muito abaixo. Isso é um problema estrutural.
Resta saber se o governo vai voltar a aceitar o “conselho amigo”, mesmo que, agora, ele venha temperado com a ameaça de decapitação se não houver nova capitulação. Os estrategistas políticos do governo já deviam ter entendido que os únicos grupos sociais e políticos capazes de evitar a decapitação são aqueles que não aceitam mais que ganhe um mero mandato-tampão até 2018 em troca, agora, da entrega de direitos sociais constitucionais, além da austeridade de costume. Uma transação nesses termos envolverá custos políticos muito maiores a longo prazo, pois junto com a Constituição Cidadã irá toda uma alma. Uma alma construída por mais de 35 anos que, lamentavelmente, nenhum estelionato eleitoral será capaz de recuperar.
* Professor Associado (Livre Docente) do Instituto de Economia da UNICAMP. Ex-presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica (ABPHE).
quinta-feira, setembro 24, 2015
Lincoln, Luther King, Day e Merton - os companheiros do Papa
Os quatro simbolizam a herança cultural americana!
Pela primeira vez um Papa falou a uma sessão conjunta do Congresso dos Estados Unidos.
E o Papa não fugiu de nenhum dos temas polêmicos que dividem os americanos.
Defendeu a família e criticou o aborto – para agonia dos Democratas.
Defendeu o meio ambiente e invocou sua Encíclica Laudato Si – para desespero dos Republicanos.
Defendeu a abertura das portas aos imigrantes – para decepção dos Republicanos.
E pediu inclusão social e combate à miséria – para constrangimento de uns e outros.
Porém, a genialidade do Papa foi invocar quatro americanos que, segundo ele, ilustram a riqueza da herança cultural americana.
Abraham Lincoln, que “dignificou a Liberdade”.
Lincoln aboliu a Escravidão.
Martin Luther King Jr, o pastor protestante, mártir da luta “pela pluralidade”, como enfatizou Francisco I.
E a menção surpreendente e reveladora – a invocação de Dorothy Day, a ativista social anarquista, marxista e católica!
O Papa a mencionou no contexto da luta pela Justiça Social, pela defesa dos oprimidos!
E, por fim, ele evocou a memória do teólogo Thomas Merton, em nome “do diálogo, da abertura para Deus”.
Monge trapista no Kentucy, Merton esteve ligado a Alceu Amoroso Lima e a D Helder Câmara.
Esse Papa…
Bem que o Stedile disse que ele é peronista…
Os americanos tiveram que engoli-lo.
E lhe ofereceram uma ovação consagradora!
Paulo Henrique Amorim
Pela primeira vez um Papa falou a uma sessão conjunta do Congresso dos Estados Unidos.
E o Papa não fugiu de nenhum dos temas polêmicos que dividem os americanos.
Defendeu a família e criticou o aborto – para agonia dos Democratas.
Defendeu o meio ambiente e invocou sua Encíclica Laudato Si – para desespero dos Republicanos.
Defendeu a abertura das portas aos imigrantes – para decepção dos Republicanos.
E pediu inclusão social e combate à miséria – para constrangimento de uns e outros.
Porém, a genialidade do Papa foi invocar quatro americanos que, segundo ele, ilustram a riqueza da herança cultural americana.
Abraham Lincoln, que “dignificou a Liberdade”.
Lincoln aboliu a Escravidão.
Martin Luther King Jr, o pastor protestante, mártir da luta “pela pluralidade”, como enfatizou Francisco I.
E a menção surpreendente e reveladora – a invocação de Dorothy Day, a ativista social anarquista, marxista e católica!
O Papa a mencionou no contexto da luta pela Justiça Social, pela defesa dos oprimidos!
E, por fim, ele evocou a memória do teólogo Thomas Merton, em nome “do diálogo, da abertura para Deus”.
Monge trapista no Kentucy, Merton esteve ligado a Alceu Amoroso Lima e a D Helder Câmara.
Esse Papa…
Bem que o Stedile disse que ele é peronista…
Os americanos tiveram que engoli-lo.
E lhe ofereceram uma ovação consagradora!
Paulo Henrique Amorim
Aconteceu o im-pen-sá-vel: Uruguai rejeitou o TISA, 'tratado' da dinheirocracia privateira global
A empresa-imprensa fingiu que nem viu essa decisão histórica.
Don Quijones, Wolf Street
Frequentemente citado como a "Suíça da América Latina", o Uruguai tem importante tradição de fazer as coisas à sua moda. Foi a primeira nação na América Latina a estabelecer um estado de bem-estar. Tem também uma classe média maior que a que se vê, proporcionalmente, em outros países da região e, diferente nisso de seus vizinhos gigantes ao norte e a oeste, Brasil e Argentina, o Uruguai não sofre sob o peso de grave desigualdade de renda.
Há dois anos, durante o governo de José Mujica, o Uruguai tornou-se o primeiro país a legalizar a maconha na América Latina, continente que continua a ser destroçado pelo tráfico de drogas, pela a violência e pela corrupção das instituições do estado associada à violência.
Agora, o Uruguai fez algo que nenhuma outra nação semialinhada do planeta jamais se atreveu a fazer: rejeitou, como estado, os avanços da dinheirocracia privateira global.[1]
O tratado cujo nome é proibido pronunciar/escrever
No início de setembro em curso, o governo do Uruguai decidiu pôr fim à participação do país nas negociações secretas para o Acordo para Comércio de Serviços [orig. Trade in Services Agreement (TISA).
Depois de meses de intensa pressão feita por sindicatos e outros movimentos de base, que culminaram numa greve geral nacional de resistência – a primeira greve de trabalhadores em todo o planeta que incluiu a exigência de que o respectivo governo retire-se das negociações do TISA[2] – o presidente do Uruguai, Tabaré Vazquez aceitou a demanda da opinião pública; e o Uruguai deixou as discussões para o acordo e o acordo comercial proposto e propagandeado pelos EUA.
Apesar da – ou, melhor dizendo, mais provavelmente por causa da – importância simbólica da decisão do Uruguai, nenhum veículo da grande mídia-empresa noticiou o evento além das fronteiras uruguaias. Jornais, jornalismo e jornalistas da mídia-empresa global noticiaram simplesmente nada.
Não chega a ser surpresa, uma vez que a opinião pública global nada pode saber sobre o TISA, a começar pela existência dele, embora – ou, outra vez, por causa disso – esse seja o tratado mais dramaticamente importante para a nova geração de acordos globais de comércio.
Segundo WikiLeaks, o Acordo para Comércio de Serviços [orig. Trade in Services Agreement (TISA)] "é o principal componente do triunvirato de tratados estratégicos ditos 'comerciais' dos EUA", triunvirato que também inclui a Parceria Trans-Pacífico [orig. Trans Pacific Partnership (TPP)] e a Parceria Trans-Atlântico para Comércio e Investimento [orig. TransAtlantic Trade and Investment Pact (TTIP)].
O Acordo para Comércio de Serviços [orig. Trade in Services Agreement (TISA) envolve mais países que as Parcerias Trans-Pacífico e Trans-Atlântico somadas: os EUA e todos os 28 membros da União Europeia e Austrália, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Hong Kong, Islândia, Israel, Japão, Liechtenstein, México, Nova Zelândia, Noruega, Paquistão, Panamá, Paraguai, Peru, Coreia do Sul, Suíça, Taiwan e Turquia.
Mancomunadas, essas 52 nações formam o grupo conhecido sob o nome sedutor de "Verdadeiros Bons Amigos dos Serviços", que representam quase 70% de todo o comércio de serviços em todo o planeta. Até a recente saída do Uruguai, que deu as costas a esses "VBASs", o país era contado como o 53º "VBAS".
Trailer do TISA
O Acordo para Comércio de Serviços [orig. Trade in Services Agreement (TISA)] passou os últimos dois anos sendo construído atrás de portas hermeticamente fechadas de altíssima segurança em diferentes locais do mundo. Conforme o texto provisório, o documento deve permanecer confidencial e 'reservado', longe da opinião pública por pelo menos cinco anos, depois de assinado. Até a Organização Mundial do Comércio foi descartada e impedida de participar das negociações.
Porém, graças a sites de sentinelas contra abusos da boa fé dos cidadãos como WikiLeaks, a Associated Whistleblowing Press e Filtrala, já se conhecem alguns detalhes cruciais. Aqui, adiante, ofereço um breve resumo do que já se sabe (para conhecer mais detalhes, ver aqui, aqui e aqui):
1. O Acordo para Comércio de Serviços [orig. Trade in Services Agreement (TISA) "blindará" a privataria no setor de serviços – até casos em que a entrega de serviço privado contratado tenha falhado – o que significa que nenhum governo conseguirá nunca mais devolver ao patrimônio público serviços de água, energia, saúde, educação e outros que tenham sido privatizados.
2. O Acordo para Comércio de Serviços [orig. Trade in Services Agreement (TISA)] restringirá o direito dos governos signatários para impor padrões ou medidas mais fortes para proteger patrimônio público e o interesse público. Isso, por exemplo, afeta leis de proteção ao meio ambiente, licenciamento para instalação de laboratórios, instalações hospitalares, centros de disposição e reciclagem de dejetos, usinas de produção de energia, credenciamento de escolas e universidades e licenças para uso de cabos e frequências de rádio, televisão e internet.
3. O Acordo para Comércio de Serviços [orig. Trade in Services Agreement (TISA) limitará a capacidade dos governos para regular a indústria de serviços financeiros, num momento em que a economia global ainda luta para se recobrar da crise causada, basicamente, por não o estado não regular suficientemente o setor financeiro. Mais especificamente, se for assinado; o acordo TISA do comércio de serviços:
• Restringirá a capacidade dos governos para impor limites ao comércio de contratos de derivativos – a arma de destruição financeira em massa, praticamente não controlada, que ajudou a disparar a Crise Financeira Global de 2007-08.
• Impedirá que os estados aprovem novas leis de regulação das finanças que não sigam rigorosamente as leis de desregulação ampla, geral e irrestrita. Estados signatários simplesmente se comprometerão a não aplicar novas medidas de política financeira que, seja como for, contradigam a ênfase nas providências, leis e medidas de desregulação.
• Proibirá estados nacionais de usar controles sobre capitais para impedir ou mitigar crises financeiras. Os textos que vazaram proíbem restrições a influxos financeiros – usados para prevenir rápida apreciação da moeda, bolhas de ativos e problemas macroeconômicos – e a saídas de dinheiro (restrições a saída de dinheiro são usadas para impedir a repentina fuga de capitais em tempos de crise).
