“As “grandes potências” se protegem coletivamente, impedindo o surgimento de novos estados e economias líderes, através da monopolização das armas, da moeda e das finanças, da informação e da inovação tecnológica. Por isto, uma “potencia emergente” é sempre um fator de desestabilização e mudança do sistema mundial, porque sua ascensão ameaça o monopólio das potências estabelecidas”.
J.L.F. “História, Estratégia e Desenvolvimento. Para uma Geopolítica do Capitalismo”, Editora Boitempo, 2014, SP, p: 35 ( no prelo )
No Século XX, o Brasil deu um passo enorme e sofreu uma transformação profunda e irreversível, do ponto de vista econômico, sociológico e político. No início do século, era um país agrário, com um estado fraco e fragmentado, e com um poder econômico e militar muito inferior ao da Argentina. Hoje, na segunda década do século XXI, o Brasil é o país mais industrializado da América Latina, e a sétima maior economia do mundo; possui um estado centralizado e democrático, uma sociedade altamente urbanizada – ainda que desigual - e é o principal player internacional do continente sul-americano.
Além disso, é um dos países do mundo com maior potencial de crescimento pela frente, se tomarmos em conta seu território, sua população e sua dotação de recursos estratégicos, sobretudo se for capaz de combinar seu potencial exportador de commodities com a expansão sustentada do seu próprio parque industrial e tecnológico. Tudo isto são fatos e conquistas inquestionáveis, mas estes fatos e conquistas colocaram o Brasil frente a um novo elenco de desafios internacionais, e hoje, em particular, o país está enfrentando uma disjuntiva extremamente complexa.
José Luís Fiori
O Brasil é hoje um dos países do mundo com maior potencial de crescimento pela frente, se tomarmos em conta seu território, sua população e seus recursos.
As próprias dimensões que o Brasil adquiriu, e as decisões que tomou no passado recente, colocaram o país dentro do grupo dos estados e das economias nacionais que fazem parte do núcleo de poder do “caleidoscópio mundial”: um pequeno número de estados e economias nacionais que exercem - em maior ou menor grau - um efeito gravitacional sobre todo o sistema, e que são capazes, simultaneamente, de produzir um “rastro de crescimento” dentro de suas próprias regiões.
Queiram ou não queiram, estes países criam em torno de si “zonas de influência”, onde tem uma responsabilidade política maior que a dos seus vizinhos, enquanto são chamados a se posicionar sobre acontecimentos e situações longe de suas regiões, o que não acontecia antes de sua ascensão. Mas ao mesmo tempo, os países que ingressam neste pequeno “clube” dos países mais ricos e poderosos tem que estar preparados, porque entram automaticamente num novo patamar de competição, cada vez mais feroz, entre os próprios membros desse “núcleo” que lutam entre si para impor a todo o sistema, os seus objetivos e as suas estratégias nacionais de expansão e crescimento.
Neste momento o Brasil o já não tem como recuar sem pagar um preço muito alto. Mas por outro lado, para avançar, o Brasil terá que ter uma dose extra de coragem, persistência e inventividade. Além disto, terá que ter objetivos claros e uma coordenação estreita, entre as agências responsáveis pela política externa do país, envolvendo a sua diplomacia, a sua política de defesa, articuladas com sua política econômica e com sua política de difusão global de sua cultura e dos seus valores. E o que é mais importante, o Brasil terá que sustentar uma “vontade estratégica” consistente e permanente, ou seja, uma capacidade social e estatal de construir consensos em torno de objetivos internacionais de longo prazo, junto com a capacidade de planejar e implementar ações de curto e médio prazo, mobilizando os atores sociais, políticos e econômicos relevantes, frente a cada situação e desafio em particular.
Mais difícil do que tudo isto, entretanto, será o Brasil descobrir um novo caminho de afirmação da sua liderança e do seu poder internacional, dentro e fora de sua zona de influência imediata. Um caminho que não siga o mesmo roteiro das grandes potências do passado, e que não utilize a mesma arrogância e a mesma violência que utilizaram os europeus e os norte-americanos para conquistar, submeter e “civilizar” suas colônias e protetorados.
Em segundo lugar, como todo país que ascende dentro do sistema internacional, o Brasil terá que questionar de forma cada vez mais incisiva, a ordem institucional estabelecida e os grandes acordos geopolíticos em que se sustenta. Mas o Brasil terá que fazê-lo sem o uso das armas, e através de sua capacidade de construir alianças com quem quer que seja desde que o Brasil mantenha seus objetivos e valores, e consiga expandir-se e conquistar novas posições dentro da hierarquia política e econômica internacional. Este objetivo já não obedece mais a nenhum tipo de ideologia nacionalista, nem muito menos a qualquer tipo de cartilha militar, obedece a um imperativo “funcional”’ do próprio “sistema interestatal capitalista”: neste sistema, “quem não sobe cai” [1]. Mas ao mesmo tempo, “quem sobe”, tem que estar preparado, porque será atacado e desqualificado inevitavelmente e de forma cada vez mais intensa e coordenada, dentro e fora de suas próprias fronteiras, caso não se submeta à vontade estratégica dos antigos donos do poder global. Em qualquer momento da história é possível acovardar-se e submeter-se, mas atenção, porque o preço desta humilhação será cada vez maior e insuportável para a sociedade brasileira.
[1] Elias, N. O Processo Civilizador, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, vol 2, p: 134
O objetivo deste blog é discutir um projeto de desenvolvimento nacional para o Brasil. Esse projeto não brotará naturalmente das forças de mercado e sim de um engajamento político que direcionará os recursos do país na criação de uma nação soberana, desenvolvida e com justiça social.
sexta-feira, maio 30, 2014
quarta-feira, maio 28, 2014
terça-feira, maio 27, 2014
Um tabu que sangra o Brasil
O Brasil perde cada vez mais dólares com as remessas de lucros e dividendos das empresas estrangeiras instaladas no país.
Em abril foram remetidos US$ 3,2 bi; US$ 9 bilhões no primeiro quadrimestre de 2014.
No ano passado, lucros, dividendos e royalties remetidos às matrizes totalizaram quase US$ 40 bilhões.
Equivale à soma dos gastos na construção das usinas de Jirau, Belo Monte, SantoAntônio e a refinaria Abreu e Lima.
Representa quase 50% do rombo externo do período, de US$ 81 bi (3,6% do PIB).
Não há problema, diz a ortodoxia. Com a liberdade de capitais, o fluxo de investimentos diretos, e os especulativos, cobre o rombo, ou quase todo ele.
De fato, o ingresso anual de capitais na economia brasileira oscila em torno de US$ 60 bilhões (a diferença em relação ao déficit cambial total é zerada com captações em títulos).
Parece um lago suíço. Mas não é.
As correntezas submersas das contas externas, embora muito distantes da convulsão vivida no ciclo de governo do PSDB –quando as reservas cobriam poucos meses de importações e eram tuteladas pelo FMI- mostram uma dinâmica estrutural conflitante.
As exportações não conseguem gerar um superávit suficiente para cobrir a fatia expressiva das remessas e gastos no exterior.
O declínio nos preços das commodities e a baixa competitividade das exportações industriais (associada à expansão das importações) completam a espiral descendente dos saldos comerciais.
Em 2013 a diferença entre embarques e desembarques deixou apenas US$ 2,561 bilhões no caixa do país, pior resultado da balança comercia desde o ano 2000.
Em 2014, apesar da melhora refletida em um superávit mensal de US$ 506 milhões em abril, o acumulado no quadrimestre ainda é negativo: menos US$ 5,5 bilhões de dólares.
Em tese, haveria aí um paradoxo: como uma economia onde o capital estrangeiro acumula lucros tão robustos e remessas tão generosas (US$ 9 bilhões entre janeiro e abril), exporta tão pouco?
Duas lógicas se superpõem na explicação do conflito aparente.
A primeira decorre da inexistência de sanções que desencorajem as remessas.
Essa atrofia reflete a evolução política do país.
Em 1952, Vargas instituiu um limite de repatriação de 10% sobre os lucros do capital estrangeiro.
Em 20 de janeiro de 1964, Jango, certo de que estava assinando sua deposição, sancionou e especificou barreiras às remessas no decreto 53.451.
Estava correta intuição do presidente.
O golpe de 1964 eliminou a restrição quantitativa em 1965 - os 20% anuais de retorno do capital e os 10% sobre os lucros foram substituídos por um imposto progressivo.
O mecanismo penalizava adicionalmente remessas acima de 12% do capital médio registrado no triênio anterior. Buscava-se, teoricamente, induzir a permanência do recurso no país na forma reinvestimento, sujeito apenas ao imposto na fonte.
A ‘boa’ intenção da ditadura foi derrubada com a emergência do ciclo neoliberal, que eliminou o imposto suplementar em 31 de dezembro de 1991, no governo Collor.
A escalada do desmonte incluiu ainda um corte na alíquota do Imposto de Renda sobre remessas , que caiu de 25% para 15%.
Finalmente, em 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso, a Lei 9.249 reduziu a zero a alíquota, instituindo a isenção total de imposto sobre as remessas de lucros e dividendos.
É sugestivo que os mesmos veículos que rasgam manchetes para a erosão de divisas na conta de turismo, silenciem diante dessa sangria gerada pelo capital estrangeiro, cujo controle é uma espécie de tabu da agenda nacional.
Embora descabido para um país que enfrenta dificuldades em gerar saldos com exportações, a verdade é que o débito acumulado pelos viajantes brasileiros nas contas externas (US$ 2,3 bilhões em abril e US$ 8,2 bi no ano) é inferior ao fluxo das remessas do capital estrangeiro.
Mas isso não repercute. Talvez porque envolva não apenas uma diferença contábil.
A intocabilidade que cerca o capital estrangeiro sonega um debate que precisa ser feito para destravar a máquina do desenvolvimento brasileiro.
O tabu, na verdade, blinda escolhas políticas feitas nos anos 90, cujos desdobramentos explicam uma parte importante das dificuldades estruturais para a economia voltar a crescer de forma expressiva.
O regime facultado ao capital externo, associado à sofreguidão das privatizações nos anos 90, instalou no país uma azeitada plataforma de remessas de divisas, dissociada de contrapartidas equivalentes do lado exportador.
As privatizações dos anos 90, mas também os investimentos estrangeiros e aquisições predominantes nas últimas décadas, concentraram-se em áreas de serviços –chamadas non-tradables, não comercializáveis no exterior.
Ou seja, criaram-se direitos de remessas permanentessem expandir proporcionalmente o fôlego comercial da economia.
A desestruturação da taxa de câmbio, traço que se arrasta desde o Real ‘forte’, completou a base de um sistema manco para dentro e para fora.
A isenção sobre as remessas, aprovada no governo FHC, tornou-se um desestímulo à reaplicação dos lucros em uma economia carente de investimentos.
por: Saul Leblon
Três muletas se atropelam nesse tripé: exportações industriais declinantes e importações ascendentes, devido ao câmbio valorizado, e sangria desmedida nas diversas modalidades de remessas do capital estrangeiro.
O Brasil não vive uma asfixia externa, como a da crise da dívida nos anos 70 e 80, em parte decorrente de empréstimos que, de fato, ampliariam a capacidade e a infraestrutura do sistema produtivo.
Mas está constrangido no flanco externo por um descompasso estrutural intrínseco ao regime concedido ao capital estrangeiro.
O pano de fundo incômodo traz pelo menos um desdobramento positivo.
A ideia de que as condições de investimento e financiamento na economia devem estar atreladas –inexoravelmente— ao padrão de liberação financeira dos anos 90 não se sustenta mais.
As facilidades desmedidas oferecidas ao capital estrangeiro não redundaram em um salto no patamar de investimento, tampouco agregaram um novo divisor de competitividade, ademais de nada acrescentarem à inserção da indústria local nas cadeias de suprimento e tecnologia que dominam o capitalismo globalizado.
O insulamento regressivo não é a alternativa.
Mas as evidências demonstram que os protocolos destinados ao capital estrangeiro não servem para gerar os efeitos multiplicadores necessários ao aggiornamento do parque industrial e à inserção internacional da economia.
Na verdade, a isenção concedida às remessas fez o oposto.
Incentivou o não reinvestimento de lucros, promoveu o endividamento intercompanhias (entre filial e matriz), exacerbou a consequente espiral dos juros e deslocou a ênfase do resultado operacional para a esfera financeira.
Uma conta grosseira indica que o capital estrangeiro remeteu nos últimos 11 anos cerca de US$ 240 bilhões, para um estoque de investimento da ordem de US$ 720 bi.
A relação soa favorável, não fosse a qualidade desse fluxo, boa parte, repita-se, destinado a aquisições de plantas já existentes e prioritariamente focado em atividades não geradoras de divisas.
Não apenas isso.
O líder em remessas de lucros e dividendos nos últimos dez anos, o setor automobilístico, responsável por quase 14% da sangria desde 2003, não exibiu qualquer compromisso com o país quando se instalou a crise internacional.
À renúncia fiscal sobre as remessas veio se sobrepor, então, novas demandas por isenções de impostos, a título de se evitar demissões, sem que de fato se tenha assegurado a garantia do emprego ao trabalhador brasileiro.
O conjunto resgata o tema do controle de capitais como uma ferramenta oportuna, legítima e indispensável à reordenação do desenvolvimento brasileiro.
Chegou a hora de desmascarar um tabu que sangra o Brasil.
Em abril foram remetidos US$ 3,2 bi; US$ 9 bilhões no primeiro quadrimestre de 2014.
No ano passado, lucros, dividendos e royalties remetidos às matrizes totalizaram quase US$ 40 bilhões.
Equivale à soma dos gastos na construção das usinas de Jirau, Belo Monte, SantoAntônio e a refinaria Abreu e Lima.
Representa quase 50% do rombo externo do período, de US$ 81 bi (3,6% do PIB).
Não há problema, diz a ortodoxia. Com a liberdade de capitais, o fluxo de investimentos diretos, e os especulativos, cobre o rombo, ou quase todo ele.
De fato, o ingresso anual de capitais na economia brasileira oscila em torno de US$ 60 bilhões (a diferença em relação ao déficit cambial total é zerada com captações em títulos).
Parece um lago suíço. Mas não é.
As correntezas submersas das contas externas, embora muito distantes da convulsão vivida no ciclo de governo do PSDB –quando as reservas cobriam poucos meses de importações e eram tuteladas pelo FMI- mostram uma dinâmica estrutural conflitante.
As exportações não conseguem gerar um superávit suficiente para cobrir a fatia expressiva das remessas e gastos no exterior.
O declínio nos preços das commodities e a baixa competitividade das exportações industriais (associada à expansão das importações) completam a espiral descendente dos saldos comerciais.
Em 2013 a diferença entre embarques e desembarques deixou apenas US$ 2,561 bilhões no caixa do país, pior resultado da balança comercia desde o ano 2000.
Em 2014, apesar da melhora refletida em um superávit mensal de US$ 506 milhões em abril, o acumulado no quadrimestre ainda é negativo: menos US$ 5,5 bilhões de dólares.
Em tese, haveria aí um paradoxo: como uma economia onde o capital estrangeiro acumula lucros tão robustos e remessas tão generosas (US$ 9 bilhões entre janeiro e abril), exporta tão pouco?
Duas lógicas se superpõem na explicação do conflito aparente.
A primeira decorre da inexistência de sanções que desencorajem as remessas.
Essa atrofia reflete a evolução política do país.
Em 1952, Vargas instituiu um limite de repatriação de 10% sobre os lucros do capital estrangeiro.
Em 20 de janeiro de 1964, Jango, certo de que estava assinando sua deposição, sancionou e especificou barreiras às remessas no decreto 53.451.
Estava correta intuição do presidente.
O golpe de 1964 eliminou a restrição quantitativa em 1965 - os 20% anuais de retorno do capital e os 10% sobre os lucros foram substituídos por um imposto progressivo.
O mecanismo penalizava adicionalmente remessas acima de 12% do capital médio registrado no triênio anterior. Buscava-se, teoricamente, induzir a permanência do recurso no país na forma reinvestimento, sujeito apenas ao imposto na fonte.
A ‘boa’ intenção da ditadura foi derrubada com a emergência do ciclo neoliberal, que eliminou o imposto suplementar em 31 de dezembro de 1991, no governo Collor.
A escalada do desmonte incluiu ainda um corte na alíquota do Imposto de Renda sobre remessas , que caiu de 25% para 15%.
Finalmente, em 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso, a Lei 9.249 reduziu a zero a alíquota, instituindo a isenção total de imposto sobre as remessas de lucros e dividendos.
É sugestivo que os mesmos veículos que rasgam manchetes para a erosão de divisas na conta de turismo, silenciem diante dessa sangria gerada pelo capital estrangeiro, cujo controle é uma espécie de tabu da agenda nacional.
Embora descabido para um país que enfrenta dificuldades em gerar saldos com exportações, a verdade é que o débito acumulado pelos viajantes brasileiros nas contas externas (US$ 2,3 bilhões em abril e US$ 8,2 bi no ano) é inferior ao fluxo das remessas do capital estrangeiro.
Mas isso não repercute. Talvez porque envolva não apenas uma diferença contábil.
A intocabilidade que cerca o capital estrangeiro sonega um debate que precisa ser feito para destravar a máquina do desenvolvimento brasileiro.
O tabu, na verdade, blinda escolhas políticas feitas nos anos 90, cujos desdobramentos explicam uma parte importante das dificuldades estruturais para a economia voltar a crescer de forma expressiva.
O regime facultado ao capital externo, associado à sofreguidão das privatizações nos anos 90, instalou no país uma azeitada plataforma de remessas de divisas, dissociada de contrapartidas equivalentes do lado exportador.
As privatizações dos anos 90, mas também os investimentos estrangeiros e aquisições predominantes nas últimas décadas, concentraram-se em áreas de serviços –chamadas non-tradables, não comercializáveis no exterior.
Ou seja, criaram-se direitos de remessas permanentessem expandir proporcionalmente o fôlego comercial da economia.
A desestruturação da taxa de câmbio, traço que se arrasta desde o Real ‘forte’, completou a base de um sistema manco para dentro e para fora.
A isenção sobre as remessas, aprovada no governo FHC, tornou-se um desestímulo à reaplicação dos lucros em uma economia carente de investimentos.
por: Saul Leblon
Três muletas se atropelam nesse tripé: exportações industriais declinantes e importações ascendentes, devido ao câmbio valorizado, e sangria desmedida nas diversas modalidades de remessas do capital estrangeiro.
O Brasil não vive uma asfixia externa, como a da crise da dívida nos anos 70 e 80, em parte decorrente de empréstimos que, de fato, ampliariam a capacidade e a infraestrutura do sistema produtivo.
Mas está constrangido no flanco externo por um descompasso estrutural intrínseco ao regime concedido ao capital estrangeiro.
O pano de fundo incômodo traz pelo menos um desdobramento positivo.
A ideia de que as condições de investimento e financiamento na economia devem estar atreladas –inexoravelmente— ao padrão de liberação financeira dos anos 90 não se sustenta mais.
As facilidades desmedidas oferecidas ao capital estrangeiro não redundaram em um salto no patamar de investimento, tampouco agregaram um novo divisor de competitividade, ademais de nada acrescentarem à inserção da indústria local nas cadeias de suprimento e tecnologia que dominam o capitalismo globalizado.
O insulamento regressivo não é a alternativa.
Mas as evidências demonstram que os protocolos destinados ao capital estrangeiro não servem para gerar os efeitos multiplicadores necessários ao aggiornamento do parque industrial e à inserção internacional da economia.
Na verdade, a isenção concedida às remessas fez o oposto.
Incentivou o não reinvestimento de lucros, promoveu o endividamento intercompanhias (entre filial e matriz), exacerbou a consequente espiral dos juros e deslocou a ênfase do resultado operacional para a esfera financeira.
Uma conta grosseira indica que o capital estrangeiro remeteu nos últimos 11 anos cerca de US$ 240 bilhões, para um estoque de investimento da ordem de US$ 720 bi.
A relação soa favorável, não fosse a qualidade desse fluxo, boa parte, repita-se, destinado a aquisições de plantas já existentes e prioritariamente focado em atividades não geradoras de divisas.
Não apenas isso.
O líder em remessas de lucros e dividendos nos últimos dez anos, o setor automobilístico, responsável por quase 14% da sangria desde 2003, não exibiu qualquer compromisso com o país quando se instalou a crise internacional.
À renúncia fiscal sobre as remessas veio se sobrepor, então, novas demandas por isenções de impostos, a título de se evitar demissões, sem que de fato se tenha assegurado a garantia do emprego ao trabalhador brasileiro.
O conjunto resgata o tema do controle de capitais como uma ferramenta oportuna, legítima e indispensável à reordenação do desenvolvimento brasileiro.
Chegou a hora de desmascarar um tabu que sangra o Brasil.
OTAN precisa de uma nova Guerra Fria
Voz da Rússia
A OTAN pretende colocar tropas na fronteira com a Rússia. Segundo o jornal The Sunday Times, esses planos serão na próxima semana objeto de discussão numa reunião dos ministros da Defesa da Aliança.
Na sede da OTAN já estão dizendo que o “ato de cooperação” assinado com Moscou perdeu sua validade. Na opinião de analistas, nos últimos 17 anos a Aliança perseguiu um único objetivo: expulsar definitivamente a Rússia do espaço pós-soviético.
Os países integrantes da OTAN estão desenvolvendo planos de colocar tropas em países do antigo bloco soviético. Isso efetivamente irá pôr fim ao acordo com a Rússia, assinado após o fim da Guerra Fria, escreve o The Sunday Times.
A OTAN e a Rússia assinaram o chamado “Ato fundamental sobre relações mútuas, cooperação e segurança” em 1997. Bruxelas e Moscou concordaram em que os países ocidentais não iriam colocar forças militares consideráveis a leste do Elba.
Agora os funcionários da OTAN estão afirmando que o acordo era válido enquanto a situação se mantinha a mesma e ambas as partes respeitavam os seus termos. Mas, desde que a Rússia, em suas palavras, “anexou” a Crimeia, tudo mudou.
