segunda-feira, fevereiro 28, 2011

Remédio em excesso mata - Amir Khair



(seção de Economia do Estadão)

Os remédios têm em suas bulas a posologia, ou seja, as dosagens que podem ser tomadas para produzir o melhor efeito no combate ao problema de saúde. O médico, após o diagnóstico, tem que decidir qual o remédio ministrar e a posologia adequada ao tratamento.

O mesmo ocorre para a economia. Uma das doenças a ser tratada é a inflação e o remédio mais usado tem sido uma alta taxa básica de juros, a Selic. A partir do dia 06/dez um novo remédio foi usado pelo Banco Central (BC) visando conter “certos excessos do mercado de crédito”. Ele impôs uma reserva maior de dinheiro pelos bancos quando concederem empréstimos para consumidores com prazo acima de dois anos. No caso de automóveis, essa reserva varia conforme a entrada que o comprador do veículo der. Além disso, o BC elevou o recolhimento compulsório dos bancos, tirando da economia cerca de R$ 65 bilhões.

Os efeitos deste remédio foram eficazes e imediatos, pois de acordo com o BC, até o final de janeiro, a taxa do crédito pessoal subiu de 40,3% para 49,4% ao ano, o prazo médio reduziu de cinco para quase três anos e a média diária das concessões de crédito pessoal caiu 19%! No caso dos veículos, a taxa do financiamento subiu cinco pontos nos bancos convencionais e quatro nos bancos de montadoras, o prazo médio recuou de três anos e meio para menos de três e a concessão de crédito caiu 45% nos bancos convencionais e 35% nos bancos das montadoras.

Outros indicadores confirmam queda ou estabilidade no nível de atividades depois dessas medidas macroprudenciais. A Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) do IBGE de dezembro ficou estável em relação a novembro, e em janeiro, o indicador de atividade do comércio elaborado pela Serasa apresentou queda de 2,7%. Avalia-se que as vendas do varejo tendem a ser prejudicadas pela redução da oferta de crédito.

Quanto ao remédio taxa básica de juros a posologia adotada mundialmente é aproximá-la da taxa de inflação. Atualmente está um ponto abaixo da inflação na média mundial e nos países emergentes meio ponto abaixo. Mas no Brasil é de 5,5 pontos acima, ou seja, uma posologia anormalmente elevada, que além de não resolver a doença da inflação traz vários efeitos colaterais danosos ao corpo econômico.

1) Aumenta as despesas do governo – A Selic contamina no curto e no médio prazo todas as taxas de juros dos títulos do governo federal cuja dívida está atualmente em R$ 1,7 trilhões. Cada ponto de aumento da Selic aumenta a despesa com juros do governo federal em R$ 17 bilhões! Como essa dívida é crescente, especialmente por causa da elevação das reservas internacionais, do aporte de recursos do Tesouro Nacional ao BNDES – que são feitos com a emissão de títulos – e da Selic, esse dano será maior neste ano, anulando parte expressiva do corte de R$ 50 bilhões no orçamento do governo federal.

2) Causa elevado custo de carregamento das reservas internacionais – O BC tem mais de US$ 300 bilhões de reservas, que são aplicadas especialmente em títulos do Tesouro americano com juros de cerca de 1,5% e paga juros de 11,25%. Além disso, há a perda cambial com a valorização do real perante o dólar. No ano passado o custo de carregamento desta dívida foi estimado em R$ 26,6 bilhões pelo BC, mas esse cálculo parece conservador frente a outros estudos que apontam para R$ 45 bilhões. Neste ano deverá se elevar mais, pois crescem as reservas e a Selic em relação ao ano passado.

3) Valoriza o real perante o dólar – os especuladores do mercado internacional captam recursos a taxas próximas a zero e aplicam nos títulos do governo federal que pagam taxas elevadas. São ganhos líquidos e certos, sem riscos. O BC está dando um presentão a esses especuladores para manter o real apreciado e funcionar como âncora cambial, barateando as importações e encarecendo nossas exportações. Isso tira o poder competitivo das empresas do País tanto interna quanto externamente, causando um rombo nas contas externas, que pode se tornar explosivo. Esse risco existe, caso se mantenha essa situação, pois a política dos países desenvolvidos é continuar inundando o mundo com suas moedas para permitir elevar suas exportações e reduzir suas importações.

O mais grave é que o paciente Brasil ainda não se deu conta que está tomando o remédio errado e em doses cavalares. Ele tem, ainda, uma boa saúde, mas está ficando cada vez mais debilitado com os efeitos colaterais do remédio. O pior é que o médico já avisou que vai elevar essa dosagem, pois não está havendo a cura e o paciente tem confiança no médico e não pensa em mudá-lo. Se continuar assim, corre sério risco de espalhar em seu organismo novos problemas, que certamente serão combatidos com mais elevação da dosagem do mesmo remédio. Assim, o paciente corre o risco de vir a morrer.

A pergunta que fica é: Não dá para trocar de remédio uma vez que o outro (medidas macroprudenciais) já provou sua eficácia além de não causar os efeitos colaterais apontados?

Dá, e isso precisa ser feito imediatamente rumando em prazo, o mais curto possível, para as taxas de juros a nível internacional e continuar aferindo os efeitos das medidas macroprudenciais, regulando sua posologia para que o apetite de consumo não tencione a inflação.

O consumo das famílias, que responde por 75% do consumo total, é fortemente influenciado pela oferta de crédito via taxas de juros e prazos de financiamentos. As medidas macroprudenciais, que podem influir o nível da oferta de crédito e suas taxas de juros, têm efeito imediato. As taxas Selic levam, segundo o BC e o mercado financeiro, cerca de nove (!) meses para produzir efeito. Em nove meses ninguém sabe o que estará ocorrendo no mundo e em nossa economia, pois o tempo é longo demais para previsões. Há pouco não se previa a revolta no mundo árabe e ninguém sabe onde isso vai dar, com repercussões nos preços do petróleo, em forte ascensão.

Outra questão que chama a atenção é o ciclo vicioso criado pelo BC: 1) mantém a Selic elevada para servir como âncora cambial; 2) com isso atrai capital externo para lucrar com essa taxa; 3) isso aprecia o real; 4) para segurar essa apreciação o BC compra dólares aumentando as reservas; 5) reservas maiores atraem mais capital externo, pois aumenta a garantia às aplicações externas. Ou seja, ele cria o problema e o agrava com sua “solução”.

Várias vezes o jornalista Celso Ming, em sua coluna no Estado, chamou a atenção que, quanto maiores as reservas internacionais mais atração exercerão para a entrada de capital externo.

Como resultado desse processo da ação do BC, eleva-se a dívida bruta do País, as despesas com juros do governo federal e o custo do carregamento das reservas. E tudo isso tem efeito imediato; não precisa de nove meses para repercutir numa improvável alteração da inflação.

Quanto à teoria das expectativas de que as alterações da Selic servem para conduzir os agentes econômicos a adequar seus preços conforme a meta de inflação, isso não ocorre, pois ao contrário dos outros países, onde essa teoria funciona razoavelmente, a distância entre a Selic e a taxa de juros dos bancos é tão grande, que permite variar as taxas dos bancos conforme outros interesses visando ampliar seu mercado na disputa com bancos mais agressivos em sua expansão, além das pessoas e empresas terem mais alternativas de escolha das melhores ofertas de financiamento.

A teoria das expectativas faz mais sentido para as medidas macroprudenciais, pois o seu efeito é imediato sobre o crédito, que é a perna principal da adequação do nível de consumo. As expectativas, no entanto, estão sendo mais influenciadas pela inflação corrente do que pela inflação projetada, sempre sujeita a toda sorte de erros. A inflação está sendo influenciada mais pela realidade internacional nos preços dos alimentos e commodities do que por qualquer outro fator e sobre isso pouco se pode fazer a não ser restringir o galope do crédito.

Para que possa ocorrer a mudança do remédio velho para o de nova geração, que já mostrou sua eficácia, é necessário que o BC, que já dispõe de autonomia operacional em relação ao governo e aos políticos, comece a exercê-la também em relação ao mercado financeiro, o qual adora uma Selic elevada, pois amplia sem riscos seus lucros.

Para isso é fundamental cortar a relação simbiótica que sempre existiu entre ambos. Isso agora tem melhor chance de ocorrer, uma vez que os membros que compõem o Comitê de Política Monetária (Copom) são todos funcionários de carreira do próprio banco. Além disso, já passou da hora de usar o Boletim Focus baseado em cem instituições financeiras como fonte de consulta sobre projeção de inflação e da Selic. O BC precisa estender suas consultas à academia e às instituições que representam o setor real da economia se quiser ter maior credibilidade e possuir diagnósticos mais confiáveis e de melhor qualidade.

Já passou da hora de mudar de remédio.

Amir Khair é Mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor.

Mexida no tabuleiro internacional

Publicado em 27/02/2011 por Mário Augusto Jakobskind

O foco agora é a Líbia, governada por quase 42 anos por Muammar Kadafi, o dirigente árabe que passou a ser aceito pelo Ocidente a partir de 2003, quando decidiu fazer uma série de concessões, inclusive deixando de lado o programa nuclear. O ditador, homem forte, ou seja lá que denominação tenha, caiu nas graças dos Estados Unidos e da Europa. Afinal, o general petróleo pesa muito na balança.


De concessão em concessão, Kadafi em 2006 abriu as portas da Líbia ao Fundo Monetário Internacional e ao Banco Mundial adotando programas econômicos de austeridade em que o povo é sempre a principal vítima. As vozes roucas das ruas já se faziam sentir, mas o homem forte líbio/ditador se lixava.


Kadafi, hoje amigão do italiano Silvio Berlusconi, com quem firmou acordos petrolíferos de milhões de euros em 2008, chegou até a receber a visita da então Secretária de Estado norte-americana Condoleezza Rice. O dirigente líbio abriu o tapete vermelho para saudá-la. Esta, lépida e faceira, disse sorrindo que as relações estadunidenses-líbias entravam em uma nova etapa.


A questão dos direitos humanos então não passava de um mero detalhe. O cachorrinho de George W. Bush e o agora membro da Casa dos Lordes, Tony Blair (Bush’s Poodle), também começou a relacionar-se com Kadafi as mil maravilhas. Cessaram as acusações raivosas segundo as quais o Coronel líbio ordenara o atentado nos céus da Escócia que derrubou um avião provocando várias mortes. Kadafi mandou até pagar indenizações aos familiares das vítimas. Agora, o tema voltou à tona.


Vão longe os tempos em que quando tomou o poder derrubando um rei subserviente aos europeus e estadunidenses, um tal de Idris, Kadafi parecia seguir os passos de Gamal Abdel Nasser, o líder egípcio que nacionalizou o canal de Suez e trouxe grandes benefícios ao seu povo, que conheceu um tempo de estabilidade e melhoria de qualidade de vida.


Nos anos 70, Kadafi era uma espécie do que viria a ser no Terceiro Milênio o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad para os Estados Unidos e Israel. Eram sanções atrás de sanções contra o então integrante do “eixo do mal”.


Para ser ter uma ideia do tom de Kadafi, em uma entrevista para Marília Gabriela, claro, antes de 2003, ao ser perguntado o que faria se encontrasse Bush (pai), respondeu, deixando a entrevistadora desconcertada: “cuspiria na cara dele”.