• Exigirá que os estados aceitem produtos financeiros que ainda não foram inventados. Apesar do papel de aceleradores que complexos produtos financeiros desempenharam na Crise Financeira, o Acordo para Comércio de Serviços [orig. Trade in Services Agreement (TISA) exigirá que os estados aceitem que todos e quaisquer novos produtos financeiros (inclusive produtos financeiros ainda não existentes) sejam comercializados dentro dos respectivos territórios.
4. O Acordo para Comércio de Serviços [orig. Trade in Services Agreement (TISA) cancelará toda e qualquer restrição aos fluxos de informação e à localização de itens e instalações consideradas necessárias pelos provedores de serviços e de tecnologia da informação e das comunicações [Information and communications technology (ICT). Cláusula proposta pelos negociadores norte-americanos pretende proibir todo e qualquer impedimento que haja para a transferência de dados pessoais a terceiros países (atualmente há leis que protegem dados, vigentes na União Europeia). Em outras palavras, corporações multinacionais terão carta branca para vasculhar e usar à vontade dados relacionados a todas as facetas da vida pessoal e da vida profissional dos habitantes de quase ¼ das cerca de 200 nações que há no mundo.
Como escrevi em LEAKED: Secret Negotiations to Let Big Brother Go Global, se o Acordo para Comércio de Serviços [orig. Trade in Services Agreement (TISA) for assinado na forma que tem hoje – e ninguém saberá realmente que forma tem até que se passem, no mínimo, cinco anos depois de o acordo ser assinado – nossos dados pessoais serão livremente comprados e vendidos no mercado sem que nós mesmos saibamos; empresas e estados poderão armazenar dados da vida pessoal e profissional [e política] de cada um de nós, pelo tempo que desejar, e usá-los livremente para praticamente qualquer finalidade.
5) Por fim, o Acordo para Comércio de Serviços [orig. Trade in Services Agreement (TISA), acompanhado dos tratados comerciais gêmeos Trans-Pacífico e Trans-Atlântico – TPP e TTIP – estabelecerá sistema global absolutamente controlado – depois de ter imposto aos 52 governos signatários um quadro duríssimo de leis comerciais internacionais concebidas para proteger e 'legalizar' praticamente todas as práticas das empresas privadas que, hoje, são consideradas criminosas, ao mesmo tempo em que os acordos cancelam toda e qualquer lei que haja nas legislações nacionais e que ainda protegem os direitos/interesses do cidadão, da pessoa, da humanidade e/ou de povos ou nações.
O mundo passará a ser regido por legislação que só protege o direito das empresas ["direito das empresas", em mundo do capital, no qual reina a privataria, é direito-de-prender-matar-arrebentar-poluir-apodrecer-envenenar tudo e todos, em todos os casos em que essas ações gerem mais lucro, mesmo que só no curtíssimo prazo (NTs)]. Para mais bem proteger o direito das empresas em mundo capitalista privateiro, o Acordo para Comércio de Serviços [orig.Trade in Services Agreement (TISA)] cuida de livrar as empresas de qualquer risco financeiro e de qualquer responsabilidade humana, social ou ambiental. Resumindo, o Acordo para Comércio de Serviços [orig. Trade in Services Agreement (TISA) meterá o derradeiro prego no esquife já em frangalhos da soberania nacional.
Perigosíssimo precedente
Dadas as modestas dimensões territoriais (3,4 milhões de habitantes) e influência geopolítica ou geoeconômica limitada, o fato de o Uruguai ter-se retirado do grupo clandestino que está redigindo o Acordo para Comércio de Serviços [orig. Trade in Services Agreement (TISA) dificilmente provocará qualquer adiamento no avanço das conversas. Governos de todas as grandes nações que comerciam em todo o globo[3] continuarão suas conversas secretar, bem escondidos dos olhos e ouvidos dos povos e pessoas que eles, supostamente, estariam representando.
O Congresso dos EUA já assegurou ao governo Obama o regime de "fast-track" [lit. "trilha rápida", equivalente a "tramitação de urgência"] para aprovar acordos como o Acordo para Comércio de Serviços [orig. Trade in Services Agreement (TISA)], e a Comissão Europeia, com total certeza, fará exatamente o que a dinheirocracia privateira mandar.
Contudo, como diz Glyn Moody, especialista em temas de tecnologia, a retirada do Uruguai, afastando-se daquelas negociações – como fez o povo da Islândia, que se recusou a assumir dívidas de seus bancos e banqueiros bandidos – tem tremenda importância simbólica: "A saída do Uruguai diz que, sim, é possível retirar-se de negociações ditas 'globais'; e que as aparentemente irreversível decisões daquele acordo também podem ser desfeitas. Assim, o Uruguai oferece importante precedente a outras nações que têm dúvidas crescentes sobre o TISA – ou, mesmo, sobre a Parceria Trans-Pacífico: que vejam o que fez o Uruguai e, talvez, que o sigam."
Evidentemente, representantes das grandes empresas uruguaias concordaram, todos, em discordar do governo uruguaio. Para Gabriel Oddone, analista de uma empresa de consultoria financeira, CPA Ferrere, o movimento do governo do Uruguai foi "um dos seus maiores erros dos últimos anos". Baseou-se em "análise superficial das implicações do tratado."
O que Oddone convenientemente não diz é que precisamente o Uruguai é o único país em todo o planeta onde há ALGUMA discussão pública, superficial ou não, não importa, sobre Acordo para Comércio de Serviços [orig. Trade in Services Agreement (TISA) e suas implicações aterrorizantes. Talvez essa coisa esteja começando a mudar.*****
[1] ATENÇÃO: O Uruguai está agora SAINDO do grupo dos países que integram o TISA, ao qual o país integrou-se ainda durante o governo de Mujica. Sobre toda a história da ENTRADA do Uruguai no grupo do TISA, do qual o país está agora SAINDO, ver "Por que o Uruguai integrou-se secretamente ao Acordo de Comércio de Serviços?", Antonio Elias, 6/4/2015, SEPLA, Uruguay [NTs]
[2] A greve, que aconteceu 5ª-feira, dia 6/8/2015, foi (des)noticiada pelo portal G1 da Rede Globo, como se vê em "Presidente uruguaio enfrenta primeira greve geral de seu mandato", sem NENHUMA referência à demanda, pelos grevistas, de que o país retire-se das negociações para implantação do TISA [NTs].
[3] MUITO IMPORTANTE ANOTAR que "Nenhum dos BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – participa das conversas do Acordo para Comércio de Serviços [orig. Trade in Services Agreement (TISA)" (in Operamundi). Sobre a posição do Brasil e da Fiesp [e quem mais seria?!] há matéria interessante, em português, aqui).
Assim sendo, a saída do Uruguai daquele bloco pode estar sinalizando que o país movimenta-se para alistar-se com outro bloco – aspecto que não é considerado nesse artigo. Então, nós consideramos que:
É absolutamente necessário combater contra o Acordo para Comércio de Serviços [orig. Trade in Services Agreement (TISA), porque põe sob ameaça direitos humanos, sociais e políticos cuja proteção por lei foi conquistada com muita luta ao longo de séculos e cuja conquista e consagração deram consistência à civilização humana em todo o planeta, sim.
Mas também é preciso opor-se ao TISA porque é operação acionada pelos EUA para ampliar o próprio controle sobre o 'bloco' TISA-TPP-TTIP, na disputa q os EUA tanto fazem para inventar contra o 'bloco' BRICS, no que já está sendo chamado de "Projeto 3a. Guerra Mundial em parcelas" (aproveitando a expressão do Papa Francisco em Cuba [NTs].
quarta-feira, setembro 23, 2015
Objetivos do Milênio ajudaram Brasil a melhorar vida da população, diz ministra
Conversa Afiada
O Brasil se destacou em sete dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) definidos pela ONU para o movimento mundial de combate à pobreza, afirmou a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello. Segundo ela, a superação das propostas faz com que o Brasil seja o principal exemplo de ação bem sucedida dos ODMs.
“O Brasil fez uma opção de usar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio como farol para que a gente pudesse perseguir melhor não só a melhora dos nossos indicadores, mas das condições de vida da população”, disse nesta segunda-feira (22), em entrevista ao programa Direto na Fonte da TV NBr.
Entre os avanços, Campello ressaltou a redução significativa da fome. De acordo com a ministra, atualmente, 1,7% da população brasileira enfrenta esse problema. Em 2003, o percentual era de 10%. “Em menos de dez anos, nós tivemos uma trajetória muito importante. O Brasil passou a ter acesso a esses alimentos, principalmente por ter acesso a renda. Aumento do salário mínimo, programas como Bolsa Família, por exemplo, que garantiram renda para essa população em situação de pobreza”.
A ministra comentou também a redução da mortalidade infantil no Brasil, que foi “bem acima” da média mundial. Dados do Unicef e da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que, enquanto o mundo reduziu o índice em 53%, no Brasil a redução foi de 73%.
A ministra acredita que, com a criação do programa Mais Médicos, os próximos relatórios vão trazer resultados ainda mais positivos. “O programa garantiu que exatamente onde a população mais pobre está, a gente pudesse ter um médico. E hoje não tem mais nenhum município no Brasil sem médico, e essa é uma grande vitória e nossos indicadores vão ficar melhores ainda”, avaliou.
Entrevista a jornal americano
O jornal The New York Times também repercutiu o exemplo do Brasil nas políticas de redução da pobreza em entrevista com Tereza Campello, publicada na última sexta-feira (18).
“Muitos países têm estudado o Bolsa Família na esperança de adotar a ideia básica do programa”, disse a ministra. Além disso, explicou que o programa melhora a vida de milhões de famílias pobres e contribui diretamente para avanços significativos na educação, na saúde e na nutrição infantil do País.
O jornal pontuou que, desde a sua criação, em 2003, o Bolsa Família contribuiu para uma redução de 82% da população subnutrida do País.
Ainda segundo a publicação, a oposição do governo Dilma reconhece que o programa de transferência de renda é uma forma relativamente acessível para combater a pobreza extrema. A ministra afirma que as críticas que o programa recebe, como a perpetuação do desemprego e o incentivo a gastos irresponsáveis, são mitos.
Campello concedeu a entrevista durante sua ida a Nova Iorque para participar de seminário sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na ONU, que reunirão 17 boas práticas no mundo que visam melhorar a qualidade de vida e eliminar ou reduzir as desigualdades entre nações ricas e pobres até 2030. Os objetivos serão formalmente aprovados durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, que começa na nesta sexta-feira (25) com a participação de cerca de 150 líderes mundiais.
O Brasil se destacou em sete dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) definidos pela ONU para o movimento mundial de combate à pobreza, afirmou a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello. Segundo ela, a superação das propostas faz com que o Brasil seja o principal exemplo de ação bem sucedida dos ODMs.