Só que a situação mudou não em março deste ano, quando o povo da Crimeia se pronunciou num referendo em favor da reunificação com a Rússia. Ainda na década de 1990, após o colapso da União Soviética, surgiu a questão da existência da Aliança do Atlântico Norte. Bruxelas, na altura, prometeu não expandir a influência da Aliança para Leste mas, dentro de poucos anos, quase todos os países do antigo bloco soviético se juntaram à OTAN, nota o vice-diretor do Instituto dos EUA e do Canadá Pavel Zolotarev:
“Então ficou claro que é pouco provável que essa organização se dissolva a si própria. Porque ela é o principal instrumento de influência dos EUA na Europa. A Rússia acreditou que, já que não somos inimigos, podemo-nos aproximar. E o Ocidente em sua política real, apesar da retórica sobre a necessidade de cooperação, usou isso para expandir a sua área de influência para o Leste. Aceitando novos membros na OTAN, primeiro de entre ex-países socialistas, e depois até de alguma repúblicas que fizeram parte da União Soviética”.
Segundo o perito, o objetivo principal que se propõe a Aliança do Atlântico Norte é expulsar a Rússia do espaço pós-soviético. Já durante muitos anos a OTAN está encaixando a Geórgia em seus padrões, e agora se ocuparam ativamente da Ucrânia. Esta última se tornou um obstáculo nas relações entre Moscou e Bruxelas por altura do 17 aniversário da assinatura do acordo de cooperação, nota o especialista do Instituto dos países da CEI Valeri Yevseev:
“De momento, as relações entre a Rússia e a Aliança do Atlântico Norte estão extremamente difíceis. Os países da OTAN estão aumentando a sua presença perto das fronteiras da Federação Russa. E isso não pode deixar de preocupar a Rússia. Deste ponto de vista, dada o extremo agravamento das relações entre Moscou e Bruxelas por causa da crise ucraniana, há que tomar algumas medidas para reduzir as tensões. Do lado russo tal decisão foi tomada. A ela é devida a retirada das tropas russas da fronteira com a Ucrânia”.
Segundo o especialista, a principal finalidade da colocação de tropas da OTAN na fronteira com a Rússia é o desejo de justificar a sua existência. Isso requer um inimigo externo. E encontraram-no em Moscou. Esta é a única maneira para Washington de provar a seus aliados que precisam da OTAN.
Ora, provar está se tornando cada vez mais difícil. Por exemplo, Berlim se recusa a aumentar os gastos em defesa, deixando sem resultados as inúmeras tentativas de Bruxelas. O ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schaeuble se opõe ao aumento do orçamento militar da Alemanha em resposta à crise na Ucrânia. Segundo ele, na situação atual tal passo não seria uma política muito sábia. Além disso, o ministro falou contra a colocação de tropas da OTAN em estados do da Europa do Leste. Schaeuble tem certeza de que isso só irá agravar a situação.
O presidente russo há dias lembrou aos seus parceiros ocidentais: Rússia e a OTAN realmente poderiam colaborar frutuosamente. Segundo Vladimir Putin, existem áreas onde esforços conjuntos podem ser aplicados: a segurança comum, a defesa contra o terrorismo, a luta contra o tráfico de drogas. Para resolver todos esses problemas é necessário consolidar os esforços. E não provar quem é o dono do mundo, como a Aliança do Atlântico Norte está fazendo.
Leia mais: http://portuguese.ruvr.ru/2014_05_27/OTAN-precisa-de-Guerra-Fria-3481/
A OTAN pretende colocar tropas na fronteira com a Rússia. Segundo o jornal The Sunday Times, esses planos serão na próxima semana objeto de discussão numa reunião dos ministros da Defesa da Aliança.
Na sede da OTAN já estão dizendo que o “ato de cooperação” assinado com Moscou perdeu sua validade. Na opinião de analistas, nos últimos 17 anos a Aliança perseguiu um único objetivo: expulsar definitivamente a Rússia do espaço pós-soviético.
Os países integrantes da OTAN estão desenvolvendo planos de colocar tropas em países do antigo bloco soviético. Isso efetivamente irá pôr fim ao acordo com a Rússia, assinado após o fim da Guerra Fria, escreve o The Sunday Times.
A OTAN e a Rússia assinaram o chamado “Ato fundamental sobre relações mútuas, cooperação e segurança” em 1997. Bruxelas e Moscou concordaram em que os países ocidentais não iriam colocar forças militares consideráveis a leste do Elba.
Agora os funcionários da OTAN estão afirmando que o acordo era válido enquanto a situação se mantinha a mesma e ambas as partes respeitavam os seus termos. Mas, desde que a Rússia, em suas palavras, “anexou” a Crimeia, tudo mudou.
Só que a situação mudou não em março deste ano, quando o povo da Crimeia se pronunciou num referendo em favor da reunificação com a Rússia. Ainda na década de 1990, após o colapso da União Soviética, surgiu a questão da existência da Aliança do Atlântico Norte. Bruxelas, na altura, prometeu não expandir a influência da Aliança para Leste mas, dentro de poucos anos, quase todos os países do antigo bloco soviético se juntaram à OTAN, nota o vice-diretor do Instituto dos EUA e do Canadá Pavel Zolotarev:
“Então ficou claro que é pouco provável que essa organização se dissolva a si própria. Porque ela é o principal instrumento de influência dos EUA na Europa. A Rússia acreditou que, já que não somos inimigos, podemo-nos aproximar. E o Ocidente em sua política real, apesar da retórica sobre a necessidade de cooperação, usou isso para expandir a sua área de influência para o Leste. Aceitando novos membros na OTAN, primeiro de entre ex-países socialistas, e depois até de alguma repúblicas que fizeram parte da União Soviética”.
Segundo o perito, o objetivo principal que se propõe a Aliança do Atlântico Norte é expulsar a Rússia do espaço pós-soviético. Já durante muitos anos a OTAN está encaixando a Geórgia em seus padrões, e agora se ocuparam ativamente da Ucrânia. Esta última se tornou um obstáculo nas relações entre Moscou e Bruxelas por altura do 17 aniversário da assinatura do acordo de cooperação, nota o especialista do Instituto dos países da CEI Valeri Yevseev:
“De momento, as relações entre a Rússia e a Aliança do Atlântico Norte estão extremamente difíceis. Os países da OTAN estão aumentando a sua presença perto das fronteiras da Federação Russa. E isso não pode deixar de preocupar a Rússia. Deste ponto de vista, dada o extremo agravamento das relações entre Moscou e Bruxelas por causa da crise ucraniana, há que tomar algumas medidas para reduzir as tensões. Do lado russo tal decisão foi tomada. A ela é devida a retirada das tropas russas da fronteira com a Ucrânia”.
Segundo o especialista, a principal finalidade da colocação de tropas da OTAN na fronteira com a Rússia é o desejo de justificar a sua existência. Isso requer um inimigo externo. E encontraram-no em Moscou. Esta é a única maneira para Washington de provar a seus aliados que precisam da OTAN.
Ora, provar está se tornando cada vez mais difícil. Por exemplo, Berlim se recusa a aumentar os gastos em defesa, deixando sem resultados as inúmeras tentativas de Bruxelas. O ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schaeuble se opõe ao aumento do orçamento militar da Alemanha em resposta à crise na Ucrânia. Segundo ele, na situação atual tal passo não seria uma política muito sábia. Além disso, o ministro falou contra a colocação de tropas da OTAN em estados do da Europa do Leste. Schaeuble tem certeza de que isso só irá agravar a situação.
O presidente russo há dias lembrou aos seus parceiros ocidentais: Rússia e a OTAN realmente poderiam colaborar frutuosamente. Segundo Vladimir Putin, existem áreas onde esforços conjuntos podem ser aplicados: a segurança comum, a defesa contra o terrorismo, a luta contra o tráfico de drogas. Para resolver todos esses problemas é necessário consolidar os esforços. E não provar quem é o dono do mundo, como a Aliança do Atlântico Norte está fazendo.
Leia mais: http://portuguese.ruvr.ru/2014_05_27/OTAN-precisa-de-Guerra-Fria-3481/
Por que a China precisa da Rússia?
Fiódor Lukianov, cientista político
Há mais de dois, em artigo pré-eleitoral, Vladímir Pútin escreveu que a Rússia quis pegar o vento chinês nas velas do seu desenvolvimento. Cada iatista professional sabe que, durante as rajadas de vento, e hoje em dia o mundo está enfrentando muitas tempestades, controlar um barco a vela é muito difícil. O sucesso, no entanto, permite alcançar o objetivo muito mais rápido.
A visita de Pútin a Pequim não decepcionou. Tendo em vista a crise entre a Rússia e os Estados Unidos, a viagem foi interpretada como uma busca de apoio em novos parceiros. A Rússia está começando uma trajetória política voltada para a Ásia, que já tinha sido anunciada há muito tempo, e o conflito ucraniano serviu como um catalisador. O ponto da vista de que só Moscou precisa dessa aproximação –e que Pequim só permite à Rússia se aproximar para poder usar seus recursos– é uma visão simplista. A China, não menos do que a Rússia, está interessada em reforçar as bases da sua política.
A China está preocupada com os acontecimentos no mundo. Um toque de despertar foi a Primavera Árabe. Em Pequim, os acontecimentos no mundo árabe foram interpretados como um modelo muito perigoso de como forças externas poderosas usam a incapacidade dos Estados para garantir o desenvolvimento nacional sustentável. E bem naquela época, Washington anunciou uma nova política na Ásia. Apesar de aberturas para a China, é óbvio que tratava-se de política de contenção.
Rússia e China: parceria lógica
Inúmeros conflitos territoriais da China com seus vizinhos estiveram durante muito tempo em um estado relativamente dormente, mas recentemente todos eles têm-se agravado e não só em nível local. Durante a visita de Pútin a Xangai, a relação com o Vietnã se tornou mais tensa e chegou até o ponto da evacuação de cidadãos chineses. A relação é difícil com o Japão e as Filipinas. Durante uma recente viagem à região do Pacífico, Barack Obama, talvez pela primeira vez, deixou abertamente claro que os Estados Unidos estão prontos para apoiar seus aliados nas disputas territoriais.
Xi Jinping, desde que chegou ao poder em 2012, bem antes da atual crise, enfatizou querer levar as relações com a Rússia para um novo nível. Pequim vê com cautela a situação em torno da Ucrânia. A China tem muitos problemas com o separatismo interno (Xinjiang Uygur, a região autônoma, Tibete, Taiwan) e reage com preocupação a qualquer alteração de fronteiras. Por isso, Moscou não pode contar com o apoio direto de Pequim. Ao mesmo tempo, a China enfatizou que entende as causas do incidente e o fato de que as ações da Rússia foram uma resposta à política de longo prazo dos EUA no espaço pós-soviético. Os chineses não querem a derrota da Rússia em um confronto com Washington, pois ela poderia fortalecer os Estados Unidos. Os Estados Unidos para Pequim são um competidor estratégico inevitável do futuro próximo.
Aproximação
Quais são os motivos específicos da China na política da aproximação com a Rússia?
Primeiro, trata-se de uma questão de equilíbrio estratégico global. A China vê seu lugar no mundo e as possibilidades de outros parceiros através de um triângulo de superpotências: China–EUA– Rússia. O significado de cada um dos vértices do triângulo depende da relação com os outros vértices. E aquele "ângulo" que perde o contato com algum dos outros dois, na visão da China, se torna mais fraco. E mais dependente do terceiro "ângulo".
Em segundo lugar, a segurança regional. A pressão dos Estados Unidos sobre Pequim continuará a crescer proporcionalmente ao aumento de insegurança dos vizinhos da China provocada por sua ascensão. A Rússia é o único país com o qual a China divide fronteiras (além dos países da Ásia Central) sem ter disputas territoriais. O objetivo máximo da China é ganhar o apoio da Rússia nesses conflitos. Isso é pouco provável: Moscou tentará manter a neutralidade ou pelo menos não tomará o lado oposto.
Uma ponte entre a Rússia e a China
Sanções ocidentais podem fazer Rússia se voltar para a Ásia
Crise ucraniana marca discussão de visita de Lavrov a Pequim
Em terceiro lugar, uma fonte de energia confiável. A China tradicionalmente contava com os mercados globais, mas, com o crescimento da tensão na área internacional e regional, Pequim tem que também pensar na componente político-militar. A Rússia é a única fonte de matérias-primas cujo fornecimento, no caso de deterioração da situação, não pode ser bloqueado pela Marinha dos EUA. Hoje em dia, esse cenário parece pouco provável, mas a história recente tem mostrado repetidamente que tudo é possível.
Em quarto lugar, o problema da governança global. A crise ucraniana teve uma consequência inesperada. Querendo colocar pressão sobre a Rússia, os Estados Unidos usaram força política para intervir no funcionamento dos mercados globais. Aqui trata-se da exclusão dos bancos russos dos sistemas internacionais de pagamento, bem como a manipulação das agências de rating e o impacto das instituições financeiras internacionais. A China não deixa de prestar atenção a esse fato, pois tais medidas podem ser aplicadas contra qualquer país que entra em um conflito sério com os Estados Unidos. Portanto, a China é igual à Rússia, está interessada em enfraquecer o monopólio americano nos assuntos econômicos globais.
Em quinto lugar, os novos estímulos para o desenvolvimento. A China, como qualquer outro país orientado para a exportação, depende do ambiente externo e está destinada a buscar constantemente novos mercados. Por causa do medo do desequilíbrio econômico, a Rússia até recentemente tinha uma reação cautelosa quanto aos investimentos chineses em massa. A aproximação política promove o reforço de tais contatos, como mostrou a visita de Vladímir Pútin a Pequim.
O relacionamento na parceria russo-chinesa não promete ser fácil. Dois vizinhos gigantescos com ricas tradições de império estão fadados a discordâncias e interesses divergentes. Mas isso é natural. O mais importante não é a ausência de conflitos, mas a capacidade de lidar com eles. A Rússia terá de aprender a compensar sua fraqueza econômica relativamente à China com habilidade política e experiência. Nesse aspecto, Moscou está à frente de Pequim.
Fiódor Lukianov é editor da revista "A Rússia nos Assuntos Globais"
Há mais de dois, em artigo pré-eleitoral, Vladímir Pútin escreveu que a Rússia quis pegar o vento chinês nas velas do seu desenvolvimento. Cada iatista professional sabe que, durante as rajadas de vento, e hoje em dia o mundo está enfrentando muitas tempestades, controlar um barco a vela é muito difícil. O sucesso, no entanto, permite alcançar o objetivo muito mais rápido.
A visita de Pútin a Pequim não decepcionou. Tendo em vista a crise entre a Rússia e os Estados Unidos, a viagem foi interpretada como uma busca de apoio em novos parceiros. A Rússia está começando uma trajetória política voltada para a Ásia, que já tinha sido anunciada há muito tempo, e o conflito ucraniano serviu como um catalisador. O ponto da vista de que só Moscou precisa dessa aproximação –e que Pequim só permite à Rússia se aproximar para poder usar seus recursos– é uma visão simplista. A China, não menos do que a Rússia, está interessada em reforçar as bases da sua política.
A China está preocupada com os acontecimentos no mundo. Um toque de despertar foi a Primavera Árabe. Em Pequim, os acontecimentos no mundo árabe foram interpretados como um modelo muito perigoso de como forças externas poderosas usam a incapacidade dos Estados para garantir o desenvolvimento nacional sustentável. E bem naquela época, Washington anunciou uma nova política na Ásia. Apesar de aberturas para a China, é óbvio que tratava-se de política de contenção.
Rússia e China: parceria lógica
Inúmeros conflitos territoriais da China com seus vizinhos estiveram durante muito tempo em um estado relativamente dormente, mas recentemente todos eles têm-se agravado e não só em nível local. Durante a visita de Pútin a Xangai, a relação com o Vietnã se tornou mais tensa e chegou até o ponto da evacuação de cidadãos chineses. A relação é difícil com o Japão e as Filipinas. Durante uma recente viagem à região do Pacífico, Barack Obama, talvez pela primeira vez, deixou abertamente claro que os Estados Unidos estão prontos para apoiar seus aliados nas disputas territoriais.
Xi Jinping, desde que chegou ao poder em 2012, bem antes da atual crise, enfatizou querer levar as relações com a Rússia para um novo nível. Pequim vê com cautela a situação em torno da Ucrânia. A China tem muitos problemas com o separatismo interno (Xinjiang Uygur, a região autônoma, Tibete, Taiwan) e reage com preocupação a qualquer alteração de fronteiras. Por isso, Moscou não pode contar com o apoio direto de Pequim. Ao mesmo tempo, a China enfatizou que entende as causas do incidente e o fato de que as ações da Rússia foram uma resposta à política de longo prazo dos EUA no espaço pós-soviético. Os chineses não querem a derrota da Rússia em um confronto com Washington, pois ela poderia fortalecer os Estados Unidos. Os Estados Unidos para Pequim são um competidor estratégico inevitável do futuro próximo.
Aproximação
Quais são os motivos específicos da China na política da aproximação com a Rússia?
Primeiro, trata-se de uma questão de equilíbrio estratégico global. A China vê seu lugar no mundo e as possibilidades de outros parceiros através de um triângulo de superpotências: China–EUA– Rússia. O significado de cada um dos vértices do triângulo depende da relação com os outros vértices. E aquele "ângulo" que perde o contato com algum dos outros dois, na visão da China, se torna mais fraco. E mais dependente do terceiro "ângulo".
Em segundo lugar, a segurança regional. A pressão dos Estados Unidos sobre Pequim continuará a crescer proporcionalmente ao aumento de insegurança dos vizinhos da China provocada por sua ascensão. A Rússia é o único país com o qual a China divide fronteiras (além dos países da Ásia Central) sem ter disputas territoriais. O objetivo máximo da China é ganhar o apoio da Rússia nesses conflitos. Isso é pouco provável: Moscou tentará manter a neutralidade ou pelo menos não tomará o lado oposto.
Uma ponte entre a Rússia e a China
Sanções ocidentais podem fazer Rússia se voltar para a Ásia
Crise ucraniana marca discussão de visita de Lavrov a Pequim
Em terceiro lugar, uma fonte de energia confiável. A China tradicionalmente contava com os mercados globais, mas, com o crescimento da tensão na área internacional e regional, Pequim tem que também pensar na componente político-militar. A Rússia é a única fonte de matérias-primas cujo fornecimento, no caso de deterioração da situação, não pode ser bloqueado pela Marinha dos EUA. Hoje em dia, esse cenário parece pouco provável, mas a história recente tem mostrado repetidamente que tudo é possível.
Em quarto lugar, o problema da governança global. A crise ucraniana teve uma consequência inesperada. Querendo colocar pressão sobre a Rússia, os Estados Unidos usaram força política para intervir no funcionamento dos mercados globais. Aqui trata-se da exclusão dos bancos russos dos sistemas internacionais de pagamento, bem como a manipulação das agências de rating e o impacto das instituições financeiras internacionais. A China não deixa de prestar atenção a esse fato, pois tais medidas podem ser aplicadas contra qualquer país que entra em um conflito sério com os Estados Unidos. Portanto, a China é igual à Rússia, está interessada em enfraquecer o monopólio americano nos assuntos econômicos globais.
Em quinto lugar, os novos estímulos para o desenvolvimento. A China, como qualquer outro país orientado para a exportação, depende do ambiente externo e está destinada a buscar constantemente novos mercados. Por causa do medo do desequilíbrio econômico, a Rússia até recentemente tinha uma reação cautelosa quanto aos investimentos chineses em massa. A aproximação política promove o reforço de tais contatos, como mostrou a visita de Vladímir Pútin a Pequim.
O relacionamento na parceria russo-chinesa não promete ser fácil. Dois vizinhos gigantescos com ricas tradições de império estão fadados a discordâncias e interesses divergentes. Mas isso é natural. O mais importante não é a ausência de conflitos, mas a capacidade de lidar com eles. A Rússia terá de aprender a compensar sua fraqueza econômica relativamente à China com habilidade política e experiência. Nesse aspecto, Moscou está à frente de Pequim.
Fiódor Lukianov é editor da revista "A Rússia nos Assuntos Globais"
Banco do Sul: outro legado de Chávez
Chanceleres da Unasul, reunidos na semana passada no Equador, decidiram pela implementação do Banco do Sul, com um capital inicial de 7 bilhões de dólares.
Os chanceleres da Unasul, reunidos na semana que passou no Equador, decidiram pela implementação do Banco do Sul, com um capital inicial de 7 bilhões de dólares, ferramenta financeira destinada ao financiamento de projetos de integração da América do Sul.
Trata-se de mais um dos grandes legados do presidente Hugo Chávez, falecido em 2013. Sem dúvida, o lado visionário de Chávez também se revela aqui nesta decisão, que vinha sendo procrastinada injustificadamente, inclusive pela relutância das autoridades financeiras do Brasil. Da mesma forma que até hoje, o governo brasileiro não tomou qualquer medida para vincular-se à Telesur oficialmente, favorecendo a integração informativo-cultura da América Latina, o que teria plena sintonia com o discurso autocrítico feito por Lula em encontro com blogueiros, quando reconheceu muito pouco foi feito para a democratização da comunicação no Brasil.
O Banco do Sul, assim como a Unasul, nasceu graças a uma pregação incansável de Chávez, e agora já terá a companhia do Banco dos Brics, bem como de outras medidas adotadas pela Rússia, China e Iran para a desdolarização gradual da economia. O Banco do Sul é também uma grande bofetada nos EUA e, tal como o BNDES já vem fazendo, ao financiar a construção do Porto de Mariel, em Cuba, representará uma capacidade ampliada para a realização de projetos de infraestrutura que avancem na integração da América Latina, sempre sabotados pelos EUA.
Certamente, com mais esta ferramenta, surge clara a possibilidade de ampliar as operações sem o dólar - indispensável ante a crise e a instabilidade do capitalismo internacional - bem como o encorajamento para tirar do papel um conjunto de projetos integracionistas, a exemplo do que a Rússia, a China e o Iran já vem fazendo em matéria energética. Depois de Unasur, Telesur, Banco do Sul, agora pode estar chegando a vez do Gasoduto do Sul, tão sonhado pelo revolucionário Hugo Chávez.
Mas, para que isto se torne realidade, é preciso manter a unidade das forças progressistas, seja no Brasil, na Venezuela, na Argentina, Uruguai e Bolívia, seguindo o exemplo de uma persistência revolucionária incansável que nos legou Chávez, desde a audaciosa, meticulosa e arriscada construção de um movimento revolucionário bolivariano no interior das forças armadas venezuelanas. É este instrumento que hoje, materializado na unidade cívico-popular, mantém de pé a Revolução Bolivariana, capaz de impulsos construtivos como o Banco do Sul, de amplificar as energias da Revolução Cubana e de iluminar permanentemente os árduos caminhos da indispensável integração latino-americana.Como todo revolucionário, Chávez ultrapassa seu tempo físico e se mantém entre nós como criador, um construtor, um animador e um formador de consciências transformadoras.
