No combate à inflação é fundamental separar o impacto dos preços externos
Por Amir Khair
Dilma enfrentará problemas sérios nos campos da inflação, câmbio, contas internas e externas, procurando conjugá-los com níveis de crescimento superiores a 5% ao ano, com distribuição de renda. Não será tarefa fácil e deve montar uma estratégia que melhor conduza ao sucesso desses desafios.
Para isso algumas análises defendem um ajuste fiscal com redução das despesas de custeio para abrir espaço à elevação dos investimentos do governo federal e elevação da Selic para conter a inflação. Afirmam que a expansão das despesas do governo aumenta a demanda que pressiona a inflação e reduz a poupança do governo, que fica dependente da poupança externa para poder crescer 5% ao ano.
Outras análises recomendam que o ajuste fiscal seja feito com racionalização e priorização das despesas, com ênfase na redução das despesas com juros (redução da Selic) para elevar investimentos e poupança pública. Afirmam que 90% dos investimentos são de empresas baseados principalmente em lucros em forte ascensão com o crescimento do consumo. Para conter a inflação defendem políticas amplas com controle da oferta de crédito, estímulos à produção e investimentos e política de comércio exterior via tarifas e quotas para importação e exportação em casos de concorrência desleal e/ou de abuso nos preços internos por falta de concorrência. Consideram que as taxas de juros ao consumidor se descolaram da Selic, pois de abril a novembro caíram dois pontos ao passo que a Selic subiu 2 pontos. Para as empresas subiram 2,3 pontos. Assim a Selic, não altera a demanda e pune a oferta.
A despesa do governo é a soma de custeio, investimentos e juros. Se os investimentos mais os juros superarem a redução do custeio há aumento da demanda com pressão inflacionária. Além disso, 70% dos fatores que influenciam a inflação não dependem do Banco Central (BC). São os preços externos, choque de oferta, preços de alimentos e commodities, tarifas do transporte coletivo, energia e comunicações. Assim, a adoção da Selic para combater a inflação é inadequado e prejudicial, pois: a) aumenta as despesas com juros do governo federal e para o carregamento das reservas internacionais; b) em decorrência aumenta a demanda pressionando a inflação; c) não aumenta as taxas de juros ao consumidor, ou seja, não reduz a demanda; e) onera as pequenas e médias empresas cujos juros se elevam com a Selic; f) desestimula os investimentos privados e; g) atrai o capital especulativo internacional.
A nova política – tudo começou com a decisão do Conselho Monetário Nacional de reduzir a liquidez e encarecer o crédito para financiamentos superiores a 24 meses, que já produziram efeito para atenuar a demanda. Dados do BC mostram que essa decisão causou uma elevação de 4,5 pontos nas taxas de juros para o consumidor em duas semanas e reduziu o ritmo de expansão do crédito. Em sequência foram impostas exigências aos bancos para reduzir a posição vendida em dólares através de maior ônus nos depósitos compulsórios para atenuar a valorização cambial do real. Constituem as primeiras medidas da nova política e foram ministradas em dosagens brandas. Intensificação delas e novas medidas poderão ser usadas para controle da demanda via crédito e de redução da valorização cambial. O poder de fogo delas dependerá só do governo, sem passar pelo Congresso. Portanto, o governo pode pilotar a demanda e o câmbio como desejar.
Faz parte da nova política a redução da Selic para níveis internacionais. Isso irá proporcionar a elevação da poupança do setor público e privado e romper com a tradição do BC operar com as taxas básicas de juros mais elevadas do mundo – o triplo do segundo colocado! Portanto, não falta espaço para o ajuste fiscal e melhoria da poupança necessária à sustentação de níveis mais elevados de crescimento e menor dependência da poupança externa.
No combate à inflação é fundamental separar o impacto dos preços externos. A expansão dos países emergentes incorporou novos consumidores, ampliando a demanda por alimentos e commodities. Problemas com quebras de safras em alguns países, inclusive aqui, agravaram o atendimento à demanda causando a elevação de preços destes bens. Outro agravante é a especulação em cima desses bens como reação ao forte aumento da liquidez internacional adotada pelos países desenvolvidos para o enfrentamento da crise. Em sentido oposto registra-se uma contenção/queda nos preços dos demais produtos importados devido à maior concorrência internacional, fruto da necessidade de colocação das produções chinesa, americana e européia para superar a estagnação econômica dos países desenvolvidos e da perda de valor do dólar perante as outras moedas. Todos esses fatores continuarão repercutindo na inflação mundial.