“O Brasil fez uma opção de usar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio como farol para que a gente pudesse perseguir melhor não só a melhora dos nossos indicadores, mas das condições de vida da população”, disse nesta segunda-feira (22), em entrevista ao programa Direto na Fonte da TV NBr.
Entre os avanços, Campello ressaltou a redução significativa da fome. De acordo com a ministra, atualmente, 1,7% da população brasileira enfrenta esse problema. Em 2003, o percentual era de 10%. “Em menos de dez anos, nós tivemos uma trajetória muito importante. O Brasil passou a ter acesso a esses alimentos, principalmente por ter acesso a renda. Aumento do salário mínimo, programas como Bolsa Família, por exemplo, que garantiram renda para essa população em situação de pobreza”.
A ministra comentou também a redução da mortalidade infantil no Brasil, que foi “bem acima” da média mundial. Dados do Unicef e da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que, enquanto o mundo reduziu o índice em 53%, no Brasil a redução foi de 73%.
A ministra acredita que, com a criação do programa Mais Médicos, os próximos relatórios vão trazer resultados ainda mais positivos. “O programa garantiu que exatamente onde a população mais pobre está, a gente pudesse ter um médico. E hoje não tem mais nenhum município no Brasil sem médico, e essa é uma grande vitória e nossos indicadores vão ficar melhores ainda”, avaliou.
Entrevista a jornal americano
O jornal The New York Times também repercutiu o exemplo do Brasil nas políticas de redução da pobreza em entrevista com Tereza Campello, publicada na última sexta-feira (18).
“Muitos países têm estudado o Bolsa Família na esperança de adotar a ideia básica do programa”, disse a ministra. Além disso, explicou que o programa melhora a vida de milhões de famílias pobres e contribui diretamente para avanços significativos na educação, na saúde e na nutrição infantil do País.
O jornal pontuou que, desde a sua criação, em 2003, o Bolsa Família contribuiu para uma redução de 82% da população subnutrida do País.
Ainda segundo a publicação, a oposição do governo Dilma reconhece que o programa de transferência de renda é uma forma relativamente acessível para combater a pobreza extrema. A ministra afirma que as críticas que o programa recebe, como a perpetuação do desemprego e o incentivo a gastos irresponsáveis, são mitos.
Campello concedeu a entrevista durante sua ida a Nova Iorque para participar de seminário sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na ONU, que reunirão 17 boas práticas no mundo que visam melhorar a qualidade de vida e eliminar ou reduzir as desigualdades entre nações ricas e pobres até 2030. Os objetivos serão formalmente aprovados durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, que começa na nesta sexta-feira (25) com a participação de cerca de 150 líderes mundiais.
O mapa da riqueza no Brasil
Estratificação Social e Base Tributária
Fernando Nogueira da Costa
Estratificação, em Sociologia, é o processo de diferenciação das diversas camadas sociais que compõem uma sociedade, agrupadas a partir de suas relações e dos valores culturais, o que vem a constituir sua separação em classes, estados ou castas. É também a operação que, em uma sondagem estatística, consiste em distribuir previamente por estratos determinado conjunto que se quer estudar.
Se quisermos entender o Poder, inclusive o econômico, precisamos compreender de que modo os membros das redes de Poder pensam e agem, e porque seus valores podem ter uma atração mais ampla, para além do seu próprio grupo, com o predomínio cultural chamado de hegemonia.
Tenho achado o conceito de castas mais útil para entender a estratificação social brasileira. Ele é mais abrangente do que classe, segmentando os vários tipos de grupos funcionais, desde os burocratas e sacerdotes até os capitalistas e trabalhadores – pária é o indiano não pertencente a qualquer casta, considerado impuro e desprezível pela tradição cultural hinduísta. Casta inclui a perspectiva cultural, além dos interesses econômicos.
As castas são, portanto, membros de diversas redes e instituições de poder, cada uma apresentando sua própria cultura e incentivando determinado estilo de vida. Elas tendem a dar a seus integrantes determinadas atitudes para com
a autoridade, a organização e a política. Permitem ilustrar melhor a complexidade social da História da Humanidade do que o simplista modelo dicotômico – tipo “nós” (pobres) contra “eles” (ricos) – da visão marxista do século XIX.
Como tipos ideais, as castas são úteis para mostrar como nossas ocupações se relacionam com nossos valores. A profissão e a experiência de trabalho são fundamentais para a formação das atitudes políticas, porém, outros atributos da pessoa também importam.
Evidentemente, não há uma correlação direta entre os valores pessoais e a posição da pessoa na estrutura do poder político ou econômico. Pode-se ser rico sem ser conservador ou reacionário. Nem todo pobre é revoltado ou rebelde. A lógica de ação religiosa pode torná-lo conformista ou submisso. Aliás, islā significa resignação ou submissão (a Deus).
É possível relacionar ordens morais e o esquema das castas. A visão de mercado (competitividade, empreendedorismo) é típica do comerciante; a industrial (especialização, educação), do sábio-tecnocrata; a inspirada, do sábio-pregador; a familiar (respeito), do aristocrata paternalista; a de fama (glória, coragem, honra) relaciona-se com o guerreiro ou o esportista; a cívica-comunitária é adotada pelo trabalhador. Este costuma ter ceticismo quanto ao livre-mercado.
Na Era Neoliberal, a panaceia para os males do mundo era a economia de livre mercado. Mas o entusiasmo com a liberdade do mercado não durou muito tempo, logo se deparando com sua crise. Isso trouxe uma forte reação social contra o comerciante-financista. O social-desenvolvimentismo buscou instalar uma Era do Estado de Bem-Estar Social no Brasil, predominando um reformismo do capitalismo, com um papel menor para o guerreiro-militar e um maior para o comerciante e o trabalhador, todos sob a supervisão geral de sábios-tecnocratas.
Essas ordens sociais desmoronam quando seus governantes acreditam que estão fracassando – e, sob pressão, adotam profundas reformas. O fracasso de uma casta dominante, devido à crise econômica (quando não à guerra ou à revolução), provoca crise ideológica e mudanças no Poder.
Os grupos sociais, vistos como castas, não são só organismos que buscam o interesse próprio e a vantagem econômica. Também constituem encarnações de ideias e estilos de vida, que procuram impor aos demais. Seus domínios não são irrestritos, eles fracassam quando oferecem ordens menos inclusivas. Os sábios-tecnocratas trazem a burocratização ou a presunção arrogante típica dos especialistas. Os trabalhadores organizados e os especializados (artesãos com habilidade e criatividade) com excesso de espírito comunitário ou corporativista excluem “os de fora (da nomenclatura)”. Dessa forma, fracassam as alianças socialdemocratas.
Fracassam os mercadores (comerciantes-financistas) porque provocam a instabilidade econômica e a elevação das desigualdades. Quando os guerreiros são chamados, eles atiçam guerras intermináveis por honra e vingança.
***
Como eu resumo, em números, a estratificação social no Brasil? Em uma população economicamente ativa em torno de 100 milhões de pessoas, 9 milhões aplicam no mercado financeiro e recebem também renda do capital. É o mesmo número de pessoas (8.979.706) que tem formação universitária completa. Além dessas, 451.209 pessoas tem mestrado e 170.247 tem doutorado. Pelos cálculos da OCDE, um adulto com idade entre 25 e 64 anos que termina o Ensino Superior, no Brasil, receberá em média 157% mais renda do que quem só terminou o Ensino Médio. Essa média nos países da OCDE é de 57%.
Nos últimos 13 anos, a taxa de juros média real foi de 6,6% aa, cinco vezes maior do que o aumento anual do salário médio real, isto é, da renda do trabalho (1,3% aa). Reconhecendo esta dependência de trajetória em relação ao juro real médio de 0,5% am, os profissionais com Ensino Superior estabelecem sua estratégia de complementar a Previdência Social. Com investimento perseverante de 20% de sua renda mensal, em 360 meses (30 anos) eles já obtém renda do capital equivalente à renda do trabalho.
Se, a cada 10 anos, ele muda de faixa salarial (graduado com R$ 5.000, mestre com R$ 10.000 e doutor com R$ 15.000), devido à titulação (mestrado-doutorado) ou à experiência, fazendo aporte inicial com o acumulado na faixa anterior, com mais 18 anos ele terá acumulado para poder se aposentar com renda do capital similar à renda de trabalho dessa última faixa salarial.
Essa classe média se distingue da maioria da população brasileira em investimentos financeiros. Em março de 2015, 8.940.787 pessoas (descontando dupla contagem de CPFs) investiam em Fundos e Títulos e Valores Mobiliários (ações, títulos públicos e privados). A média de cada qual era de R$ 79.299,53.
Enquanto isso, eram cerca de 98 milhões de depositantes de poupança com a média individual de R$ 6.690,33. Deles, 87,4% do total de clientes (cerca de 85 milhões) tinham depósitos em média per capita de apenas R$ 481,79, ou seja, a caderneta de poupança tinha espécie de saldo de conta corrente sem pagar tarifas.
O top dos investidores Pessoas Físicas era constituído de 57.919 clientes de Private Banking. A média per capita de investimentos dessa casta era de – pasmem – R$ 11.507.492,23.
Os super-ricos no Brasil representam só 0,3% do total de contribuintes do IR ou 0,05% da PEA do país. Os 71.440 indivíduos que receberam no mínimo 160 salários mínimos (R$ 126.080,00) ao mês ou R$ 1,5 milhão no ano, obtiveram renda anual média, no ano-base de 2013, de R$ 4,170 milhões. Sem abater as dívidas, a média per capita de Bens e Direitos desta faixa mais rica atingiu R$ 17,7 milhões. O patrimônio líquido desse reduzido grupo equivale a 22,7% de toda a riqueza em bens e direitos no DIRPF 2014/13.
No entanto, o imposto de renda paga por essa faixa de rendimento acima de 160 salários mínimos equivale apenas a 6,51% de sua renda total. A faixa entre 20 e 40 salários mínimos (com renda anual per capita de R$ 226.273,37) é a que paga percentual maior: 11,96%.
Em conclusão, Imposto sobre Herança e/ou Doação os demais grandes países emergentes do BRIC não cobram, incentivando a fuga caso o Brasil eleve suas alíquotas. Imposto sobre Grandes Fortunas quase nenhum país cobra, devido ao mesmo risco de fuga de capitais. Porém, isenção sobre lucros e dividendos pagos por Pessoa Jurídica para Pessoa Física, só a Estônia, além do Brasil, concede! Cerca de 51 mil daqueles 71 mil super-ricos recebem essa isenção. Esta casta de comerciantes-financistas deveria dar sua contribuição ao ajuste fiscal.