Os chanceleres da Unasul, reunidos na semana que passou no Equador, decidiram pela implementação do Banco do Sul, com um capital inicial de 7 bilhões de dólares, ferramenta financeira destinada ao financiamento de projetos de integração da América do Sul.
Trata-se de mais um dos grandes legados do presidente Hugo Chávez, falecido em 2013. Sem dúvida, o lado visionário de Chávez também se revela aqui nesta decisão, que vinha sendo procrastinada injustificadamente, inclusive pela relutância das autoridades financeiras do Brasil. Da mesma forma que até hoje, o governo brasileiro não tomou qualquer medida para vincular-se à Telesur oficialmente, favorecendo a integração informativo-cultura da América Latina, o que teria plena sintonia com o discurso autocrítico feito por Lula em encontro com blogueiros, quando reconheceu muito pouco foi feito para a democratização da comunicação no Brasil.
O Banco do Sul, assim como a Unasul, nasceu graças a uma pregação incansável de Chávez, e agora já terá a companhia do Banco dos Brics, bem como de outras medidas adotadas pela Rússia, China e Iran para a desdolarização gradual da economia. O Banco do Sul é também uma grande bofetada nos EUA e, tal como o BNDES já vem fazendo, ao financiar a construção do Porto de Mariel, em Cuba, representará uma capacidade ampliada para a realização de projetos de infraestrutura que avancem na integração da América Latina, sempre sabotados pelos EUA.
Certamente, com mais esta ferramenta, surge clara a possibilidade de ampliar as operações sem o dólar - indispensável ante a crise e a instabilidade do capitalismo internacional - bem como o encorajamento para tirar do papel um conjunto de projetos integracionistas, a exemplo do que a Rússia, a China e o Iran já vem fazendo em matéria energética. Depois de Unasur, Telesur, Banco do Sul, agora pode estar chegando a vez do Gasoduto do Sul, tão sonhado pelo revolucionário Hugo Chávez.
Mas, para que isto se torne realidade, é preciso manter a unidade das forças progressistas, seja no Brasil, na Venezuela, na Argentina, Uruguai e Bolívia, seguindo o exemplo de uma persistência revolucionária incansável que nos legou Chávez, desde a audaciosa, meticulosa e arriscada construção de um movimento revolucionário bolivariano no interior das forças armadas venezuelanas. É este instrumento que hoje, materializado na unidade cívico-popular, mantém de pé a Revolução Bolivariana, capaz de impulsos construtivos como o Banco do Sul, de amplificar as energias da Revolução Cubana e de iluminar permanentemente os árduos caminhos da indispensável integração latino-americana.Como todo revolucionário, Chávez ultrapassa seu tempo físico e se mantém entre nós como criador, um construtor, um animador e um formador de consciências transformadoras.
quinta-feira, maio 22, 2014
O poder, cadê o poder?
Os eixos fundamentais do poder político conservador na sociedade, hoje, se articulam em torno do sistema financeiro e do monopólio privado da mídia.
por Emir Sader
Depois do desmascaramento do caráter supostamente neutro do Estado propugnado pelo liberalismo, pela denúncia da sua natureza de classe por Marx, a contribuição de Gramsci redefinindo o poder sob a forma da hegemonia, foi a mais importante para a teoria do Estado e do poder nas sociedades capitalistas.
Nas sociedades “ocidentais”, mais complexas, o poder não se concentrava mais no aparato de Estado, mas se enraizava em distintas instancias da sociedade, onde era necessário dar a batalha essencial para a substituição do poder de classe da burguesia por um poder majoritário dos trabalhadores.
Como uma de suas consequências, a estratégia de “tomada do poder” da esquerda, que havia tido sucesso na Rússia, deixava de ter vigência nas sociedades ocidentais, mais complexas, onde a disputa fundamental se daria pela hegemonia na sociedade, que desembocaria na construção de um poder alternativo ao do Estado burguês.
A estratégia bolchevique se estendeu ainda para a China, para Cuba, para o Vietnã, para a Nicarágua, sem questionar a visão de Gramsci, por serem consideradas ainda sociedades periféricas, em que o controle do Estado permitia o controle do poder efetivo na sociedade. Foi a partir desse momento que a disputa hegemônica foi se generalizando como forma de luta pelo poder, conforme as sociedades foram se tornando mais complexas, as relações de poder se disseminando por distintos espaços da sociedade.
As maiorias eleitorais, a capacidade militar de assalto do Estado, características de duas correntes dentro da esquerda – a social democracia por um lado, os movimentos guerrilheiros por outro – ficaram superadas, diante do predomínio dos poderes econômicos e de formação da opinião pública.
O fim da guerra fria com a vitória do bloco ocidental liderado pelos EUA mudou também a correlação de forças no plano militar a nível mundial com seus reflexos a nível nacional. Os movimentos guerrilheiros centroamericanos se deram conta disso e buscaram se reciclar – com sucesso em El Salvador, fracassando na Guatemala – para a luta política institucional. As vias pacíficas de transformação revolucionária do Estado encontraram na derrubada do governo de Salvador Allende no Chile seus obstáculos – os poderes econômico, internacional, militar e midiático da direita.
O golpe militar no Brasil já havia demonstrado que não era necessária uma ameaça real ao capitalismo para que essas forças se desatassem e rompessem o tipo de democracia existente. A combinação entre a força econômica, internacional, midiática e militar se desatou diante de riscos muito menores para o poder tradicional.
Na era da globalização neoliberal, a esquerda herda derrotas de dimensão estratégica: o fim da primeira forma de existência do socialismo, com a URSS e o campo socialista; o enfraquecimento do Estado, da política, dos partidos, das soluções coletivas, dos direitos, da cidadania. Tudo em favor do mercado, do consumidor, do livre comércio, da globalização neoliberal.
A esquerda passou a estar na defensiva, ao não ter resposta a dar ao diagnóstico neoliberal de que as economias deixavam de crescer pelas travas das regulamentações estatais, da burocracia e da corrução estatal, dos excessivos direitos dos trabalhadores, das travas nacionais, da ineficiência dos Estados. Com a apologia das empresas e dos empresários, da livre circulação do capital, do Estado mínimo, da desregulamentação. Além da diabolização definitiva do socialismo e a naturalização do capitalismo e das formas liberais de democracia.
Nesse marco de globalização do modelo neoliberal – nunca um modelo se estendeu tanto e em tão pouco tempo como o neoliberal -, setores da própria esquerda tradicional foram aderindo a modalidades de neoliberalismo – do PS francês ao espanhol, do nacionalismo mexicano do PRI ao argentino do Carlos Menem, do socialismo chileno aos tucanos brasileiros. O consenso do bem estar social foi substituído pelo consenso do mercado.
Além das transformações econômicas, – aberturas dos mercados nacionais, financeirizacao das economias, desindustrialização da periferia, desterritorialização dos grandes investimentos do centro do capitalismo, extensão das terceirizações, privatizações, - se somaram as sociais – mercantilização das relações sociais, penetração do poder do dinheiro em todos os espaços sociais, projeção dos banqueiros como magnatas maiores, precarização das relações de trabalho, - e as políticas – naturalização da democracia liberal como “a democracia”, enfraquecimento dos partidos, desmoralização dos governos e dos parlamentos, projeção da mídia como direção política da direita.
O modelo neoliberal foi se enfraquecendo conforme as fragilidades da hegemonia do capital financeiro sob sua forma especulativa foram aparecendo claramente. Na América Latina, as três maiores economias foram sendo vitimas das crises financeiras típicas do neoliberalismo: Mexico em 1994, Brasil em 1999, Argentina em 2001/2002.
De novo, tal qual se havia dado no começo do século XX, as crises explodiram na periferia, conforme o capitalismo central se fortaleceu, exportando as contradições mais profundas para os países do Sul do mundo. Mas essas crises geraram, em países da America Latina, o esgotamento do modelo neoliberal e o surgimento de governos pós-neoliberais. Estes avançaram pelas linhas de menor resistência do modelo neoliberal: políticas sociais, integração regional, papel ativo do Estado.
Mas as relações profundas de poder não foram afetadas. É baseada nelas que a direita resiste, tendo no sistema financeiro e no monopólio privado da mídia suas bases fundamentais de sustentação. Aí resiste, no essencial, o poder, mesmo nos países onde predominam politicas posneoliberais.
Com base no sistema financeiro, canalizam os capitais fundamentalmente para a especulação e promovem a mercantilização da sociedade e do seu próprio sistema político. Com base no monopólio privado dos meios de comunicação se fabrica uma opinião pública centrada numa agenda falsa da realidade, se promove a mentalidade consumista e egoísta, com todo tipo de preconceitos, funcionando, além disso, como partido político da oposição.
Quem não tiver a compreensão de que os eixos fundamentais do poder conservador na sociedade se articulam em torno do sistema financeiro e do monopólio privado da mídia está desprovido da capacidade de ação eficaz para desbloquear os obstáculos que travam a continuidade e o aprofundamento do processo de democratização social iniciado em 2003 no Brasil.
por Emir Sader
Depois do desmascaramento do caráter supostamente neutro do Estado propugnado pelo liberalismo, pela denúncia da sua natureza de classe por Marx, a contribuição de Gramsci redefinindo o poder sob a forma da hegemonia, foi a mais importante para a teoria do Estado e do poder nas sociedades capitalistas.
Nas sociedades “ocidentais”, mais complexas, o poder não se concentrava mais no aparato de Estado, mas se enraizava em distintas instancias da sociedade, onde era necessário dar a batalha essencial para a substituição do poder de classe da burguesia por um poder majoritário dos trabalhadores.
Como uma de suas consequências, a estratégia de “tomada do poder” da esquerda, que havia tido sucesso na Rússia, deixava de ter vigência nas sociedades ocidentais, mais complexas, onde a disputa fundamental se daria pela hegemonia na sociedade, que desembocaria na construção de um poder alternativo ao do Estado burguês.
A estratégia bolchevique se estendeu ainda para a China, para Cuba, para o Vietnã, para a Nicarágua, sem questionar a visão de Gramsci, por serem consideradas ainda sociedades periféricas, em que o controle do Estado permitia o controle do poder efetivo na sociedade. Foi a partir desse momento que a disputa hegemônica foi se generalizando como forma de luta pelo poder, conforme as sociedades foram se tornando mais complexas, as relações de poder se disseminando por distintos espaços da sociedade.
As maiorias eleitorais, a capacidade militar de assalto do Estado, características de duas correntes dentro da esquerda – a social democracia por um lado, os movimentos guerrilheiros por outro – ficaram superadas, diante do predomínio dos poderes econômicos e de formação da opinião pública.
O fim da guerra fria com a vitória do bloco ocidental liderado pelos EUA mudou também a correlação de forças no plano militar a nível mundial com seus reflexos a nível nacional. Os movimentos guerrilheiros centroamericanos se deram conta disso e buscaram se reciclar – com sucesso em El Salvador, fracassando na Guatemala – para a luta política institucional. As vias pacíficas de transformação revolucionária do Estado encontraram na derrubada do governo de Salvador Allende no Chile seus obstáculos – os poderes econômico, internacional, militar e midiático da direita.
O golpe militar no Brasil já havia demonstrado que não era necessária uma ameaça real ao capitalismo para que essas forças se desatassem e rompessem o tipo de democracia existente. A combinação entre a força econômica, internacional, midiática e militar se desatou diante de riscos muito menores para o poder tradicional.
Na era da globalização neoliberal, a esquerda herda derrotas de dimensão estratégica: o fim da primeira forma de existência do socialismo, com a URSS e o campo socialista; o enfraquecimento do Estado, da política, dos partidos, das soluções coletivas, dos direitos, da cidadania. Tudo em favor do mercado, do consumidor, do livre comércio, da globalização neoliberal.
A esquerda passou a estar na defensiva, ao não ter resposta a dar ao diagnóstico neoliberal de que as economias deixavam de crescer pelas travas das regulamentações estatais, da burocracia e da corrução estatal, dos excessivos direitos dos trabalhadores, das travas nacionais, da ineficiência dos Estados. Com a apologia das empresas e dos empresários, da livre circulação do capital, do Estado mínimo, da desregulamentação. Além da diabolização definitiva do socialismo e a naturalização do capitalismo e das formas liberais de democracia.
Nesse marco de globalização do modelo neoliberal – nunca um modelo se estendeu tanto e em tão pouco tempo como o neoliberal -, setores da própria esquerda tradicional foram aderindo a modalidades de neoliberalismo – do PS francês ao espanhol, do nacionalismo mexicano do PRI ao argentino do Carlos Menem, do socialismo chileno aos tucanos brasileiros. O consenso do bem estar social foi substituído pelo consenso do mercado.
Além das transformações econômicas, – aberturas dos mercados nacionais, financeirizacao das economias, desindustrialização da periferia, desterritorialização dos grandes investimentos do centro do capitalismo, extensão das terceirizações, privatizações, - se somaram as sociais – mercantilização das relações sociais, penetração do poder do dinheiro em todos os espaços sociais, projeção dos banqueiros como magnatas maiores, precarização das relações de trabalho, - e as políticas – naturalização da democracia liberal como “a democracia”, enfraquecimento dos partidos, desmoralização dos governos e dos parlamentos, projeção da mídia como direção política da direita.
O modelo neoliberal foi se enfraquecendo conforme as fragilidades da hegemonia do capital financeiro sob sua forma especulativa foram aparecendo claramente. Na América Latina, as três maiores economias foram sendo vitimas das crises financeiras típicas do neoliberalismo: Mexico em 1994, Brasil em 1999, Argentina em 2001/2002.
De novo, tal qual se havia dado no começo do século XX, as crises explodiram na periferia, conforme o capitalismo central se fortaleceu, exportando as contradições mais profundas para os países do Sul do mundo. Mas essas crises geraram, em países da America Latina, o esgotamento do modelo neoliberal e o surgimento de governos pós-neoliberais. Estes avançaram pelas linhas de menor resistência do modelo neoliberal: políticas sociais, integração regional, papel ativo do Estado.
Mas as relações profundas de poder não foram afetadas. É baseada nelas que a direita resiste, tendo no sistema financeiro e no monopólio privado da mídia suas bases fundamentais de sustentação. Aí resiste, no essencial, o poder, mesmo nos países onde predominam politicas posneoliberais.
Com base no sistema financeiro, canalizam os capitais fundamentalmente para a especulação e promovem a mercantilização da sociedade e do seu próprio sistema político. Com base no monopólio privado dos meios de comunicação se fabrica uma opinião pública centrada numa agenda falsa da realidade, se promove a mentalidade consumista e egoísta, com todo tipo de preconceitos, funcionando, além disso, como partido político da oposição.
Quem não tiver a compreensão de que os eixos fundamentais do poder conservador na sociedade se articulam em torno do sistema financeiro e do monopólio privado da mídia está desprovido da capacidade de ação eficaz para desbloquear os obstáculos que travam a continuidade e o aprofundamento do processo de democratização social iniciado em 2003 no Brasil.
O acordo entre Rússia e China sublinha... a fragilidade do Financial Times
O FT havia previsto, de modo peremptório, de que Vladimir Putin, nesta sua visita à China, sairia de mãos abanando, sem conseguir a assinatura do acordo.
O editorial de hoje (quinta-feira, 22 de maio) do Financial Times afirma que o acordo de 400 bilhões de dólares, prevendo o fornecimento de 30 bilhões de metros cúbicos de gás anualmente, durante 30 anos, da Rússia para a China, “sublinha a fraqueza” do primeiro parceiro desta dupla.
Chega ao ponto de, ao final, dizer que a Rússia torna-se assim o “junior partner” da China, como fornecedora da matérias primas, e que, portanto, a situação é “humilhante” para o povo russo.
Entretanto, a assinatura deste acordo mostrou, no fundo, a fragilidade de algumas análises que ora abundam no periódico britânico, porta-voz oficioso da City londrina. Dias atrás, em sua coluna/blog a múltiplas mãos, FT Alphaville, de comentários sobre os mercados mundiais (mais precisamente na segunda-feira, 19 de maio) aparecera o vaticínio peremptório de que Vladimir Putin, nesta sua visita à China, sairia de mãos abanando, sem conseguir a assinatura do acordo, que já demorava dez anos. O comentário era vigoroso; faltou no entanto combinar a profecia, cheia de “wishful thinking” com os presidentes Vladimir Putin e Xi Jinping.
O acordo abre uma nova era não só nas relações entre os dois países – mais complicadas sob o comunismo e a Guerra Fria do que agora, no triunfo do capitalismo – mas também nas relações dos dois com os Estados Unidos. Se este país e a Europa brincam com fogo na questão ucraniana, a Rússia também se mostra disposta a brincar – não invadindo a Ucrânia (pelo menos até agora), ao contrário do que vaticinam todos os dias as bruxas de Macbeth da mídia ocidental – mas anunciando manobras militares conjuntas com a China perto das ilhas Senkaku, o arquipélago em disputa entre esta e o Japão, que tem o apoio ostensivo dos Estados Unidos.
Há outros aspectos ainda a considerar nas bordas do acordo do gás – entre a Gazprom russa e a CNPC chinesa. Haverá a construção de um gasoduto de 4 mil quilômetros, por Vladivostok, em que a Rússia investirá 55 bilhões de dólares e a China, 20. Este gasoduto poderá ser o primeiro passo para novos acordos de fornecimento de gás russo para, por exemplo, o Japão, Vietnã, e outros países da Ásia. Além disso, outros analistas britânicos ressaltam que o próprio acordo com a China poderá ser ampliado nas décadas vindouras.
O Financial Times insinua que a Rússia erra ao privilegiar a China ao invés de seu diálogo com o Oeste e a Europa, porque, entre outras coisas, o fornecimento de gás àquele país será apenas de 25% do que a primeira fornece ao continente europeu, que continuará assim sendo o principal parceiro da “estagnada” economia russa na questão do gás. Entretanto, outros analistas na capital londrina e em outros países da Europa já exalam o temor de que o acordo com os chineses venha a encarecer ainda mais o fornecimento de gás para a combalida... economia europeia, que depende entre 25% e 30% (os números variam de acordo com a fonte) para seu consumo de energia da Gazprom.
Nisto tudo, manifesta-se uma constante que vem progredindo de modo alarmante em toda a mídia europeia. Tradicionalmente, esta mídia se mostrava sempre mais equilibrada e plural do que a nossa velha mídia oligárquica brasileira e latino-americana de um modo geral. Entretanto nos últimos tempos vem proliferando a contaminação daquela mídia por práticas comuns da nossa.
Dois exemplos ilustram a contaminação
No caso da Ucrânia, o renascimento da Guerra Fria reativou um padrão de editorializar matérias e comentários em cores maniqueístas, demonizando a Rússia e Putin, e fazendo vista grossa para a presença dos neofascistas nas hostes de Kiev. Ainda assim, continua a haver espaço para relatos de repórteres in loco que vez por outra relativizam esta simplória atitude editorial.
E há o caso do Brasil, onde as críticas se sucedem sem que haja contraditório visível. Multiplicam-se os ataques ao Brasil, inclusive por brasileiros que conseguem espaço nesta cada vez mais também “velha mídia”europeia, como foi o caso recente de Paulo Coelho, Ney Matogrosso e Luiz Ruffato. Foi coincidência, por certo, a saída da revista alemã Der Spiegel, com a capa abstrusa onde uma bola de fogo cai sobre o Rio de Janeiro, externando os vaticínios de que o circo irá pegar fogo no Brasil (leia-se Rio de Janeiro) durante a Copa, no dia em que aconteceu o ataque a pedradas contra a Embaixada do Brasil em Berlim. Foi coincidência, mas sabemos que de coincidências o inferno está cheio, porque elas são no mais das vezes significativas.
Não se trata de cercear críticas, mas de reivindicar o direito ao contraditório com igual destaque, sobretudo no caso de reportagens. Ou até mesmo de informações mais completas. No último dia em que houve manifestações anti-Copa no Brasil, consideradas um fracasso pela própria velha mídia anti-governo do Brasil, mais uma vez a torcida dos Gaviões da Fiel foi convocada para “proteger o Itaquerão”, em São Paulo. Mas isto não saiu aqui em lugar nenhum. A cobertura restringiu-se às tradicionais cenas de coquetéis Molotov e ao “bate-bola” violento que termina acontecendo com a polícia.
É pena. Para parte da velha mídia do Velho Continente, a bússola do bom jornalismo trincou.
O editorial de hoje (quinta-feira, 22 de maio) do Financial Times afirma que o acordo de 400 bilhões de dólares, prevendo o fornecimento de 30 bilhões de metros cúbicos de gás anualmente, durante 30 anos, da Rússia para a China, “sublinha a fraqueza” do primeiro parceiro desta dupla.
Chega ao ponto de, ao final, dizer que a Rússia torna-se assim o “junior partner” da China, como fornecedora da matérias primas, e que, portanto, a situação é “humilhante” para o povo russo.
Entretanto, a assinatura deste acordo mostrou, no fundo, a fragilidade de algumas análises que ora abundam no periódico britânico, porta-voz oficioso da City londrina. Dias atrás, em sua coluna/blog a múltiplas mãos, FT Alphaville, de comentários sobre os mercados mundiais (mais precisamente na segunda-feira, 19 de maio) aparecera o vaticínio peremptório de que Vladimir Putin, nesta sua visita à China, sairia de mãos abanando, sem conseguir a assinatura do acordo, que já demorava dez anos. O comentário era vigoroso; faltou no entanto combinar a profecia, cheia de “wishful thinking” com os presidentes Vladimir Putin e Xi Jinping.
O acordo abre uma nova era não só nas relações entre os dois países – mais complicadas sob o comunismo e a Guerra Fria do que agora, no triunfo do capitalismo – mas também nas relações dos dois com os Estados Unidos. Se este país e a Europa brincam com fogo na questão ucraniana, a Rússia também se mostra disposta a brincar – não invadindo a Ucrânia (pelo menos até agora), ao contrário do que vaticinam todos os dias as bruxas de Macbeth da mídia ocidental – mas anunciando manobras militares conjuntas com a China perto das ilhas Senkaku, o arquipélago em disputa entre esta e o Japão, que tem o apoio ostensivo dos Estados Unidos.
Há outros aspectos ainda a considerar nas bordas do acordo do gás – entre a Gazprom russa e a CNPC chinesa. Haverá a construção de um gasoduto de 4 mil quilômetros, por Vladivostok, em que a Rússia investirá 55 bilhões de dólares e a China, 20. Este gasoduto poderá ser o primeiro passo para novos acordos de fornecimento de gás russo para, por exemplo, o Japão, Vietnã, e outros países da Ásia. Além disso, outros analistas britânicos ressaltam que o próprio acordo com a China poderá ser ampliado nas décadas vindouras.