Kadafi nos últimos tempos andava meio no ostracismo. Especulava-se que estaria muito doente e preparava o filho para sucedê-lo na missão de manter unidas as tribos que formam a Líbia. De fato, um dos filhos apareceu muito nos últimos dias com discursos inflamados de ameaça aos rebelados.


Uma parte da Líbia, segundo o noticiário das agências, já estaria sob controle dos rebelados e Kadafi só tinha consigo uma área da capital, Trípoli, podendo perdê-la a qualquer momento. Mas na verdade, todo esse noticiário é passível de dúvidas, porque em outros episódios históricos as agências internacionais no frigir dos ovos acabaram errando e na prática desinformando.


Os mortos pela repressão já chegariam a mil, mas não dá para confirmar o número exato de vítimas. Há informações segundo as quais a Força Aérea bombardeou a população civil, o que é desmentido pelos kadafistas. O embaixador brasileiro em Trípoli não confirmou bombardeios, mas a notícia se espalhou pelo mundo.


O líder líbio, que segundo a maioria dos analistas, estaria em seus estertores, sendo abandonado por colaboradores próximos e ministros, voltou à retórica de antes de 2003. Culpa drogados, adeptos de Bin Laden, que desmentiram em um site, o imperialismo e grupos religiosos de serem os responsáveis pela rebelião.


Como não poderia de ser, numa linguagem como sempre hipócrita, o Departamento de Estado, na palavra de Hillary Clinton, condenou a violência contra o povo cometida pelo Exército líbio obediente a Kadafi. Quando o Presidente iraniano Ahmadinejad condenou a repressão ao povo, Clinton esbravejou dizendo que ele não tinha moral para falar o que falou. Como se o governo estadunidense, que sempre apoiou ditaduras sangrentas na região, tivesse. Até porque, quem apoia sem restrições a monarquia na Arábia Saudita não tem moral para coisa alguma, ainda mais falar em democracia na região ou em qualquer parte do mundo.


O que está acontecendo nos países árabes é, sem dúvida, uma grande mexida no tabuleiro internacional. Mubarak já ocupa seu lugar no lixo da história depois de 30 anos com o apoio incondicional dos governos estadunidenses. Agora, como o ventou mudou, a dupla Obama & Clinton se manifesta efusivamente em favor da democracia no Egito. Brincadeira. Ninguém perguntou aos manifestantes, que nestes anos todos foram reprimidos por armas da indústria da morte estadunidense, se aceitavam de bom grado a democracia propugnada pela potência que não quer perder o controle da região.


É complicado saber com precisão quem são os rebeldes que não querem mais Kadafi. Foi só o povo? Há notícias que em Benghazi, a segunda cidade líbia, os manifestantes que agora controlam a área, teriam hasteado a bandeira da monarquia derrubada por Kadafi e o povo, em 1969.


A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) lançou um comunicado dizendo que não pretende intervir na Líbia. Aí que mora o perigo. Basta consultar os jornais para ver que sempre em graves crises, como a de agora, inicialmente os dirigentes da OTAN dizem que não pretendem intervir. Horas ou dias depois surgem os contingentes bombardeando ou ocupando cidades.


Como a Líbia, ou melhor, o petróleo líbio é estratégico e mesmo nos EUA o ouro negro é cada vez mais escasso, não será surpresa alguma se no país conflagrado desembarcarem tropas da OTAN com parceria estadunidense sob o pretexto de estabelecer a paz.


Enviado por Direto da Redação

sábado, fevereiro 26, 2011

MÚSICA - ELOMAR - Gênio brasileiro

Das Barrancas do Rio Gavião, surge Elomar, criador de bode em Vitória da Conquista, na Bahia, que canta o sertão, seus mitos, suas angústias. Mito da música brasileira, Elomar tem uma grande obra que precisa ser conhecida pelo povo brasileiro.









Elomar - Os meios de comunicação estão nas mãos dos maus

MÚSICA - XANGAI - pequenina

Músico baiano, Xangai é um cantador que fala da terra e da sua gente. Infelizmente a mídia brasileira não mostra esse grande talento, assim como outros.É um desserviço que as televisões e rádios brasileiras fazem com a cultura nacional. Só mostram, na maioria das vezes, cantores medíocres para consumo rápido.

MÚSICA - XANGAI abc do preguiçoso

Músico baiano, Xangai é um cantador que fala da terra e da sua gente. Infelizmente a mídia brasileira não mostra esse grande talento, assim como outros.É um desserviço que as televisões e rádios brasileiras fazem com a cultura nacional. Só mostram, na maioria das vezes, cantores medíocres para consumo rápido.

sexta-feira, fevereiro 25, 2011

Revolução: a vez do Bahrain e da Arábia Saudita?


By admin– 25 de fevereiro de 2011

Revolta popular cresce na pequena monarquia e desponta no maior produtor mundial de petróleo. Mas são aliados dos EUA — e, portanto, “modernos” para a velha mídia…

Por Pepe Escobar, do Asia Times Online | Tradução: Coletivo VilaVudu

Um espectro ronda o Golfo Persa: a democracia [1].


Nessa terça-feira, nada menos que 20% da população do Bahrein reuniu-se na rotatória Lulu (Pérola) (na foto) em Manama na maior manifestação contra a monarquia feudal, ação intimamente conectada à grande revolta árabe de 2011. Amostra de toda a sociedade bahraini – professores, advogados, engenheiros, suas mulheres e filhos – numa marcha infinita, em volta do monumento, coluna compacta nas cores vermelho e branco, da bandeira nacional.

Na quinta-feira, havia motivos para crer que a revolta alcançara o santo graal, i.e., a Casa de Saud, quando 100 jovens saíram às ruas de Hafar al-Batin, nordeste da Arábia Saudita, exigindo o fim dessa monarquia feudal encharcada em petróleo. O extraordinário é que tenha acontecido justamente quando o “Guardião das Duas Mesquitas Sagradas”, rei Abdullah da Arábia Saudita, 85 anos, voltava para casa depois de três meses de tratamento médico e cirurgia nos EUA e convalescença no Marrocos – em plena onda de massiva propaganda do regime, completada com toques de orientalismo, como um homem vestido de branco dançando danças tradicionais beduínas sobre tapetes especialíssimos.


Para a Casa de Saud, a revolta é o pesadelo absoluto: como todo o mundo já está sabendo, um Bahrain microscópico, de maioria xiita, mas também microscópica, faz fronteira com a região da Arábia Saudita, de grande maioria xiita, onde está o petróleo.


Mas não surpreende que a revolta tenha eclodido nem bem o rei Abdullah pôs o pé nos seus tapetes, e apesar de toda a ação preventiva para evitar que surgissem espasmos pró-democracia entre as massas, com lançamento de um programa de 35 bilhões de dólares, que inclui um ano de benefícios para jovens desempregados, além da criação de um fundo nacional de desenvolvimento que permitirá que os jovens comprem casa, abram pequenos negócios e casem.


Em teoria, a Arábia Saudita prometeu nada menos que 400 bilhões de dólares em programas, até o final de 2014, para melhorar a educação, a saúde pública e a infraestrutura. Economista-chefe do Banco Saudita Fransi, John Sfakianakis, diz, eufemisticamente, “o rei tenta criar ampla via para o enriquecimento, sob a forma de bem-estar social”.


Como sempre, todos os eufemismos param na política: não se vê sinal algum de qualquer investimento real na direção de atender as aspirações políticas dos súditos – partidos políticos, sindicatos e qualquer tipo de manifestação pública continuam totalmente proibidos. E não se vê qualquer sinal, tampouco, de que o rei esteja preocupado com os enormes problemas sociais – da repressão policial, à intolerância religiosa – exatamente os problemas que o encurralaram e obrigaram a tentar seu gambito multibilionário da “ampla via”.


Adivinhem, então, quem se apresentou para dar as boas vindas ao rei Abdullah e discutir “a crise” – palavra-código para “A Grande Revolta Árabe de 2011”? Acertaram: o monarca feudal sunita vizinho, rei Hamad al-Khalifa, do Bahrein.


Assassinato soft, com nossa trilha sonora


A narrativa inventada no ocidente, à Disneyworld, de que o rei Hamad seria “reformista progressista”, interessado em “fazer avançar a democracia” e “preservar a estabilidade” foi totalmente detonada quando o exército real realmente mercenário atirou, com munição real, usando armamento antiaéreo, de APC, contra manifestantes que levavam flores, ou quando helicópteros marca Bell, americana, sobrevoaram e perseguiram pessoas, sem parar de atirar.


Mensagem pelo tuíter, semana passada, vinda da jornalista bahraini Amira al-Husseini, resumiu tudo: “Também amo o Bahrein. Nasci no Bahrein. Meu sangue é bahraini – e vi meu país assassinado hoje, à vista dos próprios filhos.”


A rebelião xiita contra a dinastia al-Khalifa de mais de 200 anos – invasores, vindos do continente –, está em andamento, de fato, há décadas; inclui centenas de prisioneiros políticos em quatro prisões, na cidade e nos arredores da capital Manama, presos e torturados por “conselheiros” jordanianos; e um regime cujo exército é composto, basicamente, de soldados punjabi e baloques paquistaneses.


Demorou um pouco – mas, então, aconteceu aquele telefonema estratégico de Washington, que deu ânimo para que al-Khalifa se decidisse a tratar do assunto da matança com um pouco mais de aplicação.


O relato de como a política externa dos EUA agilmente se adaptou à Grande Revolta Árabe de 2011 oferece algumas lições. Hosni Mubarak expulso do Egito e o rei Hamad do Bahrein são “moderados” e certamente não são “o mal”. Afinal, um foi e o outro é, respectivamente, pilar da “estabilidade”, como se lê em MENA (Middle East-Northern Africa [em http://en.wikipedia.org/wiki/2010–2011_Middle_East_and_North_Africa_protests ].

Por outro lado, Muammar Gaddafi da Líbia e Bashar al-Assad da Síria são realmente péssimos, porque não se submetem nunca aos diktats de Washington. A escala moral que determina a resposta dos EUA é diretamente proporcional a o quanto o monarca ditador feudal em questão comporte-se como sátrapa a serviço dos EUA.


Assim se explica a instantânea repulsa (que o Departamento de Estado manifestou anteontem e o presidente Obama só hoje, quinta-feira) aos ataques de Gaddafi contra seu próprio povo, enquanto a mídia-empresa nos EUA e legiões de analistas de think-tanks disputam entre eles a glória de ter encontrado o adjetivo que mais elaboradamente ensina a crucificar Gaddafi. Ninguém é melhor que essa gente, quando se trata de denunciar ditador que não se encaixa no modelo de lacaio que os EUA prefiram.


Simultaneamente, não se ouviu no MENA nem um pio quando o aparelho de repressão de Hamad – parcialmente importado da Arábia Saudita – matou seus próprios cidadãos na rotatória da Pérola. OK, terrorista reabilitado, Gaddafi sempre foi doido, mas ao Bahrain aplica-se todo um longo mantra, como “aliado próximo” dos EUA; “nação pequena mas estrategicamente valiosa”; lar da 5ª Frota, essencial para garantir que o petróleo continue a fluir pelo Estreito de Ormuz; defesa contra o Irã etc.