O fim dessa isenção evitaria a ressurreição da CPMF. Esta, de fato, representa aumento da carga tributária. Mas, devido a seus poucos defeitos – cumulatividade e regressividade – as castas dos sábios e comerciantes-financistas usam a ignorância econômica das outras castas como massa-de-manobra, escondendo as maiores virtudes desse “imposto do cheque”: fácil arrecadação e difícil sonegação; tributa o setor informal; combate a sonegação de outros impostos pelo cruzamento de dados de movimentações financeiras; permite a arrecadação independentemente de ciclo econômico. Com alíquota de 0,38%, as receitas com a CPMF, antes de 2007, eram praticamente constantes, em torno de 1,3% do PIB ao ano. Esse montante arrecadado hoje seria o suficiente para o cobrir o déficit orçamentário.
Fernando Nogueira da Costa é Professor Titular do IE-UNICAMP eautor do livro “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/
Fernando Nogueira da Costa
Estratificação, em Sociologia, é o processo de diferenciação das diversas camadas sociais que compõem uma sociedade, agrupadas a partir de suas relações e dos valores culturais, o que vem a constituir sua separação em classes, estados ou castas. É também a operação que, em uma sondagem estatística, consiste em distribuir previamente por estratos determinado conjunto que se quer estudar.
Se quisermos entender o Poder, inclusive o econômico, precisamos compreender de que modo os membros das redes de Poder pensam e agem, e porque seus valores podem ter uma atração mais ampla, para além do seu próprio grupo, com o predomínio cultural chamado de hegemonia.
Tenho achado o conceito de castas mais útil para entender a estratificação social brasileira. Ele é mais abrangente do que classe, segmentando os vários tipos de grupos funcionais, desde os burocratas e sacerdotes até os capitalistas e trabalhadores – pária é o indiano não pertencente a qualquer casta, considerado impuro e desprezível pela tradição cultural hinduísta. Casta inclui a perspectiva cultural, além dos interesses econômicos.
As castas são, portanto, membros de diversas redes e instituições de poder, cada uma apresentando sua própria cultura e incentivando determinado estilo de vida. Elas tendem a dar a seus integrantes determinadas atitudes para com
a autoridade, a organização e a política. Permitem ilustrar melhor a complexidade social da História da Humanidade do que o simplista modelo dicotômico – tipo “nós” (pobres) contra “eles” (ricos) – da visão marxista do século XIX.
Como tipos ideais, as castas são úteis para mostrar como nossas ocupações se relacionam com nossos valores. A profissão e a experiência de trabalho são fundamentais para a formação das atitudes políticas, porém, outros atributos da pessoa também importam.
Evidentemente, não há uma correlação direta entre os valores pessoais e a posição da pessoa na estrutura do poder político ou econômico. Pode-se ser rico sem ser conservador ou reacionário. Nem todo pobre é revoltado ou rebelde. A lógica de ação religiosa pode torná-lo conformista ou submisso. Aliás, islā significa resignação ou submissão (a Deus).
É possível relacionar ordens morais e o esquema das castas. A visão de mercado (competitividade, empreendedorismo) é típica do comerciante; a industrial (especialização, educação), do sábio-tecnocrata; a inspirada, do sábio-pregador; a familiar (respeito), do aristocrata paternalista; a de fama (glória, coragem, honra) relaciona-se com o guerreiro ou o esportista; a cívica-comunitária é adotada pelo trabalhador. Este costuma ter ceticismo quanto ao livre-mercado.
Na Era Neoliberal, a panaceia para os males do mundo era a economia de livre mercado. Mas o entusiasmo com a liberdade do mercado não durou muito tempo, logo se deparando com sua crise. Isso trouxe uma forte reação social contra o comerciante-financista. O social-desenvolvimentismo buscou instalar uma Era do Estado de Bem-Estar Social no Brasil, predominando um reformismo do capitalismo, com um papel menor para o guerreiro-militar e um maior para o comerciante e o trabalhador, todos sob a supervisão geral de sábios-tecnocratas.
Essas ordens sociais desmoronam quando seus governantes acreditam que estão fracassando – e, sob pressão, adotam profundas reformas. O fracasso de uma casta dominante, devido à crise econômica (quando não à guerra ou à revolução), provoca crise ideológica e mudanças no Poder.
Os grupos sociais, vistos como castas, não são só organismos que buscam o interesse próprio e a vantagem econômica. Também constituem encarnações de ideias e estilos de vida, que procuram impor aos demais. Seus domínios não são irrestritos, eles fracassam quando oferecem ordens menos inclusivas. Os sábios-tecnocratas trazem a burocratização ou a presunção arrogante típica dos especialistas. Os trabalhadores organizados e os especializados (artesãos com habilidade e criatividade) com excesso de espírito comunitário ou corporativista excluem “os de fora (da nomenclatura)”. Dessa forma, fracassam as alianças socialdemocratas.
Fracassam os mercadores (comerciantes-financistas) porque provocam a instabilidade econômica e a elevação das desigualdades. Quando os guerreiros são chamados, eles atiçam guerras intermináveis por honra e vingança.
***
Como eu resumo, em números, a estratificação social no Brasil? Em uma população economicamente ativa em torno de 100 milhões de pessoas, 9 milhões aplicam no mercado financeiro e recebem também renda do capital. É o mesmo número de pessoas (8.979.706) que tem formação universitária completa. Além dessas, 451.209 pessoas tem mestrado e 170.247 tem doutorado. Pelos cálculos da OCDE, um adulto com idade entre 25 e 64 anos que termina o Ensino Superior, no Brasil, receberá em média 157% mais renda do que quem só terminou o Ensino Médio. Essa média nos países da OCDE é de 57%.
Nos últimos 13 anos, a taxa de juros média real foi de 6,6% aa, cinco vezes maior do que o aumento anual do salário médio real, isto é, da renda do trabalho (1,3% aa). Reconhecendo esta dependência de trajetória em relação ao juro real médio de 0,5% am, os profissionais com Ensino Superior estabelecem sua estratégia de complementar a Previdência Social. Com investimento perseverante de 20% de sua renda mensal, em 360 meses (30 anos) eles já obtém renda do capital equivalente à renda do trabalho.
Se, a cada 10 anos, ele muda de faixa salarial (graduado com R$ 5.000, mestre com R$ 10.000 e doutor com R$ 15.000), devido à titulação (mestrado-doutorado) ou à experiência, fazendo aporte inicial com o acumulado na faixa anterior, com mais 18 anos ele terá acumulado para poder se aposentar com renda do capital similar à renda de trabalho dessa última faixa salarial.
Essa classe média se distingue da maioria da população brasileira em investimentos financeiros. Em março de 2015, 8.940.787 pessoas (descontando dupla contagem de CPFs) investiam em Fundos e Títulos e Valores Mobiliários (ações, títulos públicos e privados). A média de cada qual era de R$ 79.299,53.
Enquanto isso, eram cerca de 98 milhões de depositantes de poupança com a média individual de R$ 6.690,33. Deles, 87,4% do total de clientes (cerca de 85 milhões) tinham depósitos em média per capita de apenas R$ 481,79, ou seja, a caderneta de poupança tinha espécie de saldo de conta corrente sem pagar tarifas.
O top dos investidores Pessoas Físicas era constituído de 57.919 clientes de Private Banking. A média per capita de investimentos dessa casta era de – pasmem – R$ 11.507.492,23.
Os super-ricos no Brasil representam só 0,3% do total de contribuintes do IR ou 0,05% da PEA do país. Os 71.440 indivíduos que receberam no mínimo 160 salários mínimos (R$ 126.080,00) ao mês ou R$ 1,5 milhão no ano, obtiveram renda anual média, no ano-base de 2013, de R$ 4,170 milhões. Sem abater as dívidas, a média per capita de Bens e Direitos desta faixa mais rica atingiu R$ 17,7 milhões. O patrimônio líquido desse reduzido grupo equivale a 22,7% de toda a riqueza em bens e direitos no DIRPF 2014/13.
No entanto, o imposto de renda paga por essa faixa de rendimento acima de 160 salários mínimos equivale apenas a 6,51% de sua renda total. A faixa entre 20 e 40 salários mínimos (com renda anual per capita de R$ 226.273,37) é a que paga percentual maior: 11,96%.
Em conclusão, Imposto sobre Herança e/ou Doação os demais grandes países emergentes do BRIC não cobram, incentivando a fuga caso o Brasil eleve suas alíquotas. Imposto sobre Grandes Fortunas quase nenhum país cobra, devido ao mesmo risco de fuga de capitais. Porém, isenção sobre lucros e dividendos pagos por Pessoa Jurídica para Pessoa Física, só a Estônia, além do Brasil, concede! Cerca de 51 mil daqueles 71 mil super-ricos recebem essa isenção. Esta casta de comerciantes-financistas deveria dar sua contribuição ao ajuste fiscal.
O fim dessa isenção evitaria a ressurreição da CPMF. Esta, de fato, representa aumento da carga tributária. Mas, devido a seus poucos defeitos – cumulatividade e regressividade – as castas dos sábios e comerciantes-financistas usam a ignorância econômica das outras castas como massa-de-manobra, escondendo as maiores virtudes desse “imposto do cheque”: fácil arrecadação e difícil sonegação; tributa o setor informal; combate a sonegação de outros impostos pelo cruzamento de dados de movimentações financeiras; permite a arrecadação independentemente de ciclo econômico. Com alíquota de 0,38%, as receitas com a CPMF, antes de 2007, eram praticamente constantes, em torno de 1,3% do PIB ao ano. Esse montante arrecadado hoje seria o suficiente para o cobrir o déficit orçamentário.
Fernando Nogueira da Costa é Professor Titular do IE-UNICAMP eautor do livro “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/
terça-feira, setembro 22, 2015
Os 28 bancos que controlam o dinheiro do mundo
http://outraspalavras.net/capa/os-28-bancos-que-controlam-o-dinheiro-do-mundo/
Livro aponta: oligarquia financeira subjugou bancos centrais, transferiu a Estados dívidas tóxicas e está prestes a provocar crise global ainda mais grave
François Morin, entrevistado por Vittorio De Filippis
A transferência, para os Estados, das dívidas privadas tóxicas de 28 grandes bancos “sistêmicos”, durante a última crise financeira, explica as políticas de austeridade praticas na Europa.
Francesas, europeias ou norte-americanas, todas as autoridades bancárias asseguram: se o mundo viver uma nova crise financeira, comparável à de 2007-08, nem os Estados, nem os contribuintes vão pagar as consequências. É possível acreditar?
