segunda-feira, março 28, 2011

Política industrial: diagnóstico e propostas



Amir Khair - O Estado de S.Paulo


Este artigo visa a contribuir ao debate sobre a política industrial e se baseia num trabalho feito pela Associação Brasileira da Indústria de Plástico (Abiplast) entregue neste mês às principais autoridades do governo ligadas ao problema.

A globalização acirrou a concorrência entre empresas na produção, comercialização e distribuição de bens e serviços, o que trouxe avanços significativos na produtividade, na redução de custos e preços e na inovação. Assim, as empresas têm que concorrer no plano global. Para isso, deve contar com posição estratégica favorável no conjunto de seus fatores de produção.

Infelizmente, vários fatores atuam dificultando nossas empresas. Tem-se alta carga tributária e juros, custos elevados de infraestrutura e logística e câmbio desfavorável. Como consequência, elas vêm perdendo posição competitiva interna e externa, e no caso da indústria essa situação é particularmente preocupante.

O que distingue o Brasil na concorrência internacional são as commodities e os alimentos, onde nossa posição estratégica é excelente. Infelizmente pouco se tem aproveitado dessa posição para ampliar nossa competitividade.

Exemplo emblemático disso foi dado pela Vale ao aumentar substancialmente os preços internos do minério de ferro, elevando custos às empresas e consumidores e gerando inflação em momento delicado que o País atravessava para romper com as amarras criadas pela crise internacional. Mas o problema não se circunscreve só à Vale, e esse é o tema que será abordado em sequência.

O objetivo da proposta da Abiplast é aumentar a competitividade dos segmentos de cadeias produtivas, aproveitando a posição estratégica desfrutada pelo País em commodities. Para isso, deve ocorrer a transferência de uma parte dos ganhos dos produtores de commodities e de empresas com grande poder de mercado que atuam em etapa dessas mesmas cadeias, para as que estão a jusante de ambas, que são os fabricantes de produtos de maior valor agregado, conteúdo tecnológico e geradores de emprego.

Isso permite importante contribuição para que as empresas a jusante se desenvolvam e contribuam para a retomada do processo de industrialização fortalecendo a oferta interna e disputando em melhores condições a dura competição externa.

Os produtores de commodities vêm usando seu poder de mercado na definição de preços, que sobem mais por essa razão que pelo efeito China. Isso ocorre devido à forte concentração de capital na área de commodities ocorrida, sobretudo, na década passada, através de fusões e aquisições entre as empresas que estavam no topo das cadeias produtivas. Muitas empresas brasileiras participaram desse movimento e incluíram-se no rol das protagonistas dos aumentos de preços.

Em certas cadeias, a competitividade está presente, também, em etapas seguintes à atividade extrativa ou primária. É o caso da siderurgia, que vem na sequência da extração de minério de ferro; da indústria automobilística que vem após a indústria siderúrgica e; da petroquímica que é parte da cadeia do petróleo.

Existem modelos de alianças estratégicas aplicados nas cadeias produtivas. Um deles foi o "toyotismo", base da revolução industrial do Japão ocorrida na segunda metade do século passado, que buscava a otimização da competitividade de toda a cadeia produtiva da indústria automobilística. Esse modelo nasceu na Toyota e se propagou por todo o tecido industrial japonês e, mais adiante, por alguns países como a Coreia do Sul, com excelentes resultados.

Outro modelo é o chinês onde o estado ocupa setores econômicos considerados estratégicos para subsidiar outros segmentos das cadeias produtivas. A busca de posições estratégicas no caso do governo chinês se faz, também, em outros países através de compras de participações acionárias e/ou concessão de financiamentos com garantias futuras de suprimento em condições favoráveis. Exemplo recente foi o empréstimo de US$ 10 bilhões à Petrobrás.

No Brasil ainda prevalece a mentalidade de focar no sucesso da empresa que ocupa o topo da cadeia produtiva, sem uma política que vise a maximizar o resultado do conjunto da cadeia competitiva, interna na redução de custos e preços, e externa na disputa com outras empresas.

