sexta-feira, novembro 04, 2011

VISÃO GLOBAL: Políticos fartos de democracia, polícia contra o povo


Do Conversa Afiada

Por sugestão do professor Fábio Konder Comparato, reproduzimos artigo do Estadão desta sexta-feira:

Por Naomi Wolf, do Project Syndicate

Ao que parece, os políticos estão fartos da democracia. Por todo os EUA, a polícia, atuando sob as ordens das autoridades locais, vem pondo fim aos acampamentos montados pelos manifestantes do movimento Ocupe Wall Street. Às vezes com uma violência escandalosa e totalmente gratuita.

No pior incidente até agora, tropas de choque cercaram o acampamento dos integrantes do movimento em Oakland e dispararam balas de borracha (que podem ser fatais), bombas de efeito moral e granadas de gás lacrimogêneo, com alguns policiais investindo diretamente contra os manifestantes. No canal do Twitter do Ocupe Oakland surgiu uma notícia como se fosse sobre Praça Tahrir do Cairo “eles estão nos cercando; centenas e centenas de policiais; há veículos blindados e tanques”. Foram presas 170 pessoas.

Minha recente prisão, embora eu tenha obedecido as exigências contidas na autorização e realizado um protesto pacífico numa rua em Manhattan, trouxe a realidade da repressão bem próxima de nós. Os Estados Unidos estão acordando para o que foi criado enquanto dormiam: empresas privadas contrataram sua polícia (a JP Morgan doou US$ 4,6 milhões para a Fundação da Polícia da Cidade de Nova York); e o Departamento Federal de Segurança Interna forneceu às forças policiais municipais armas de padrão militar. Os direitos à liberdade de expressão e de reunião do cidadão foram prejudicados sorrateiramente por critérios opacos para obter as autorizações.

Repentinamente, os EUA assemelham-se ao restante do mundo que não é completamente livre, está furioso e protesta. De fato, muitos comentaristas não conseguiram entender completamente que uma guerra mundial está ocorrendo, mas que esse conflito é diferente de qualquer outro na História da humanidade. Pela primeira vez, as pessoas no mundo todo não estão se identificando e se organizando com base em posições religiosas ou nacionais, mas em termos de consciência global e as demandas são de uma vida pacífica, um futuro sustentável, justiça econômica e democracia. Seu inimigo é a “corporatocracia” que comprou governos e parlamentos, criou suas forças armadas, engajou-se numa fraude econômica sistêmica e saqueou ecossistemas e tesouros.

Em todo o mundo, os manifestantes pacíficos são satanizados como desordeiros. Mas a democracia é desordeira. Martin Luther King afirmou que a desordem pacífica é saudável, pois expõe a injustiça sepultada, que pode, então, ser restaurada. O ideal é que os manifestantes se dediquem a uma desordem disciplinada, não violenta, com esse espírito – especialmente a desordem do trânsito, que serve para manter os provocadores à distância e ao mesmo tempo deixar clara a militarização injusta da resposta policial.

Além disso, movimentos de protesto não têm sucesso em horas ou dias; manifestações geralmente implicam sentar num lugar ou “ocupar” áreas por longos períodos. Esta é uma razão pela qual os manifestantes devem arrecadar seu dinheiro e contratar seus advogados. O mundo corporativo está aterrorizado com a possibilidade de os cidadãos reivindicarem o Estado de direito. Em todos os países os manifestantes devem responder com um exército de advogados.

Comunicação. Eles devem criar a própria mídia, em vez de depender de agências de notícias tradicionais para cobrir seus protestos. Devem manter blogs, tuitar, escrever editoriais e comunicados de imprensa, assim como registrar e documentar casos de abusos da polícia.

Infelizmente, existem muitos casos documentados de provocadores violentos infiltrando-se nas manifestações em locais como Toronto, Pittsburgh, Londres e Atenas – pessoas que, segundo me disse um grego, são “desconhecidos conhecidos”. Os provocadores também devem ser fotografados e registrados e por isso é importante não cobrir o rosto durante um protesto.

Os manifestantes nas democracias têm de criar listas de e-mail locais, combinar suas listas com as nacionais e começar a registrar os eleitores. Devem dizer a seus representantes quantos eleitores registraram em cada distrito e devem se organizar para destituir políticos que são brutais ou agressivos. E precisam apoiar aqueles – como em Albany e Nova York, por exemplo, onde a polícia e o Ministério Público locais recusaram-se a reprimir com brutalidade os manifestantes – que respeitam os direitos de liberdade de expressão e de reunião.

Muitos manifestantes insistem em continuar sem uma liderança, o que é um erro. Um líder não tem de se colocar no topo de uma hierarquia: pode ser um simples representante. Eles devem eleger representantes com um “mandato” limitado, como em qualquer democracia, e treinar essas pessoas para conversar com a imprensa e negociar com políticos.

Os protestos devem ser o modelo da sociedade civil que se pretende criar. No Parque Zuccotti, em Manhattan, por exemplo, há uma biblioteca e uma cozinha; o alimento é doado; as crianças são convidadas a passar a noite ali; e aulas são organizadas. Músicos trazem seus instrumentos e a atmosfera deve ser alegre e positiva. Os manifestantes devem procurar manter a limpeza. A ideia é criar uma nova cidade dentro de uma cidade corrompida e mostrar que ela reflete o desejo da maioria e não de uma camada destrutiva e marginal.