O economista François Morin, professor emérito da Universidade de Toulouse e membro do conselho do Banco Central francês, tem uma resposta categórica: não. Em L’Hydre Mondial [A Hidra mundial], um livro publicado em maio, e no qual ele menciona dados inéditos, Morin mostra como 28 bancos de porte mundial constituem um oligopólio totalmente distanciado do interesse público.
Para colocar os cidadãos a salvo de desastres financeiros futuros, o autor considera que é necessário destruir estes bancos, que ele compara a uma hidra, e resgatar a moeda para a esfera pública. Eis sua entrevista:
Como um punhado de bancos tomou a forma de uma hidra mundial?
O processo é perfeitamente claro. Depois da liberalização da esfera financeira iniciada nos anos 1970 (taxas de câmbio e de juros definidas pelo mercado e não mais pelos Estados, e liberalização de movimento do capital), os mercados monetários e financeiros tornaram-se globais em meados dos anos 1990. Os maiores bancos tiveram então de adaptar a sua dimensão a esse novo espaço de intercâmbio, por meio de fusões e reestruturações. Reuniram-se as condições para o surgimento de um oligopólio em escala global. O processo assumiu rapidamente escala internacional e tornou-se gigantesco: o balanço total dos 28 bancos do oligopólio (50,341 trilhões de dólares) é superior, em 2012, à dívida pública global (48,957 trilhões de dólares)
Desde 2012, descobriu-se também que esses bancos muito grandes se entenderam entre si de forma fraudulenta a partir de meados dos anos 2000. A partir desse momento, esse oligopólio transformou-se numa hidra devastadora para a economia mundial.
Em que esses bancos são sistêmicos?
Estes 28 bancos foram declarados, acertadamente, “sistêmicos” pela reunião do G20 de Cannes, em 2011. A análise das causas da crise financeira da crise iniciada em 2007-2008 não podia deixar pairar qualquer dúvida sobre a responsabilidade desses bancos no desencadeamento do processo. Estão em causa os produtos financeiros “derivativos”, que espalharam-se na época e ainda continuam a ser difundidos em todo o mundo. Lembremo-nos de que estes derivativos são produtos que visam oferecer garantias a seus possuidores, em caso de dificuldades econômicas – e alguns deles têm caráter muito especulativo. Sua conversão em dinheiro pode tornar-se catastrófica, em caso de uma crise. No entanto, apenas 14 bancos com importância sistêmica “fabricam” estes produtos, cujo valor imaginário (o montante dos valores segurados) chega a 710 trilhões de dólares — ou seja, mais de 10 vezes o PIB mundial!
E você afirma que eles praticam acordos fraudulentos?
Múltiplas análises demonstraram que esses bancos ocupam posições dominantes sobre vários grandes mercados (de câmbio, de títulos de dívida e de produtos derivados). É característico de um oligopólio. Mas desde 2012, as autoridades judiciais dos Estados Unidos, britânicas e a Comissão Europeia aumentaram investigações e multas que demostram que muitos desses bancos – sobretudo onze entre eles (Bank of America, BNP-Paribas, Barclays, Citigroup, Crédit Suisse, Deutsche Bank, Goldman Sachs, HSBC, JP Morgan Chase, Royal Bank of Scotland, UBS) – montaram sistematicamente “acordos organizado em bandas”. A imposição de multas de muitos bilhões de dólares, contra a manipulação do mercado de câmbio ou da Libor [taxa de referência para juros interbancários, estabelecida em Londres], demonstra que esta prática existe.
O mundo está sentado sobre uma montanha de bombas-relógio financeiras montadas unicamente por este punhado de bancos?
Há várias evidências de muitas bolhas financeiras que podem estourar a qualquer momento. As bolha do mercado de ações só pode ser explicada pelas enormes injeções de liquidez, por parte dos bancos centrais. Mas, acima de tudo, há a bolha da dívida pública que atingiu todas as grandes economias. As dívidas privadas tóxicas do oligopólio bancário foram maciçamente transferidas para os Estados, na última crise financeira. Este superendividamento público, devido exclusivamente à crise e a esses bancos, explica as políticas de “rigor” e “austeridade” praticadas em cada vez mais países. Este superendividamento é a ameaça principal, como se vê na Grécia.
Regulação de derivativos – inclusive de crédito –, luta contra o “sistema bancário da sombra”, reforço dos fundos próprios, separação entre bancos de depósito e de investimento… não se pode dizer que nada foi feito para estabelecer algum controle sobre os bancos.
Vamos olhar mais de perto. O “sistema bancário sombra”, ou seja, o sistema financeiro não regulamentado, não pare de crescer – notadamente através do oligopólio bancário – para escapar das normas de supervisão e, em primeiro lugar, para negociar com derivativos. O reforço de capital próprio dos maiores bancos foi ridiculamente baixo. E em nenhuma legislação em vigor há uma verdadeira separação “patrimonial” das atividades bancárias. Em suma, o lobby bancário, muito organizado em escala internacional, tem sido eficaz, e o oligopólio pode continuar na mesma lógica financeira deletéria que praticava antes da crise.
Como os Estados tornaram-se reféns do oligopólio sistêmico que são os bancos?
Depois dos anos 1970, os Estados perderam toda a soberania monetária. Eles são responsáveis. A moeda agora é criada pelos bancos, na proporção de cerca de 90%, e pelos bancos centrais (em muitos países, independentes dos Estados) para os restantes 10%. Além disso, a gestão da moeda, através de seus dois preços fundamentais (as taxas de câmbio e taxas de juros) está inteiramente nas mãos do oligopólio bancário, que tem todas as condições para manipulá-los. Assim, os grandes bancos têm nas mãos as condições monetárias para o financiamento dos investimentos, mas sobretudo do para o financiamento dos déficits públicos. Os Estados não são apenas disciplinados pelos mercados, mas sobretudo reféns da hidra mundial.
Há portanto uma relação quase destrutiva desses bancos com relação aos Estados
Essa relação é, de fato, devastadora. Nossas democracias esvaziam-se progressivamente, em razão da redução (ou da ausência) de margem de manobra para a ação pública. Além disso, o oligopólio bancário deseja instrumentalizar os poderes dos Estados, para evitar eventuais regulações financeiras, ou limitar o peso das multas às quais deve fazer face quando é pego com a boca na botija. Quer evitar especialmente processos de repercussão pública.
Mas os bancos não permitem aos Estados financiar os déficits orçamentários?
Não devemos esperar que os bancos privados defendam interesses sociais! Os bancos veem primeiro os seus lucros, que eles podem realizar por meio de suas atividades financeiras particulares, ou de suas atividades especulativas. Seus gestores olham para os Estados como para qualquer outro ator econômico endividado. Medem os riscos e a rentabilidade de um investimento financeiro. As dívidas do Estado são vistas por eles como um ativo financeiro, tal como qualquer outro – que se compra ou se vende, e sobre o qual é igualmente permitido especular.
Na mitologia grega, Hércules é o encarregado deve matar a hidra. E em nosso mundo: onde está o Hércules capaz de matar a hidra bancária mundial?
Sobre isso, não há dúvidas. Nosso Hércules de amanhã será um ator coletivo, uma futura comunidade internacional, de legitimidade democrática incontestável, libertada de seus dogmas neoliberais, e suficientemente consciente de seus interesses de longo prazo para organizar o financiamento da atividade econômica mundial. Dito de outra forma, um ser ainda imaginário! Um primeiro passo seria dado, contudo, se um novo Bretton Woods fosse convocado para criar uma moeda comum em escala internacional, e não apenas no contexto das soberanias monetárias nacionais restauradas.
Você aposta na inteligência política?
Sim, certamente! Mas, sobretudo, aposto na inteligência dos cidadãos do nosso planeta. As redes sociais podem ser instrumentos formidáveis para criar esta inteligência política, de que temos extrema necessidade hoje.
Estariamos caminhando para um desastre de escala sem precedentes?
Ele está diante de nós. Todas as condições estão maduras para um novo terremoto financeiro ocorrer, quando os Estados estão exangues. Ele será ainda mais grave do que o precedente. Ninguém pode desejá-lo, porque seus efeitos econômicos e financeiros serão desastrosos e suas consequências políticas e sociais podem ser dramáticas. Podemos vê-los na Grécia. Urgência democrática e lucidez política tornaram-se indispensáveis e urgentes.
Os bancos estão todos podres? As finanças, necessariamente perversas?
Quando um oligopólio superpoderoso administra o dinheiro como um bem privado, não podemos ser surpreendidos pela lógica financeira que resulta daí. Os bancos buscam metas de lucro, com a tentação recorrente, entre os maiores, de fazer acordos oligopolistas. A hidra bancária nasceu há cerca de dez anos, e já tomou conta de todo o planeta. O confronto de poderes, entre bancos avassaladores e poderes políticos enfraquecidos, parece agora inevitável. Um resultado positivo desta luta – a priori desigual – só pode ocorrer por meio mobilização de cidadãos que estejam plenamente conscientes do que está em jogo.
Livro aponta: oligarquia financeira subjugou bancos centrais, transferiu a Estados dívidas tóxicas e está prestes a provocar crise global ainda mais grave
François Morin, entrevistado por Vittorio De Filippis
A transferência, para os Estados, das dívidas privadas tóxicas de 28 grandes bancos “sistêmicos”, durante a última crise financeira, explica as políticas de austeridade praticas na Europa.
Francesas, europeias ou norte-americanas, todas as autoridades bancárias asseguram: se o mundo viver uma nova crise financeira, comparável à de 2007-08, nem os Estados, nem os contribuintes vão pagar as consequências. É possível acreditar?
O economista François Morin, professor emérito da Universidade de Toulouse e membro do conselho do Banco Central francês, tem uma resposta categórica: não. Em L’Hydre Mondial [A Hidra mundial], um livro publicado em maio, e no qual ele menciona dados inéditos, Morin mostra como 28 bancos de porte mundial constituem um oligopólio totalmente distanciado do interesse público.
Para colocar os cidadãos a salvo de desastres financeiros futuros, o autor considera que é necessário destruir estes bancos, que ele compara a uma hidra, e resgatar a moeda para a esfera pública. Eis sua entrevista:
Como um punhado de bancos tomou a forma de uma hidra mundial?
O processo é perfeitamente claro. Depois da liberalização da esfera financeira iniciada nos anos 1970 (taxas de câmbio e de juros definidas pelo mercado e não mais pelos Estados, e liberalização de movimento do capital), os mercados monetários e financeiros tornaram-se globais em meados dos anos 1990. Os maiores bancos tiveram então de adaptar a sua dimensão a esse novo espaço de intercâmbio, por meio de fusões e reestruturações. Reuniram-se as condições para o surgimento de um oligopólio em escala global. O processo assumiu rapidamente escala internacional e tornou-se gigantesco: o balanço total dos 28 bancos do oligopólio (50,341 trilhões de dólares) é superior, em 2012, à dívida pública global (48,957 trilhões de dólares)
Desde 2012, descobriu-se também que esses bancos muito grandes se entenderam entre si de forma fraudulenta a partir de meados dos anos 2000. A partir desse momento, esse oligopólio transformou-se numa hidra devastadora para a economia mundial.
