segunda-feira, novembro 14, 2011

A ilusão europeia


Do Projeto Nacional

Paulo Nogueira Batista Jr.

Há um ano e nove meses, em fevereiro de 2010, publiquei nesta coluna um artigo que me deu imensa dor de cabeça.

O título era: “Europa em declínio.” Entre outras coisas, escrevi que os sinais do declínio relativo da Europa estavam em toda parte. A recessão havia sido mais profunda na Europa do que nos EUA. A recuperação europeia também estava sendo mais lenta.

Na periferia europeia, escrevi, o quadro era especialmente ruim. Muitos países estavam em crise ou próximos disso. Suprema humilhação: especulava-se que, pela primeira vez, um país integrante da área do euro teria que recorrer ao FMI – a Grécia. As autoridades europeias, temendo a perda de prestígio, procuravam evitar esse desfecho. Mas a crise grega já contaminava outros países do Sul da Europa, também da área do euro, notadamente Portugal e Espanha.

Os europeus ficaram furiosos comigo. Naquele tempo, eles ainda tinham tempo de seguir os meus artigos. Fizeram grande pressão e muitas queixas contra mim, inclusive formais, no FMI e no G-20. Foi medonho.

O artigo terminava com uma citação de De Gaulle que, no fim da vida, em 2009, observou profeticamente: “Eu tentei fortalecer a França em face do fim de um mundo. Fracassei? Outros dirão, mais tarde. Sem dúvida, o fim da Europa está diante de nós.”

Fim da Europa? Leitor, para entender plenamente a crise atual é preciso ter alguma noção da história da unificação europeia. O assunto é vasto. Menciono apenas o seguinte: originalmente, a unificação europeia foi um projeto das elites do continente, em especial das elites francesas e alemãs, que visava, entre outros objetivos, a conter e reverter o declínio da posição relativa da Europa no mundo. Uma Europa unida seria capaz de fazer face às grandes potências do pós-guerra: os EUA e a União Soviética.

Do ponto de vista do Brasil, uma Europa unida e próspera poderia, em tese, ser um elemento positivo num mundo crescentemente multipolar. Isso se tornou até mais necessário depois do colapso do bloco soviético.

Em tese, friso. Na prática, a Europa é uma ilusão. Tem sido, não raro, a principal força pró-status quo na área internacional, inclusive em instituições financeiras como o FMI. Os europeus estão super-representados nas organizações e nos foros internacionais. E se agarram tenazmente a suas posições e privilégios. O pior de tudo é que a área do euro constitui atualmente o principal risco de desestabilização da economia mundial.

Não se pode generalizar. Evidentemente, há muitos europeus qualificados e esclarecidos, que oferecem contribuições importantes no FMI, no G-20 e em outros foros. Infelizmente, isso parece ser mais exceção do que regra.

A crise na zona do euro, volto a dizer, é uma ameaça muito considerável, inclusive para o Brasil. A essa altura, não se pode descartar um colapso geral da união monetária europeia.

Os problemas da zona do euro são legião. As vulnerabilidades fundamentais estão na própria construção original – toda ela influenciada pela forma alemã de pensar e por uma versão rígida dos dogmas econômicos liberais: regras fiscais simplistas, Banco Central Europeu independente e dedicado à estabilização monetária, unificação monetária sem unificação fiscal e política, livre movimentação de capitais, insuficiente regulação e supervisão dos mercados financeiros etc.

Essas fragilidades não apareciam nos tempos de bonança. Com a crise iniciada nos EUA em 2007, tudo isso veio à tona com força brutal. O sonho europeu virou pesadelo.

Várias cúpulas europeias, várias reuniões do G-20, inclusive a cúpula em Cannes na semana passada – nada disso foi capaz de dar resposta convincente à crise. A zona do euro está à deriva e, dado o seu peso econômico e financeiro, pode produzir ondas de choque no resto do mundo.

O Brasil precisa estar preparado para uma turbulência semelhante, talvez mais intensa do que a que ocorreu em fins de 2008 depois do colapso do Lehman Brothers.

Paulo Nogueira Batista Jr. é economista e diretor executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional

Um comentário:

Castor Filho disse...

(comentário enviado por e-mail e postado por Castor)

Muitíssimo bom, o artigo.

Só que o que acontecerá na Europa, diante do declínio estadunidense, será muito mais grave que a crise de 2008, muitíssimo mais grave mesmo, como uma explosão inédita no universo neocapitalista. Arrighi e alguns outros raros trataram do assunto com razoável antecedência.

Por isso temos de consolidar mais ainda nossa integração aos outros quatro do BRICS.

ArnaC