O Financial Times insinua que a Rússia erra ao privilegiar a China ao invés de seu diálogo com o Oeste e a Europa, porque, entre outras coisas, o fornecimento de gás àquele país será apenas de 25% do que a primeira fornece ao continente europeu, que continuará assim sendo o principal parceiro da “estagnada” economia russa na questão do gás. Entretanto, outros analistas na capital londrina e em outros países da Europa já exalam o temor de que o acordo com os chineses venha a encarecer ainda mais o fornecimento de gás para a combalida... economia europeia, que depende entre 25% e 30% (os números variam de acordo com a fonte) para seu consumo de energia da Gazprom.
Nisto tudo, manifesta-se uma constante que vem progredindo de modo alarmante em toda a mídia europeia. Tradicionalmente, esta mídia se mostrava sempre mais equilibrada e plural do que a nossa velha mídia oligárquica brasileira e latino-americana de um modo geral. Entretanto nos últimos tempos vem proliferando a contaminação daquela mídia por práticas comuns da nossa.
Dois exemplos ilustram a contaminação
No caso da Ucrânia, o renascimento da Guerra Fria reativou um padrão de editorializar matérias e comentários em cores maniqueístas, demonizando a Rússia e Putin, e fazendo vista grossa para a presença dos neofascistas nas hostes de Kiev. Ainda assim, continua a haver espaço para relatos de repórteres in loco que vez por outra relativizam esta simplória atitude editorial.
E há o caso do Brasil, onde as críticas se sucedem sem que haja contraditório visível. Multiplicam-se os ataques ao Brasil, inclusive por brasileiros que conseguem espaço nesta cada vez mais também “velha mídia”europeia, como foi o caso recente de Paulo Coelho, Ney Matogrosso e Luiz Ruffato. Foi coincidência, por certo, a saída da revista alemã Der Spiegel, com a capa abstrusa onde uma bola de fogo cai sobre o Rio de Janeiro, externando os vaticínios de que o circo irá pegar fogo no Brasil (leia-se Rio de Janeiro) durante a Copa, no dia em que aconteceu o ataque a pedradas contra a Embaixada do Brasil em Berlim. Foi coincidência, mas sabemos que de coincidências o inferno está cheio, porque elas são no mais das vezes significativas.
Não se trata de cercear críticas, mas de reivindicar o direito ao contraditório com igual destaque, sobretudo no caso de reportagens. Ou até mesmo de informações mais completas. No último dia em que houve manifestações anti-Copa no Brasil, consideradas um fracasso pela própria velha mídia anti-governo do Brasil, mais uma vez a torcida dos Gaviões da Fiel foi convocada para “proteger o Itaquerão”, em São Paulo. Mas isto não saiu aqui em lugar nenhum. A cobertura restringiu-se às tradicionais cenas de coquetéis Molotov e ao “bate-bola” violento que termina acontecendo com a polícia.
É pena. Para parte da velha mídia do Velho Continente, a bússola do bom jornalismo trincou.
sexta-feira, maio 16, 2014
terça-feira, maio 13, 2014
Lula entra afiado no pré-debate da campanha e garante: “Dilma será reeleita”
Blog do Zé equipedoblog /Por Equipe do Blog
Está com a língua e o gogó mais afiados do que nunca o ex-presidente Lula neste momento, quando se prepara para participar da campanha eleitoral para reeleger a presidenta Dilma Rousseff para continuar mais quatro anos no Palácio do Planalto. “Ela vai ser reeleita para ‘desgraça’ da oposicao”, previu.
É o que ele demonstrou na noite de ontem, em sua linguagem simples e direta de sempre, ao participar da inauguração do campus Universidade Federal da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), em São Francisco do Conde, na região metropolitana de Salvador.
“Nunca vi baterem tanto na presidenta Dilma como estão batendo agora. Eles batem na Dilma porque acham que não é possível este país eleger esta mulher. E ainda mais reelegê-la para a desgraça deles. (Para eles) É uma coisa absurda”, disse o ex-chefe do governo em concentração que reunia cerca de mil pessoas.
O ex-presidente manifestou certeza de que sua sucessora será reeleita acentuando: “A Dilma, além de ser uma mulher inteligente e competente, é uma de nós. Ela está lá porque nós quisemos e vai ficar lá porque nós queremos”.
Para ele, a presidenta da República é vítima de preconceito por ser mulher e é alvo de ataques de “gente que está incomodada” com seu governo. Pelo segundo dia consecutivo, ele voltou a afastar a história do “volta Lula”, reiterando já ter feito ” o que tinha de fazer” pelo país.
Ao lado do governador baiano, Jaques Wagner (PT), o ex-mandatário brasileiro elogiou o ex-presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli (PT), hoje secretário do Planejamento da Bahia. “Os adversários tentam jogar em cima dele [Gabrielli] acusações não só inverídicas, mas descabidas. E eu queria te dar os parabéns pela coragem de enfrentar este debate”, afirmou.
Está com a língua e o gogó mais afiados do que nunca o ex-presidente Lula neste momento, quando se prepara para participar da campanha eleitoral para reeleger a presidenta Dilma Rousseff para continuar mais quatro anos no Palácio do Planalto. “Ela vai ser reeleita para ‘desgraça’ da oposicao”, previu.
É o que ele demonstrou na noite de ontem, em sua linguagem simples e direta de sempre, ao participar da inauguração do campus Universidade Federal da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), em São Francisco do Conde, na região metropolitana de Salvador.
“Nunca vi baterem tanto na presidenta Dilma como estão batendo agora. Eles batem na Dilma porque acham que não é possível este país eleger esta mulher. E ainda mais reelegê-la para a desgraça deles. (Para eles) É uma coisa absurda”, disse o ex-chefe do governo em concentração que reunia cerca de mil pessoas.
O ex-presidente manifestou certeza de que sua sucessora será reeleita acentuando: “A Dilma, além de ser uma mulher inteligente e competente, é uma de nós. Ela está lá porque nós quisemos e vai ficar lá porque nós queremos”.
Para ele, a presidenta da República é vítima de preconceito por ser mulher e é alvo de ataques de “gente que está incomodada” com seu governo. Pelo segundo dia consecutivo, ele voltou a afastar a história do “volta Lula”, reiterando já ter feito ” o que tinha de fazer” pelo país.
Ao lado do governador baiano, Jaques Wagner (PT), o ex-mandatário brasileiro elogiou o ex-presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli (PT), hoje secretário do Planejamento da Bahia. “Os adversários tentam jogar em cima dele [Gabrielli] acusações não só inverídicas, mas descabidas. E eu queria te dar os parabéns pela coragem de enfrentar este debate”, afirmou.
Voto: um direito ou um dever?
Volta e meia, o tema reaparece. A revista inglesa The Economist, em um artigo recente, atribuiu à obrigatoriedade do voto, as desgraças do liberalismo.
por Emir Sader
A cada tanto tempo, o tema reaparece: como o voto, de um direito se transformou em um dever? Reaparecem as vozes favoráveis ao voto facultativo.
A revista inglesa The Economist chegou, em artigo recente, a atribuir à obrigatoriedade do voto, as desgraças do liberalismo. Partindo do pressuposto – equivocado – de que os dois principais candidatos à presidência do Brasil seriam estatistas e antiliberais, a revista diz que ao ser obrigado a votar, o povo vota a favor de mais Estado, porque é quem lhe garante direitos.
Para tomar logo um caso concreto de referência, nos Estados Unidos as eleições se realizam na primeira terça-feira de novembro, dia de trabalho – dia “útil”, se costuma dizer, como se o lazer, o descanso, foram inúteis, denominação dada pelos empregadores, está claro -, sem que sequer exista licença para ira votar, dado que o voto é facultativo. O resultado é que votam os de sempre, que costumam dar maioria aos republicanos, aos grupos mais informados, mais organizados, elegendo-se o presidente do pais que mais tem influência no mundo, por uma minoria de norteamericanos. Costumam não votar, justamente os que mais precisam lutar por seus direitos, os mais marginalizados: os negros, os de origem latinoamericana, os idosos, os pobres, facilitando o caráter elitista do sistema político norteamericano e do poder nos EUA.
O voto obrigatório faz com que, pelo menos uma vez a cada dois anos, todos sejam obrigados a interessar-se pelos destinos do país, do estado, da cidade, e sejam convocados a participar da decisão sobre quem deve dirigir a sociedade e com que orientação. Isso é odiado pelas elites tradicionais, acostumadas a se apropriar do poder de forma monopolista, a quem o voto popular “incomoda”, os obriga a ser referendados pelo povo, a quem nunca tomam como referência ao longo de todos os seus mandatos.
Desesperados por serem sempre derrotados por Getúlio, que era depositário da grande maioria do voto popular, a direita da época – a UDN – chegou a propugnar o voto qualitativo, com o argumento de que o voto de um médico ou em engenheiro – na época, sinônimos da classe média branca do centro-sul do país – tivesse uma ponderação maior do que o voto de um operário – referência de alguém do povo na época.
O voto obrigatório é uma garantia da participação popular mínima no sistema político brasileiro, para se contrapor aos mecanismos elitistas das outras instâncias do poder no Brasil.
por Emir Sader
A cada tanto tempo, o tema reaparece: como o voto, de um direito se transformou em um dever? Reaparecem as vozes favoráveis ao voto facultativo.
A revista inglesa The Economist chegou, em artigo recente, a atribuir à obrigatoriedade do voto, as desgraças do liberalismo. Partindo do pressuposto – equivocado – de que os dois principais candidatos à presidência do Brasil seriam estatistas e antiliberais, a revista diz que ao ser obrigado a votar, o povo vota a favor de mais Estado, porque é quem lhe garante direitos.
Para tomar logo um caso concreto de referência, nos Estados Unidos as eleições se realizam na primeira terça-feira de novembro, dia de trabalho – dia “útil”, se costuma dizer, como se o lazer, o descanso, foram inúteis, denominação dada pelos empregadores, está claro -, sem que sequer exista licença para ira votar, dado que o voto é facultativo. O resultado é que votam os de sempre, que costumam dar maioria aos republicanos, aos grupos mais informados, mais organizados, elegendo-se o presidente do pais que mais tem influência no mundo, por uma minoria de norteamericanos. Costumam não votar, justamente os que mais precisam lutar por seus direitos, os mais marginalizados: os negros, os de origem latinoamericana, os idosos, os pobres, facilitando o caráter elitista do sistema político norteamericano e do poder nos EUA.
O voto obrigatório faz com que, pelo menos uma vez a cada dois anos, todos sejam obrigados a interessar-se pelos destinos do país, do estado, da cidade, e sejam convocados a participar da decisão sobre quem deve dirigir a sociedade e com que orientação. Isso é odiado pelas elites tradicionais, acostumadas a se apropriar do poder de forma monopolista, a quem o voto popular “incomoda”, os obriga a ser referendados pelo povo, a quem nunca tomam como referência ao longo de todos os seus mandatos.
Desesperados por serem sempre derrotados por Getúlio, que era depositário da grande maioria do voto popular, a direita da época – a UDN – chegou a propugnar o voto qualitativo, com o argumento de que o voto de um médico ou em engenheiro – na época, sinônimos da classe média branca do centro-sul do país – tivesse uma ponderação maior do que o voto de um operário – referência de alguém do povo na época.
O voto obrigatório é uma garantia da participação popular mínima no sistema político brasileiro, para se contrapor aos mecanismos elitistas das outras instâncias do poder no Brasil.
A autonomia do Banco Central: o ouro de tolo da oposição
O Senador Aécio Neves e o ex-governador Eduardo Campos defenderam no fórum empresarial de Comandatuba a autonomia do BC como arma para combater a inflação.
O Senador Aécio Neves (PSDB) e o ex-governador Eduardo Campos (PSB), ambos pré-candidatos à presidência da República, defenderam no fórum empresarial de Comandatuba a autonomia do Banco Central (BACEN) como arma para combater a inflação. No final do ano passado, muito se falou na imprensa da intenção (ademais nunca confirmada) do presidente do Senado de apresentar um projeto de lei garantindo a independência do Bacen.
Apesar de os pré-candidatos de oposição à presidente Dilma usarem os adjetivos independência e autonomia como sinônimos, eles podem representar desenhos institucionais razoavelmente distintos do papel do Banco Central na condução da política monetária. Da existência de mandatos de sua diretoria não coincidentes com o mandato presidencial à mera autonomia operacional para atingir metas determinadas pelo governo, os termos, em um sentido amplo, podem inclusive descrever o funcionamento atual de nossa autoridade monetária ao operar as metas inflacionárias.
O que quiseram então dizer os presidenciáveis de oposição ao defender a independência do Banco Central? A meu ver, sinalizar para os agentes econômicos, particularmente para o mercado financeiro que: 1) que dentre o conjunto de instrumentos de política econômica, a política monetária (leia-se, alterações na taxa Selic) terá estatuto superior e que, consequentemente, 2) a política de estabilização de preços terá prioridade sobre objetivos macroeconômicos, notadamente a geração de empregos e o nível da taxa de câmbio, fundamental para a sobrevivência da nossa indústria. As propostas de Aécio e Eduardo Campos têm importante repercussão programática e, caso algum dia se concretizem, terão graves consequências para o futuro do país.
No fundo, as teses de autonomia ou independência dos Bancos Centrais partem de pressupostos comuns. Em ambos casos casos comungam de versões contemporâneas de teorias econômicas ultra-ortodoxas, típicas do século XIX, que acreditam que a tendência natural do capitalismo é o pleno emprego (ou, na sua versão tautológica, de uma taxa de desemprego em que a inflação seja estável) a partir do equilíbrio entre oferta e demanda dos diversos mercados em regime de livre concorrência. A existência de desemprego crônico ou de equilíbrios "sub-ótimos" normalmente é fruto de intervenção indevida de instituições (dentre elas o Estado) no livre funcionamento do mercado.
Entre essas intervenções "indevidas" estariam políticas de afrouxamento monetário – quedas nas taxas básicas de juros ou ampliação da base monetária – visando ao estímulo à atividade econômica e à geração de empregos, típicas do arroz com feijão keynesiano que vigorou como verdade inatacável desde o New Deal americano até o surgimento do neoliberalismo, no final da década de 1970.
Segundo os ortodoxos, tentativas recorrentes de estímulo monetário estão fadadas a gerar descontrole inflacionário, já que a moeda é neutra no longo prazo e têm efeito somente sobre a variação do nível de preços, sendo ineficaz na aceleração do nível do produto.
Portanto, a receita de política monetária advogada pelos economistas hoje articulados em torno de Aécio e Eduardo Campos é centrada na concepção de "um instrumento" para "um objetivo" de política econômica. O instrumento recomendado é a taxa de juros; o objetivo sugerido é o controle da inflação. Nestes termos, a política monetária, leia-se a gestão da taxa básica de juros da economia (Selic), deve ser orientada exclusivamente para o alcance de uma meta de inflação.
O argumento central para fundamentar a escolha deste modelo é que a adoção de uma meta para a inflação constitui uma âncora para as expectativas dos agentes econômicos quanto ao comportamento futuro da inflação. Expectativas bem ancoradas seriam capazes de ampliar os investimentos e favorecer o crescimento.
A ancoragem depende da reputação da autoridade responsável pela condução da política monetária. Esta reputação é determinada pelo compromisso político e a capacidade operacional referente à execução da política de metas.
Aqui reside o argumento "técnico" para justificar a "independência" do Banco Central. Esta independência diz respeito ao Poder Executivo. Mais especificamente, é independência em relação ao presidente da República, eleito pelo voto direto da população brasileira, em eleições realizadas dentro dos marcos constitucionais, sob condições de plena transparência e reconhecimento da comunidade internacional de países. Um argumento que, na realidade, é fundamentalmente, político.
Segundo seus adeptos, o bom funcionamento da política monetária de metas para a inflação, ao consolidar expectativas sobre a estabilidade da trajetória da inflação, reduz incertezas relacionadas ao comportamento futuro dos preços dos ativos de capital e dos fluxos de renda decorrentes da exploração econômica destes ativos. Ou seja, reduz as incertezas sobre a dinâmica do processo de acumulação de capital.
E qual o papel reservado aos objetivos de políticas econômicas relacionadas ao nível de emprego e da renda real dos trabalhadores? Bem, estes objetivos não são considerados no âmbito da política econômica dos Inocentes do Leblon. Para eles, a estabilidade da economia favorece o funcionamento dos mercados e, consequentemente, (sem necessidade de execução de medidas de política econômica) constitui condições favoráveis à expansão do emprego e da renda das famílias.
O governo do PSDB praticou taxas abusivas de juros e encerrou o mandato em dezembro de 2002 com Selic igual a 25% a.a. O governo da presidente Dilma Rousseff praticou a menor taxa média de juros dos últimos 25 anos e opera atualmente uma Selic igual a 10,5%.
Apesar das taxas de juros abusivas, o governo de FHC conviveu com uma inflação média no período 1999-2002 de aproximadamente 8,8% a.a., chegando a 12,5% no último ano do mandato, em 2002. O governo da presidente Dilma manteve a inflação dentro da meta e, no período 2011-2013, a inflação média foi da ordem de 6% a.a.
Por fim, cabe ressaltar que o segundo governo do PSDB de Fernando Henrique Cardoso conviveu com taxas de desemprego médio de 10% a.a. e encerrou o mandato, em 2002, com uma taxa batendo na casa dos 11%. O Governo da presidente Dilma, orientado num modelo de política econômica que valoriza a coordenação de políticas econômicas e objetiva competitividade e pleno emprego, alcançou as menores taxas de desemprego da série histórica calculada pelo IBGE, alcançando uma média anual de aproximadamente 4,6%a.a no período 2011-2013.
Estes dados são ainda mais expressivos quando consideramos que o PSDB governou o país sob condições internacionais muito favoráveis, e a Presidente Dilma governa o Brasil sob um cenário internacional adverso, que observa o sétimo ano consecutivo de turbulências (2008-2014) determinadas pela maior crise da economia mundial desde os anos 1930.
Uma política econômica que sustente um projeto democrático e popular não pode ser caolha e nem prescindir de um firme compromisso com o emprego e com a defesa dos interesses de nossa produção. Isso exige um grande esforço de coordenação macroeconômica a partir do Executivo e envolve, obviamente, o Bacen. É o que demonstra nossa experiência recente, nos acertos de Dilma... e nos erros (reincidentes) da oposição.
(*) Deputado federal (PT-PA)
O Senador Aécio Neves (PSDB) e o ex-governador Eduardo Campos (PSB), ambos pré-candidatos à presidência da República, defenderam no fórum empresarial de Comandatuba a autonomia do Banco Central (BACEN) como arma para combater a inflação. No final do ano passado, muito se falou na imprensa da intenção (ademais nunca confirmada) do presidente do Senado de apresentar um projeto de lei garantindo a independência do Bacen.
Apesar de os pré-candidatos de oposição à presidente Dilma usarem os adjetivos independência e autonomia como sinônimos, eles podem representar desenhos institucionais razoavelmente distintos do papel do Banco Central na condução da política monetária. Da existência de mandatos de sua diretoria não coincidentes com o mandato presidencial à mera autonomia operacional para atingir metas determinadas pelo governo, os termos, em um sentido amplo, podem inclusive descrever o funcionamento atual de nossa autoridade monetária ao operar as metas inflacionárias.
O que quiseram então dizer os presidenciáveis de oposição ao defender a independência do Banco Central? A meu ver, sinalizar para os agentes econômicos, particularmente para o mercado financeiro que: 1) que dentre o conjunto de instrumentos de política econômica, a política monetária (leia-se, alterações na taxa Selic) terá estatuto superior e que, consequentemente, 2) a política de estabilização de preços terá prioridade sobre objetivos macroeconômicos, notadamente a geração de empregos e o nível da taxa de câmbio, fundamental para a sobrevivência da nossa indústria. As propostas de Aécio e Eduardo Campos têm importante repercussão programática e, caso algum dia se concretizem, terão graves consequências para o futuro do país.
No fundo, as teses de autonomia ou independência dos Bancos Centrais partem de pressupostos comuns. Em ambos casos casos comungam de versões contemporâneas de teorias econômicas ultra-ortodoxas, típicas do século XIX, que acreditam que a tendência natural do capitalismo é o pleno emprego (ou, na sua versão tautológica, de uma taxa de desemprego em que a inflação seja estável) a partir do equilíbrio entre oferta e demanda dos diversos mercados em regime de livre concorrência. A existência de desemprego crônico ou de equilíbrios "sub-ótimos" normalmente é fruto de intervenção indevida de instituições (dentre elas o Estado) no livre funcionamento do mercado.
Entre essas intervenções "indevidas" estariam políticas de afrouxamento monetário – quedas nas taxas básicas de juros ou ampliação da base monetária – visando ao estímulo à atividade econômica e à geração de empregos, típicas do arroz com feijão keynesiano que vigorou como verdade inatacável desde o New Deal americano até o surgimento do neoliberalismo, no final da década de 1970.
Segundo os ortodoxos, tentativas recorrentes de estímulo monetário estão fadadas a gerar descontrole inflacionário, já que a moeda é neutra no longo prazo e têm efeito somente sobre a variação do nível de preços, sendo ineficaz na aceleração do nível do produto.
Portanto, a receita de política monetária advogada pelos economistas hoje articulados em torno de Aécio e Eduardo Campos é centrada na concepção de "um instrumento" para "um objetivo" de política econômica. O instrumento recomendado é a taxa de juros; o objetivo sugerido é o controle da inflação. Nestes termos, a política monetária, leia-se a gestão da taxa básica de juros da economia (Selic), deve ser orientada exclusivamente para o alcance de uma meta de inflação.
O argumento central para fundamentar a escolha deste modelo é que a adoção de uma meta para a inflação constitui uma âncora para as expectativas dos agentes econômicos quanto ao comportamento futuro da inflação. Expectativas bem ancoradas seriam capazes de ampliar os investimentos e favorecer o crescimento.
A ancoragem depende da reputação da autoridade responsável pela condução da política monetária. Esta reputação é determinada pelo compromisso político e a capacidade operacional referente à execução da política de metas.
Aqui reside o argumento "técnico" para justificar a "independência" do Banco Central. Esta independência diz respeito ao Poder Executivo. Mais especificamente, é independência em relação ao presidente da República, eleito pelo voto direto da população brasileira, em eleições realizadas dentro dos marcos constitucionais, sob condições de plena transparência e reconhecimento da comunidade internacional de países. Um argumento que, na realidade, é fundamentalmente, político.