Em que esses bancos são sistêmicos?
Estes 28 bancos foram declarados, acertadamente, “sistêmicos” pela reunião do G20 de Cannes, em 2011. A análise das causas da crise financeira da crise iniciada em 2007-2008 não podia deixar pairar qualquer dúvida sobre a responsabilidade desses bancos no desencadeamento do processo. Estão em causa os produtos financeiros “derivativos”, que espalharam-se na época e ainda continuam a ser difundidos em todo o mundo. Lembremo-nos de que estes derivativos são produtos que visam oferecer garantias a seus possuidores, em caso de dificuldades econômicas – e alguns deles têm caráter muito especulativo. Sua conversão em dinheiro pode tornar-se catastrófica, em caso de uma crise. No entanto, apenas 14 bancos com importância sistêmica “fabricam” estes produtos, cujo valor imaginário (o montante dos valores segurados) chega a 710 trilhões de dólares — ou seja, mais de 10 vezes o PIB mundial!
E você afirma que eles praticam acordos fraudulentos?
Múltiplas análises demonstraram que esses bancos ocupam posições dominantes sobre vários grandes mercados (de câmbio, de títulos de dívida e de produtos derivados). É característico de um oligopólio. Mas desde 2012, as autoridades judiciais dos Estados Unidos, britânicas e a Comissão Europeia aumentaram investigações e multas que demostram que muitos desses bancos – sobretudo onze entre eles (Bank of America, BNP-Paribas, Barclays, Citigroup, Crédit Suisse, Deutsche Bank, Goldman Sachs, HSBC, JP Morgan Chase, Royal Bank of Scotland, UBS) – montaram sistematicamente “acordos organizado em bandas”. A imposição de multas de muitos bilhões de dólares, contra a manipulação do mercado de câmbio ou da Libor [taxa de referência para juros interbancários, estabelecida em Londres], demonstra que esta prática existe.
O mundo está sentado sobre uma montanha de bombas-relógio financeiras montadas unicamente por este punhado de bancos?
Há várias evidências de muitas bolhas financeiras que podem estourar a qualquer momento. As bolha do mercado de ações só pode ser explicada pelas enormes injeções de liquidez, por parte dos bancos centrais. Mas, acima de tudo, há a bolha da dívida pública que atingiu todas as grandes economias. As dívidas privadas tóxicas do oligopólio bancário foram maciçamente transferidas para os Estados, na última crise financeira. Este superendividamento público, devido exclusivamente à crise e a esses bancos, explica as políticas de “rigor” e “austeridade” praticadas em cada vez mais países. Este superendividamento é a ameaça principal, como se vê na Grécia.
Regulação de derivativos – inclusive de crédito –, luta contra o “sistema bancário da sombra”, reforço dos fundos próprios, separação entre bancos de depósito e de investimento… não se pode dizer que nada foi feito para estabelecer algum controle sobre os bancos.
Vamos olhar mais de perto. O “sistema bancário sombra”, ou seja, o sistema financeiro não regulamentado, não pare de crescer – notadamente através do oligopólio bancário – para escapar das normas de supervisão e, em primeiro lugar, para negociar com derivativos. O reforço de capital próprio dos maiores bancos foi ridiculamente baixo. E em nenhuma legislação em vigor há uma verdadeira separação “patrimonial” das atividades bancárias. Em suma, o lobby bancário, muito organizado em escala internacional, tem sido eficaz, e o oligopólio pode continuar na mesma lógica financeira deletéria que praticava antes da crise.
Como os Estados tornaram-se reféns do oligopólio sistêmico que são os bancos?
Depois dos anos 1970, os Estados perderam toda a soberania monetária. Eles são responsáveis. A moeda agora é criada pelos bancos, na proporção de cerca de 90%, e pelos bancos centrais (em muitos países, independentes dos Estados) para os restantes 10%. Além disso, a gestão da moeda, através de seus dois preços fundamentais (as taxas de câmbio e taxas de juros) está inteiramente nas mãos do oligopólio bancário, que tem todas as condições para manipulá-los. Assim, os grandes bancos têm nas mãos as condições monetárias para o financiamento dos investimentos, mas sobretudo do para o financiamento dos déficits públicos. Os Estados não são apenas disciplinados pelos mercados, mas sobretudo reféns da hidra mundial.
Há portanto uma relação quase destrutiva desses bancos com relação aos Estados
Essa relação é, de fato, devastadora. Nossas democracias esvaziam-se progressivamente, em razão da redução (ou da ausência) de margem de manobra para a ação pública. Além disso, o oligopólio bancário deseja instrumentalizar os poderes dos Estados, para evitar eventuais regulações financeiras, ou limitar o peso das multas às quais deve fazer face quando é pego com a boca na botija. Quer evitar especialmente processos de repercussão pública.
Mas os bancos não permitem aos Estados financiar os déficits orçamentários?
Não devemos esperar que os bancos privados defendam interesses sociais! Os bancos veem primeiro os seus lucros, que eles podem realizar por meio de suas atividades financeiras particulares, ou de suas atividades especulativas. Seus gestores olham para os Estados como para qualquer outro ator econômico endividado. Medem os riscos e a rentabilidade de um investimento financeiro. As dívidas do Estado são vistas por eles como um ativo financeiro, tal como qualquer outro – que se compra ou se vende, e sobre o qual é igualmente permitido especular.
Na mitologia grega, Hércules é o encarregado deve matar a hidra. E em nosso mundo: onde está o Hércules capaz de matar a hidra bancária mundial?
Sobre isso, não há dúvidas. Nosso Hércules de amanhã será um ator coletivo, uma futura comunidade internacional, de legitimidade democrática incontestável, libertada de seus dogmas neoliberais, e suficientemente consciente de seus interesses de longo prazo para organizar o financiamento da atividade econômica mundial. Dito de outra forma, um ser ainda imaginário! Um primeiro passo seria dado, contudo, se um novo Bretton Woods fosse convocado para criar uma moeda comum em escala internacional, e não apenas no contexto das soberanias monetárias nacionais restauradas.
Você aposta na inteligência política?
Sim, certamente! Mas, sobretudo, aposto na inteligência dos cidadãos do nosso planeta. As redes sociais podem ser instrumentos formidáveis para criar esta inteligência política, de que temos extrema necessidade hoje.
Estariamos caminhando para um desastre de escala sem precedentes?
Ele está diante de nós. Todas as condições estão maduras para um novo terremoto financeiro ocorrer, quando os Estados estão exangues. Ele será ainda mais grave do que o precedente. Ninguém pode desejá-lo, porque seus efeitos econômicos e financeiros serão desastrosos e suas consequências políticas e sociais podem ser dramáticas. Podemos vê-los na Grécia. Urgência democrática e lucidez política tornaram-se indispensáveis e urgentes.
Os bancos estão todos podres? As finanças, necessariamente perversas?
Quando um oligopólio superpoderoso administra o dinheiro como um bem privado, não podemos ser surpreendidos pela lógica financeira que resulta daí. Os bancos buscam metas de lucro, com a tentação recorrente, entre os maiores, de fazer acordos oligopolistas. A hidra bancária nasceu há cerca de dez anos, e já tomou conta de todo o planeta. O confronto de poderes, entre bancos avassaladores e poderes políticos enfraquecidos, parece agora inevitável. Um resultado positivo desta luta – a priori desigual – só pode ocorrer por meio mobilização de cidadãos que estejam plenamente conscientes do que está em jogo.
Investimentos e conspirações
O Banco Central divulgou hoje os números do setor externo da economia brasileira.
Miguel do Rosário - O Cafezinho
http://www.ocafezinho.com/2015/09/22/investimentos-e-conspiracoes/#more-32004
A entrada de investimentos diretos no país - que até pouco tempo atrás eram denominados de investimentos estrangeiros diretos - cresceu US$ 5,2 bilhões em agosto, totalizando US$ 73,6 bilhões em agosto.
Houve recuo no mês em relação ao ano passado, quando entrou aqui US$ 10 bilhões, mas é uma queda que aconteceu no mundo inteiro.
A crise política também deve ter contribuído. Diante da perspectiva de um golpe de Estado com consequências imprevisíveis, compreende-se que os investidores puxem o freio.
Mesmo assim, o número mantém o Brasil na lista dos cinco ou seis países que mais recebem investimentos diretos internacionais no mundo.
São várias as metodologias para se calcular o investimento estrangeiro em um país.
Por exemplo, a metodologia do Banco Mundial, com dados atualizados até o ano de 2014, põe o Brasil como o terceiro maior recebedor de investimentos diretos em 2014, atrás apenas de Luxemburgo e China. À frente inclusive dos Estados Unidos.
Totalmente o oposto do que é vendido por nossa imprensa.
Repare que os investimentos para os EUA caíram fortemente em 2014, empatando com os do Brasil, que vem crescendo de maneira bastante vigorosa nos últimos anos.
Data from World Bank
***
Há uma outra metologia, porém, usada pelo jornal Financial Times, que separa apenas o que eles chamam de "capital expenditure on greenfield investment projects", ou seja, dinheiro investido em novos projetos. Este conceito refere-se somente ao investimento em novas fábricas, novas instalações, etc.
O Financial Times tem feito matérias bastante negativas sobre o Brasil, usando este conceito. A última foi do dia 14 de setembro, sobre a forte queda nos investimentos diretos em "novos projetos" na maioria dos emergentes, com exceções brilhantes para Índia, Indonésia, e meia dúzia de outros.
Os investimentos estrangeiros em novos projetos no Brasil caíram 65% na primeira metade de 2015, segundo o Financial Times, somando US$ 4,66 bilhões.
Foi uma queda braba, porém, similar ao sofrido por alguns xodós das finanças mundiais, como Coréia do Sul, Peru e Panamá, cujos investimentos novos caíram, respectivamente: 64%, 84% e 91%.
*
Voltando ao Banco Central, o relatório Focus, que apura a opinião de agentes privados, estima que o ano fechará com investimentos diretos em torno de US$ 65 bilhões, o que seria uma queda forte sobre os quase US$ 97 bilhões registrados em 2014.
Por curiosidade, eu peguei uma das tabelas divulgadas pelo Banco Central hoje, editei e incluí alguns percentuais. Ela traz o fluxo líquido de investimento direto, menos os lucros reinvestidos, de maneira que nos aproximamos do conceito de investimentos em "projetos novos" apurado pelo Financial Times.