Parte do sucesso dessas empresas do topo se deve à prática de igualarem os preços de seus produtos no mercado interno com os do mercado internacional, acrescidos dos custos de internalização (frete, seguro, tarifas aduaneiras e a chamada "taxa de conforto"). Dessa forma estão beneficiando os fabricantes estrangeiros que concorrem com os nacionais localizados nas etapas seguintes das cadeias produtivas.

A diferenciação de preços no mercado interno daria para ajudar a atenuar o chamado custo Brasil. No País, as empresas do topo aumentaram seus preços bem acima da valorização do real. O minério de ferro, por exemplo, valorizou se em mais de 100%, nos dois últimos anos, enquanto a valorização do real foi de cerca de 40%. Segundo relatório do Citibank, de 09/02/11, "Global Commodities Daily", o preço do aço no Brasil é 50% maior que o da Ásia, sem contar o Imposto de Importação de 14%. Essas empresas tiveram, assim, ganhos substantivos.

Para dar suporte à sua proposta de política industrial, a Abiplast levantou extenso conjunto de dados que permite comparar margens de lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda), número de empresas e de pessoal ocupado para as empresas do topo e a jusante das principais cadeias produtivas cujos resultados estão condensados na tabela a seguir.


Como se pode ver os segmentos a jusante são os que geram mais empregos e margens Ebitda bem inferiores às empresas que se situam no topo das cadeias produtivas (destaque em preto). Na petroquímica, a margem Ebitda foi mais que o dobro do segmento de artigos de borracha e plástico, que empregou quase 30 vezes mais.

Na cadeia do aço, o segmento de máquinas e equipamentos, punido pela crise dos anos em análise, pelos preços do aço e pela valorização do real, que provocou um crescimento das importações, teve a margem Ebitda de 0,2% e empregou 6,3 vezes mais que a indústria de mineração. O segmento de autopeças com margem Ebitda 4,1 vezes menor que a mineração emprega 5,1 vezes mais.

Para permitir maior valor agregado, conteúdo tecnológico e geração de empregos é necessário um modelo que se aproxime de países como a China e Coreia do Sul, duas economias que têm o setor industrial como carro-chefe. É nesse sentido que vai a proposta da Abiplast de tributar as exportações dos produtores de commodities em níveis que mantenham sua posição competitiva externa e, com o aumento da receita fiscal, o governo poderia reduzir em igual monta a carga tributária incidente sobre os segmentos a jusante.

Com isso, é possível discutir a concessão de incentivos fiscais para o cumprimento de metas com relação ao aumento de investimentos em máquinas e equipamentos, de produtividade, em pesquisa, desenvolvimento e inovação, etc. por parte das empresas a jusante das cadeias produtivas. Para não se ter dúvida sobre a certeza dessa medida, a Austrália aplica taxação sobre as exportações das empresas de minério de ferro. A Índia elevará o Imposto de Exportação cobrado sobre minério de ferro fino e granulado para 20% a partir de abril, segundo informou o ministro de Finanças, Pranab Mukherjee.

Mas, para a Abiplast, a diferenciação de preços entre os mercados interno e externo não é o único meio para aumentar a competitividade das cadeias produtivas em análise. Sem dúvida, a calibragem da tarifa aduaneira em relação às commodities poderá desempenhar papel adicional importante, assim como a eliminação, em casos específicos, de barreiras não tarifárias que impedem qualquer tipo de competição.

Isso obrigará os formuladores de política industrial a pensar nas que minimizem a deficiente proteção comercial brasileira e as reduções de ICMS concedidas por alguns Estados aos produtos importados. Essas distorções são para ser corrigidas o mais rápido possível.

Para dinamizar a economia e reduzir a inflação é fundamental dar ênfase à questão da concorrência. Nesse sentido as entidades responsáveis em disciplinar a concorrência, entre elas, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) ainda está a desejar no combate a abusos de poder econômico, expresso em preços e em outras práticas condenáveis de monopólios ou de oligopólios concentrados.

O que se colocou acima não teve a pretensão de esgotar a discussão do que fazer, levando em conta o que acontece nas cadeias produtivas em que as empresas do topo, produtoras de commodities, têm grande presença na oferta internacional de matérias-primas.

O que importa é aprofundar a discussão em torno de uma da política industrial com visão de cadeia produtiva, sem prejuízo de políticas setoriais como as constantes da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP).

MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV E CONSULTOR

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