Afinal, o que há de mais profundo no caso dos movimentos de protesto não são as demandas, mas sim a infraestrutura nascente de uma humanidade comum. Por décadas o que se tem dito aos cidadãos é que se deve manter a cabeça baixa – seja num mundo de fantasia consumista ou na pobreza e na labuta – e deixar a liderança para as elites. O protesto é transformador precisamente porque as pessoas emergem, encontram-se face a face e, ao reaprender os hábitos da liberdade, criam novas instituições, relacionamentos e organizações.

Nada disso pode ocorrer num ambiente de violência policial e política contra manifestações democráticas e pacíficas. Como indagou Berthold Brecht, após a brutal repressão dos comunistas alemães orientais, em junho de 1952, “não seria mais fácil…para o governo dissolver o povo e eleger um outro?”. Por toda a parte nos Estados Unidos, e em muitos outros países, líderes supostamente democráticos parecem estar considerando seriamente a irônica pergunta de Brecht.

TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Naomi Wolf é ativista política e crítica social. Seu livro mais recente é “Give me liberty: a handbook for American revolutionaries”.Além de “O Mito da Beleza”, seus outros livros publicados no Brasil são Fogo com Fogo, Promiscuidades: a Luta Secreta para Ser Mulher.

Sem-teto ocupam acampamentos de protesto nos EUA

Presença de manifestantes e sem-teto no mesmo espaço deu um foco mais político ao movimento contra o sistema financeiro

The New York Times, de Los Angeles

Robert Gaffney, que veio de Oklahoma para Los Angeles há dez anos, se estabeleceu em um pedaço de estopa sobre uma colina gramada em frente à prefeitura, examinando as tendas e a multidão que compõem o movimento de protesto "Ocupe Los Angeles".

Para muitos de seus vizinhos no City Hall Park, a praça em frente à prefeitura de Los Angeles, este é um centro de protesto e reclamação política. Para Gaffney, ele é o mais recente pedaço de terra que ele chama de lar.

É, segundo ele, mais confortável do que a calçada de concreto de Hollywood em que ele viveu nos últimos meses. Também é mais seguro do que Skid Row, a colônia sem-teto localizada a apenas alguns quarteirões de distância.

"É diferente aqui", disse Gaffney, de 31 anos. "Eu consigo dormir. Tenho conversas interessantes". Ele segurava um par de meias sujas. "Mas eu ainda não descobri como lavar a roupa."

De Los Angeles a Wall Street, de Denver a Boston, os sem-teto juntaram-se aos manifestantes em grande número, ou pelo menos se estabeleceram ao lado deles durante a noite. Ali há alimentos, banheiros, segurança, companhia e muita atividade para passarem os dias.

"Quando as barracas foram armadas, todos mudaram para lá", disse Douglas Marra, um sem-teto de Denver. "Todos sabiam que conseguiriam coisas de graça."

Mas sua presença está gerando um dilema para os manifestantes e as autoridades.

Em Atlanta, no sábado, os manifestantes que foram expulsos do Parque Woodruff pela polícia simplesmente se mudaram para o abrigo sem-teto Peachtree-Pine, em um sinal de reconhecimento da causa dos 600 moradores de rua que protestam ao seu lado. Isso deu à manifestação um foco mais político e não por acaso expandiu seu tamanho.

"Os sem-teto aumentam o tamanho do protesto", disse Alex Smith Jr., de 50 anos, um ex-reparador que mora no abrigo e se juntou aos protestos. "Eles trazem uma voz."

Mas em outros lugares, os manifestantes falam sobre se sentirem ameaçados por causa da presença de pessoas desabrigadas.

"Há muitos deles aqui que têm problemas mentais e que precisam de ajuda. Eles estão no lugar errado", disse Jessica Anderson, de 22 anos, que também é sem-teto, sentada com os amigos na região do protesto em Los Angeles. "Eles têm criado mais problemas. Um cara apareceu na noite passada e não queria se calar: dizendo todo tipo de coisa louca a noite toda."

(Por Adam Nagourney)

COMENTÁRIO E & P

E a nossa imprensa não dá o tratamento adequado a esse movimento de contestação que vem ocorrendo nos Estados Unidos, bem como a repressão feita pelas autoridades estadunidenses. Se fosse em Cuba, Venezuela ou Irã eles iriam pautar todos os jornais 24 horas do dia questionando a qualidade de vida desses países e a democracia. Mas como a velha mídia brasileira é pautada pelo Departamento de Estado dos EUA, isso não entra na pauta. O maior poder dos Estados Unidos não é o militar, é o de pautar a maioria dos jornais do mundo, segundo os interesses do seu governo, que agora não é mais o interesse do povo estadunidense que está questionando a política desse país. Recursos para matar e trucidar afegãos, líbios, iraqueanos e quem sabe em breve, iranianos não faltam aos Estados Unidos, mas para prover alimento, habitação e tratamento médico ao seu povo não tem.

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