Seja como for, mesmo depois do massacre, Sheikh Ali Salman, líder do maior partido de oposição, xiita, o partido al-Wefaq, e também Ebrahim Sharif, líder do partido secular Wa’ad, e Mohammed Mahfood da Sociedade de Ação Islâmica, todos aceitaram encontrar-se com o Príncipe Coroado Salman bin Hamad al-Khalifa, para um diálogo proposto pela monarquia.


Husain Abdullah, diretor de Americans for Democracy and Human Rights no Bahrein, não está convencido: “Não sei se a própria família reinante, eles próprios, merecem alguma confiança para algum diálogo sério, porque, se se assiste à televisão do Bahrain, nada se vê além de ataques sectários contra a multidão que permanece na praça-rotatória Lulu.”


Para Abdullah, o que está de fato acontecendo é que “mais e mais pessoas estão exigindo abertamente o fim do regime, por meios pacíficos, e querem que o Bahrein seja governado pelo povo do Bahrein. Além disso, há conclamação séria de desobediência civil completa (não parcial, como até agora), em todo o país, para expulsar do país a família reinante, como foi feito na Tunísia e no Egito.” Não surpreende que a Casa de Saud esteja em pânico.

O levante dos 70% de xiitas do Bahrein, mais alguns poucos sunitas – o mantra principal do protesto era “Nem xiitas nem sunitas. Todos bahrainis” – começou como movimento de direitos civis. Mas o príncipe coroado melhor fará se concordar rapidamente – ou a coisa ali também se transformará em revolução. Por enquanto, há muita retórica sobre “estabilidade”, “calma”, “segurança”, “coesão nacional”, mas nada de sério sobre reforma eleitoral e constitucional.


Há razões para crer que Salman – aconselhado pelos sauditas – talvez tente uma saída à Mubarak e faça algumas promessas vagas para algum futuro distante. Todos sabemos como a coisa acabou, na praça Tahrir.


Os manifestantes começaram por pedir primeiro-ministro eleito, monarquia constitucional e o fim da discriminação contra os xiitas. Agora, Matar Ibrahim, um dos 18 deputados xiitas do Parlamento, já diz que há um abismo de distância entre os manifestantes da rotatória da Pérola e os deputados da oposição que se reuniram com o Príncipe Coroado. A palavra de ordem que mais se ouve na rotatória da Pérola já é “Fora, Fora Khalifa”.


Milhares de trabalhadores da fábrica gigante de alumínio Alba já deixou claro que um poderoso sindicato e vários movimentos sindicais já apoiam os manifestantes em sua maioria xiitas. O presidente do sindicato de trabalhadores da Alba, Ali Bin Ali – que é sunita, mas isso nada muda – já alertou que há greve organizada para eclodir a qualquer momento.


Queremos nossos direitos sociais


Se houver mudança democrática de regime no Bahrein, os megaperdedores serão a Arábia Saudita e os EUA.
O Bahrein é caso clássico de colusão entre o império das bases dos EUA e uma ditadura/monarquia feudal sem sal. Naturalmente, o chefe do Estado-maior dos EUA favorece a “ordem-e-estabilidade” comandada pela ditadura – e o mesmo aconteceu com o velho poder colonial britânico; os massacres de civis no Bahrein e na Líbia chegam até vocês por especial cortesia da Royal Military Academy Sandhurst e dos sistemas BAE [para saber o que é, veja http://www.baesystems.com]

O rei Hamad é formado pela Escola Militar de Alto Comando dos EUA (orig. US Army Command and General Staff School) em Fort Leavenworth, Kansas, e “tem papel destacado na direção da política de segurança do Bahrein” – como se leu em telegrama de 2009 publicado por WikiLeaks. Foi ministro da Defesa de 1971 a 1988 e é fã do armamento pesado dos EUA.


O Príncipe Coroado, renomado por sua “abordagem muito ocidental”, por sua vez, estudou na escola que o Departamento de Defesa mantém no Bahrein e graduou-se na American University em Washington. Tradução: dois vassalos cabeça-de-Pentágono, estão hoje encarregados de fazer reformas democráticas no Bahrein.


A Grande Revolta Árabe de 2011, por todas as razões específicas nos diferentes países, não é, não, de modo algum, sobre religião (como Mubarak, Gaddafi e Hamad tentaram fazer parecer que seria). É revolta da classe trabalhadora, diretamente provocada pela crise global do capitalismo.


Choque de civilizações, fim da história, islamofobia e outros conceitos igualmente tolos estão mortos e enterrados. As pessoas querem direitos sociais, querem navegar em águas da democracia política e da democracia social.


Nesse sentido, a rua árabe é hoje a vanguarda do mundo. Se al-Khalifa não entender, será arrancado de lá.

quarta-feira, fevereiro 23, 2011

Das ditaduras imperiais a uma nova democracia


By Antonio Martins– Share1Nossos textos apontam aspectos pouco conhecidos das revoluções em curso no mundo árabe. E revelam algo que a mídia tenta esconder: o apoio do Ocidente (e do FMI…) às ditaduras “estáveis”, agora em colapso

Por que, de um momento para o outro, tantos regimes árabes, que pareciam tão irremovíveis, estão entrando em colapso? Qual o sentido geral das mudanças? O primeiro dossiê de Outras Palavras traz cinco textos a respeito destas questões cruciais. Teoria da revolução árabe: 5 apontamentos abre a série. É da lavra de Horace Campbell, jamaicano, professor (na Syracuse University, de Nova York) e analista renomado sobre política da África. Foi publicado no excelente site Pambazuka, dedicado a temas do continente.

Campbell chama atenção para algo pouco presente nas análises convencionais: os mesmos governos ocidentais que se apresentam como porta-vozes e guardiões da democracia ofereceram apoio prolongado às ditaduras que estão ruindo. Parte delas sempre manteve boas relações com Estados Unidos, Inglaterra ou França. Outras (como Líbia, Argélia e Yêmen) estavam na órbita da União Soviética ou do movimento das nações “não-alinhadas” — mas foram tranquilamente incorporadas, após 1989. Todas eram apresentadas, nos últimos anos, como “baluartes da estabilidade e do antiterrorismo”.

Do ponto de vista econômico, as ditaduras estavam enquadradas à ortodoxia das instituições financeiras internacionais. É sintomático que Egito e Tunísia, as primeiras a cair, tenham se submetido a “ajustes fiscais” exigidos pelo FMI e Banco Mundial. Os planos foram considerados casos de “sucesso macroeconômico” — mas ampliaram a pobreza, a desigualdade e o desmonte dos serviços públicos e contribuíram para a revolta atual.

Num segundo momento de seu artigo, Campbell destaca a originalidade dos movimentos em curso. “A característica saliente na Tunísia e no Egito tem sido a ausência de partidos ou líderes de vanguarda”, diz ele. Estas revoluções “estão dando origem a um novo surto de energia criativa e tornamdo-se uma escola de novas técnicas revolucionárias para o século 21″.

Já em A longa caminhada da revolução árabe, de Vishay Prashad, a abordagem é outra. Especialista em História dos países do Sul, o autor procura estabelecer nexos entre as revoltas de hoje e o esforço de décadas dos países árabes, para superar a condição de nações submissas às grandes potências ocidentais. Esta trajetória passa, segundo Prashad, pela onda antiimperialistas que se abriu ao final dos anos 1950, chegou ao auge nos 70 e declinou na década seguinte. Há, porém, uma diferença marcante. Agora, quem conduz a luta pela liberdade não são governos autoritários (ainda que “socialistas”), nem os militares — mas a ação autônoma, em especial dos jovens e das mulheres.

O escritor e filósofo Bruno Cava, integrante da equipe de Outras Palavras, desenvolve, em Revolução Árabe: só a luta ensina, um ponto de vista complementar. As novidades trazidas pela revolução árabe, aponta ele, questionam duas concepções muito presentes entre a própria esquerda. A primeira é a noção de vanguarda, presente entre os que “se julgam encarregados de anunciar a boa-nova e guiar as massas ao reino da justiça”. Em consequência, “dividem a sociedade em fiéis e pecadores, iluminados e iludidos, os últimos suscetíveis de conversão por panfletos, almanaques e cursos de domingo”. A segunda é a “esquerda apocalíptica”, que “passou as duas últimas décadas lamuriando a derrota”, julgando que “todas as formas de revolta estariam capturadas” e que restava apenas “refugiar-se em teorias sobre o estado de exceção (…), à espera de algum evento messiânico”. Para Bruno Cava, ambas visões estão sendo contrariadas pelas ruas árabes, que “não anunciam verdades a um futuro longínquo, mas se povoam de potências e modos de sentir — aqui e agora”.

Dois textos do repórter brasileiro Pepe Escobar (atualmente no Asia Times Online) completam nosso primeiro dossiê. Em O fator islâmico na revolução árabe, redigido quando se acelerava a desintegração do governo Mubarak, no Egito, Pepe desmonta a ideia segundo a qual o Oriente Médio viveria um surto de “fervor islâmico”. Já em Revolução dos pobres, não do Islã, ele aprofunda o ponto de vista e sustenta: “a dicotomia artificial que inventaram para o Oriente Médio — ou ditadura pró-ocidental ou jihadismo — jamais passou de um truque barato. Assim se escreve a história real: um país de 80 milhões, coração do mundo árabe, põe abaixo, afinal, o Muro do Medo e passa para o lado do autorrespeito”.

terça-feira, fevereiro 22, 2011

Quando o Banco Central vai ser independente do mercado financeiro? Soluções Milagrosas!



Amir Khair[1]

Várias análises apostam na elevação da Selic e nos cortes de despesas do governo federal como a solução para conter a inflação neste ano. Não creio.

O País já está acompanhando a elevação da inflação que está ocorrendo em todos os países desde setembro do ano passado devido à elevação dos preços dos alimentos e commodities. Infelizmente não deveremos ser uma exceção diante dessa realidade internacional.

Na China, a inflação nos últimos doze meses atingiu 10% nos alimentos, 4,9% ao consumidor e 6,6% ao produtor. Os países desenvolvidos, no entanto, estão mais preocupados em retomar o crescimento. O banco central britânico praticamente abandonou a luta no curto prazo. As autoridades americanas estão ignorando tanto a queda da taxa de desemprego como a inflação de 4,1% nos preços de atacado. O Banco Central Europeu apenas registrou a elevação da inflação que passou de 0,9% para 2,4% nos últimos 13 meses.

Como agravante neste início de ano, a inflação no Brasil é sazonalmente mais elevada devido às chuvas, que afetam a produção de alimentos in natura, aos reajustes das tarifas do transporte coletivo, às despesas com material escolar e o IPTU e IPVA. Em 2010 a inflação do primeiro quadrimestre respondeu por 44,8% da inflação anual. Se não houvesse sazonalidade seria de 33,3%.

Essa sazonalidade pode levar a equívocos nas projeções da inflação anual, ficando o Banco Central (BC) pressionado pelo mercado financeiro a elevar a taxa de juros. Caso resista a essa pressão é acusado de agir com atraso, o que exigiria uma dose mais forte de elevação da taxa para compensar essa “falha”.