Segundo seus adeptos, o bom funcionamento da política monetária de metas para a inflação, ao consolidar expectativas sobre a estabilidade da trajetória da inflação, reduz incertezas relacionadas ao comportamento futuro dos preços dos ativos de capital e dos fluxos de renda decorrentes da exploração econômica destes ativos. Ou seja, reduz as incertezas sobre a dinâmica do processo de acumulação de capital.
E qual o papel reservado aos objetivos de políticas econômicas relacionadas ao nível de emprego e da renda real dos trabalhadores? Bem, estes objetivos não são considerados no âmbito da política econômica dos Inocentes do Leblon. Para eles, a estabilidade da economia favorece o funcionamento dos mercados e, consequentemente, (sem necessidade de execução de medidas de política econômica) constitui condições favoráveis à expansão do emprego e da renda das famílias.
O governo do PSDB praticou taxas abusivas de juros e encerrou o mandato em dezembro de 2002 com Selic igual a 25% a.a. O governo da presidente Dilma Rousseff praticou a menor taxa média de juros dos últimos 25 anos e opera atualmente uma Selic igual a 10,5%.
Apesar das taxas de juros abusivas, o governo de FHC conviveu com uma inflação média no período 1999-2002 de aproximadamente 8,8% a.a., chegando a 12,5% no último ano do mandato, em 2002. O governo da presidente Dilma manteve a inflação dentro da meta e, no período 2011-2013, a inflação média foi da ordem de 6% a.a.
Por fim, cabe ressaltar que o segundo governo do PSDB de Fernando Henrique Cardoso conviveu com taxas de desemprego médio de 10% a.a. e encerrou o mandato, em 2002, com uma taxa batendo na casa dos 11%. O Governo da presidente Dilma, orientado num modelo de política econômica que valoriza a coordenação de políticas econômicas e objetiva competitividade e pleno emprego, alcançou as menores taxas de desemprego da série histórica calculada pelo IBGE, alcançando uma média anual de aproximadamente 4,6%a.a no período 2011-2013.
Estes dados são ainda mais expressivos quando consideramos que o PSDB governou o país sob condições internacionais muito favoráveis, e a Presidente Dilma governa o Brasil sob um cenário internacional adverso, que observa o sétimo ano consecutivo de turbulências (2008-2014) determinadas pela maior crise da economia mundial desde os anos 1930.
Uma política econômica que sustente um projeto democrático e popular não pode ser caolha e nem prescindir de um firme compromisso com o emprego e com a defesa dos interesses de nossa produção. Isso exige um grande esforço de coordenação macroeconômica a partir do Executivo e envolve, obviamente, o Bacen. É o que demonstra nossa experiência recente, nos acertos de Dilma... e nos erros (reincidentes) da oposição.
(*) Deputado federal (PT-PA)
Recomendações aos brasileiros sobre os turistas na Copa
A Copa pode ser um momento difícil para os brasileiros, tendo que aguentar gente sem a mínima educação, achando que são os civilizados visitando os bárbaros.
por Emir Sader
O brasileiro é conhecido por sua simpatia e amabilidade com todo mundo, inclusive com os turistas. Mas é preciso tomar precauções quando nos preparamos para recebemos grande quantidade de turistas, munidos de preconceitos, clichês, taras, etc. Vamos recebê-los com a hospitalidade de sempre, mas temos que levar em conta certas normas, baseadas na nossa experiência de tratamento com os turistas, mas também em conhecimento de coisas que acontecem hoje no mundo e que nos obriga a ficarmos muito alertas com os turistas, especialmente os da Europa, dos EUA e de outras regiões do mundo que se consideram superiores aos outros, “civilizados” que vem a um país “bárbaro”.
São gente em geral com boa disposição com o Brasil mas que, colocando pra fora algumas taras pessoais, alimentando preconceitos e clichês, podem se tornar pessoas sumamente perigosas, violentas, sob o efeito do álcool, de drogas e outros estupefacientes.
Vai ser um momento mudo bom, mas também muito cheio de provas para nós, brasileiros. Podemos ter certeza de que sairemos bem dessa circunstância, mas para isso temos que obedecer a certas normas e comportamentos.
1. Muitos turistas, especialmente vindos de alguns países da Europa, já contratam em agências de turismo, programas de turismo sexual, inclusive de pederastia. Vamos ser muito duros com eles, nos mantermos vigilantes, denunciarmos suas atitudes, acompanharmos os procedimentos policiais e garantirmos que eles sejam punidos exemplarmente aqui mesmo.
2. Muitos turistas acham que vivem aqui no paraíso das drogas, que podem consumir o que bem entenderem, entrar em contato com traficantes e aviõezinhos, fumar e cheirar o que bem entendam. Devemos cuidar para que depois não venham denunciar que caíram em algum golpe de forma inocente.
3. Muitos torcedores – especialmente europeus – costumam se comportar de maneira preconceituosa e desrespeitosa com pessoas que julgam de menor nível de vida e, especialmente, de outras etnias. Os europeus desenvolveram, ao longo da sua história, uma concepção de que “negro serve para ser escravo”, para trabalhar como raça inferior para que eles se enriquecessem. Até hoje, muitos ainda consideram os negros uma raça inferior. Por isso que grita ofensas aos jogadores negros nos campos de futebol, jogam bananas para alguns deles.
Devemos estar muito vigilantes com esses comportamentos estúpidos de alguns turistas. Discriminação aqui é crime inafiançável, previsto na Constituição. Por lá eles tendem a ser condescendentes com esse tipo de comportamento, porque é o sentimento que grande parte deles tem em relação aos imigrantes, por exemplo, fazendo com que a força política que mais cresça lá seja a extrema direita, que ataca fortemente os direitos dos imigrantes e os discrimina fortemente, desejando expulsá-los dos seus países.
4. Muitos turistas vem de países em que a mídia e mesmo meios governamentais os preparam para vir encontrar um caldeirão de conflitos e violências por aqui. Acreditam que podem ser assaltados a cada esquina, que vão encontrar macacos, cobras, em cada rua, que não podem sair à noite pelas ruas. Que, ao contrário do que Lula propalou pelo mundo afora, a miséria, a pobreza, o desemprego, só aumentam, há uma crise social prestes a explodir.
5. Na Europa em particular, os níveis de desemprego são altíssimos. Em países como a Espanha, Portugal, Grecia, mais do que 50% dos jovens são desempregados, há anos. Eles não estão acostumados mais a situações de pleno emprego. Podem estranhar. Não tem um líder popular como o Lula. Podem estranhar. Ainda mais se lerem os jornais, lembrarem do que leram nos seus países, podem achar que há um Estado policial que impede as pessoas a se manifestarem por emprego, por salário, por licença desemprego. Podem se comportar de maneira estranha.
Em suma, a Copa pode ser um momento difícil para os brasileiros, tendo que aguentar muita gente sem a mínima educação, achando que são os “civilizados”, se achando os “democratas”, sem saber conviver com pessoas diferentes em étnicas em comportamentos, em valores. Mas acho que vamos sobreviver, com nossa hospitalidade, nosso costuma de conviver com gente diferente, nossa forma bem humorada de levar adiante os problemas, de gozar os “gringos” que vierem metidos a besta.
por Emir Sader
O brasileiro é conhecido por sua simpatia e amabilidade com todo mundo, inclusive com os turistas. Mas é preciso tomar precauções quando nos preparamos para recebemos grande quantidade de turistas, munidos de preconceitos, clichês, taras, etc. Vamos recebê-los com a hospitalidade de sempre, mas temos que levar em conta certas normas, baseadas na nossa experiência de tratamento com os turistas, mas também em conhecimento de coisas que acontecem hoje no mundo e que nos obriga a ficarmos muito alertas com os turistas, especialmente os da Europa, dos EUA e de outras regiões do mundo que se consideram superiores aos outros, “civilizados” que vem a um país “bárbaro”.
São gente em geral com boa disposição com o Brasil mas que, colocando pra fora algumas taras pessoais, alimentando preconceitos e clichês, podem se tornar pessoas sumamente perigosas, violentas, sob o efeito do álcool, de drogas e outros estupefacientes.
Vai ser um momento mudo bom, mas também muito cheio de provas para nós, brasileiros. Podemos ter certeza de que sairemos bem dessa circunstância, mas para isso temos que obedecer a certas normas e comportamentos.
1. Muitos turistas, especialmente vindos de alguns países da Europa, já contratam em agências de turismo, programas de turismo sexual, inclusive de pederastia. Vamos ser muito duros com eles, nos mantermos vigilantes, denunciarmos suas atitudes, acompanharmos os procedimentos policiais e garantirmos que eles sejam punidos exemplarmente aqui mesmo.
2. Muitos turistas acham que vivem aqui no paraíso das drogas, que podem consumir o que bem entenderem, entrar em contato com traficantes e aviõezinhos, fumar e cheirar o que bem entendam. Devemos cuidar para que depois não venham denunciar que caíram em algum golpe de forma inocente.
3. Muitos torcedores – especialmente europeus – costumam se comportar de maneira preconceituosa e desrespeitosa com pessoas que julgam de menor nível de vida e, especialmente, de outras etnias. Os europeus desenvolveram, ao longo da sua história, uma concepção de que “negro serve para ser escravo”, para trabalhar como raça inferior para que eles se enriquecessem. Até hoje, muitos ainda consideram os negros uma raça inferior. Por isso que grita ofensas aos jogadores negros nos campos de futebol, jogam bananas para alguns deles.
Devemos estar muito vigilantes com esses comportamentos estúpidos de alguns turistas. Discriminação aqui é crime inafiançável, previsto na Constituição. Por lá eles tendem a ser condescendentes com esse tipo de comportamento, porque é o sentimento que grande parte deles tem em relação aos imigrantes, por exemplo, fazendo com que a força política que mais cresça lá seja a extrema direita, que ataca fortemente os direitos dos imigrantes e os discrimina fortemente, desejando expulsá-los dos seus países.
4. Muitos turistas vem de países em que a mídia e mesmo meios governamentais os preparam para vir encontrar um caldeirão de conflitos e violências por aqui. Acreditam que podem ser assaltados a cada esquina, que vão encontrar macacos, cobras, em cada rua, que não podem sair à noite pelas ruas. Que, ao contrário do que Lula propalou pelo mundo afora, a miséria, a pobreza, o desemprego, só aumentam, há uma crise social prestes a explodir.
5. Na Europa em particular, os níveis de desemprego são altíssimos. Em países como a Espanha, Portugal, Grecia, mais do que 50% dos jovens são desempregados, há anos. Eles não estão acostumados mais a situações de pleno emprego. Podem estranhar. Não tem um líder popular como o Lula. Podem estranhar. Ainda mais se lerem os jornais, lembrarem do que leram nos seus países, podem achar que há um Estado policial que impede as pessoas a se manifestarem por emprego, por salário, por licença desemprego. Podem se comportar de maneira estranha.
Em suma, a Copa pode ser um momento difícil para os brasileiros, tendo que aguentar muita gente sem a mínima educação, achando que são os “civilizados”, se achando os “democratas”, sem saber conviver com pessoas diferentes em étnicas em comportamentos, em valores. Mas acho que vamos sobreviver, com nossa hospitalidade, nosso costuma de conviver com gente diferente, nossa forma bem humorada de levar adiante os problemas, de gozar os “gringos” que vierem metidos a besta.
Os políticos devem definir política monetária, diz Rui Falcão
Presidente do PT afirma que Banco Central não deve ter autonomia formal
Bloomberg
redação@brasileconomico.com.br
Autoridades eleitas pelo povo, no lugar do Banco Central, deveriam ter a palavra final na formulação da política monetária, disse nesta terça-feira, Rui Falcão, coordenador da campanha de reeleição da presidenta Dilma Rousseff.
"O Banco Central tem autonomia operacional, e achamos que a economia - e a questão monetária é parte da economia como um todo - precisa ser dirigida por aqueles que são eleitos", disse em uma entrevista na sede do Partido dos Trabalhadores (PT). "Eu sou contra a autonomia formal do Banco Central."
O governo de Dilma Rousseff tem se esforçado para manter a inflação dentro da margem de dois pontos percentuais acima da meta de 4,5%, enquanto o crescimento econômico durante seu mandato foi o menor em duas décadas. O Banco Central, que aumentou a taxa básica de juros por nove vezes consecutivas, para 11% ao ano, fará sua próxima reunião de política monetária em 27 e 28 de maio.
Economistas estimam que o crescimento econômico vai desacelerar de 2,3% em 2013 para 1,69% este ano, de acordo com pesquisa do BC junto a cerca de cem analistas publicada nesta segunda-feira. O mercado reduziu a estimativa média da inflação em 2014 de 6,5% para 6,39%, também segundo o boletim Focus. A inflação nos 12 meses até abril foi de 6,28%, o mais alto percentual anual em dez meses.
A assessoria de imprensa do BC não quis comentar a opinião de Rui Falcão sobre a autonomia do Banco Central quando procurada por telefone.
Independência
Concorrentes de Dilma para as eleições em outubro, o senador Aécio Neves (PSDB) e o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB), defendem a independência oficial do Banco Central e menor participação do Estado na economia. Falcão, que também é presidente do PT, disse que o governo irá considerar controles de capital em um possível segundo mandato desde que eles não afetem o investimento estrangeiro direto.
"Pode-se discutir corretamente os controles de capital no próximo mandato, para evitar a fuga de capitais", disse Falcão, de Brasília. "Em todas essas questões em que o Estado intervém para alcançar um crescimento econômico com inclusão social, o mercado grita."
A popularidade de Dilma entre os brasileiros vem caindo desde o final de março, de acordo com pesquisas de opinião pública, conforme o aumento dos preços ao consumidor e uma possível escassez de energia levam os eleitores a considerar outros candidatos.
Pesquisa do Datafolha publicada em 9 de maio mostrou que 37% dos brasileiros disseram que votariam em Dilma, contra 20% para Aécio Neves (PSDB) e 11% Campos (PSB). A pesquisa teve uma margem de erro de 2 pontos percentuais para mais ou para menos.
Próximo candidato
A campanha de Dilma Rousseff não precisa de um diretor econômico, pois a política econômica de seu governo já está bem definida, disse Falcão. Ele afirmou que os investimentos em infraestrutura, saúde e educação vão começar a dar frutos durante um possível segundo mandato, preparando o terreno para o próximo candidato do PT.
"Há um crescimento menor do PIB neste período, mas temos mantido o que é essencial para nós: o crescimento econômico sem comprometer emprego, renda e salário e sem aumentar a inflação", disse Falcão.
As prioridades do PT são reeleger Dilma Rousseff neste ano, para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva possa voltar como o candidato do partido em 2018, disse Falcão. Ele comentou que o ex-presidente de 68 anos, que em 2 de maio disse que iria fazer campanha para Dilma nesta eleição, tem dado sinais contraditórios sobre se está interessado em concorrer à presidência novamente.
"Reeleger Dilma também significa tornar possível o retorno de Lula em 2018", disse Falcão. "A declaração dele, em sua própria maneira de falar, é que 'se você me atormentar bastante, eu vou voltar'."
Bloomberg
redação@brasileconomico.com.br
Autoridades eleitas pelo povo, no lugar do Banco Central, deveriam ter a palavra final na formulação da política monetária, disse nesta terça-feira, Rui Falcão, coordenador da campanha de reeleição da presidenta Dilma Rousseff.
"O Banco Central tem autonomia operacional, e achamos que a economia - e a questão monetária é parte da economia como um todo - precisa ser dirigida por aqueles que são eleitos", disse em uma entrevista na sede do Partido dos Trabalhadores (PT). "Eu sou contra a autonomia formal do Banco Central."
O governo de Dilma Rousseff tem se esforçado para manter a inflação dentro da margem de dois pontos percentuais acima da meta de 4,5%, enquanto o crescimento econômico durante seu mandato foi o menor em duas décadas. O Banco Central, que aumentou a taxa básica de juros por nove vezes consecutivas, para 11% ao ano, fará sua próxima reunião de política monetária em 27 e 28 de maio.
Economistas estimam que o crescimento econômico vai desacelerar de 2,3% em 2013 para 1,69% este ano, de acordo com pesquisa do BC junto a cerca de cem analistas publicada nesta segunda-feira. O mercado reduziu a estimativa média da inflação em 2014 de 6,5% para 6,39%, também segundo o boletim Focus. A inflação nos 12 meses até abril foi de 6,28%, o mais alto percentual anual em dez meses.
A assessoria de imprensa do BC não quis comentar a opinião de Rui Falcão sobre a autonomia do Banco Central quando procurada por telefone.
Independência
Concorrentes de Dilma para as eleições em outubro, o senador Aécio Neves (PSDB) e o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB), defendem a independência oficial do Banco Central e menor participação do Estado na economia. Falcão, que também é presidente do PT, disse que o governo irá considerar controles de capital em um possível segundo mandato desde que eles não afetem o investimento estrangeiro direto.
"Pode-se discutir corretamente os controles de capital no próximo mandato, para evitar a fuga de capitais", disse Falcão, de Brasília. "Em todas essas questões em que o Estado intervém para alcançar um crescimento econômico com inclusão social, o mercado grita."
A popularidade de Dilma entre os brasileiros vem caindo desde o final de março, de acordo com pesquisas de opinião pública, conforme o aumento dos preços ao consumidor e uma possível escassez de energia levam os eleitores a considerar outros candidatos.
Pesquisa do Datafolha publicada em 9 de maio mostrou que 37% dos brasileiros disseram que votariam em Dilma, contra 20% para Aécio Neves (PSDB) e 11% Campos (PSB). A pesquisa teve uma margem de erro de 2 pontos percentuais para mais ou para menos.
Próximo candidato
A campanha de Dilma Rousseff não precisa de um diretor econômico, pois a política econômica de seu governo já está bem definida, disse Falcão. Ele afirmou que os investimentos em infraestrutura, saúde e educação vão começar a dar frutos durante um possível segundo mandato, preparando o terreno para o próximo candidato do PT.
"Há um crescimento menor do PIB neste período, mas temos mantido o que é essencial para nós: o crescimento econômico sem comprometer emprego, renda e salário e sem aumentar a inflação", disse Falcão.
As prioridades do PT são reeleger Dilma Rousseff neste ano, para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva possa voltar como o candidato do partido em 2018, disse Falcão. Ele comentou que o ex-presidente de 68 anos, que em 2 de maio disse que iria fazer campanha para Dilma nesta eleição, tem dado sinais contraditórios sobre se está interessado em concorrer à presidência novamente.
"Reeleger Dilma também significa tornar possível o retorno de Lula em 2018", disse Falcão. "A declaração dele, em sua própria maneira de falar, é que 'se você me atormentar bastante, eu vou voltar'."
ARROCHO NEVES SAI DO ARMÁRIO: CONFESSA QUE É ENTREGUISTA
O Príncipe é que queria entrar para a Alca – depois de tirar os sapatos. O Nunca Dantes foi quem não deixou !
Amigo navegante sugere a leitura desse texto no Brasil Atual – não sem antes voltar ao lançamento da candidatura de Aécio, quando também saiu do armário e preferiu a concessão à partilha do pré-sal:
EM DOCUMENTO, AÉCIO PREGA ACORDO ‘URGENTE’ COM EUA E FIM DO MERCOSUL
Retomar a Alca entra no rol das possíveis ‘medidas impopulares’ do candidato tucano, que como presidente da Câmara cobrou fechamento imediato de acordo de livre comércio com Casa Branca
Em recente passagem por Porto Alegre, para uma palestra durante o chamado Fórum da Liberdade, promovido pelo Instituto de Estudos Empresariais (IEE), o senador e pré-candidato do PSDB à Presidência da República, Aécio Neves, propôs o fim do Mercosul, que na sua visão deveria ser substituído por uma área de livre comércio.
A proposta remete à Área de Livre Comércio das Américas (Alca), um projeto, digamos, neocolonizador para a América Latina, lançado pelo ex-presidente dos EUA Bill Clinton e abraçado pelo governo tucano de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Não chega a causar surpresa as declarações do senador mineiro, se resgatarmos sua atuação como presidente da Câmara dos Deputados.
No ano de 2001, por exemplo, Aécio Neves estendeu o tapete vermelho do Parlamento brasileiro para o então secretário de Defesa dos EUA, William Cohen, empurrar a Alca goela abaixo do Brasil. O seminário “O Brasil e Alca”, na Câmara, tinha oficialmente o objetivo de debater o tema, mas politicamente foi uma ação de pressão política, para reduzir resistências e abrir caminhos para a implementação daquele projeto.
Do encontr, foi produzido o compêndio – há quem chame de livro – com o mesmo nome do seminário, organizado pelo ex-deputado neoliberal Marcos Cintra (PFL) e pelo diplomata Carlos Henrique Cardim. O prefácio é de Aécio Neves e, nele, encontramos um pouco de seu pensamento de rendição à dependência econômica do país, via Alca.
O atual presidenciável dava como certa a implementação da Alca, e tratava o evento que acabara de patrocinar como “um marco” para alcançar os objetivos (estadunidenses), chamados por Aécio como “formidável”:
“De fato, o Seminário “O Brasil e a Alca”, realizado nas dependências da Câmara dos Deputados, por iniciativa desta Casa, nos dias 23 e 24 de outubro de 2001, pode ser interpretado – e certamente assim o será nos anos vindouros – como um marco na trajetória de nosso processo de integração continental.
(…)
Sem dúvida, a liberalização do comércio em um território habitado por mais de 800 milhões de pessoas, com um PIB conjunto de US$ 11 trilhões, simultaneamente à construção de uma normativa comum em áreas como a de serviços, de investimentos, de compras governamentais e de propriedade intelectual, é, em si mesma, um objetivo formidável.”
Este parágrafo acima é uma pérola de servilismo, que parece até escrita pelo Departamento de Estado dos EUA e apenas entregue a Aécio para assinar, pois nem sequer cita as barreiras impostas pelos norte-americanos para a entrada de produtos agrícolas brasileiros, um contencioso histórico.
Ou seja, defendeu integralmente que o Brasil abrisse seu mercado interno para os EUA, sem sequer exigir qualquer contrapartida, mesmo em setores que o Brasil já era mais competitivo.
Como se não bastasse, o prefácio de Aécio ainda trata a Alca como “acordo já firmado”, “caráter urgente”, e estabelece prazo-limite para 2005, o que faz o texto parecer mais uma peça de lobismo escancarado.
“… Há que se ressaltar o caráter relativamente urgente de tão ambicioso empreendimento. Com efeito, não defrontamos com um mero protocolo de intenções, mas, sim, somos partícipes de um acordo já firmado sobre o cronograma das correspondentes negociações, o qual prevê a conclusão dos entendimentos no horizonte já visível do ano de 2005″.