No ano passado o país importou um volume 13,9% maior que o de 2008, mas o preço médio caiu 8%, segundo a Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), mas a inflação de origem externa de alimentos e commodities predominou sobre a redução dos preços dos demais bens importados e começou a nos atingir a partir de setembro após inflações nulas de junho, julho e agosto – apesar da economia ser considerada aquecida. Só os alimentos foram responsáveis por 40% da inflação em 2010. Se considerarmos as commodities, mais da metade da inflação escapou do controle do governo.
Neste início de ano é de esperar níveis elevados de inflação devido às fortes chuvas, material escolar, passagens de ônibus, IPTU, IPVA e outros, que irão se somar à inflação importada.
Isso servirá de pretexto adicional ao BC para elevações da Selic. Mas, cada aumento de 0,5 ponto percentual (pp) na Selic ocasiona uma elevação das despesas e da demanda do governo de 0,2% do PIB. Supondo que a série de elevações da Selic neste ano atinja 2,0 pp, o dano fiscal alcançaria 0,8% do PIB (R$ 30 bilhões) num ano!
O mercado financeiro está atribuindo essa nova elevação inflacionária ao excesso da demanda e pressionam o BC a elevar a Selic, como se isso resolvesse o problema de baixar a inflação. O que causa estranheza é que segundo o BC a alteração da Selic leva nove (!) meses para fazer efeito, mas é imediato na elevação das despesas/demanda do governo com juros que decorrem da dívida interna e no custo do carregamento das reservas internacionais, este último estimado em R$ 50 bilhões (1,4% do PIB) em 2010. Ou seja, o BC acaba causando o oposto do que se deseja na contenção da demanda e no ajuste fiscal necessário ao manter a Selic elevada e irá agravar ainda mais esses problemas ao iniciar novo ciclo de elevação dela.
Nas contas externas é necessário considerar o efeito danoso da valorização do real devido à atração que a Selic exerce sobre os especuladores internacionais, causa apontada pelo setor real da economia como principal indutor do processo de desindustrialização. A manchete do Estadão do dia 10 destaca o estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) no qual a indústria perdeu R$ 17,3 bilhões e 46 mil postos de trabalho em apenas nove meses de 2010, com importação.
A estratégia adotada pelo BC, desde o Plano Real, para controlar a inflação baseada na Selic elevada (âncora cambial) está sendo anulada pelo Ministério da Fazenda que elevou o IOF para 6% e poderá elevar ainda mais, para anular os ganhos especulativos dos investidores estrangeiros com títulos do governo. Se subir a Selic, subirá o IOF. Enquanto houver ganhos nessas aplicações elas permanecerão no País, mas caso sejam anulados ocorrerá saída líquida de dólares com lucros aos capitais aplicados e consequente desvalorização do real.
Nesse caso a importação diminuirá, pois ficará mais cara. Isso poderá causar inflação, mas o governo poderá combatê-la com políticas articuladas fiscais, monetárias, alfandegárias, de abastecimento e outras. Por outro lado aumentarão as exportações elevando a balança comercial e reduzindo as perdas com balança de serviços (remessa de lucros e dividendos, royalties, viagens internacionais, etc.) contribuindo para melhor desempenho das contas externas.
Perspectivas: Crescimentos de 5%, com redução de um ponto percentual da Selic por ano e superávit primário de 1,9% do PIB, permite obter ao final de 2014, equilíbrio fiscal e dívida líquida de 30% do PIB. Se o crescimento for de 4%, basta superávit primário de 2,2% do PIB. Nos dois casos a despesa com juros em 2014 seria de 2,1% do PIB, portanto, próximo do nível internacional.
Mantendo políticas de estímulo ao consumo para ampliar o mercado interno, se garante nível adequado de crescimento econômico. Reduzindo a Selic ao nível internacional fica garantida de forma eficaz e rápida a maior parte do ajuste fiscal e, racionalizando e priorizando despesas, se completa o ajuste. Tributando os investimentos estrangeiros especulativos, reduz-se a apreciação do real, o rombo nas contas externas e aumenta a arrecadação. Resta ver se o governo vai fazer o que ainda resta a ser feito. Vamos aguardar.
Fonte: http://www.agenciat1.com.br/6550-nova-politica-economica/
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