Fato interessante ocorreu no ano passado, quando ocorreu no último quadrimestre uma escalada de preços de alimentos e commodities a nível mundial. O BC foi pressionado a elevar a taxa de juros e como não se dobrou à pressão do mercado financeiro foi acusado de ter agido politicamente por causa das eleições. Fato é que o BC em sua ata de 08/dez ressaltava que “os efeitos do ajuste na taxa Selic ainda não foram inteiramente incorporados à dinâmica dos preços. Adicionalmente, medidas macroprudenciais recentemente anunciadas, um instrumento rápido e potente para conter pressões localizadas de demanda, ainda terão seus efeitos incorporados à dinâmica dos preços.”

O BC sempre manifestou em suas atas que a alteração da Selic leva mais de seis meses para produzir efeito sobre a inflação. Como as elevações da Selic ocorreram de maio a julho, só no início deste ano se poderia ter uma avaliação do efeito. Por outro lado foram criadas a partir do dia 6/dez as medidas macroprudenciais cujos efeitos precisavam ser apurados.

Isso, no entanto, não foi suficiente para satisfazer o mercado financeiro e a pressão sobre o BC se elevou ainda mais, forçando já a partir de 20/jan a primeira elevação da Selic numa perspectiva de novas elevações nas próximas reuniões do Copom.

Discute-se muito a questão da autonomia operacional do BC em relação ao governo federal, especialmente em relação ao Ministério da Fazenda, mas a verdadeira pressão, que empana essa autonomia está no mercado financeiro, o maior interessado em manter a Selic em níveis elevados e crescentes como solução milagrosa para domar a inflação.

A única forma eficaz de atuação da Selic para evitar escalada maior da inflação tem sido a valorização do real que reduz os preços dos produtos importados, mas essa saída está esgotada devido aos prejuízos causados na indústria nacional e nas contas externas. O argumento, muito utilizado, de decisões sobre a Selic, formar as expectativas dos agentes do mercado para indicar o rumo da inflação vem sendo frustrado, face à realidade maior que é a inflação vinda de fora dos alimentos e commodities - que respondem por mais da metade da inflação - e da indexação da inflação ocorrida no passado, como no caso do reajuste dos alugueis, baseado no IGP-M, que cresceu 11,5% em 2010.

Outra solução milagrosa é acreditar que o corte de R$ 50 bilhões nas despesas do governo irá contribuir para reduzir a demanda, permitindo ao BC o conforto de elevar menos a Selic. Este corte, embora necessário, representa apenas 1,2% (!) da demanda.

Além do mais, essas duas “soluções” se contradizem, pois ao elevar a Selic como previsto para esse ano, aliado à elevação das reservas internacionais e de aportes ao BNDES, que elevam a dívida bruta do governo, é possível que os juros gerados atinjam mais da metade (!) deste corte de R$ 50 bilhões.

Embora talvez não resolva o problema da inflação mais elevada neste ano, as medidas macroprudenciais são mais eficazes e rápidas do que as soluções milagrosas da Selic e do corte das despesas federais. Essas medidas atingiram o cerne de uma das pernas do impulso da demanda que é a expansão e o custo do crédito, como ficou demonstrado pelo BC no dia 9/fev.

É fundamental aprofundar as discussões sobre as causas da inflação para evitar soluções, que aparentemente tem significado, mas que na prática não funcionam. Todo cuidado é pouco com as soluções milagrosas.

comentário E & P

Os juros altos é a forma encontrada pela pseudo-elite brasileira (não possui um projeto de nação e é vassala de outros países)para se locupletar com o dinheiro do povo brasileiro, especialmente os mais pobres, que pagam proporcionalmente mais impostos. O dinheiro é retirado do povo, via impostos, e vai para as classes mais ricas da população, via juros da dos títulos da dívida pública, indexados em SELIC. Vale lembrar que as 20.000 famílias mais ricas do Brasil, possuem 80% desses títulos. Os economistas de mercado que na verdade são papagaios de piratas, repetem ad nauseam
a necessidade de aumento dos juros, os jornalistas que também defendem interesses alheios aos da população, publicam nos jornais, para pressionar o governo a aumentar os juros, que aumenta a dívida pública, para depois impor cortes no orçamento, é um ciclo vicioso

segunda-feira, fevereiro 21, 2011

Wall Street contra os pobres e a classe média: O orçamento 2012 de Obama é uma ferramenta da guerra de classe



por Paul Craig Roberts [*]


O novo orçamento de Obama é uma continuação da guerra de classe da Wall Street contra os pobres e as camadas médias.


A Wall Street não acabou conosco quando os banksters venderam os seus derivativos fraudulentos aos nossos fundos de pensão, arruinaram as perspectivas de empregos e planos de aposentadoria dos americanos, asseguraram um salvamento de US$700 mil milhões a expensas dos contribuintes enquanto arrestavam os lares de milhões de americanos e sobrecarregavam o balanço da Reserva Federal com vários milhões de milhões de dólares papel financeiro lixo em troca de dinheiro recém criado para escorar os balanços dos bancos.


O efeito da “facilidade quantitativa” da Reserva Federal sobre a inflação, as taxas de juro e o valor cambial do dólar ainda está para nos atingir. Quando o fizer, os americanos obterão uma lição do que é a pobreza.


As oligarquias dominantes atacaram novamente, desta vez através do orçamento federal. O governo dos EUA tem um enorme orçamento militar e de segurança. Ele é tão grande quanto os orçamentos do resto do mundo somados. Os orçamentos do Pentágono, da CIA e da Segurança Interna representam US$1,1 trilhão do déficit federal que a administração Obama prevê para o ano fiscal de 2012. Este gasto deficitário maciço serve apenas a um único propósito – o enriquecimento de companhias privadas que servem o complexo militar/securitário. Estas companhias, juntamente com aquelas da Wall Street, são quem elege o governo dos EUA.


Os EUA não têm inimigos exceto aqueles que os próprios EUA criam ao bombardearem e invadirem outros países e pela derrubada de líderes estrangeiros e instalação de fantoches americanos no seu lugar.


A China não efetua exercícios navais ao largo da costa da Califórnia, mas os EUA efetuam jogos de guerra junto às suas costas no Mar da China. A Rússia não concentra tropas nas fronteiras da Europa, os EUA instalam mísseis nas fronteiras da Rússia. Os EUA estão determinados a criar tantos inimigos quanto possível a fim de continuar a sangrar a população americana para alimentar o voraz complexo militar/securitário.


O governo dos EUA gasta realmente US$56 mil milhões por ano a fim de que os americanos que viajam de avião possam ser porno-rastreados e sexualmente tateados de modo a que firmas representadas pelo antigo secretário da Segurança Interna Michael Chertoff possam ganhar grandes lucros vendendo o equipamento de rastreamento (scanning).


Com um déficit orçamentário perpétuo conduzido pelo desejo de lucros do complexo militar/securitário, a causa real do enorme déficit do orçamento dos EUA está fora dos limites para discussão.


O secretário belicista da Guerra, Robert Gates, declarou: “Se evitarmos as nossas responsabilidades da segurança global é sob o nosso risco”. As altas patentes militares advertem contra o corte de qualquer dos milhares de milhões de ajuda a Israel e ao Egito, dois dos funcionários da sua “política” para o Médio Oriente.


Mas o que são as “nossas” responsabilidades globais de segurança? De onde vieram? Por que a América ficaria em perigo se cessasse de bombardear e invadir outros países e de interferir nos seus assuntos internos? Os riscos que a América enfrenta são criados por ela própria.


A resposta a esta pergunta costumava ser que do contrário seríamos assassinados nas nossas camas pela “conspiração comunista mundial”. Hoje a resposta é que seremos assassinados nos nossos aviões, estações de comboios e centros comerciais por “terroristas muçulmanos” e por uma recém criada ameaça imaginária – “extremistas internos”, isto é, manifestantes contra a guerra e ambientalistas.


O complexo militar/securitário dos EUA é capaz de criar qualquer número de invencionices (false flag) a fim de fazer com que estas ameaças pareçam reais para um público cuja inteligência é limitada à TV, experiências em centros comerciais e jogos de futebol.


Assim, os americanos estão fincados em enormes déficits orçamentários que a Reserva Federal deve financiar imprimindo dinheiro novo, dinheiro que mais cedo ou mais tarde destruirá o poder de compra do dólar e o seu papel como divisa de reserva mundial. Quando o dólar se for, o poder americano também irá.


Para as oligarquias dominantes, a questão é: como salvar o seu poder.


A sua resposta é: fazer o povo pagar.


E isso é o que o seu mais recente fantoche, o presidente Obama, está a fazer.


Com os EUA na pior recessão desde a Grande Depressão, uma grande recessão que John Williams e Gerald Celente, assim como eu próprio, afirmaram estar a aprofundar-se, o “orçamento Obama” tem como objetivo programas de apoio para os pobres e os desempregados. As elites americanas estão se transformando em idiotas quando procuram replicar na América as condições que levaram às quedas de elites analogamente corruptas na Tunísia e no Egito e a desafios crescentes aos demais governos fantoches.


Tudo o que precisamos é de uns poucos milhões mais de americanos sem nada a perder a fim de trazer as perturbações no Médio Oriente para dentro da América.


Com os militares estadunidenses atolados em guerras lá fora, uma revolução americana teria ótima oportunidade de êxito.


Políticos americanos têm de financiar Israel pois o dinheiro retorna em contribuições de campanha.


O governo dos EUA deve financiar os militares egípcios para haver alguma esperança de transformar o próximo governo egípcio em outro fantoche americano que servirá Israel pelo bloqueio contínuo dos palestinos arrebanhados no gueto de Gaza.


Estes objetivos são, de longe, mais importantes para a elite americana do que o Pell Grants que permite a americanos pobres obterem educação, ou água limpa, ou block grants comunitários, ou o programa de assistência em energia aos baixos rendimentos (cortado na mesma quantia em que os contribuintes americanos são forçados a dar a Israel).


Também há US$7.7 bolhões de cortes no Medicaid e outros programas de saúde ao longo dos próximos cinco anos.


Dada a magnitude do déficit orçamentário dos EUA, estas somas são uma ninharia. Os cortes não terão qualquer efeito sobre as necessidades de financiamento do Tesouro. Eles não interromperão a necessidade de imprimir dinheiro do Federal Reserve a fim de manter o governo dos EUA em operação.


Estes cortes servem apenas uma finalidade: reforçar o mito do Partido Republicano de que a América está em perturbação econômica por causa dos pobres. Os pobres são preguiçosos. Eles não querem trabalhar. A única razão porque o desemprego é alto é que os pobres preferem confiar no estado previdência.


Um novo acréscimo ao mito do estado previdência é que membros da classe média saídos recentemente de faculdades não querem os empregos que lhes são oferecidos porque os seus pais têm demasiado dinheiro e os rapazes gostam de viver em casa sem terem de fazer nada. Uma geração mimada, eles saem da universidade recusando qualquer emprego que não seja para começar como executivo principal de uma companhia da Fortune 500. A razão porque licenciados em engenharia não conseguem entrevistas de emprego é que não os querem.