Para se ter uma ideia, a proposta de fazer um tratado de livre comércio amarrando compras governamentais condenaria todo o futuro da política de conteúdo nacional na exploração do pré-sal. Hoje o Brasil já cria uma indústria até de sondas de perfuração, a qual nunca teve. Com a Alca, teria de comprar eternamente tudo em Houston. O resultado imediato disso? Desemprego e desindustrialização no Brasil.
Com a Alca, dificilmente teríamos como escolher o caça sueco Grippen e participar de seu desenvolvimento tecnológico. Seríamos praticamente obrigados, por tratados, a comprar os caças da Boeing e nas condições deles de não oferecer transferência de tecnologia.
Também eram um desastre anunciado as cláusulas de proteção de investimento. Se um investidor americano fizesse uma aplicação financeira no Brasil e o dólar aqui desvalorizasse, teríamos de pagar indenização por isso.
Outro desastre seria a abertura irrestrita do mercado a bancos e seguradoras dos EUA. Imaginem o rico dinheiro da poupança do cidadão brasileiro aplicado no Lehman Brothers, que faliu na primeira das recentes crises internacionais, em 2008…
Agora, a ameaça de acabar com o Mercosul e retomar a agenda da Alca entra no rol das “medidas amargas” e impopulares – já anunciadas, mas ainda obscuras – propostas pelos tucanos.
segunda-feira, maio 12, 2014
Das advertências que vem de lá
No Brasil, hoje, o que está sendo preparado pela grande mídia e pela direita, que é beneficiária conjuntural das suas manipulações, é a intolerância.
O colunista Arnaldo Jabor no jornal Estado de São Paulo (06.05), termina uma coluna política da sua lavra, com o seguinte apelo: "O Brasil está sofrendo uma mutação gravíssima e nossas cabeças também. É preciso tirar do poder esses caras que se julgam 'sujeitos da história'. Até que são mesmo, só que de uma história suja e calamitosa". Este texto foi publicado no curso de uma campanha da mídia tradicional, não somente contra o governo da Presidenta Dilma, mas já combinada com uma campanha contra o Estado e contra os partidos em geral, especialmente contra tudo que cheira esquerda.
Esta cruzada já está contaminando, igualmente, a suposta isenção da cobertura eleitoral, bem como a importância das eleições presidenciais. Já festejam que quase 70% dos eleitores não gostariam de votar em 2014. De outra parte, a campanha contra Petrobrás e a favor de uma CPI, como se esta tivesse interesse em investigar corrupção e ilegalidades - de resto já sob análise do MP e da Polícia Federal - alcançou um paroxismo inédito.
Não há mais noticiário político, nas televisões, com um mínimo de equilíbrio. Aliás, os informativos tratam, principalmente,de crimes (assassinatos em especial), incêndios de ônibus nas grandes capitais; tratam de deficiências na prestação dos serviços públicos (com fatos singulares, como se fossem característicos das prestações dos serviços estatais); tratam de pequenas e grandes corrupções, com acompanhamento (para humilhar) do cumprimento da pena do ex-Ministro José Dirceu (já privilegiando a visita da sua filha!); tratam da impropriedade do BNDES subsidiar investimentos que promovem empregos.
Certamente o fazem para que esqueçamos um fato já notório, atestado por juristas insuspeitos: Dirceu e Genoíno foram condenados sem provas, depois uma formidável pressão, promovida para desgastar a memória positiva, no meio popular, dos governos do Presidente Lula.
Nem tudo que é publicado é inverdade ou manipulação. Inclusive sobre a esquerda em geral e sobre o próprio partido que pertenço, como se vê de casos recentes. Mas a grande mensagem que está sendo passada, de forma abrangente e totalitária não é, na verdade, destinada a criticar o sistema político, melhorar a vida interna e os procedimentos dos partidos ou mesmo as instituições públicas do Estado. A grande mensagem é outra e a questão de fundo está contida no texto de Jabor, que diz com todas as letras: "O Brasil está sofrendo mutação gravíssima e as nossas cabeças também."
À medida que é dado tratamento distorcido ao Governo - seus problemas e suas conquistas -, à medida que não se contrastam os problemas econômicos e financeiros do país com o cenário da crise global; à medida que é promovida uma propaganda massiva do privatismo e do antiestatismo - relativizando ou deixando de lado todas as incompetências e corrupções do polo neoliberal, desde a crise da água em São Paulo até o "mensalão mineiro"; à medida que se omite que a corrupção aparece mais, porque os nossos Governos instituíram a Controladoria da União e aparelharam os demais órgãos de controle e a própria Polícia Federal; à medida que se coloca como regra que os políticos e os partidos, em geral, são ineficientes e corruptos, o que está se tratando, meticulosamente, é de promover uma disputa de fundo sobre o futuro. Esta "mutação gravíssima" do Brasil e das "nossas cabeças", como disse Jabor, vai para que direção? É isso que está em disputa e das suas respostas vai ser instituída uma democracia mais, ou menos substantiva, mais, ou menos receptiva das desigualdades brutais que o nosso país ainda mantém.
Como as políticas de desenvolvimento e as políticas de redistribuição de renda promoveram a redução das diferenças, internamente ao mundo trabalho - diminuindo os espaços entre os assalariados de baixa e alta renda - mas não atingiram as desigualdades que ocorrem na apropriação desigual entre capital e trabalho (para reduzir a diferença entre a "renda do capital" e "renda do trabalho"), fica claro que o Brasil, para avançar com mais estabilidade, terá de enfrentar agora um outro conflito: entre a totalidade dos assalariados que querem mais renda e mais Estado social, de um lado e, de outro, o grande capital quer mais "renda", através do sistema financeiro privado, e menos Estado social, com redução dos gastos públicos especialmente na área social.
O artigo de José Luís Fiori, "A miragem mexicana", (Carta Maior, 01.05.14) faz uma síntese perfeita do que está em disputa entre as grandes correntes políticas que incidem sobre as eleições de 2014. A saber, entre os entusiastas do modelo mexicano, de corte liberal não-intervencionista (depreciadores da capacidade regulatória do Estado) e os que entendem que a capacidade regulatória do Estado pode criar uma sociedade mais coesa ( corrente neo-keinesianista social-democrata), própria para atenuar as brutalidades do capitalismo e abrir à sociedade, perspectivas de emancipação social.
Ressalto esta contradição porque é voluntarista entender, hoje, que o debate principal no país é entre socialistas e não socialistas. Esta análise gera divisões artificiais no campo popular e democrático, já que o debate real foi bem colocado e com intenções muito claras pelo estrategista Jabor: a mutação gravíssima das "nossas cabeças" embarcará na tolerância do caminho aberto da "tradição da dúvida" - como diz Maria Rita Khel -, ou se fixará na a "tradição da certeza".
Ficará com esta visão do caminho único, defendida pelo estrategista Jabor, que querem nos impingir (de mais desigualdades, guerras e intolerância), ou se abrirá para o caminho da utopia democrática, que contém o socialismo ( não como repartidor de carências) como democracia realizada no seu sentido pleno.
Na verdade, lamentavelmente, a História tem sido sempre "suja e calamitosa" e ela revela, em todos os campos políticos, não somente as imperfeições humanas, mas também as grandezas, as escolhas morais, as capacidades do indivíduos se posicionarem nos grandes conflitos sociais e econômicos, de um lado ou de outro. Mas ela também revela a capacidade de cada um escolher o seu desempenho ético, naquilo que Lukács designou como "centralidade ontológica do presente".
No Brasil, hoje, o que está sendo preparado pela grande mídia e pela direita - que é beneficiária conjuntural das suas manipulações - é a intolerância, não somente com os movimentos sociais, com os comunistas ou com o PT, mas sobretudo com a democracia e com as instituições republicanas. Como disse, recentemente, aqui no meu Rio Grande, o líder empresarial Jorge Gerdau, um dos homens mais ricos do mundo: "Os gaúchos estão felizes, mas por acomodação" (Zero Hora 04. 05). Se o texto não foi editado para prejudicar o entrevistado, o que parece improvável pelo posicionamento político tradicional do referido jornal, Gerdau quer dizer que aqueles que não forem ricos como ele, não tem direito à felicidade dentro da democracia. Mesmo que seja num momento de pleno emprego e de funcionamento razoável do Estado Democrático de Direito.
(*) Governador do Rio Grande do Sul
O colunista Arnaldo Jabor no jornal Estado de São Paulo (06.05), termina uma coluna política da sua lavra, com o seguinte apelo: "O Brasil está sofrendo uma mutação gravíssima e nossas cabeças também. É preciso tirar do poder esses caras que se julgam 'sujeitos da história'. Até que são mesmo, só que de uma história suja e calamitosa". Este texto foi publicado no curso de uma campanha da mídia tradicional, não somente contra o governo da Presidenta Dilma, mas já combinada com uma campanha contra o Estado e contra os partidos em geral, especialmente contra tudo que cheira esquerda.
Esta cruzada já está contaminando, igualmente, a suposta isenção da cobertura eleitoral, bem como a importância das eleições presidenciais. Já festejam que quase 70% dos eleitores não gostariam de votar em 2014. De outra parte, a campanha contra Petrobrás e a favor de uma CPI, como se esta tivesse interesse em investigar corrupção e ilegalidades - de resto já sob análise do MP e da Polícia Federal - alcançou um paroxismo inédito.
Não há mais noticiário político, nas televisões, com um mínimo de equilíbrio. Aliás, os informativos tratam, principalmente,de crimes (assassinatos em especial), incêndios de ônibus nas grandes capitais; tratam de deficiências na prestação dos serviços públicos (com fatos singulares, como se fossem característicos das prestações dos serviços estatais); tratam de pequenas e grandes corrupções, com acompanhamento (para humilhar) do cumprimento da pena do ex-Ministro José Dirceu (já privilegiando a visita da sua filha!); tratam da impropriedade do BNDES subsidiar investimentos que promovem empregos.
Certamente o fazem para que esqueçamos um fato já notório, atestado por juristas insuspeitos: Dirceu e Genoíno foram condenados sem provas, depois uma formidável pressão, promovida para desgastar a memória positiva, no meio popular, dos governos do Presidente Lula.
Nem tudo que é publicado é inverdade ou manipulação. Inclusive sobre a esquerda em geral e sobre o próprio partido que pertenço, como se vê de casos recentes. Mas a grande mensagem que está sendo passada, de forma abrangente e totalitária não é, na verdade, destinada a criticar o sistema político, melhorar a vida interna e os procedimentos dos partidos ou mesmo as instituições públicas do Estado. A grande mensagem é outra e a questão de fundo está contida no texto de Jabor, que diz com todas as letras: "O Brasil está sofrendo mutação gravíssima e as nossas cabeças também."
À medida que é dado tratamento distorcido ao Governo - seus problemas e suas conquistas -, à medida que não se contrastam os problemas econômicos e financeiros do país com o cenário da crise global; à medida que é promovida uma propaganda massiva do privatismo e do antiestatismo - relativizando ou deixando de lado todas as incompetências e corrupções do polo neoliberal, desde a crise da água em São Paulo até o "mensalão mineiro"; à medida que se omite que a corrupção aparece mais, porque os nossos Governos instituíram a Controladoria da União e aparelharam os demais órgãos de controle e a própria Polícia Federal; à medida que se coloca como regra que os políticos e os partidos, em geral, são ineficientes e corruptos, o que está se tratando, meticulosamente, é de promover uma disputa de fundo sobre o futuro. Esta "mutação gravíssima" do Brasil e das "nossas cabeças", como disse Jabor, vai para que direção? É isso que está em disputa e das suas respostas vai ser instituída uma democracia mais, ou menos substantiva, mais, ou menos receptiva das desigualdades brutais que o nosso país ainda mantém.
Como as políticas de desenvolvimento e as políticas de redistribuição de renda promoveram a redução das diferenças, internamente ao mundo trabalho - diminuindo os espaços entre os assalariados de baixa e alta renda - mas não atingiram as desigualdades que ocorrem na apropriação desigual entre capital e trabalho (para reduzir a diferença entre a "renda do capital" e "renda do trabalho"), fica claro que o Brasil, para avançar com mais estabilidade, terá de enfrentar agora um outro conflito: entre a totalidade dos assalariados que querem mais renda e mais Estado social, de um lado e, de outro, o grande capital quer mais "renda", através do sistema financeiro privado, e menos Estado social, com redução dos gastos públicos especialmente na área social.
O artigo de José Luís Fiori, "A miragem mexicana", (Carta Maior, 01.05.14) faz uma síntese perfeita do que está em disputa entre as grandes correntes políticas que incidem sobre as eleições de 2014. A saber, entre os entusiastas do modelo mexicano, de corte liberal não-intervencionista (depreciadores da capacidade regulatória do Estado) e os que entendem que a capacidade regulatória do Estado pode criar uma sociedade mais coesa ( corrente neo-keinesianista social-democrata), própria para atenuar as brutalidades do capitalismo e abrir à sociedade, perspectivas de emancipação social.
Ressalto esta contradição porque é voluntarista entender, hoje, que o debate principal no país é entre socialistas e não socialistas. Esta análise gera divisões artificiais no campo popular e democrático, já que o debate real foi bem colocado e com intenções muito claras pelo estrategista Jabor: a mutação gravíssima das "nossas cabeças" embarcará na tolerância do caminho aberto da "tradição da dúvida" - como diz Maria Rita Khel -, ou se fixará na a "tradição da certeza".
Ficará com esta visão do caminho único, defendida pelo estrategista Jabor, que querem nos impingir (de mais desigualdades, guerras e intolerância), ou se abrirá para o caminho da utopia democrática, que contém o socialismo ( não como repartidor de carências) como democracia realizada no seu sentido pleno.
Na verdade, lamentavelmente, a História tem sido sempre "suja e calamitosa" e ela revela, em todos os campos políticos, não somente as imperfeições humanas, mas também as grandezas, as escolhas morais, as capacidades do indivíduos se posicionarem nos grandes conflitos sociais e econômicos, de um lado ou de outro. Mas ela também revela a capacidade de cada um escolher o seu desempenho ético, naquilo que Lukács designou como "centralidade ontológica do presente".
No Brasil, hoje, o que está sendo preparado pela grande mídia e pela direita - que é beneficiária conjuntural das suas manipulações - é a intolerância, não somente com os movimentos sociais, com os comunistas ou com o PT, mas sobretudo com a democracia e com as instituições republicanas. Como disse, recentemente, aqui no meu Rio Grande, o líder empresarial Jorge Gerdau, um dos homens mais ricos do mundo: "Os gaúchos estão felizes, mas por acomodação" (Zero Hora 04. 05). Se o texto não foi editado para prejudicar o entrevistado, o que parece improvável pelo posicionamento político tradicional do referido jornal, Gerdau quer dizer que aqueles que não forem ricos como ele, não tem direito à felicidade dentro da democracia. Mesmo que seja num momento de pleno emprego e de funcionamento razoável do Estado Democrático de Direito.
(*) Governador do Rio Grande do Sul
"BC independente é uma patetada", diz Maria da Conceição Tavares
Para a economista, não se pode culpar o Banco Central por ter metas contraditórias: eleva juros para combater a inflação e valoriza o real, criando uma barreira para a indústria
Marcelo Loureiro
marcelo.loureiro@brasileconomico.com.br
,
Octávio Costa
ocosta@brasileconomico.com.br
e
Paulo Henrique de Noronha
paulo.noronha@brasileconomico.com.br
Maria da Conceição Tavares dispensa apresentação. Aos 84 anos, a maior economista do Brasil continua tão aguerrida quanto na época da ditadura militar, quando atacava sem piedade o modelo econômico. Se desaprova um conceito ou ideia, usa expressões demolidoras. “É uma patetada!”, exclamou por duas vezes nesta entrevista ao Brasil Econômico . Na primeira, ao atacar os que pedem a substituição do ministro Guido Mantega, como solução aos problemas da economia. “O ideal é trocar o lençol da cama, é isso?”, ironizou. Na segunda, usou para rejeitar a pressão pela independência do Banco Central: “Independente não quer dizer porcaria nenhuma!”, bradou, ressaltando que nem mesmo nos Estados Unidos o Fed tem autonomia.
Em sua opinião, o BC de Alexandre Tombini está trabalhando com metas contraditórias: eleva a taxa de juros para combater a inflação, e promove a apreciação do real, prejudicando o crescimento da indústria. “Com o dólar no nível atual, é difícil completar as cadeias industriais, porque o cenário provoca uma ‘dessubstituição’ das importações”. Petista de coração, diz que “a situação não está nenhuma maravilha, mas não há razão para um pessimismo negro”. Conta que a presidenta Dilma Rousseff “é uma mulher muito inteligente, mas o pessoal implica porque ela é meio brusca. Eu também sou”. Conceição não vê qualidades nos adversários de Dilma. E fulmina a proposta de Eduardo Campos de reduzir a meta da inflação para 3%: “Isso é uma maluquice! Obviamente, ele não entende porcaria nenhuma de economia...”.
A visão no exterior sobre a economia brasileira é bastante crítica. Fala-se de desequilíbrio fiscal e inflação fora de controle, batendo no teto. O governo rebate e diz que o pessimismo é exagerado. Como a senhora vê o cenário atual?
O quadro não é esse. Não há nenhum desequilíbrio fiscal. Tem uma meta de superávit fiscal enorme, que, aliás, eu acho exagerada, de 1,9% do PIB. Querem o que mais? O ciclo de crescimento desacelerou, não há necessidade de fazer uma política fiscal mais austera ainda. O ciclo reverteu de 2002 até agora, o dinamismo dele está se esgotando. O consumo está mais ou menos no patamar esperado, com o alargamento entre as classes mais baixas. O investimento está no mesmo nível de 2002, em valores absolutos, e ele precisa aumentar um pouco. Mas o problema maior que eu vejo é com o balanço de pagamentos.
Por que, professora?
É muito difícil fazer uma política para reverter a situação do balanço de pagamentos porque a desvalorização do dólar foi definida pelos americanos. Não fomos nós que colocamos o câmbio no patamar atual. A política é deles. Os americanos estão se defendendo às custas dos demais. Sobre a inflação, eu acho que está em alta por causa dos bens de consumo, como os alimentos.
A srª acha que a inflação pode cair rapidamente, como acredita o governo?
Claro! Com uma alta baseada nos alimentos, basta que a seca diminua para os preços voltarem a cair pelo aumento da oferta.
Mas o governo tem aumentado a taxa de juros como principal arma de combate à inflação. A srª acha que esse é um mecanismo correto?
O problema é que não sei bem se a alta dos juros é apenas para conter os preços. Parece ser também para atrair capitais. O investimento direto estrangeiro não está crescendo, e metade do que tem chegado ao Brasil tem ido para os títulos da dívida pública. Então, a impressão é a de que o governo tenta atrair capitais para fechar o rombo de pagamentos. O balanço de pagamentos tem um problema grave, de natureza estrutural, que, para ser corrigido, seria necessário o Congresso votar uma reforma fiscal. No governo do Fernando Henrique Cardoso (de 1995 a 2003), ele tirou os impostos sobre as remessas de lucros ao exterior. Não tem imposto algum e a empresa pode registrar o lucro que bem entender. O resultado é que a remessa de lucros tem crescido desvairadamente. Com o dólar desvalorizado, mais as viagens ao exterior crescendo e outras forças, a conta “Serviços” da balança comercial está toda desequilibrada, entendeu?
E a elevação da taxa de juros seria uma tentativa de corrigir esse problema?
De corrigir, não! Mas, sim, de permitir fechar o balanço de pagamentos final sem que haja déficit. É para tapar a brecha das transações correntes.
Mas, voltando à inflação alta, a srª considera que é apenas uma questão sazonal?
Acho que é sazonal, sim, provocada pelos alimentos. Não é uma alta forçada pelos bens de capital, pelos bens de consumo em geral. Temos uma pressão específica nos alimentos, que vêm subindo muito.
Em entrevista recente ao Brasil Econômico, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo também apontou nessa direção e firmou que a inflação hoje no Brasil é muito mais pelo lado da oferta, e nem tanto pela demanda.
Mas é, uai! Estamos com um problema de oferta, principalmente devido à escassez de alimentos, porque a seca que vivemos é brutal. O efeito da estiagem também tem complicado a situação do setor de energia. Mas o problema é fundamentalmente de oferta. Não há nenhum descontrole de inflação de demanda. Nenhuma das componentes de pressão, como o investimento, o consumo, nem as exportações, cresceram além do que era esperado. Pelo contrário, têm se expandido até pouco.
Ao mesmo tempo, professora, se diz que o aumento de renda da população provocou uma demanda maior sobre os bens de consumo básico.
Pois é, e se não há oferta elástica, como visivelmente não tem, a consequência é dar um impulso nos preços para cima. O ponto que defendo é que esse movimento se corrigirá.
Outro problema muito falado por economistas e empresários é a questão da indústria. Ela não tem crescido. A que se deve atribuir esse mau desempenho?
Está claro: nós temos tido um câmbio sistematicamente sobrevalorizado. Com o câmbio como está, é muito difícil a nossa indústria enfrentar a concorrência das importações. Já começou no governo FHC e será muito difícil de reverter. Claramente, só a isenção fiscal para alguns setores não resolve. Precisamos de uma política industrial mais ampla.
Então, os incentivos setoriais não funcionam?
Durante um certo momento funcionaram, mas o mercado para automóveis e produtos da linha branca, por exemplo, está saturado. As cidades estão entupidas de carros e também não há mais onde colocar carros no mundo. Acho que a recuperação da indústria não virá pela via dos bens duráveis, entendeu? Devemos recuperar pelo lado dos bens não duráveis. A estratégia central, eu acho, é levantar um pouco a taxa de investimentos, ver se acelera mais as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
A previsão para o PIB este ano está sendo revista para baixo. Na semana passada, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) refez sua projeção de crescimento de 2,2% para 1,8%. A projeção do mercado financeiro é menor, algo perto de 1,6%. Por que isso?
As previsões mais baixas vêm desde o ano passado. É a indicação de esgotamento de um ciclo. Não é uma crise propriamente dita, ou uma recessão; é uma desaceleração do crescimento mesmo. Para voltar a acelerar, tem de forçar a taxa de investimento para cima, é a única componente que pode dar resposta à dinâmica. O crédito não vai resolver mais: já foi emprestado o que precisa e não há restrição de crédito.
Que mecanismo pode se utilizar para melhorar a taxa de investimento?