A lista por país traz alguns dados interessantes. Em primeiro lugar, nota-se a ausência da China. A China investiu no Brasil US$ 723 milhões em agosto de 2014, e apenas US$ 21 milhões em agosto deste ano. No acumulado de janeiro a agosto, os investimentos chineses caíram de US$ 923 milhões para US$ 170 milhões, uma queda de 82%.
Esses números nos fazem lembrar da visita do presidente chinês ao Brasil, há poucos meses, e sua promessa de investir mais de US$ 60 bilhões no país, incluindo a ferrovia bioceânica. Esse é um projeto que tem de ser defendido politicamente, porque, se depender da nossa mídia, ele será sabotado, como já está sendo.
Outro dado interessante da lista é o investimento dos EUA no Brasil, o qual, na contramão da maioria dos outros países, manteve-se estável em agosto. O Tio Sam continua apostando pesado no Brasil, talvez por intuir que, caso haja uma ruptura política, a balança penderá mais para seu lado, beneficiando ainda mais os seus negócios.
A China pode ter entendido que, diante de um possível impeachment da presidenta, o dragão asiático tenha farejado uma mudança de clima político que não lhe favorecerá.
Um analista mais paranoico poderia até ver nesses números um indício de participação dos EUA nas conspirações em curso para derrubar o governo nacionalista.
Outro dado um pouco estranho foi o aumento de 11 mil por cento dos "investimentos" oriundos das Ilhas Cayman em agosto. Saíram de 4 milhões em agosto de 2014 para 485 milhões de dólares no mesmo mês deste ano. Dá para bancar alguns milhares de Lulas infláveis e outras gracinhas...
Espaço Público aborda o sistema tributário no Brasil
Por Espaço Público Fonte:TV Brasil
O Espaço Público desta semana discutiu a estrutura tributária do país. O programa recebeu os economistas e pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair. Eles analisam como a tributação atinge de maneira diferenciada pessoas e países de todo o mundo.
Sobre o Brasil estar entre os países que mais sonegam impostos Rodrigo Orair declara: “Em parte eu acho que isso não tem a ver só com a cultura do brasileiro, mas sim pela complexidade do nosso sistema, cheio de imposto, cheio de complexidade. Ninguém sabe nem declarar imposto. Imagina uma pequena empresa declarando, tendo um sistema extremamente complexo, 27 legislações diferentes, ICMS, etc... Agora, o que você faz? Simplifica, tenta unificar, tenta discutir com a sociedade”.
Já Sérgio Gobetti comenta a miopia social e as críticas em relação ao Bolsa Família. “O Bolsa Família não representa nem 7% do conjunto de benefícios sociais que o governo federal paga, que são em torno de 500 bilhões de reais por ano. Grande parte dessa queixa é baseada em setores da classe média. (..) O descontentamento desses setores se canalizam nesse sentido: tô pagando imposto para sustentar o bolsa família , o nordestino. No entanto, ele não se indigna com situações como essa que a gente revela: o cidadão de classe média alta está pagando em média 11,5% da sua renda sob forma de imposto de renda. E o cara lá do “andar de cima”, super rico está pagando apenas 6%. Se indigne contra isso! Se indigne contra todas as outras injustiças que a gente tem no nosso país, não só no sistema tributário, mas no nosso sistema fiscal. Nós canalizamos cerca de 400 bilhões para juros. É engraçado que as pessoas se indignem contra 30 bilhões do Bolsa família e não se indignem contra esses outros mecanismos de renda ou de privilégios que beneficiam os mais ricos”.
Obs: EeP
Essa matéria pode ser assistida no link http://www.ebc.com.br/noticias/economia/2015/09/espaco-publico-aborda-o-sistema-tributario-no-brasil
Vale a pena, está muito boa
O Espaço Público desta semana discutiu a estrutura tributária do país. O programa recebeu os economistas e pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair. Eles analisam como a tributação atinge de maneira diferenciada pessoas e países de todo o mundo.
Sobre o Brasil estar entre os países que mais sonegam impostos Rodrigo Orair declara: “Em parte eu acho que isso não tem a ver só com a cultura do brasileiro, mas sim pela complexidade do nosso sistema, cheio de imposto, cheio de complexidade. Ninguém sabe nem declarar imposto. Imagina uma pequena empresa declarando, tendo um sistema extremamente complexo, 27 legislações diferentes, ICMS, etc... Agora, o que você faz? Simplifica, tenta unificar, tenta discutir com a sociedade”.
Já Sérgio Gobetti comenta a miopia social e as críticas em relação ao Bolsa Família. “O Bolsa Família não representa nem 7% do conjunto de benefícios sociais que o governo federal paga, que são em torno de 500 bilhões de reais por ano. Grande parte dessa queixa é baseada em setores da classe média. (..) O descontentamento desses setores se canalizam nesse sentido: tô pagando imposto para sustentar o bolsa família , o nordestino. No entanto, ele não se indigna com situações como essa que a gente revela: o cidadão de classe média alta está pagando em média 11,5% da sua renda sob forma de imposto de renda. E o cara lá do “andar de cima”, super rico está pagando apenas 6%. Se indigne contra isso! Se indigne contra todas as outras injustiças que a gente tem no nosso país, não só no sistema tributário, mas no nosso sistema fiscal. Nós canalizamos cerca de 400 bilhões para juros. É engraçado que as pessoas se indignem contra 30 bilhões do Bolsa família e não se indignem contra esses outros mecanismos de renda ou de privilégios que beneficiam os mais ricos”.
Obs: EeP
Essa matéria pode ser assistida no link http://www.ebc.com.br/noticias/economia/2015/09/espaco-publico-aborda-o-sistema-tributario-no-brasil
Vale a pena, está muito boa
Uma fortuna de 200 bilhões protegida do IR da pessoa física
Lei de 1995 beneficia 71 mil brasileiros ricos que não pagam imposto de renda. Fim da isenção renderia meio ajuste fiscal
Carta Capital
por André Barrocal
O leão do imposto de renda mia feito gato com os ricos, como atestam dados recém-divulgados pela própria Receita Federal. Os maiores milionários a prestar contas ao fisco, um grupo de 71.440 brasileiros, ganharam em 2013 quase 200 bilhões de reais sem pagar nada de imposto de renda de pessoa física (IRPF). Foram recursos recebidos por eles sobretudo como lucros e dividendos das empresas das quais são donos ou sócios, tipo de rendimento isento de cobrança de IRPF no Brasil.
Caso a bolada fosse taxada com a alíquota máxima de IRPF aplicada ao contracheque de qualquer assalariado, de 27,5%, o País arrecadaria 50 bilhões de reais por ano, metade do fracassado ajuste fiscal arquitetado para 2015 pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Detalhe: os 27,5% são a menor alíquota máxima entre todos os 116 países que tiveram seus sistemas tributários pesquisados por uma consultoria, a KPMG.
A renda atualmente obtida pelos ricos sem mordidas do IRPF - 196 bilhões de reais em 2013, em números exatos – tornou-se protegida da taxação há 20 anos. No embalo do Consenso de Washington e do neoliberalismo do recém-empossado presidente Fernando Henrique Cardoso, o governo aprovou em 1995 uma lei instituindo a isenção.
O paraíso fiscal foi criado sob duas alegações. Primeira: as empresas responsáveis por distribuir lucros e dividendos aos donos e sócios já pagam IR como pessoa jurídica. Segunda: com mais dinheiro no bolso, os ricos gastariam e investiriam mais, com vantagens para toda a economia. Argumentos com cheiro de jabuticaba, sendo que o segundo foi recentemente derrubado pelo Fundo Monetário Internacional em um relatório sobre o qual pouco se falou no Brasil. Na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), organismo a reunir 34 países desenvolvidos, só a Estônia dá a isenção.
“No Brasil, quem mais reclama são os que menos pagam impostos”, diz Marcio Pochmann, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “A Receita é uma mãe para os ricos, o Ministério da Fazenda é o Ministério social dos ricos.”
A boa vida garantida pelo fisco aos donos e sócios de empresas ajuda a explicar algo curioso. O Brasil tornou-se uma pátria de empresários nos últimos tempos. Possui mais gente nesta condição (7 milhões apresentaram-se assim na declaração de IR de 2014) do que a trabalhar como empregado do setor privado (6,5 milhões). É a famosa terceirização, com profissionais contratados na qualidade de PJ, não via CLT.
A transformação de trabalho em capital é um fenômeno mundial mas parece ainda mais “disseminada” e “impetuosa” por aqui, diz o economista José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas e autor do estudo Imposto de Renda e Distribuição de Renda e Riqueza no Brasil. Para ele, é urgente debater o assunto.
“O governo comemorava uma redução da concentração da renda mas só considerava a de salários e a declarada nas pesquisas censitárias”, afirma Afonso. “Se formos considerar também o declarado ao imposto de renda, se descobre que daquelas pesquisas escapam parcela crescente e majoritária das rendas de brasileiros de classe média e alta, que passaram a receber como pessoa jurídica.”
O fim da isenção de IPRF sobre lucros e dividendos, conta um ministro, era uma das medidas no bolso do colete de Dilma Rousseff para ajudar no ajuste fiscal. O problema, diz este ministro, é o provável boicote do Congresso contra qualquer tentativa de taxar mais o “andar de cima”. O Palácio do Planalto não quer comprar briga em vão.
Repleto de políticos ricos e devedores de gratidão a empresários financiadores de suas campanhas, o Congresso tem uma resistência histórica a corrigir as injustiças do sistema tributário brasileiro. A Constituição de 1988 previu, por exemplo, a cobrança de um imposto sobre grandes fortunas, mas até hoje a nação espera pela aprovação de uma lei a tirar a taxação do papel. FHC chegou a propor tal lei. Mas foi como senador, antes de chegar ao Planalto.
Vez ou outra, algum parlamentar anima-se a propor tal lei. No início do ano, foi a vez da deputada carioca Jandira Feghali, líder do PCdoB, com a preocupação de direcionar os recursos só para a saúde. Com seis mandatos seguidos, ela não se ilude com a chance de aprovação de ideias como esta ou a taxação de jatinhos e iates com IPVA, outra proposta dela. "Esse é um dos Congressos mais ricos e mais influenciáveis pelo poder econômico da nossa história”, diz.
Os dados recém-divulgados pela Receita Federal sobre o IRPF talvez possam ajudar a contornar tal resistência. Neste trabalho, o fisco separou os contribuintes em onze faixas de renda, variáveis de meio salário mínimo a 160 salários mínimos mensais. Em cada categoria, podem ser vistos o número de pessoas ao alcance do imposto de renda da pessoa física, seu patrimônio, renda, benesses e tributação efetiva. É a mais completa e detalhada compilação de dados já feita pelo leão.