Tudo isto leva a um assalto aos “direitos adquiridos”, o que significa Segurança Social e Medicare. As elites programaram, através do seu controle dos media, uma grande parte da população, especialmente os que se consideram conservadores, a assimilar o conceito de “direitos adquiridos” ao de estado-previdência. A América está indo para o inferno, não por causa de guerras externas que não servem qualquer objetivo americano, mas porque o povo, que durante toda a sua vida pagou 15% das suas remunerações para pensões de velhice e cuidados médicos, quer “dádivas” nos seus anos de aposentadoria. Por que estas pessoas egocêntricas pensam que trabalhadores americanos deveriam ser forçados através de contribuições sobre remunerações a pagar as pensões e cuidados médicos dos afastados do trabalho? Porque os afastados não consomem menos e preparam a sua própria aposentadoria?


A linha da elite, e a dos seus porta-vozes contratados em “think tanks” e universidades, é de que a América está perturbada devido aos aposentados.


Demasiados americanos tiveram os seus cérebros lavados a fim de acreditar que a América está em perturbação por causa dos seus pobres e aposentados. A América não está perturbada porque coage um número decrescente de contribuintes a suportarem os enormes lucros do complexo militar/securitário, governos fantoche americanos lá fora e Israel.


A solução da elite americana para os problemas da América não é simplesmente arrestar as casas dos americanos cujos empregos foram exportados, mas aumentar o número de americanos aflitos com nada a perder, de doentes, afastados do trabalho e privados de tudo e de licenciados das universidades que não podem encontrar os empregos que foram enviados para a China e a Índia.


De todos os países do mundo, nenhum necessita uma revolução tão urgentemente quanto os Estados Unidos, um país dominado por um punhado de oligarcas egoístas que têm mais rendimento e riqueza do que pode ser gasto durante toda uma vida.


Ver também: Obama's Budget is a Fantastic Comedy


[*] Ex-editor do Wall Street Journal e ex-secretário assistente do Tesouro dos EUA. Seu livro mais recente, HOW THE ECONOMY WAS LOST , acaba de ser publicado pela CounterPunch/AK Press.
e-mail: PaulCraigRoberts@yahoo.com


O original encontra-se em:A Tool for Class War
Este artigo encontra-se em: Resistir

Nova geopolítica: a encruzilhada norte-americana

por Izaías Almada

Não consigo entender a razão que me impede de ser um grande admirador dos Estados Unidos da América do Norte. E olhe que já tentei: comprei um chapeuzinho do Mickey na Disneylândia, fantasiei-me de Homem Aranha no Carnaval, compadeci-me com os assassinatos de John Kennedy e Martin Luther King, tenho uma nota de um dólar guardada como talismã, mas não tem jeito, não consigo engolir o tal ‘american way of life’.

Devo confessar, inclusive, que tenho grande admiração pela produção cultural norte americana, sua literatura, seu teatro dramático e musical, o blues e o soul na música, muitos de seus filmes, poetas como Whitman e Auden, dramaturgos como Albee, Miller e Tennessee Williams, escritores do talento de Faulkner e Baldwin… E a lista aqui seria extensa.

Mas quanto à sua decantada democracia e o seu papel de polícia do mundo, não. Aí, não… Aí o assunto se reveste de inquestionável transcendência. O mundo já está cansado da intromissão direta de siglas como CIA, DEA, FBI, MARINES ou indireta como FMI, ONU, OEA, OTAN (onde prevalece a ‘visão norte americana’ e corporativa do mundo capitalista) e outras menos conhecidas pelo grande público, mas não menos importantes ou perniciosas.


Desde que a Segunda Grande Guerra desmontou o poder hegemônico da Europa sobre o mundo, inclusive expondo as vísceras de um colonialismo perverso e ultrajante de países como a Alemanha, a Holanda, a Inglaterra, a Itália, Espanha, França, esse lugar foi ocupado pelos Estados Unidos da América do Norte, que soube, mais do que ninguém se aproveitar da oportunidade oferecida pelas circunstâncias da luta contra o nazi/fascismo, entre outros fatores, e assumir o papel de gendarme da humanidade.

Ao ajudar combater o eixo Roma/Berlim/Tóquio e eliminar o fantasma de um mundo governado por um psicopata como Adolpho Hitler, os EUA envolveram-se num manto de simpatia mundial que muito bem souberam canalizar para a defesa de seus interesses econômicos e estratégicos, aos poucos disseminado e sustentado por uma poderosa máquina de manipular ideias e consciências através do rádio, da imprensa, do cinema e da televisão.

Pode-se mesmo dizer que os últimos sessenta anos vividos pela humanidade, se caracterizaram por uma monumental propaganda em favor de um sistema econômico que transforma a água em vinho, multiplica os pães, mas deixa na miséria, ou quase, 90% da população mundial. E, o que é mais grave, crucifica a todos aqueles que não rezam pela sua cartilha. E não são poucos os Pilatos que lavam as mãos diante de tal situação.

Coréia, Vietnam, Indonésia, ditaduras pela América Central e do Sul nos anos que se seguiram à Segunda Grande Guerra, apoio a genocidas africanos, apoio a golpes de estado em países como Chile, Brasil, Argentina, Bolívia, Uruguai, nos anos 60/70, Kosovo (Bálcãs), Haiti, Honduras em anos mais recentes dão, apesar do volume de ações, uma pálida idéia da intromissão de um país autoritário e arrogante na vida política de outros povos.

A livre concorrência e a defesa de interesses econômicos dão aos EUA, no limite dos direitos adquiridos e na prática de uma diplomacia minimamente civilizada, consoante as próprias leis que regem o sistema capitalista, a possibilidade de se fazerem ouvir em qualquer ponto do globo terrestre. Contudo, direito igual têm todos os outros países da comunidade internacional.

No entanto, não é esse o filme a que se assiste. Apoiado por uma poderosa máquina de guerra, onde se destacam as armas nucleares (negadas ou permitidas a outros países conforme as alianças que se fazem), a hipocrisia (para dizer o menos) da política norte americana é de transformar o Iago da tragédia shakespeariana numa verdadeira Madre Tereza de Calcutá.

Mistificando suas ações de combate ao terrorismo e ao narcotráfico, o Departamento de Estado e sua diplomacia feita de chantagens e espionagem, conforme revelações mais recentes do site Wikileaks, parecem ter chegado a um impasse nessa primeira década do século XXI. Sua economia vai mal, seu poder de barganha diminui, sua influência na América Latina e agora no Oriente Médio declina.

Conseguirá o presidente Barack Obama mostrar que foi merecedor de um prêmio Nobel de Paz ou esse galardão se desmoraliza em definitivo?

Izaías Almada é escritor, dramaturgo, autor – entre outros – do livro “Teatro de Arena: uma estética de resistência” (Boitempo) e “Venezuela povo e Forças Armadas” (Caros Amigos).

sexta-feira, fevereiro 18, 2011

Próxima parada: a Casa de Saud


19/2/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online
Next stop: The House of Saud
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu


Aqui, rápido curso intensivo de emergência sobre como um dos "nossos" ditadores – monárquicos – trata o próprio povo durante a grande revolta árabe de 2011.

O rei do Bahrain, Hamad al-Khalifa, tem sangue nas mãos: os mercenários de suas forças de segurança – paquistaneses, indianos, sírios e jordanianos – atacaram, sem qualquer aviso, manifestantes que dormiam pacificamente às 3h da manhã na rotatória da Pérola, a versão local, nesse pequeno país do Golfo, da Praça Tahrir do Cairo.

Pelo menos cinco morreram no ataque brutal – entre os quais uma criança – e houve mais de 2.000 feridos, vários com ferimentos de bala e dois em estado crítico. A polícia antitumulto atirou contra médicos e paramédicos e impediu que ambulâncias e doadores de sangue chegasse à Rotatória da Pérola. Um médico do hospital Salmaniya disse à al-Jazeera disse que há um caminhão-frigorífico estacionado ao lado do hospital, que ele teme que tenha sido usado pelo exército para remover cadáveres não contabilizados.


Maryama Alkawaka do Centro Bahrain de Direitos Humanos estava lá: “Foi violentíssimo. [A polícia] atacou sem mercê.” Uma avalanche de tuítes de bahrainis denunciou o ataque “ao estilo de Israel” e a abordagem atirar-para-matar. E muitos denunciaram a al-Jazeera por não ter mantido a transmissão ao vivo por satélite que fizeram do Cairo, e por ter sugerido claramente que os eventos no Bahrein não passariam de protestos de xiitas. A Rotatória da Pérola está agora cercada, com cerca de 100 tanques em cada entrada. O centro de Manama está deserto, como cidade fantasma.

A oposição xiita descreveu o ataque como “ação terrorista”. Reem Khalifa, editor-chefe do jornal al-Wasat, da oposição, disse que “As forças do regime massacraram uma multidão que dormia nas barracas. Nada haviam feito além de “cantar juntos, com gritos de “nem sunitas nem xiitas: Bahraini [nascidos no Bahrain]” – o que jamais se vira antes, no Bahrain, e é o que mais enfurece o governo. Sempre tentaram dividir o povo (...). Agora, começaram a divulgar mentiras sobre mim e outros jornalistas, que apenas tentamos mostrar o que está acontecendo”.

Khalifa teve a coragem de levantar-se e confrontar publicamente o ministro de Relações Estrangeiras do Bahrain numa conferência de imprensa, e desmentiu-o, quando o ministro disse que “lamentava” as mortes e repetiu que os manifestantes seriam grupos sectários e que estariam armados.

O Conselho de Cooperação do Golfo – o escandalosamente rico clube de reinos locais que controlam mais de 1 trilhão de dólares de reservas estrangeiras e quase 50% de todas as reservas já testadas de petróleo ainda no subsolo do planeta – lançou (e o que mais lançariam?!) um manifesto de apoio ao governo do Bahrain.

Matem todos (não esqueçam as luvas de veludo)


Washington deu algum sinal de algum tipo de incômodo, apesar dos mortos e feridos? Basta ler e ouvir o que disseram. A secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton manifestou “profunda consternação” [ing. “deep concern”], segundo o Departamento de Estado e “conclamou à moderação” [ing. “urged restraint”]. O Pentágono disse que o Bahrain é “importante parceiro” [ing. “important partner”]; depois, o secretário de Defesa Robert Gates telefonou ao príncipe coroado do Bahrain, príncipe Salman – para confirmar que tudo continuava certinho com a 5ª Frota dos EUA e os 2.250 norte-americanos que vivem no complexo militar isolado em 24 hectares no centro de Manama.

Até o New York Times foi obrigado a reconhecer que o presidente dos EUA Barack Obama ainda está devendo “crítica pública severa aos governantes do Bahrain, do tipo que acabou por ter de fazer contra o presidente Hosni Mubarak do Egito – ou do tipo que sempre faz contra os mulás do Irã”. Mas não vai dar. Afinal, o rei “atirei-contra-meu-próprio-povo” do Bahrain é só mais um dos suspeitos de sempre, “pilar da arquitetura da segurança dos EUA no Oriente Médio” e “firme aliado de Washington na luta contra a teocracia xiita no Irã”.

Nessas circunstâncias estratégicas, difícil é desmentir o cientista político e blogueiro libanês da página “The Angry Arab” As’ad AbuKhalil, que diz: “Os EUA tiveram de apoiar a repressão violenta no Bahrain, para acalmar a Arábia Saudita e outros tiranos árabes, furiosos por Obama não ter defendido Mubarak até o último homem”.