Acelerar os projetos do PAC, com os programas de infraestrutura.
Mas o governo parece não ter abandonado a via do crédito. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, comentou recentemente que tem tentado convencer os banqueiros a facilitar o acesso dos consumidores ao crédito.
Sim, mas ele vai convencer os banqueiros de quê? Com essa taxa de juros e com a demanda como está? Banqueiro lá se convence com argumento? Eles estão é ganhando dinheiro... A escassez para eles é ótima para ganhar dinheiro. Estão com uma taxa de lucro ótima e não estão nada preocupados. Por isso, digo que só por esse caminho não vamos voltar a crescer como antes. Temos de melhorar a taxa de investimento. Não que esteja muito baixa, mas tem de subir de alguma maneira.
Sempre se diz que a taxa de investimento no Brasil, em torno de 18% do PIB, deveria se aproximar de 22%. Mas nunca se chegou lá. Esse objetivo continua de pé?
Pois é... não chega, mas precisa chegar. A linha de maior dinamismo para a recuperação é por aí. Completando os programas de investimento em infraestrutura que estão programados, o país resolve não só os problemas de estrangulamento, como também os de demanda.
Os críticos dizem que a matriz de crescimento que se baseia no consumo está vencida, não traz mais efeitos positivos como há alguns anos. Essa visão é correta?
O governo não adotou apenas o incentivo ao consumo. A taxa de investimento foi mantida. O que defendo é que ela precisa acelerar. Realmente, essa matriz se esgotou; o consumo foi acelerado ao máximo. E também já houve a incorporação das classes mais baixas, com os programas sociais pesados que o governo tem feito. Por isso que eu digo: dada a rigidez da oferta de alimentos e a estagnação no consumo de bens duráveis, o que resta para estimular é o investimento, está claro?
O novo ciclo seria, então, o do investimento?
Sim, primeiramente na infraestrutura e depois tentar remendar as cadeias produtivas da indústria. Mas, para tanto, é preciso que a taxa de câmbio melhore. Com o dólar no nível atual, é difícil completar as cadeias industriais porque o cenário provoca uma “dessubstituição” de importações, quando o que precisamos agora é o contrário. Então, eu vejo uma barreira pelo lado do câmbio, desfavorável, que para se consertar não depende só de nós. A desvalorização do dólar foi provocada pelos Estados Unidos! Não foi pela nossa taxa de juros, nem por nada que fizemos por aqui. O investimento, super bem-vindo, tem de acelerar. Mas o PAC está indo muito lento, não é...
Há gente, principalmente no exterior, defendendo que se mude o ministro da Fazenda. A srª acha que essa sugestão faz sentido?
Ai, ai... essa é ótima. O ideal é trocar o lençol da cama, é isso? Ao invés de arrumar a infraestrutura, troquemos os lençóis da cama? Mas que patetada! Eu não acho que é isso. Estou lhe dizendo que é estrutural, poxa! Já dei os argumentos do que eu acho que se passou e o porquê de ter acontecido. Isso, não há nenhum ministro da Fazenda que seja capaz de reverter. Não é algo que o sujeito chegue lá, dê um bafo, e o ciclo se reverte. É um projeto trabalhoso, vai levar um certo tempo. Mas é possível reverter, porque nós não estamos em recessão. Não estamos mais em 2009, quando houve aquela crise mundial que nos atingiu. Outra coisa que se precisa ver é que a renda não está caindo. Muito pelo contrário, tanto assim que o lado da demanda vai bem.
Como a srª citou, os EUA estão retirando os incentivos monetários e ameaçam elevar as taxas de juros. Esse desmonte da política de quantitative easing é perigoso para o Brasil?
Olha, tenho a impressão de que os Estados Unidos deram uma guinada tão violenta agora que não é provável que façam outra, até porque prejudicaria todo o mundo, não apenas nós. A China também não está achando graça nenhuma.
Mas o Federal Reserve (Fed, o banco central americano), está falando em elevar os juros já no próximo ano.
Eu sei. Eles estão salvando os bancos deles. O resto do mundo dança a valsa. E isso ninguém pode impedir, porque o banco central americano é o banco dos bancos, não é independente como se imagina. Ele depende dos bancos, e como eles queriam melhorar suas posições porque estavam com ativos podres na carteira, os Estados Unidos fizeram o programa de expansão da liquidez exatamente para comprar esses títulos ruins. O Fed fez essa política e aí ficou difícil. Talvez pudéssemos fazer uma política cambial mais ativa, não sei. Penso nisso porque não há muito espaço no campo fiscal. Pelo lado monetário também não dá, porque subir a taxa de juros não melhora o câmbio, pelo contrário. Veja que essa medida usada para combater a inflação desvaloriza a cotação do dólar e atrapalha a recuperação da indústria. Os juros não podem subir indefinidamente. Não bastassem as razões externas, temos também as internas.
Pesquisas recentes feitas com empresários apontam um pessimismo muito grande por parte deles. Com esse cenário, haverá razão para eles investirem?
Eles não estão dispostos porque as importações estão abertas. O cara investe na produção para ver os chineses, os americanos e quaisquer outros invadirem o país com importações. É prejuízo, expectativa de lucro baixa...
Seria o caso de aplicar um instrumento de defesa, como sobretaxar de alguma forma as importações?
Sobretaxar seria legal, sabe... Mas não é ortodoxo. Eu sou a favor, mas porque não sou ortodoxa (risos). Sou, sim, a favor de um controle de importações. Acho que está demais, uma esbórnia. Mas antes disso, eu sou a favor de tributar a remessa de lucros, está claro? São dezenas e mais dezenas de bilhões de dólares, o que é um disparate.
A atuação do BC, com rações diárias de contratos de dólares mais a elevação da taxa de juros, poderia ajudar a reanimar a indústria?
Não mesmo! O BC não está agindo de uma maneira contracíclica. A política atual é pró-cíclica. O ciclo de crescimento desacelerou e o BC está ajudando a desacelerar. Subir a Selic não vai incentivar o investimento, tampouco a demanda, está claro?
Mas há indicações de que o BC deve seguir com o ciclo de aperto monetário na próxima reunião do Copom.
Ah, eu por mim acho que já chega, porque essa política monetária já fez o que deveria ter sido feito. Agora, não tem que subir. É esperar que a inflação reverta naturalmente.
A srª concorda com a política de meta de inflação?
Depende de onde se bota a meta. Em princípio, ainda estamos abaixo do teto, não o estouramos. Não precisa ficar tão nervoso, não é? Não fico nervosa. A meta é uma invenção que foi feita e que não se volta mais atrás. Mas não é o meu ideal de política monetária.
Como a srª vê a posição dos que defendem a independência do Banco Central?
Ai, isso é outra patetada... Eu me cansei. Não há nenhum banco central independente, meu bem! O dos Estados Unidos, que devia ser o paradigma, não é independente, como é que o nosso seria? Independente quer dizer o que, hein? Não quer dizer nada. Independente do governo? Do mercado? Das metas da política econômica? Independente não quer dizer porcaria nenhuma! O BC tem é que tentar agir de uma maneira coerente. Agora, quando ele tem metas contraditórias, como conter inflação e fazer uma política cambial mais ativa, fica difícil culpar o BC. E olha que o presidente atual (Alexandre Tombini) é um cara bom, respeitável. Não é o caso de mudar nada. O problema é que a situação está meia de bico nesse caso particular, um problema de curto prazo atrapalhado, acho que não dura muito. Estou moderadamente otimista.
A srª acredita que a economia brasileira voltará a crescer em 2015?
Volta, mas não aos níveis que cresceu no passado. Temos uma crise mundial ainda sendo digerida. Mas o fato de o país continuar forte em emprego, salário e renda para as classes trabalhadoras é um alívio, rapaz. Lembre quantos anos passamos sem isso. Houve anos em que a economia brasileira cresceu muito, sem que tenham crescido os salários e a renda das famílias. Ninguém come PIB como eu já disse, precisa ter renda e salário. Isso está sendo mantido. Espero que não façam nenhum disparate com o salário mínimo.
A inflação alta está chegando até a mesa das pessoas. A srª acha que o aumento de preços dos alimentos pode prejudicar a reeleição da presidenta Dilma?
Não acho não, porque não vejo quem vá fazer melhor. Você já viu algum programa bacaninha? Algum dos candidatos da oposição tem algum projeto maravilhoso que eu não saiba da existência dele? Que eu saiba, eles não têm programa nenhum. O nosso, ao menos já é conhecido. Já tem 12 anos de experiência. A oposição não está propondo nada. Criticar, bater no tambor é fácil. Agora, não vi nenhum dos dois candidatos propor nada.
O ex-governador Eduardo Campos apresentou a proposta de baixar a meta de inflação para 3%...
Ai, que maravilha! Isso é uma maluquice! A meta está em até 6,5% e ele propõe cortar pela metade! Bom, o Eduardo Campos obviamente não entende porcaria nenhuma de economia. Não é o caso da presidenta Dilma, que foi uma aluna brilhante minha.
Como era a aluna Dilma Rousseff?
Ela fez doutorado lá em Campinas (na Unicamp). É uma mulher muito inteligente. O pessoal às vezes implica porque ela é meio brusca. É o estilo dela. Eu não posso falar nada, porque também sou... de maneira que não tenho como criticar. Sobre a reeleição dela, estou otimista. Não está nenhuma maravilha a situação, mas não há qualquer razão para um pessimismo negro, porque os outros candidatos não são nenhuma Brastemp, ou são?
Com o fechamento do ciclo de crescimento e a indústria patinando, a srª acredita que a taxa de desemprego pode subir e sair desse nível historicamente baixo?
Não, porque a taxa de desemprego está muito ligada aos serviços, e nem tanto à indústria. Os serviços é que estão segurando o PIB, o emprego. É o que está segurando tudo. O Brasil hoje tem uma economia de serviços mais desenvolvida.
A pauta de exportação do Brasil está voltando a ficar muito dependente das commodities. Isso é bom para o país?
Como não seria bom para o país? Deixar de exportar commodities quando somos o número 1 do mundo, com produtividade altíssima e tecnologia de alto nível, não teria nem pé nem cabeça. Exportamos mais do que café, atualmente. Quero saber o que os críticos querem que exportemos no lugar dos produtos do agrobusiness. Querem que exportemos gente?
É possível ter uma pauta mais diversificada?
Ela é diversificada, tanto no setor primário quanto no secundário. O problema é que o segundo está muito pequeno pela falta de competitividade da indústria. Com essa taxa de câmbio, fica difícil exportar produtos industriais, bem como investir. Sem investimento, fica ainda mais penoso.
Marcelo Loureiro
marcelo.loureiro@brasileconomico.com.br
,
Octávio Costa
ocosta@brasileconomico.com.br
e
Paulo Henrique de Noronha
paulo.noronha@brasileconomico.com.br
Maria da Conceição Tavares dispensa apresentação. Aos 84 anos, a maior economista do Brasil continua tão aguerrida quanto na época da ditadura militar, quando atacava sem piedade o modelo econômico. Se desaprova um conceito ou ideia, usa expressões demolidoras. “É uma patetada!”, exclamou por duas vezes nesta entrevista ao Brasil Econômico . Na primeira, ao atacar os que pedem a substituição do ministro Guido Mantega, como solução aos problemas da economia. “O ideal é trocar o lençol da cama, é isso?”, ironizou. Na segunda, usou para rejeitar a pressão pela independência do Banco Central: “Independente não quer dizer porcaria nenhuma!”, bradou, ressaltando que nem mesmo nos Estados Unidos o Fed tem autonomia.
Em sua opinião, o BC de Alexandre Tombini está trabalhando com metas contraditórias: eleva a taxa de juros para combater a inflação, e promove a apreciação do real, prejudicando o crescimento da indústria. “Com o dólar no nível atual, é difícil completar as cadeias industriais, porque o cenário provoca uma ‘dessubstituição’ das importações”. Petista de coração, diz que “a situação não está nenhuma maravilha, mas não há razão para um pessimismo negro”. Conta que a presidenta Dilma Rousseff “é uma mulher muito inteligente, mas o pessoal implica porque ela é meio brusca. Eu também sou”. Conceição não vê qualidades nos adversários de Dilma. E fulmina a proposta de Eduardo Campos de reduzir a meta da inflação para 3%: “Isso é uma maluquice! Obviamente, ele não entende porcaria nenhuma de economia...”.
A visão no exterior sobre a economia brasileira é bastante crítica. Fala-se de desequilíbrio fiscal e inflação fora de controle, batendo no teto. O governo rebate e diz que o pessimismo é exagerado. Como a senhora vê o cenário atual?
O quadro não é esse. Não há nenhum desequilíbrio fiscal. Tem uma meta de superávit fiscal enorme, que, aliás, eu acho exagerada, de 1,9% do PIB. Querem o que mais? O ciclo de crescimento desacelerou, não há necessidade de fazer uma política fiscal mais austera ainda. O ciclo reverteu de 2002 até agora, o dinamismo dele está se esgotando. O consumo está mais ou menos no patamar esperado, com o alargamento entre as classes mais baixas. O investimento está no mesmo nível de 2002, em valores absolutos, e ele precisa aumentar um pouco. Mas o problema maior que eu vejo é com o balanço de pagamentos.
Por que, professora?
É muito difícil fazer uma política para reverter a situação do balanço de pagamentos porque a desvalorização do dólar foi definida pelos americanos. Não fomos nós que colocamos o câmbio no patamar atual. A política é deles. Os americanos estão se defendendo às custas dos demais. Sobre a inflação, eu acho que está em alta por causa dos bens de consumo, como os alimentos.
A srª acha que a inflação pode cair rapidamente, como acredita o governo?
Claro! Com uma alta baseada nos alimentos, basta que a seca diminua para os preços voltarem a cair pelo aumento da oferta.
Mas o governo tem aumentado a taxa de juros como principal arma de combate à inflação. A srª acha que esse é um mecanismo correto?
O problema é que não sei bem se a alta dos juros é apenas para conter os preços. Parece ser também para atrair capitais. O investimento direto estrangeiro não está crescendo, e metade do que tem chegado ao Brasil tem ido para os títulos da dívida pública. Então, a impressão é a de que o governo tenta atrair capitais para fechar o rombo de pagamentos. O balanço de pagamentos tem um problema grave, de natureza estrutural, que, para ser corrigido, seria necessário o Congresso votar uma reforma fiscal. No governo do Fernando Henrique Cardoso (de 1995 a 2003), ele tirou os impostos sobre as remessas de lucros ao exterior. Não tem imposto algum e a empresa pode registrar o lucro que bem entender. O resultado é que a remessa de lucros tem crescido desvairadamente. Com o dólar desvalorizado, mais as viagens ao exterior crescendo e outras forças, a conta “Serviços” da balança comercial está toda desequilibrada, entendeu?
E a elevação da taxa de juros seria uma tentativa de corrigir esse problema?
De corrigir, não! Mas, sim, de permitir fechar o balanço de pagamentos final sem que haja déficit. É para tapar a brecha das transações correntes.
Mas, voltando à inflação alta, a srª considera que é apenas uma questão sazonal?
Acho que é sazonal, sim, provocada pelos alimentos. Não é uma alta forçada pelos bens de capital, pelos bens de consumo em geral. Temos uma pressão específica nos alimentos, que vêm subindo muito.
Em entrevista recente ao Brasil Econômico, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo também apontou nessa direção e firmou que a inflação hoje no Brasil é muito mais pelo lado da oferta, e nem tanto pela demanda.
Mas é, uai! Estamos com um problema de oferta, principalmente devido à escassez de alimentos, porque a seca que vivemos é brutal. O efeito da estiagem também tem complicado a situação do setor de energia. Mas o problema é fundamentalmente de oferta. Não há nenhum descontrole de inflação de demanda. Nenhuma das componentes de pressão, como o investimento, o consumo, nem as exportações, cresceram além do que era esperado. Pelo contrário, têm se expandido até pouco.
Ao mesmo tempo, professora, se diz que o aumento de renda da população provocou uma demanda maior sobre os bens de consumo básico.
Pois é, e se não há oferta elástica, como visivelmente não tem, a consequência é dar um impulso nos preços para cima. O ponto que defendo é que esse movimento se corrigirá.
Outro problema muito falado por economistas e empresários é a questão da indústria. Ela não tem crescido. A que se deve atribuir esse mau desempenho?
Está claro: nós temos tido um câmbio sistematicamente sobrevalorizado. Com o câmbio como está, é muito difícil a nossa indústria enfrentar a concorrência das importações. Já começou no governo FHC e será muito difícil de reverter. Claramente, só a isenção fiscal para alguns setores não resolve. Precisamos de uma política industrial mais ampla.
Então, os incentivos setoriais não funcionam?
Durante um certo momento funcionaram, mas o mercado para automóveis e produtos da linha branca, por exemplo, está saturado. As cidades estão entupidas de carros e também não há mais onde colocar carros no mundo. Acho que a recuperação da indústria não virá pela via dos bens duráveis, entendeu? Devemos recuperar pelo lado dos bens não duráveis. A estratégia central, eu acho, é levantar um pouco a taxa de investimentos, ver se acelera mais as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
A previsão para o PIB este ano está sendo revista para baixo. Na semana passada, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) refez sua projeção de crescimento de 2,2% para 1,8%. A projeção do mercado financeiro é menor, algo perto de 1,6%. Por que isso?
As previsões mais baixas vêm desde o ano passado. É a indicação de esgotamento de um ciclo. Não é uma crise propriamente dita, ou uma recessão; é uma desaceleração do crescimento mesmo. Para voltar a acelerar, tem de forçar a taxa de investimento para cima, é a única componente que pode dar resposta à dinâmica. O crédito não vai resolver mais: já foi emprestado o que precisa e não há restrição de crédito.
Que mecanismo pode se utilizar para melhorar a taxa de investimento?
Acelerar os projetos do PAC, com os programas de infraestrutura.
Mas o governo parece não ter abandonado a via do crédito. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, comentou recentemente que tem tentado convencer os banqueiros a facilitar o acesso dos consumidores ao crédito.
Sim, mas ele vai convencer os banqueiros de quê? Com essa taxa de juros e com a demanda como está? Banqueiro lá se convence com argumento? Eles estão é ganhando dinheiro... A escassez para eles é ótima para ganhar dinheiro. Estão com uma taxa de lucro ótima e não estão nada preocupados. Por isso, digo que só por esse caminho não vamos voltar a crescer como antes. Temos de melhorar a taxa de investimento. Não que esteja muito baixa, mas tem de subir de alguma maneira.
Sempre se diz que a taxa de investimento no Brasil, em torno de 18% do PIB, deveria se aproximar de 22%. Mas nunca se chegou lá. Esse objetivo continua de pé?
Pois é... não chega, mas precisa chegar. A linha de maior dinamismo para a recuperação é por aí. Completando os programas de investimento em infraestrutura que estão programados, o país resolve não só os problemas de estrangulamento, como também os de demanda.
Os críticos dizem que a matriz de crescimento que se baseia no consumo está vencida, não traz mais efeitos positivos como há alguns anos. Essa visão é correta?
O governo não adotou apenas o incentivo ao consumo. A taxa de investimento foi mantida. O que defendo é que ela precisa acelerar. Realmente, essa matriz se esgotou; o consumo foi acelerado ao máximo. E também já houve a incorporação das classes mais baixas, com os programas sociais pesados que o governo tem feito. Por isso que eu digo: dada a rigidez da oferta de alimentos e a estagnação no consumo de bens duráveis, o que resta para estimular é o investimento, está claro?
O novo ciclo seria, então, o do investimento?
Sim, primeiramente na infraestrutura e depois tentar remendar as cadeias produtivas da indústria. Mas, para tanto, é preciso que a taxa de câmbio melhore. Com o dólar no nível atual, é difícil completar as cadeias industriais porque o cenário provoca uma “dessubstituição” de importações, quando o que precisamos agora é o contrário. Então, eu vejo uma barreira pelo lado do câmbio, desfavorável, que para se consertar não depende só de nós. A desvalorização do dólar foi provocada pelos Estados Unidos! Não foi pela nossa taxa de juros, nem por nada que fizemos por aqui. O investimento, super bem-vindo, tem de acelerar. Mas o PAC está indo muito lento, não é...
Há gente, principalmente no exterior, defendendo que se mude o ministro da Fazenda. A srª acha que essa sugestão faz sentido?
Ai, ai... essa é ótima. O ideal é trocar o lençol da cama, é isso? Ao invés de arrumar a infraestrutura, troquemos os lençóis da cama? Mas que patetada! Eu não acho que é isso. Estou lhe dizendo que é estrutural, poxa! Já dei os argumentos do que eu acho que se passou e o porquê de ter acontecido. Isso, não há nenhum ministro da Fazenda que seja capaz de reverter. Não é algo que o sujeito chegue lá, dê um bafo, e o ciclo se reverte. É um projeto trabalhoso, vai levar um certo tempo. Mas é possível reverter, porque nós não estamos em recessão. Não estamos mais em 2009, quando houve aquela crise mundial que nos atingiu. Outra coisa que se precisa ver é que a renda não está caindo. Muito pelo contrário, tanto assim que o lado da demanda vai bem.
Como a srª citou, os EUA estão retirando os incentivos monetários e ameaçam elevar as taxas de juros. Esse desmonte da política de quantitative easing é perigoso para o Brasil?
Olha, tenho a impressão de que os Estados Unidos deram uma guinada tão violenta agora que não é provável que façam outra, até porque prejudicaria todo o mundo, não apenas nós. A China também não está achando graça nenhuma.
Mas o Federal Reserve (Fed, o banco central americano), está falando em elevar os juros já no próximo ano.
Eu sei. Eles estão salvando os bancos deles. O resto do mundo dança a valsa. E isso ninguém pode impedir, porque o banco central americano é o banco dos bancos, não é independente como se imagina. Ele depende dos bancos, e como eles queriam melhorar suas posições porque estavam com ativos podres na carteira, os Estados Unidos fizeram o programa de expansão da liquidez exatamente para comprar esses títulos ruins. O Fed fez essa política e aí ficou difícil. Talvez pudéssemos fazer uma política cambial mais ativa, não sei. Penso nisso porque não há muito espaço no campo fiscal. Pelo lado monetário também não dá, porque subir a taxa de juros não melhora o câmbio, pelo contrário. Veja que essa medida usada para combater a inflação desvaloriza a cotação do dólar e atrapalha a recuperação da indústria. Os juros não podem subir indefinidamente. Não bastassem as razões externas, temos também as internas.
Pesquisas recentes feitas com empresários apontam um pessimismo muito grande por parte deles. Com esse cenário, haverá razão para eles investirem?