Em 2014, houve 26,5 milhões de declarações de IRPF. Aquelas 71.440 pessoas com renda isenta de quase 200 bilhões de reais estão no topo da pirâmide, faixa de renda superior a 160 salários mínimos por mês. Juntas, elas detêm 22% do patrimônio e 14% da renda nacionais. É como se cada uma tivesse salário mensal de 341 mil reais e bens de 17,6 milhões. Apesar da riqueza, o IRPF pago por elas em 2013 somou míseros 6,3 bilhões de reais. Ou só 5,5% da arrecadação com IRPF.
Dados deste tipo são apresentados pelo economista francês Thomas Piketty no livro “O Capital no Século XXI", bíblia para os interessados em saber mais sobre a concentração de renda pelo planeta. O Brasil ficou de fora da obra justamente porque a Receita não tinha os dados de agora para fornecer antes. Espera-se que os acadêmicos possam estudá-los daqui para a frente.
Um dos interessados no tema é diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, André Calixtre. No fim ano passado, o economista concluiu um estudo chamado Nas Fronteiras da Desigualdade Brasileira, no qual sustentava que a distância entre ricos e pobres no País era bem maior em termos patrimoniais do que em termos de renda. E que esse padrão histórico havia se mantido apesar da distribuição de renda vista na década passada. O trabalho partia das declarações de bens entregues por candidatos a prefeito à Justiça Eleitoral em 2102.
Em uma primeira análise sobre os dados da Receita, Calixtre viu sua hipótese se confirmar. Entre 2007 e 2013, diz ele, o número de declarantes de IRPF a ganhar até cinco salários mínimos caiu de 54% para 50%, enquanto os que recebem acima de 20 mínimos permaneceu em 8,4%. Ao mesmo tempo, o estrato intermediário, a receber entre 5 e 20 mínimos mensais cresceu de 37,2% para 40,8%.
O rendimento tributável pela Receita detido por cada segmento sofreu a mesma alteração no período de 2007 a 2013. O pessoal de renda baixa morde agora uma fatia maior (de 20,9% para 21,9%), o pelotão do meio idem (de 44,2%para 47,8%), enquanto a turma do topo fica com um pouco menos (de 34,9% para 30,4%).
O problema, diz Calixtre, é que em termos patrimoniais praticamente nada mudou neste período de seis anos. As pessoas a receber até cinco salários mínimos ainda ficam com 14% do valor dos bens declarados aos fisco, aquelas situadas entre 5 e 20 têm os mesmos 27% e o andar de cima (mais de 20 mínimos) segue com 57%. “Democratizamos a renda, falta democratizar a propriedade privada no Brasil”, afirma.
*Matéria atualizada para correção de informações. A versão original da reportagem informava que os 71.440 mais ricos declarantes de imposto de renda detinham 29% do patrimônio e 22% da renda declarados. Os percentuais corretos são 22% e 14%, respectivamente.
Carta Capital
por André Barrocal
O leão do imposto de renda mia feito gato com os ricos, como atestam dados recém-divulgados pela própria Receita Federal. Os maiores milionários a prestar contas ao fisco, um grupo de 71.440 brasileiros, ganharam em 2013 quase 200 bilhões de reais sem pagar nada de imposto de renda de pessoa física (IRPF). Foram recursos recebidos por eles sobretudo como lucros e dividendos das empresas das quais são donos ou sócios, tipo de rendimento isento de cobrança de IRPF no Brasil.
Caso a bolada fosse taxada com a alíquota máxima de IRPF aplicada ao contracheque de qualquer assalariado, de 27,5%, o País arrecadaria 50 bilhões de reais por ano, metade do fracassado ajuste fiscal arquitetado para 2015 pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Detalhe: os 27,5% são a menor alíquota máxima entre todos os 116 países que tiveram seus sistemas tributários pesquisados por uma consultoria, a KPMG.
A renda atualmente obtida pelos ricos sem mordidas do IRPF - 196 bilhões de reais em 2013, em números exatos – tornou-se protegida da taxação há 20 anos. No embalo do Consenso de Washington e do neoliberalismo do recém-empossado presidente Fernando Henrique Cardoso, o governo aprovou em 1995 uma lei instituindo a isenção.
O paraíso fiscal foi criado sob duas alegações. Primeira: as empresas responsáveis por distribuir lucros e dividendos aos donos e sócios já pagam IR como pessoa jurídica. Segunda: com mais dinheiro no bolso, os ricos gastariam e investiriam mais, com vantagens para toda a economia. Argumentos com cheiro de jabuticaba, sendo que o segundo foi recentemente derrubado pelo Fundo Monetário Internacional em um relatório sobre o qual pouco se falou no Brasil. Na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), organismo a reunir 34 países desenvolvidos, só a Estônia dá a isenção.
“No Brasil, quem mais reclama são os que menos pagam impostos”, diz Marcio Pochmann, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “A Receita é uma mãe para os ricos, o Ministério da Fazenda é o Ministério social dos ricos.”
A boa vida garantida pelo fisco aos donos e sócios de empresas ajuda a explicar algo curioso. O Brasil tornou-se uma pátria de empresários nos últimos tempos. Possui mais gente nesta condição (7 milhões apresentaram-se assim na declaração de IR de 2014) do que a trabalhar como empregado do setor privado (6,5 milhões). É a famosa terceirização, com profissionais contratados na qualidade de PJ, não via CLT.
A transformação de trabalho em capital é um fenômeno mundial mas parece ainda mais “disseminada” e “impetuosa” por aqui, diz o economista José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas e autor do estudo Imposto de Renda e Distribuição de Renda e Riqueza no Brasil. Para ele, é urgente debater o assunto.
“O governo comemorava uma redução da concentração da renda mas só considerava a de salários e a declarada nas pesquisas censitárias”, afirma Afonso. “Se formos considerar também o declarado ao imposto de renda, se descobre que daquelas pesquisas escapam parcela crescente e majoritária das rendas de brasileiros de classe média e alta, que passaram a receber como pessoa jurídica.”
O fim da isenção de IPRF sobre lucros e dividendos, conta um ministro, era uma das medidas no bolso do colete de Dilma Rousseff para ajudar no ajuste fiscal. O problema, diz este ministro, é o provável boicote do Congresso contra qualquer tentativa de taxar mais o “andar de cima”. O Palácio do Planalto não quer comprar briga em vão.
Repleto de políticos ricos e devedores de gratidão a empresários financiadores de suas campanhas, o Congresso tem uma resistência histórica a corrigir as injustiças do sistema tributário brasileiro. A Constituição de 1988 previu, por exemplo, a cobrança de um imposto sobre grandes fortunas, mas até hoje a nação espera pela aprovação de uma lei a tirar a taxação do papel. FHC chegou a propor tal lei. Mas foi como senador, antes de chegar ao Planalto.
Vez ou outra, algum parlamentar anima-se a propor tal lei. No início do ano, foi a vez da deputada carioca Jandira Feghali, líder do PCdoB, com a preocupação de direcionar os recursos só para a saúde. Com seis mandatos seguidos, ela não se ilude com a chance de aprovação de ideias como esta ou a taxação de jatinhos e iates com IPVA, outra proposta dela. "Esse é um dos Congressos mais ricos e mais influenciáveis pelo poder econômico da nossa história”, diz.
Os dados recém-divulgados pela Receita Federal sobre o IRPF talvez possam ajudar a contornar tal resistência. Neste trabalho, o fisco separou os contribuintes em onze faixas de renda, variáveis de meio salário mínimo a 160 salários mínimos mensais. Em cada categoria, podem ser vistos o número de pessoas ao alcance do imposto de renda da pessoa física, seu patrimônio, renda, benesses e tributação efetiva. É a mais completa e detalhada compilação de dados já feita pelo leão.
Em 2014, houve 26,5 milhões de declarações de IRPF. Aquelas 71.440 pessoas com renda isenta de quase 200 bilhões de reais estão no topo da pirâmide, faixa de renda superior a 160 salários mínimos por mês. Juntas, elas detêm 22% do patrimônio e 14% da renda nacionais. É como se cada uma tivesse salário mensal de 341 mil reais e bens de 17,6 milhões. Apesar da riqueza, o IRPF pago por elas em 2013 somou míseros 6,3 bilhões de reais. Ou só 5,5% da arrecadação com IRPF.
Dados deste tipo são apresentados pelo economista francês Thomas Piketty no livro “O Capital no Século XXI", bíblia para os interessados em saber mais sobre a concentração de renda pelo planeta. O Brasil ficou de fora da obra justamente porque a Receita não tinha os dados de agora para fornecer antes. Espera-se que os acadêmicos possam estudá-los daqui para a frente.
Um dos interessados no tema é diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, André Calixtre. No fim ano passado, o economista concluiu um estudo chamado Nas Fronteiras da Desigualdade Brasileira, no qual sustentava que a distância entre ricos e pobres no País era bem maior em termos patrimoniais do que em termos de renda. E que esse padrão histórico havia se mantido apesar da distribuição de renda vista na década passada. O trabalho partia das declarações de bens entregues por candidatos a prefeito à Justiça Eleitoral em 2102.
Em uma primeira análise sobre os dados da Receita, Calixtre viu sua hipótese se confirmar. Entre 2007 e 2013, diz ele, o número de declarantes de IRPF a ganhar até cinco salários mínimos caiu de 54% para 50%, enquanto os que recebem acima de 20 mínimos permaneceu em 8,4%. Ao mesmo tempo, o estrato intermediário, a receber entre 5 e 20 mínimos mensais cresceu de 37,2% para 40,8%.
O rendimento tributável pela Receita detido por cada segmento sofreu a mesma alteração no período de 2007 a 2013. O pessoal de renda baixa morde agora uma fatia maior (de 20,9% para 21,9%), o pelotão do meio idem (de 44,2%para 47,8%), enquanto a turma do topo fica com um pouco menos (de 34,9% para 30,4%).
O problema, diz Calixtre, é que em termos patrimoniais praticamente nada mudou neste período de seis anos. As pessoas a receber até cinco salários mínimos ainda ficam com 14% do valor dos bens declarados aos fisco, aquelas situadas entre 5 e 20 têm os mesmos 27% e o andar de cima (mais de 20 mínimos) segue com 57%. “Democratizamos a renda, falta democratizar a propriedade privada no Brasil”, afirma.
*Matéria atualizada para correção de informações. A versão original da reportagem informava que os 71.440 mais ricos declarantes de imposto de renda detinham 29% do patrimônio e 22% da renda declarados. Os percentuais corretos são 22% e 14%, respectivamente.
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