Não por acaso, o príncipe da Arábia Saudita Talal Bin Abdulaziz – pai do bilionário que o Ocidente adora, príncipe Al Waleed bin Talal – disse à BBC que há risco de os protestos no Bahrain contaminarem a Arábia Saudita.

Nunca será demais repetir que no Bahrain trata-se sempre de Irã versus Arábia Saudita (ver “Bahrain: tudo sobre a Rotatória da Pérola”, Pepe Escobar, 18/2/2011, em português).

A base naval dos EUA em Manama é cão de guarda do Golfo Persa. Além disso, 15% da população da Arábia Saudita é xiita, vivendo nas províncias orientais, lá, lá, onde o petróleo está. Por isso, se torna muito difícil para os bahrainis – xiitas e sunitas – afrontar a dinastia al-Khalifa sunita reinante, porque a Casa de Saud imediatamente acionaria todos os seus apoiadores logísticos e militares.

Não bastasse, a Arábia Saudita tem forte controle sobre o petróleo do Bahrain, que vem do campo partilhado de Abu Saafa, explorado pela Aramco saudita e refinado também por refinadora do Bahrain.

O Bahrain não nada em petróleo, longe disso. Segundo números do FMI, em 2010 a Arábia Saudita produziu em torno de 8,5 milhões de barris de petróleo/dia; os Emirados Árabes Unidos, 2,4 milhões de barris; o Kuwait, 2,3 milhões de barris; e o Bahrain apenas 200 mil barris.

Segundo a agência Moody, o governo do Bahrain precisa, para manter o orçamento equilibrado, que o preço do petróleo fique em torno de $80 o barril, “um dos mais altos pontos ‘de equilíbrio orçamentário’ de toda a região”, como diz o Financial Times. Um relatório da Barclays Capital faz mais, em termos de contorcionismo corporativo: “O anúncio dos protestos de rua, de concessões que o governo fez à custa da deterioração da posição fiscal e as crescentes tensões políticas criaram pano de fundo que visivelmente levou os investidores a considerar o Bahrain com precauções cada vez maiores”.

Assim sendo, se os manifestantes querem atingir o al-Khalifa no ponto onde dói, devem mirar o setor do setor business do petróleo/financeiro. Será extraordinário combate morro acima contra uma polícia política brutal, constituída de mercenários – sobretudo de consultores militares jordanianos (“o mestre de torturas” da [polícia secreta egípcia] Mukhabarat é um jordaniano) e agora também contando com “socorro” de tanques e soldados sauditas. Além disso, a polícia antitumultos e as forças especiais não falam o dialeto local, e, no caso dos baloques do Paquistão, não falam nem árabe.

O prospecto é sinistro. Informações de cocheira em Manama falam de divisão na família real. O temido Khalid bin Ahmed, sectário, responsável pela política de naturalização dos sunitas “importados” para alterar o equilíbrio demográfico e diluir ainda mais os direitos de voto da população xiita autóctone, estaria de um lado; e o rei e o príncipe coroado Salman (camaradinha de Gates) estaria do lado oposto. O rei pode estar perdendo o controle da situação. E nesse caso, a Arábia Saudita estaria obrando para que bin Ahmed tome o trono e converta em príncipe coroado Nasir Bin Hamed, um dos filhos do rei.

É hora de atravessar a ponte


O que os xiitas do Bahrain podem certamente obter é inspirar os xiitas da Arábia Saudita para uma longa luta por maior igualdade social, econômica e religiosa. É excesso de otimismo apostar em que a Casa de Saud se autorreformará – pelo menos enquanto controlar a extraordinária riqueza do petróleo e seu vasto aparelho repressivo, mais do que suficientes para ou comprar ou intimidar qualquer modalidade de discordância.

Mesmo assim, pode haver razões que levem a sonham com a Arábia Saudita seguir os ventos do novo Egito. A idade média do trio reinante na Casa de Saud é 83 anos. Da população autóctone do país (18,5 milhões), 47% está abaixo dos 18 anos. Uma concepção medieval de Islã e a estrondosa corrupção já estão sob crescente vigilância pelo YouTube, Facebook e Twitter.

A classe média está encolhendo. 40% da população vive atualmente abaixo da linha da miséria, com praticamente nenhum acesso a educação, e já é inimpregável (90% de todos os empregados são sunitas “importados”). A simples travessia do mar até Manama já é suficiente para meter ideias na cabeça do povo.

Mais uma vez: será luta morro acima, extraordinariamente difícil – em país sem partidos políticos nem sindicatos nem organizações de estudantes; onde todos os tipos de greves e protesto são ilegais; e onde o rei nomeia até os membros do conselho da Shura.

Seja como for, o jornal Arab News já alertou que aqueles ventos de liberdade que sopram do norte da África podem chegar à Arábia Saudita. E podem agitar os desempregados jovens – insustentáveis 40% da população. Não há dúvida: a grande revolta árabe de 2011 só terá cumprido sua missão histórica, quando abalar os pilares da Casa de Saud.

Jovens sauditas sunitas e xiitas, nada tendes a perder, exceto o medo.

Eva Golinger: Obama coloca verba no orçamento para grupos contra Chávez

EUA: Departamento de Estado solicita financiamento para a oposição venezuelana em 2012

por Eva Golinger, Adital

Nessa segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011, o Presidente Barack Obama apresentou ante o Congresso estadunidense um orçamento de 3,7 trilhões de dólares para 2012. No orçamento trilionário de Obama encontra-se um financiamento especial para os grupos anti-chavistas na Venezuela.

A excessiva soma de dinheiro representa o orçamento anual mais alto de toda a história estadunidense. No monto total encontram-se mais de 670 bilhões de dólares para o Pentágono e para as operações militares, cerca de 75 bilhões de dólares para os serviços de inteligência e 55,7 bilhões de dólares para o Departamento de Estado e para a Agência Internacional de Desenvolvimento dos Estados Unidos (USAID).

Por primeira vez nesses anos, o orçamento do Departamento de Estado destaca um financiamento direto de 5 milhões para os grupos anti-chavistas na Venezuela. Especificamente, o documento detalha. “Esses fundos ajudarão a fortalecer e apoiar a sociedade civil venezuelana para proteger o espaço democrático. O financiamento aumentará o acesso à informação objetiva; facilitará o debate pacifico sobre assuntos chave; ministrará apoio às instituições e aos processos democráticos; promoverá a participação cidadã e reforçará a liderança democrática”.

Apesar de que, talvez, soe “bonita” a linguagem empregada para justificar os milhões de dólares para grupos opositores da Venezuela, esse dinheiro tem funcionado como fonte principal para alimentar a subversão e a desestabilização contra o governo de Hugo Chávez. Somente de 2008 a 2011, o Departamento de Estado canalizou mais de 40 milhões de dólares à oposição venezuelana, principalmente investindo esse dinheiro nas campanhas eleitorais contra o presidente Chávez e na maquinaria midiática para influir sobre a opinião pública venezuelana.

O financiamento solicitado para 2012 para os grupos anti-chavistas na Venezuela provém de uma divisão do Departamento de Estado chamada “Fundo de Apoio Econômico”. No entanto, não é essa a única fonte de financiamento para os setores opositores na Venezuela. Receberão também entre 1 e 2 milhões de dólares da NED (Fundo Nacional para a Democracia) e vários milhões de dólares de outras agências estadunidenses e internacionais.

Financiamento proibido

Chama a atenção que nesse ano se divulga publicamente o financiamento para a oposição venezuelana porque na Venezuela agora existe a Lei de Defesa da Soberania Política e da Autodeterminação Nacional que proíbe o financiamento externo para fins políticos no país. Então, teremos que perguntar-nos de que maneira o Departamento de Estado pensa canalizar esses fundos multimilionários a grupos venezuelanos, já que sua entrega seria uma violação da lei.

Em anos anteriores, não se detalhava o financiamento direto a grupos políticos na Venezuela no orçamento anual do Departamento de Estado porque desde 2002 a USAID tem sido o canal principal para esses fundos. No entanto, o escritório não autorizado da USAID em Caracas decidiu trasladar abruptamente suas operações na Venezuela para os Estados Unidos no dia 31 de dezembro de 2010 e, desde então, o próprio Departamento de Estado assumiu a responsabilidade do financiamento à oposição na Venezuela.

Em 2012, há eleições presidenciais e regionais na Venezuela, razão pela qual poder-se-ia especular que esses 5 milhões de dólares fazem parte de um financiamento que estão preparando para as campanhas da oposição.

No orçamento do Departamento de Estado para 2012, também se destacam 20 milhões de dólares no financiamento para grupos e organizadores que trabalham contra a Revolução Cubana.

Segundo o porta-voz do Departamento de Estado, Philip Crowley, o financiamento dado através do Fundo de Apoio Econômico (ESF, por suas siglas em inglês) é para países de “alta importância estratégica” para Washington. Normalmente os fundos não são autorizados pelos governos desses países, mas são entregues diretamente a grupos e organizações políticos que promovem os interesses dos Estados Unidos.

quinta-feira, fevereiro 17, 2011

O que Juan Cole: Bahrain, base naval dos EUA ou patrimônio do Irã?

O que está em jogo para os EUA, na agitação no Bahrain?

por Juan Cole, Informed Comment

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

1. O Bahrain é um dos principais centros de refino de petróleo (refina cerca de 270 mil barris/dia). Não é grande quantidade, mas considerados os apertados suprimentos de petróleo, com o preço do barril de Brent Crude acima de $100, qualquer interrupção no refino fará os preços mundiais dispararem.

2. Está instalada no Bahrain a base da 5ª Frota da Marinha dos EUA, importantíssima na arquitetura da segurança dos EUA para o Golfo Persa (os árabes chamam de Golfo da Arábia). Cerca de dois terços das reservas testadas de petróleo do mundo e 45% das reservas mundiais de gás natural estão na região do Golfo.

3. Bahrain é importante centro financeiro.

A maioria xiita tenta firmar-se ali. Um governo dominado pelos xiitas no Bahrain pode exigir o fechamento da base naval dos EUA. Não se criaria ali um estado-fantoche do Irã, na medida em que os xiitas são zelosos da própria independência e a maioria dos xiitas do Bahrain não seguem aiatolás; mas com certeza se a maioria xiita mantém relações cálidas com Teerã. Uma vitória xiita ali daria força política a outros estados xiitas do Golfo, no Kuwait, na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos (todos esses estados nos quais os xiitas são minoria). Até aqui, o Irã beneficia-se de vantagens do poder brando (“soft power”) nas regiões xiitas.

O saldo pode ser favorável ao Irã ou, no mínimo, haverá alguma desvantagem para os EUA – que já atirou no próprio pé, quando ajudou a implantar um governo xiita em Bagdá que mantém excelentes relações com o Irã.

O governo do Bahrain tornar-se mais democrático e mais influenciado pelos xiitas incomodaria o Estado saudita wahhabista, que hoje considera o rei sunita do Bahrain como aliado estratégico.



Milhares de manifestantes xiitas saíram às ruas ontem, no Bahrain. Exigem a saída do primeiro-ministro Sheikh Khalifa bin Salman Al Khalifa. Tio do rei, Sheikh Khalifa foi nomeado primeiro-ministro há 40 anos. Os manifestantes xiitas querem primeiro-ministro eleito, que manifeste a maioria demográfica xiita.