Eles não estão dispostos porque as importações estão abertas. O cara investe na produção para ver os chineses, os americanos e quaisquer outros invadirem o país com importações. É prejuízo, expectativa de lucro baixa...
Seria o caso de aplicar um instrumento de defesa, como sobretaxar de alguma forma as importações?
Sobretaxar seria legal, sabe... Mas não é ortodoxo. Eu sou a favor, mas porque não sou ortodoxa (risos). Sou, sim, a favor de um controle de importações. Acho que está demais, uma esbórnia. Mas antes disso, eu sou a favor de tributar a remessa de lucros, está claro? São dezenas e mais dezenas de bilhões de dólares, o que é um disparate.
A atuação do BC, com rações diárias de contratos de dólares mais a elevação da taxa de juros, poderia ajudar a reanimar a indústria?
Não mesmo! O BC não está agindo de uma maneira contracíclica. A política atual é pró-cíclica. O ciclo de crescimento desacelerou e o BC está ajudando a desacelerar. Subir a Selic não vai incentivar o investimento, tampouco a demanda, está claro?
Mas há indicações de que o BC deve seguir com o ciclo de aperto monetário na próxima reunião do Copom.
Ah, eu por mim acho que já chega, porque essa política monetária já fez o que deveria ter sido feito. Agora, não tem que subir. É esperar que a inflação reverta naturalmente.
A srª concorda com a política de meta de inflação?
Depende de onde se bota a meta. Em princípio, ainda estamos abaixo do teto, não o estouramos. Não precisa ficar tão nervoso, não é? Não fico nervosa. A meta é uma invenção que foi feita e que não se volta mais atrás. Mas não é o meu ideal de política monetária.
Como a srª vê a posição dos que defendem a independência do Banco Central?
Ai, isso é outra patetada... Eu me cansei. Não há nenhum banco central independente, meu bem! O dos Estados Unidos, que devia ser o paradigma, não é independente, como é que o nosso seria? Independente quer dizer o que, hein? Não quer dizer nada. Independente do governo? Do mercado? Das metas da política econômica? Independente não quer dizer porcaria nenhuma! O BC tem é que tentar agir de uma maneira coerente. Agora, quando ele tem metas contraditórias, como conter inflação e fazer uma política cambial mais ativa, fica difícil culpar o BC. E olha que o presidente atual (Alexandre Tombini) é um cara bom, respeitável. Não é o caso de mudar nada. O problema é que a situação está meia de bico nesse caso particular, um problema de curto prazo atrapalhado, acho que não dura muito. Estou moderadamente otimista.
A srª acredita que a economia brasileira voltará a crescer em 2015?
Volta, mas não aos níveis que cresceu no passado. Temos uma crise mundial ainda sendo digerida. Mas o fato de o país continuar forte em emprego, salário e renda para as classes trabalhadoras é um alívio, rapaz. Lembre quantos anos passamos sem isso. Houve anos em que a economia brasileira cresceu muito, sem que tenham crescido os salários e a renda das famílias. Ninguém come PIB como eu já disse, precisa ter renda e salário. Isso está sendo mantido. Espero que não façam nenhum disparate com o salário mínimo.
A inflação alta está chegando até a mesa das pessoas. A srª acha que o aumento de preços dos alimentos pode prejudicar a reeleição da presidenta Dilma?
Não acho não, porque não vejo quem vá fazer melhor. Você já viu algum programa bacaninha? Algum dos candidatos da oposição tem algum projeto maravilhoso que eu não saiba da existência dele? Que eu saiba, eles não têm programa nenhum. O nosso, ao menos já é conhecido. Já tem 12 anos de experiência. A oposição não está propondo nada. Criticar, bater no tambor é fácil. Agora, não vi nenhum dos dois candidatos propor nada.
O ex-governador Eduardo Campos apresentou a proposta de baixar a meta de inflação para 3%...
Ai, que maravilha! Isso é uma maluquice! A meta está em até 6,5% e ele propõe cortar pela metade! Bom, o Eduardo Campos obviamente não entende porcaria nenhuma de economia. Não é o caso da presidenta Dilma, que foi uma aluna brilhante minha.
Como era a aluna Dilma Rousseff?
Ela fez doutorado lá em Campinas (na Unicamp). É uma mulher muito inteligente. O pessoal às vezes implica porque ela é meio brusca. É o estilo dela. Eu não posso falar nada, porque também sou... de maneira que não tenho como criticar. Sobre a reeleição dela, estou otimista. Não está nenhuma maravilha a situação, mas não há qualquer razão para um pessimismo negro, porque os outros candidatos não são nenhuma Brastemp, ou são?
Com o fechamento do ciclo de crescimento e a indústria patinando, a srª acredita que a taxa de desemprego pode subir e sair desse nível historicamente baixo?
Não, porque a taxa de desemprego está muito ligada aos serviços, e nem tanto à indústria. Os serviços é que estão segurando o PIB, o emprego. É o que está segurando tudo. O Brasil hoje tem uma economia de serviços mais desenvolvida.
A pauta de exportação do Brasil está voltando a ficar muito dependente das commodities. Isso é bom para o país?
Como não seria bom para o país? Deixar de exportar commodities quando somos o número 1 do mundo, com produtividade altíssima e tecnologia de alto nível, não teria nem pé nem cabeça. Exportamos mais do que café, atualmente. Quero saber o que os críticos querem que exportemos no lugar dos produtos do agrobusiness. Querem que exportemos gente?
É possível ter uma pauta mais diversificada?
Ela é diversificada, tanto no setor primário quanto no secundário. O problema é que o segundo está muito pequeno pela falta de competitividade da indústria. Com essa taxa de câmbio, fica difícil exportar produtos industriais, bem como investir. Sem investimento, fica ainda mais penoso.
quinta-feira, maio 08, 2014
LEBLON: ARROCHO, DUDU E A RECEITA PARA DESIGUALDADE
Ambos – Arrocho Neves e Dudu 3% – querem devolver aos mercados o comando do país.
O Conversa Afiada reproduz editorial de Saul Leblon, extraído da Carta Maior:
UMA RECEITA PARA A DESIGUALDADE
Os gêmeos ideológicos e a mídia complacente desconversam sobre os efeitos indigestos da receita que anunciam como se fosse um biscoito fino para o país.
por: Saul Leblon
O conservadorismo costuma se declarar vítima do maniqueísmo que regularmente carimbaria na testa de seus candidatos rótulos depreciativos aos olhos da população.
Elitistas e entreguistas, por exemplo.
O problema real parece ser outro. Candidaturas conservadoras mostram dificuldade para conciliar o discurso de palanque com a identidade do projeto que defendem para o país.
Na história recente tornou-se emblemático o caso do governador Geraldo Alckmin.
Presidenciável tucano em 2006, ele se fantasiou com adesivos de estatais brasileiras na vã tentativa de afastar compreensíveis suspeitas do eleitor.
Convenceu tanto quanto o lobo vestido de vovozinha na história da Chapeuzinho Vermelho.
Ou então Serra. Em 2010, já descendo a ladeira, aliado ao humanista bispo Malafaia para atacar gays, aborto e petistas, o tucano chegou a acenar com um gesto generoso.
O governo propunha então R$ 538 reais para o salario mínimo válido a partir de 2011, um valor calculado conforme a regra pactuada com CUT e sindicatos quatro anos antes.
‘Acho pouco’, disse o tucano e sapecou:
‘Vou fixar em R$ 600 reais’ (veja aqui: www.youtube.com/watch?v=qzyOIv–uKw).
Não contente, prometeu um aumento de 10% para os aposentados.
E arrematou com o compromisso de incluir 15 milhões no Bolsa Família (o programa reunia então 12,3 milhões; hoje são 13, 8 milhões), ademais de assegurar um 13º pagamento a todos os beneficiados.
Digamos que Dilma tomasse decisão semelhante hoje.
O que diriam os centuriões do equilíbrio fiscal que saíram de faca na boca diante do reajuste de 10% para o Bolsa Família, somado à correção da tabela do IR, ambos anunciados no discurso presidencial do 1º de Maio?
No caso de Serra, zumbiu um silencio obsequioso.
Inútil.
A credibilidade do discurso tucano não superou as desconfianças entranhadas no personagem.
O resultado é sabido: Dilma venceu as eleições de 2010, no 2º turno, por uma diferença de mais de 10 milhões de votos sobre o delfim do conservadorismo.
Tome-se agora o caso dos gêmeos ideológicos, Aécio & Eduardo.
Ambos querem devolver aos mercados o comando do país.
Há diferenças de estilo, mas nisso são univitelinos.
Em linguagem explícita ou cifrada vão alternando, como num jogral, detalhes de como se faz esse cozido de uma Nação.
Junte um Banco Central independente (da sociedade), a um choque de juros; acrescente mais duas voltas de arrocho com um superávit de 3,5%. Pique a meta da inflação ao gosto dos rentistas. Depois misture tudo com a batedeira da liberdade irrestrita aos capitais; leve ao forno da abertura comercial plena, geral e irrestrita.
Sirva fervendo.
Só falta explicitar à opinião pública os custos de cada ingrediente.
Colunistas isentos (ideológicos são os blogueiros ) adornam a omissão com uma condescendência melosa e enjoativa.
A exemplo do que fizeram com Serra não arguem o preço social e estratégica do cardápio maturado na cozinha dos gêmeos ideológicos.
Coube à Presidenta Dilma quebrar o segredo culinário nesta 3ª feira, ao calcular aquilo que se omite deliberadamente:
‘Baixar a meta da inflação para 3% (como querem os gêmeos) jogaria 8,2% dos trabalhadores no desemprego’, advertiu escancarando a linha tênue que separa o salitre impopular do lacto purga antipopular.
Preguiçosa nos cálculos quando se trata de escarafunchar a cozinha conservadora, a mídia reagiu celeremente ao discurso do 1º de Maio.
Manchetes faiscantes denunciavam no dia seguinte a ‘gastança’: R$ 8,9 bi vai custar o reajuste de 10% para o Bolsa Família e a correção da tabela do IR.
A assimetria da reação reflete uma divergência de prioridades.
Um aumento anterior de impostos providenciado pelo governo, sobre cervejas e refrigerantes, custeará quase a metade da despesa anunciada no 1º de Maio (R$ 3,6 bi).
O mercado financeiro reagiu inconsolável.
Do Itaú, o Banco Central tucano, veio a explicação: ‘esperava-se que a receita extra fosse cobrir despesas das elétricas para não prejudicar ainda mais o superávit de 2014’.
Em bom português: teme-se que a hidráulica fiscal vire o registro para subtrair água dos que já tem a caixa cheia, em benefício de que vivem de gota em gota.
Só no 1º trimestre deste ano, por exemplo, R$ 13,048 bilhões foram adicionados à caixa dos rentistas da dívida interna.
O volume poderia ser significativamente menor se o registro dos juros girasse para baixo.
O Brasil paga o terceiro juro real mais alto do mundo, cerca de 5%, depois de uma queda de braço em que Dilma conseguiu, momentaneamente, trazer para 3,5%, uma taxa real que foi da ordem de 11,5%, em média, no segundo governo Lula e de 18,5% na média do segundo governo FHC.
As medidas que os gêmeos ideológicos listam para o país requisitam um cavalo de pau nessa trajetória descendente.
Com elevado risco de retornos pífios em relação aos seus próprios objetivos.
É o que demonstra o pulso agonizante de países europeus que desde a crise de 2008 vem sendo tratados com o receituário que Aécio & Eduardo querem agora ministrar aqui.
Vejamos.
Depois de três anos de arrocho, que decepou 7% de sua economia, a dívida pública em Portugal saltou de 108% para 129% do PIB. O desemprego médio passa de 15%; e supera os 30% entre os jovens.
Na Espanha, que começou o arrocho antes do vizinho ibérico, ainda com o PSOE, e o aprofundou com a chegada da direita ao poder, em 2011, o quadro é ainda mais sombrio.
A ponto de o país registrar um déficit fiscal que é quase o dobro daquele anterior à crise.
O arrocho congelou a economia e decepou a receita do governo. A recessão fez o resto e tornou a crise autossustentável.
Há quase seis milhões de desempregados na Espanha (24% da força de trabalho)
A população ativa encolhe mês a mês pela desistência pura e simples de se procurar o que não tem: emprego.
Hoje ela é inferior à existente há seis anos –evolução semelhante a uma situação de guerra, quando os adultos em idade produtiva, jovens, sobretudo, vão para os campos de batalha e não retornam.
Na Espanha eles estão indo às filas de embarque .
A taxa de desemprego na juventude espanhola passa de 55%. Significa que metade de uma geração inteira talvez nunca encontre trabalho em sua terra.
Pior só a Grécia.
Seis de cada 10 jovens gregos estão desempregados e cerca de 4 milhões dos seus 11 milhões de habitantes vivem em um labirinto de pobreza e exclusão.
Há seis anos sob implacável terapia de arrocho, o país perdeu 25% de seu PIB. Em compensação, a taxa de suicídio aumentou 45% desde 2007.
O conservadorismo sabe as consequências da receita que preconiza para o Brasil.
O colunismo especializado, que encena esclarecimento diante do livro de Thomas Piketty (‘ O Capital no Século XXI’), tem a exata dimensão do que está em jogo.
Está em jogo assegurar aos endinheirados uma fatia da riqueza crescentemente superior ao desempenho médio da economia. Exatamente o traço forte do capitalismo atual denunciado minuciosamente por Piketty.
Ao fixar essa estaca, a conta de chegar não fecha para o resto da sociedade.
O capitalismo assume a sua genética como usina imbatível de assimetrias sociais.
Ou não será exatamente essa a raiz da desordem europeia nos dias que correm?
Rentistas e banqueiros (alemães, sobretudo) festejam a ‘retomada’, laços sociais se desintegram e a extrema direita colhe os frutos desesperados da pobreza e do desemprego propondo uma ordem policial contra a anomia neoliberal.
Os gêmeos ideológicos e a mídia complacente desconversam sobre os efeitos indigestos da receita que anunciam como biscoito fino para o país.
Apenas os mais afoitos admitem que o segredo da massa remonta a uma tradição que vem da casa grande no trato com a senzala.
Trata-se da receita da desigualdade, segundo a qual , para uma sociedade avançar , é preciso o seu povo regredir.
O Conversa Afiada reproduz editorial de Saul Leblon, extraído da Carta Maior:
UMA RECEITA PARA A DESIGUALDADE
Os gêmeos ideológicos e a mídia complacente desconversam sobre os efeitos indigestos da receita que anunciam como se fosse um biscoito fino para o país.
por: Saul Leblon
O conservadorismo costuma se declarar vítima do maniqueísmo que regularmente carimbaria na testa de seus candidatos rótulos depreciativos aos olhos da população.
Elitistas e entreguistas, por exemplo.
O problema real parece ser outro. Candidaturas conservadoras mostram dificuldade para conciliar o discurso de palanque com a identidade do projeto que defendem para o país.
Na história recente tornou-se emblemático o caso do governador Geraldo Alckmin.
Presidenciável tucano em 2006, ele se fantasiou com adesivos de estatais brasileiras na vã tentativa de afastar compreensíveis suspeitas do eleitor.
Convenceu tanto quanto o lobo vestido de vovozinha na história da Chapeuzinho Vermelho.
Ou então Serra. Em 2010, já descendo a ladeira, aliado ao humanista bispo Malafaia para atacar gays, aborto e petistas, o tucano chegou a acenar com um gesto generoso.
O governo propunha então R$ 538 reais para o salario mínimo válido a partir de 2011, um valor calculado conforme a regra pactuada com CUT e sindicatos quatro anos antes.
‘Acho pouco’, disse o tucano e sapecou:
‘Vou fixar em R$ 600 reais’ (veja aqui: www.youtube.com/watch?v=qzyOIv–uKw).
Não contente, prometeu um aumento de 10% para os aposentados.
E arrematou com o compromisso de incluir 15 milhões no Bolsa Família (o programa reunia então 12,3 milhões; hoje são 13, 8 milhões), ademais de assegurar um 13º pagamento a todos os beneficiados.
Digamos que Dilma tomasse decisão semelhante hoje.
O que diriam os centuriões do equilíbrio fiscal que saíram de faca na boca diante do reajuste de 10% para o Bolsa Família, somado à correção da tabela do IR, ambos anunciados no discurso presidencial do 1º de Maio?
No caso de Serra, zumbiu um silencio obsequioso.
Inútil.
A credibilidade do discurso tucano não superou as desconfianças entranhadas no personagem.
O resultado é sabido: Dilma venceu as eleições de 2010, no 2º turno, por uma diferença de mais de 10 milhões de votos sobre o delfim do conservadorismo.
Tome-se agora o caso dos gêmeos ideológicos, Aécio & Eduardo.
Ambos querem devolver aos mercados o comando do país.
Há diferenças de estilo, mas nisso são univitelinos.
Em linguagem explícita ou cifrada vão alternando, como num jogral, detalhes de como se faz esse cozido de uma Nação.
Junte um Banco Central independente (da sociedade), a um choque de juros; acrescente mais duas voltas de arrocho com um superávit de 3,5%. Pique a meta da inflação ao gosto dos rentistas. Depois misture tudo com a batedeira da liberdade irrestrita aos capitais; leve ao forno da abertura comercial plena, geral e irrestrita.
Sirva fervendo.
Só falta explicitar à opinião pública os custos de cada ingrediente.
Colunistas isentos (ideológicos são os blogueiros ) adornam a omissão com uma condescendência melosa e enjoativa.
A exemplo do que fizeram com Serra não arguem o preço social e estratégica do cardápio maturado na cozinha dos gêmeos ideológicos.
Coube à Presidenta Dilma quebrar o segredo culinário nesta 3ª feira, ao calcular aquilo que se omite deliberadamente:
‘Baixar a meta da inflação para 3% (como querem os gêmeos) jogaria 8,2% dos trabalhadores no desemprego’, advertiu escancarando a linha tênue que separa o salitre impopular do lacto purga antipopular.
Preguiçosa nos cálculos quando se trata de escarafunchar a cozinha conservadora, a mídia reagiu celeremente ao discurso do 1º de Maio.
Manchetes faiscantes denunciavam no dia seguinte a ‘gastança’: R$ 8,9 bi vai custar o reajuste de 10% para o Bolsa Família e a correção da tabela do IR.
A assimetria da reação reflete uma divergência de prioridades.
Um aumento anterior de impostos providenciado pelo governo, sobre cervejas e refrigerantes, custeará quase a metade da despesa anunciada no 1º de Maio (R$ 3,6 bi).
O mercado financeiro reagiu inconsolável.
Do Itaú, o Banco Central tucano, veio a explicação: ‘esperava-se que a receita extra fosse cobrir despesas das elétricas para não prejudicar ainda mais o superávit de 2014’.
Em bom português: teme-se que a hidráulica fiscal vire o registro para subtrair água dos que já tem a caixa cheia, em benefício de que vivem de gota em gota.
Só no 1º trimestre deste ano, por exemplo, R$ 13,048 bilhões foram adicionados à caixa dos rentistas da dívida interna.
O volume poderia ser significativamente menor se o registro dos juros girasse para baixo.
O Brasil paga o terceiro juro real mais alto do mundo, cerca de 5%, depois de uma queda de braço em que Dilma conseguiu, momentaneamente, trazer para 3,5%, uma taxa real que foi da ordem de 11,5%, em média, no segundo governo Lula e de 18,5% na média do segundo governo FHC.
As medidas que os gêmeos ideológicos listam para o país requisitam um cavalo de pau nessa trajetória descendente.
Com elevado risco de retornos pífios em relação aos seus próprios objetivos.
É o que demonstra o pulso agonizante de países europeus que desde a crise de 2008 vem sendo tratados com o receituário que Aécio & Eduardo querem agora ministrar aqui.
Vejamos.
Depois de três anos de arrocho, que decepou 7% de sua economia, a dívida pública em Portugal saltou de 108% para 129% do PIB. O desemprego médio passa de 15%; e supera os 30% entre os jovens.
Na Espanha, que começou o arrocho antes do vizinho ibérico, ainda com o PSOE, e o aprofundou com a chegada da direita ao poder, em 2011, o quadro é ainda mais sombrio.
A ponto de o país registrar um déficit fiscal que é quase o dobro daquele anterior à crise.
O arrocho congelou a economia e decepou a receita do governo. A recessão fez o resto e tornou a crise autossustentável.
Há quase seis milhões de desempregados na Espanha (24% da força de trabalho)
A população ativa encolhe mês a mês pela desistência pura e simples de se procurar o que não tem: emprego.
Hoje ela é inferior à existente há seis anos –evolução semelhante a uma situação de guerra, quando os adultos em idade produtiva, jovens, sobretudo, vão para os campos de batalha e não retornam.
Na Espanha eles estão indo às filas de embarque .
A taxa de desemprego na juventude espanhola passa de 55%. Significa que metade de uma geração inteira talvez nunca encontre trabalho em sua terra.
Pior só a Grécia.
Seis de cada 10 jovens gregos estão desempregados e cerca de 4 milhões dos seus 11 milhões de habitantes vivem em um labirinto de pobreza e exclusão.
Há seis anos sob implacável terapia de arrocho, o país perdeu 25% de seu PIB. Em compensação, a taxa de suicídio aumentou 45% desde 2007.
O conservadorismo sabe as consequências da receita que preconiza para o Brasil.
O colunismo especializado, que encena esclarecimento diante do livro de Thomas Piketty (‘ O Capital no Século XXI’), tem a exata dimensão do que está em jogo.
Está em jogo assegurar aos endinheirados uma fatia da riqueza crescentemente superior ao desempenho médio da economia. Exatamente o traço forte do capitalismo atual denunciado minuciosamente por Piketty.
Ao fixar essa estaca, a conta de chegar não fecha para o resto da sociedade.
O capitalismo assume a sua genética como usina imbatível de assimetrias sociais.
Ou não será exatamente essa a raiz da desordem europeia nos dias que correm?
Rentistas e banqueiros (alemães, sobretudo) festejam a ‘retomada’, laços sociais se desintegram e a extrema direita colhe os frutos desesperados da pobreza e do desemprego propondo uma ordem policial contra a anomia neoliberal.
Os gêmeos ideológicos e a mídia complacente desconversam sobre os efeitos indigestos da receita que anunciam como biscoito fino para o país.
Apenas os mais afoitos admitem que o segredo da massa remonta a uma tradição que vem da casa grande no trato com a senzala.
Trata-se da receita da desigualdade, segundo a qual , para uma sociedade avançar , é preciso o seu povo regredir.
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