Fiódor Lukianov, cientista político
Há mais de dois, em artigo pré-eleitoral, Vladímir Pútin escreveu que a Rússia quis pegar o vento chinês nas velas do seu desenvolvimento. Cada iatista professional sabe que, durante as rajadas de vento, e hoje em dia o mundo está enfrentando muitas tempestades, controlar um barco a vela é muito difícil. O sucesso, no entanto, permite alcançar o objetivo muito mais rápido.
A visita de Pútin a Pequim não decepcionou. Tendo em vista a crise entre a Rússia e os Estados Unidos, a viagem foi interpretada como uma busca de apoio em novos parceiros. A Rússia está começando uma trajetória política voltada para a Ásia, que já tinha sido anunciada há muito tempo, e o conflito ucraniano serviu como um catalisador. O ponto da vista de que só Moscou precisa dessa aproximação –e que Pequim só permite à Rússia se aproximar para poder usar seus recursos– é uma visão simplista. A China, não menos do que a Rússia, está interessada em reforçar as bases da sua política.
A China está preocupada com os acontecimentos no mundo. Um toque de despertar foi a Primavera Árabe. Em Pequim, os acontecimentos no mundo árabe foram interpretados como um modelo muito perigoso de como forças externas poderosas usam a incapacidade dos Estados para garantir o desenvolvimento nacional sustentável. E bem naquela época, Washington anunciou uma nova política na Ásia. Apesar de aberturas para a China, é óbvio que tratava-se de política de contenção.
Rússia e China: parceria lógica
Inúmeros conflitos territoriais da China com seus vizinhos estiveram durante muito tempo em um estado relativamente dormente, mas recentemente todos eles têm-se agravado e não só em nível local. Durante a visita de Pútin a Xangai, a relação com o Vietnã se tornou mais tensa e chegou até o ponto da evacuação de cidadãos chineses. A relação é difícil com o Japão e as Filipinas. Durante uma recente viagem à região do Pacífico, Barack Obama, talvez pela primeira vez, deixou abertamente claro que os Estados Unidos estão prontos para apoiar seus aliados nas disputas territoriais.
Xi Jinping, desde que chegou ao poder em 2012, bem antes da atual crise, enfatizou querer levar as relações com a Rússia para um novo nível. Pequim vê com cautela a situação em torno da Ucrânia. A China tem muitos problemas com o separatismo interno (Xinjiang Uygur, a região autônoma, Tibete, Taiwan) e reage com preocupação a qualquer alteração de fronteiras. Por isso, Moscou não pode contar com o apoio direto de Pequim. Ao mesmo tempo, a China enfatizou que entende as causas do incidente e o fato de que as ações da Rússia foram uma resposta à política de longo prazo dos EUA no espaço pós-soviético. Os chineses não querem a derrota da Rússia em um confronto com Washington, pois ela poderia fortalecer os Estados Unidos. Os Estados Unidos para Pequim são um competidor estratégico inevitável do futuro próximo.
Aproximação
Quais são os motivos específicos da China na política da aproximação com a Rússia?
Primeiro, trata-se de uma questão de equilíbrio estratégico global. A China vê seu lugar no mundo e as possibilidades de outros parceiros através de um triângulo de superpotências: China–EUA– Rússia. O significado de cada um dos vértices do triângulo depende da relação com os outros vértices. E aquele "ângulo" que perde o contato com algum dos outros dois, na visão da China, se torna mais fraco. E mais dependente do terceiro "ângulo".
Em segundo lugar, a segurança regional. A pressão dos Estados Unidos sobre Pequim continuará a crescer proporcionalmente ao aumento de insegurança dos vizinhos da China provocada por sua ascensão. A Rússia é o único país com o qual a China divide fronteiras (além dos países da Ásia Central) sem ter disputas territoriais. O objetivo máximo da China é ganhar o apoio da Rússia nesses conflitos. Isso é pouco provável: Moscou tentará manter a neutralidade ou pelo menos não tomará o lado oposto.
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Em terceiro lugar, uma fonte de energia confiável. A China tradicionalmente contava com os mercados globais, mas, com o crescimento da tensão na área internacional e regional, Pequim tem que também pensar na componente político-militar. A Rússia é a única fonte de matérias-primas cujo fornecimento, no caso de deterioração da situação, não pode ser bloqueado pela Marinha dos EUA. Hoje em dia, esse cenário parece pouco provável, mas a história recente tem mostrado repetidamente que tudo é possível.
Em quarto lugar, o problema da governança global. A crise ucraniana teve uma consequência inesperada. Querendo colocar pressão sobre a Rússia, os Estados Unidos usaram força política para intervir no funcionamento dos mercados globais. Aqui trata-se da exclusão dos bancos russos dos sistemas internacionais de pagamento, bem como a manipulação das agências de rating e o impacto das instituições financeiras internacionais. A China não deixa de prestar atenção a esse fato, pois tais medidas podem ser aplicadas contra qualquer país que entra em um conflito sério com os Estados Unidos. Portanto, a China é igual à Rússia, está interessada em enfraquecer o monopólio americano nos assuntos econômicos globais.
Em quinto lugar, os novos estímulos para o desenvolvimento. A China, como qualquer outro país orientado para a exportação, depende do ambiente externo e está destinada a buscar constantemente novos mercados. Por causa do medo do desequilíbrio econômico, a Rússia até recentemente tinha uma reação cautelosa quanto aos investimentos chineses em massa. A aproximação política promove o reforço de tais contatos, como mostrou a visita de Vladímir Pútin a Pequim.
O relacionamento na parceria russo-chinesa não promete ser fácil. Dois vizinhos gigantescos com ricas tradições de império estão fadados a discordâncias e interesses divergentes. Mas isso é natural. O mais importante não é a ausência de conflitos, mas a capacidade de lidar com eles. A Rússia terá de aprender a compensar sua fraqueza econômica relativamente à China com habilidade política e experiência. Nesse aspecto, Moscou está à frente de Pequim.
Fiódor Lukianov é editor da revista "A Rússia nos Assuntos Globais"
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