A morte de dois manifestantes, um na 2ª-feira e outro ontem, ajudou a mobilizar a multidão. Numa concessão rara, o rei Hamad Al Khalifa pediu perdão ontem pelas duas mortes e prometeu que os que atiraram serão julgados.

Os manifestantes ocuparam a área central de Pearl Roundabout, e muitos prometem passar a noite ali. O principal partido político xiita, com 18 votos na Câmara baixa do Parlamento (40 membros) é o partido Wifaq. Na 3ª-feira, os deputados do partido Wifaq retiraram-se do Parlamento, como protesto pela morte de dois manifestantes.

A população do Bahrain é de pouco mais de 1,2 milhão de pessoas, 54% das quais são trabalhadores expatriados levados para lá, metade dos quais indianos. Lembro das vezes em que estive em Manama, que se viam cartazes em idioma malaio, e lojas e casas de câmbio enfeitadas com galões malaios. Os demais 568 mil habitantes são nascidos no Bahrain. Cientistas sociais estimam que, desses, cerca de 2/3, aproximadamente 374 mil, são xiitas.

E desses, por sua vez, cerca de 100 mil são Ajamis, i.e. xiitas de herança iraniana, hoje já transformados em árabes. O restante da população são Baharna, xiitas nativos do Bahrai, que seguem principalmente a escola conservadora Akhbari – que não reconhece a autoridade dos aiatolás. Muitos deles vivem em vilas rurais, fora da capital.

Restam 187 mil habitantes, que são sunitas do Bahrain, comunidade à qual pertence o rei Hamad Al Khalifah – que reina desde 2002, depois de ascender ao poder como emir, em 1999.



No Golfo, em geral, trabalhadores estrangeiros não votam e não recebem visto de residentes permanentes nem direito de cidadania, embora circulem rumores de que o monarca sunita Hamad Al Khalifa tenha outorgado a cidadania do Bahrai a alguns sunitas expatriados, numa até agora vã tentativa de acalmar a maioria sunita nativa.

A constituição do Bahrain permite que o rei sunita indique 40 membros da Câmara alta do Parlamento. A Câmara baixa também tem 40 membros, e nas eleições de 2010 o partido religioso xiita, Wifaq, liderado pelo clérigo Ali Salman, conquistou 18 lugares. Os demais 22 assentos ficaram distribuídos entre sunitas de várias tendências.

Assim, em país no qual cerca de 2/3 dos cidadãos são xiitas, os xiitas não são proporcionalmente representados no Senado, e são minoria até na Câmara Baixa, que é eleita. Não apenas a Câmara alta dominada pelos sunitas pode vetar medidas aprovadas pela Câmara baixa, mas o próprio rei pode vetar leis aprovadas e pode prorrogar o mandato dos representantes no Parlamento sempre que queira.

Muitos xiitas nas áreas rurais são muito pobres, apesar das riquezas do Bahrain, derivada de uma pequena indústria do petróleo, do setor financeiro que é vitalmente importante e da renda estratégica que o país obtém por manter ali a base da 5ª Frota da Marinha dos EUA. O partido Wifaq aspira não só a dar representação mais equilibrada para a maioria xiita, mas, também, a relações econômicas no país que prejudiquem menos os mais pobres.

A rede Aljazeera English mostra vídeo sobre o Bahrain em http://www.youtube.com/watch?v=XYaFh4CHaq4

Evo: EUA não têm moral para falar sobre luta antidrogas

O presidente da Bolívia, Evo Morales, afirmou nesta quarta-feira (16) que o incidente com o avião militar norte-americano na Argentina demonstra que os Estados Unidos "negociam com a droga no mundo" e acrescentou que Washington não tem moral para falar sobre a luta contra o narcotráfico.

O incidente é uma ação "arbitrária e ilegal, e viola não somente a soberania e a integridade da Argentina e dos países latino-americanos, mas é uma demonstração de como os EUA negociam com a droga no mundo", disse Morales, segundo a agência estatal ABI.

Segundo o governante boliviano, Washington não tem autoridade, "nem moral, para falar e questionar a luta contra o narcotráfico que as nações latino-americanas realizam com esforço".

O incidente, que gerou uma crise diplomática entre Washington e Buenos Aires, teve início na semana passada, quando autoridades argentinas confiscaram uma carga não declarada do avião militar norte-americano que pousou em Buenos Aires, que incluía drogas, armas, morfina e material tecnológico sofisticado.

As críticas de Morales foram feitas um dia depois que os EUA confirmaram a redução neste ano de US$ 20 milhões para US$ 10 milhões de ajuda à Bolívia no combate às drogas. "Se eles conseguiram fazer entrar ilegalmente drogas e armas na Argentina, como será em outros países latino-americanos?", questionou Morales.

Ele acrescentou que a entrada de armas na Argentina "tem como objetivo desestabilizar e destruir as democracias e os governos constituídos de forma legítima e legal na América Latina".

Com EFE

segunda-feira, fevereiro 14, 2011

Egito: À sombra do vulcão (egípcio)*



Pepe Escobar, Asia Times Online
Under the (Egyptian) volcano
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


A festa – e que festa! – acabou. Agora é tempo de ressaca – e que ressaca.


Apresento-lhes o novo chefão, ou o Faraó reconstruído em formato de Shiva: o Conselho Supremo das Forças Armadas. Se fosse no sudeste da Ásia, já estariam repetindo que “tudo igual, só que diferente”.


Em vez de estado policial, é tempo de comunicados (replay dos anos 1970s). O presidente e o vice-presidente dissolveram o Parlamento (mas o primeiro-ministro Ahmed Shafiq indicado pelo Faraó insiste que o atual “Kangaroo cabinet” mantém-se onde está para fazer a tal “transição ordeira”). A Constituição foi suspensa. O exército tenta impor a noção de que comandará o Egito pelos próximos seis meses. Esperam-se violências vagamente sinistras, para conter greves e “caos e desordem”.


O que mais pode fazer um Democrata, Prêmio Nobel e presidente dos EUA, além de apoiar um golpe militar? (Mais replay dos anos 1960s e 1970s). Recapitulando: a Casa Branca e o Departamento de Estado adorariam ver Hosni Mubarak pelas costas.


Mas a Arábia Saudita, Israel e a CIA-EUA precisavam desesperadamente que Hosni Mubarak ficasse onde estava. Ao mesmo tempo Mubarak – versão trash, cabelos pintados cor acaju, de Luis XVI – lutava pela própria sobrevivência. O vice-presidente Omar “Sheikh al-Tortura” Suleiman, apoiado por Washington e Bruxelas, lutava pela sobrevivência do regime (a tal “transição ordeira”), e Washington lutava pela sobrevivência de um dos pilares crucialmente importantes da “estabilidade” no Oriente médio. A rua, essa, lutava pela vida.


Fácil explicar por que a CIA não previu coisa alguma. A agência pode ser ótima nos negócios de entregar prisioneiros para serem torturados pelo Sheikh al-Tortura, mas, sobretudo, vive presa num apertado espartilho ideológico, desde os anos Ronald Reagan. A CIA simplesmente não fala com viva alma se não com os vassalos; vale para o Hamás e para a Fraternidade Muçulmana (com os quais os EUA-CIA não falam).


Portanto, a CIA-EUA não têm como obter formação de boa qualidade, viva, em campo, inteligência que se aproveite. Os subterrâneos ferviam, no Egito, no mínimo desde 2005. A embaixada dos EUA no Cairo sequer tinha agente de ligação com a Fraternidade Muçulmana. E o homem no qual investiram tudo, Suleiman, não existe, é não-entidade (visualizem Langley afogado num dilúvio de lágrimas).


No final, a rua egípcia resolveu o caso. Capangas miseravelmente pagos para armar confusão dos infernos receberam ordens de atirar contra cidadãos desarmados e fizeram o que puderam. Discretos sindicalistas trabalharam anos na organização. Juízes em passeata pelas ruas fizeram o que puderam. E grupos de juventude também fizeram o que puderam. Os jovens revolucionários do Movimento 25 de Janeiro rapidamente acordaram para a realidade.


Agora, já perceberam claramente que Washington optou pelo prejuízo menor e está dando luz verde ao conceito onanista de golpe militar contra ditadura militar. OK, vão-se os sonhos mais luminosos, mas pelo menos há um precedente que nos enche de esperanças: a revolução de 1974 em Portugal, levou, um ano depois, a uma democracia sólida de tendência socialista.


Meu comunicado é maior que o seu


Que negócio de comunicados é esse, em que o Conselho Supremo parece viciado? A rua sabe que não passam de empregados e vassalos de Mubarak, todos com mais de 70 anos, a começar pelo líder do golpe, ministro da Defesa marechal-de-campo Mohammed Hussein Tantawi, 75 anos – muito próximo de Robert Gates do Pentágono (detalhe crucial: Tantawi chegou ao comando supremo depois de estágio na chefia do exército privado de Mubarak, os Guardas Republicanos).


São todos acionistas, com o dinheiro que os EUA fornecem (os bilhões de dólares da “ajuda” que chegam ao Egito anualmente) de uma vasta rede de negócios, cujos proprietários são a dinastia militar que controla setores inteiros da economia egípcia. Não há como trazer à luz algum Egito novo, sem derrubar todo esse sistema. Conclusão: a rua ainda não venceu o exército.


Esperam-se grandes fogos de artifício pela frente. Por hora, os adversários potenciais estudam-se. Sai a “transição ordeira” e entra – nas palavras do general Mohsen el-Fangari – “uma pacífica transição de poder”, para permitir que “um governo civil governe e construa um Estado democrático livre”. Tudo soa como Purple Haze por Jimi Hendrix.


Esqueçam sobre o exército passar o poder sem luta a governo civil de transição.


Na batalha de comunicados, pelo menos o comando do Movimento 25 de Janeiro sabe para que lado virar a cabeça. Entre as principais exigências – uma espécie de mapa do caminho dos desejos políticos da rua – está o fim imediato do estado de emergência; libertação imediata de todos os prisioneiros políticos; criação de um conselho interino coletivo de governo; formação de um governo de transição que inclua todas as tendências nacionalistas independentes para organização e supervisão de eleições livres e limpas; formação de um grupo de trabalho para redigir proposta de nova constituição democrática, a ser legitimada por referendum; fim de todas as restrições à constituição de partidos políticos; liberdade de imprensa; liberdade para formar sindicatos e organizações não governamentais, sem terem de ser aprovados pelo governo; e abolição de todas as cortes militares.


Quem acredita que os generais do Conselho Supremo vão entregar tudo isso ao povo, deve viver no cume do Tibete.


Bomb me to democracy, babe


Essa nunca foi revolução conduzida só pelos jovens, e agora já é movimento conduzido pelos movimentos da classe trabalhadora. Na próxima fase, a classe trabalhadora – e os camponeses – serão mais cruciais a cada momento. Como o blogueiro Hossam El-Hamalawy escreveu: “Agora, as fábricas têm de ocupar a Praça Tahrir”. O fim do regime aconteceu quando as greves começaram a alastrar-se feito fogo em mato seco. Há cada vez mais clara conceituação do que seja democracia direta, de baixo para cima, que pode levar a um estado de revolução permanente. O “ocidente” treme em seus Ferragamos.


Ao mesmo tempo, a liderança do Movimento 25 de Janeiro sabe que Washington, Telavive e Riad – mais as classes comprador do mubarakismo – farão absolutamente qualquer coisa para impedir o advento da democracia egípcia. Valerá tudo – de um Walhalla de subornos até a invisível manipulação das leis e do processo eleitoral. Contem todos com pelo menos um general-candidato à presidência; com certeza não será o hoje super escondido homem da CIA, o “Sheikh al-Tortura” Suleiman, mas provavelmente será o comandante do Estado-maior do Exército Sami Anan, 63, que também passou muito tempo nos EUA e é mais íntimo de muitos no Pentágono, que Tantawi.


Em pouco tempo, todos estarão cortejando a Fraternidade Muçulmana, como se o fim do mundo estivesse próximo; a Turquia (para ampliar seu papel como um farol de moderação no Oriente Médio); o Irã (embora xiitas, para lembrar a Fraternidade Muçulmana da luta pela Palestina); os EUA (para manterem viva a ilusão de que conseguirão controlar um “braço” jihadista que a Fraternidade Muçulmana nem tem); e a Arábia Saudita (com montanhas de dinheiro, para neutralizar as maquinações dos EUA).


O New York Times comenta astutamente que “a Casa Branca e o Departamento de Estado já discutem a criação de novos fundos para estimular o surgimento de partidos políticos seculares” – já na luta para atrair todos os inteligentes e inteligentíssimos, para o curral da agenda dos EUA.


À parte o fato de que a revolução egípcia – que ainda engatinha – é o mais enormemente importante movimento estratégico que acontece no Oriente Médio nos últimos 30 anos (desde que Israel invadiu o Líbano em 1982), merece destaque a vasta falácia, tão vasta quanto abjeta, que envolve tudo: da islamofobia e do reducionismo da teoria do “choque de civilizações” à quimera que os neoconservadores chamam de “Grande Oriente Médio”.


A rua egípcia abriu uma ampla estrada rumo à democracia, em apenas duas semanas e meia. Comparem-se esse saber-fazer e os processos de democratização do Afeganistão (há nove anos) e do Iraque (sete anos), comandados pelo Pentágono.


Nessa fase, não há como saber se o mubarakismo sobreviverá só com maquiagem leve. Nem se o mubarakismo conseguirá manipular as próximas eleições, deixando o exército à sombra. Nem se alguma revolução social e política real reorganizará mesmo, radicalmente, a estrutura da riqueza e do poder no Egito.


Muito além do inevitável confronto no Egito, entre explosão demográfica e crise econômica, o que está literalmente enlouquecendo o ocidente é que as elites ocidentais sabem perfeitamente o que a maioria dos egípcios não quer: nenhum governo verdadeiramente democrático e soberano no Egito poderá continuar a agir como escravo da política exterior dos EUA.


Pode acontecer, só para começar, de um novo governo levantar o sítio de Gaza e reexaminar as condições de exportação de gás natural para Israel a preços subsidiados; pode acontecer de um novo governo reconsiderar os direitos de passagem livre da Marinha dos EUA pelo Canal de Suez; e pode, é claro, acontecer de um novo governo afinal rediscutir o tema tabu, sacrossanto, santo entre santos: os acordos de Camp David, de 1979, com Israel.


Daqui em diante, a liberdade do Egito só aumentará na exata proporção do medo que a revolução inspire a Washington, Telavive e Riad.


É justo dizer que, na atual fase, a rua egípcia guarda junto ao coração todos que a apoiaram – grupo complexo que vai da rede al-Jazeera ao Hezbollah no Líbano. E já sabe identificar perfeitamente todos os que a menosprezaram – da Casa de Saud e vários extremistas Wahhabistas, a Israel. Nenhum egípcio jamais esquecerá que o rei Abdullah da Arábia Saudita acusou a rua de “intrometer-se na segurança e estabilidade do Egito árabe e muçulmano”.


O slogan chave da revolução egípcia foi “O povo quer derrubar o regime”. E já se ouve a primeira adaptação dele, rimada, para espalhar-se pelo mundo: “O povo quer libertar os palestinos”. Não percam os próximos boletins meteorológicos e geológicos: a verdadeira irrupção do verdadeiro vulcão ainda nem começou.



--------------------------------------------------------------------------------



Nota dos tradutores
* Orig. Under the (egyptian) volcano. “Under the volcano” é título de romance, de 1947, de Malcolm Lowry, editado no Brasil comoÀ sombra do vulcão (Porto Alegre, L&PM Ed., 2002)

Fonte: http://redecastorphoto.blogspot.com/2011/02/egito-sombra-do-vulcao-egipcio.html?spref=tw

Caio Octavio: Haverá lei do silêncio para proteger Berlusconi na mídia?

por Caio Octavio, de Roma

Um milhão de pessoas foi às ruas da Itália neste domingo, 13 de fevereiro, pedindo a renúncia de Berlusconi, o primeiro-ministro da Itália, por suas ligações com a máfia, pela comprovada compra de juízes, deputados e senadores, por sua degenerada vida de orgias e de ofensas às mulheres italianas (leia aqui).


A pergunta é: porque até esta hora, 20:56, de domingo, 13.02.2011, os portais do Estadão, da Folha e de O Globo não têm chamadas na capa sobre essas megamanifestações que ocorreram simultaneamente nas 300 maiores cidades italianas?

Seria um acordo de silêncio, um tipo de “Omertá” da mídia ?

Por que a notícia de que havia 2 mil manifestantes em Argel ontem, pedindo democracia, ocupou a primeira página do Estadão, mas um milhão de italianos contra Berlusconi “não é notícia”?

Apenas por que Berlusconi é de extrema-direita não podemos ficar sabendo que o povo italiano está farto de sua corrupção e devassidão?

Por que a mídia brasileira protege Berlusconi?

Por que ele é anti-Lula?

Ou por que ele é um renomado racista, xenófobo e fascista e nossa imprensa simpatiza secretamente com essas ideias?

Existirá então uma “Lei do Silêncio”, um tipo de Omertá, que protege não só Berlusconi, mas todos os políticos apoiados mundo a fora pelos veículos privados de comunicação?

Faça a sua parte para combater o bloqueio da mídia brasileira. Pesquise no Google sobre as manifestações contra Berlusconi hoje na Itália e mande links para os seus amigos.

Bem informadas, as pessoas podem fazer o mundo mudar. Faça a sua parte.

Ou você prefere esperar que Estadão , Globo e Folha o façam?

Fonte: http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/caio-octavio-havera-uma-lei-do-silencio-para-proteger-berlusconi-na-midia-brasileira.html

domingo, fevereiro 13, 2011

Emir Sader: O Novo Quadro no Oriente Médio

Oriente Médio: nada será como antes
por Emir Sader, no seu blog
Por duas fortes razões o Oriente Médio tornou-se um pilar da política externa do império norteamericano: a necessidade estratégica do abastecimento de petróleo seguro e barato para os EUA, a Europa e o Japão, e a proteção a Israel – aliado fundamental dos EUA na região, cercado por países árabes.
Por isso o surgimento do nacionalismo árabe tornou-se um dos fantasmas mais assustadores para os EUA no mundo. Por um lado, pela nacionalização do petróleo pelos governos nacionalistas, afetando diretamente os interesses das gigantes do petróleo – norteamericanas ou europeias –, pela ideologia nacionalista e antimperialista que propagam – de que o egípcio Gamal Abder Nasser foi o principal expoente – e pela reivindicação da questão palestina.
A história contemporânea do Médio Oriente tem assim na guerra árabe-israelense de 1967 sua referência mais importante. A união dos governos árabes permitiu a retomada da reivindicação do direito ao Estado Palestino, que foi respondida por Israel com a invasão de novos territórios – inclusive do Egito -, com o apoio militar direto dos EUA.
Novo conflito se deu em 1973, agora acompanhado da política da OPEP de elevação dos preços do petróleo. A partir daquele momento ou o Ocidente buscava superar sua dependência do petróleo ou trataria de dividir o mundo árabe. Triunfou esta segunda possibilidade, com a guerra Iraque-Irã, incentivada e armada pelos EUA, que golpeou dois países com governos nacionalistas, que se neutralizaram mutuamente, em um enfrentamento sangrento. Como subproduto da guerra, o Iraque se sentiu autorizado a invadir o Kuwait – com anuência tácita dos EUA -, o que foi tomado como pretexto para a invasão do Iraque e o assentamento definitivo de tropas norte-americanas no centro mesmo da região mais rica em petróleo no mundo.
Os EUA conseguiram dividir o mundo árabe tendo, por um lado os regimes mais reacionários – encabeçados pelas monarquias, a começar pela Arabia Saudita, detentora da maior reserva de petróleo do mundo, e por outro governos moderados, como o Egito e a Jordânia. A maior conquista norteamericana foi a cooptação de Anuar el Sadar, o sucessor de Nasser, que supreendentemente normalizou relações com Israel – o primeiro regime da região a fazê-lo -, abrindo caminho para a criação de um bloco moderado, pró-norteamericano na região, que se caracteriza pela retomada de relações com Israel – portanto o reconhecimento do Estado de Israel – e praticamente o abandono da questão palestina. Passaram a atuar também dento da OPEP, como força moderadora, favorável aos interesses das potências ocidentais.
O Egito, como país de maior população da região, com grande produção de petróleo e país daquele que havia sido o maior líder nacionalista de toda a região – Nasser – passou a ser o peão fundamental no plano político dos EUA na região. Não por acaso o Egito tornou-se o segundo país em auxilio militar dos EUA no mundo, depois de Israel e à frente da Colômbia.
Essa neutralização do mundo árabe, pela cooptação de governos e pela presença militar dos EUA no coração da região – atualizada com a invasão do Iraque – constituiu-se em elemento essencial da politica norteamericana no mundo e da garantia de abastecimento de petróleo para complementar a declinante produção dos EUA e todo o petróleo para abastecer a Europa e o Japão.
É isso que está em jogo agora, depois da queda das ditaduras na Tunísia e no Egito. Impotente para agir de forma direta no plano militar, os EUA tentam articular transições que mudem a forma de dominação, mas mantenham sua essência. O Exército preferiu a renúncia de Mubarak, porque se deu conta que sua presença unia a oposição. Tem esperança que, sem ele, possa cooptar setores opositores para uma coalização moderada – com El Baradei, a Irmandade Mulçumana, com o apoio dos EUA e da Europa – que possa fazer reformas constitucionais, mas controlar o processo sucessório nas eleições de setembro, conseguindo desmobilizar o movimento popular antes que este consigar forjar novas lideranças.
Indepentemente de que possa se estender a outros países da região – de que a Argélia, a Jordânia, o Marrocos, a Arábia Saudita, são candidatos fortes – a queda das ditaduras na Tunísia e no Egito demonstra que os EUA já não poderão manter o esquema de poder montado há mais de três décadas. O menos que se pode esperar é a instabilidade política na região, até que outras coalizões de poder possam se organizar, cujo caráter dará a tônica do novo período em que entra o Oriente Médio.