sexta-feira, fevereiro 25, 2011

Revolução: a vez do Bahrain e da Arábia Saudita?


By admin– 25 de fevereiro de 2011

Revolta popular cresce na pequena monarquia e desponta no maior produtor mundial de petróleo. Mas são aliados dos EUA — e, portanto, “modernos” para a velha mídia…

Por Pepe Escobar, do Asia Times Online | Tradução: Coletivo VilaVudu

Um espectro ronda o Golfo Persa: a democracia [1].


Nessa terça-feira, nada menos que 20% da população do Bahrein reuniu-se na rotatória Lulu (Pérola) (na foto) em Manama na maior manifestação contra a monarquia feudal, ação intimamente conectada à grande revolta árabe de 2011. Amostra de toda a sociedade bahraini – professores, advogados, engenheiros, suas mulheres e filhos – numa marcha infinita, em volta do monumento, coluna compacta nas cores vermelho e branco, da bandeira nacional.

Na quinta-feira, havia motivos para crer que a revolta alcançara o santo graal, i.e., a Casa de Saud, quando 100 jovens saíram às ruas de Hafar al-Batin, nordeste da Arábia Saudita, exigindo o fim dessa monarquia feudal encharcada em petróleo. O extraordinário é que tenha acontecido justamente quando o “Guardião das Duas Mesquitas Sagradas”, rei Abdullah da Arábia Saudita, 85 anos, voltava para casa depois de três meses de tratamento médico e cirurgia nos EUA e convalescença no Marrocos – em plena onda de massiva propaganda do regime, completada com toques de orientalismo, como um homem vestido de branco dançando danças tradicionais beduínas sobre tapetes especialíssimos.


Para a Casa de Saud, a revolta é o pesadelo absoluto: como todo o mundo já está sabendo, um Bahrain microscópico, de maioria xiita, mas também microscópica, faz fronteira com a região da Arábia Saudita, de grande maioria xiita, onde está o petróleo.


Mas não surpreende que a revolta tenha eclodido nem bem o rei Abdullah pôs o pé nos seus tapetes, e apesar de toda a ação preventiva para evitar que surgissem espasmos pró-democracia entre as massas, com lançamento de um programa de 35 bilhões de dólares, que inclui um ano de benefícios para jovens desempregados, além da criação de um fundo nacional de desenvolvimento que permitirá que os jovens comprem casa, abram pequenos negócios e casem.


Em teoria, a Arábia Saudita prometeu nada menos que 400 bilhões de dólares em programas, até o final de 2014, para melhorar a educação, a saúde pública e a infraestrutura. Economista-chefe do Banco Saudita Fransi, John Sfakianakis, diz, eufemisticamente, “o rei tenta criar ampla via para o enriquecimento, sob a forma de bem-estar social”.


Como sempre, todos os eufemismos param na política: não se vê sinal algum de qualquer investimento real na direção de atender as aspirações políticas dos súditos – partidos políticos, sindicatos e qualquer tipo de manifestação pública continuam totalmente proibidos. E não se vê qualquer sinal, tampouco, de que o rei esteja preocupado com os enormes problemas sociais – da repressão policial, à intolerância religiosa – exatamente os problemas que o encurralaram e obrigaram a tentar seu gambito multibilionário da “ampla via”.


Adivinhem, então, quem se apresentou para dar as boas vindas ao rei Abdullah e discutir “a crise” – palavra-código para “A Grande Revolta Árabe de 2011”? Acertaram: o monarca feudal sunita vizinho, rei Hamad al-Khalifa, do Bahrein.


Assassinato soft, com nossa trilha sonora


A narrativa inventada no ocidente, à Disneyworld, de que o rei Hamad seria “reformista progressista”, interessado em “fazer avançar a democracia” e “preservar a estabilidade” foi totalmente detonada quando o exército real realmente mercenário atirou, com munição real, usando armamento antiaéreo, de APC, contra manifestantes que levavam flores, ou quando helicópteros marca Bell, americana, sobrevoaram e perseguiram pessoas, sem parar de atirar.


Mensagem pelo tuíter, semana passada, vinda da jornalista bahraini Amira al-Husseini, resumiu tudo: “Também amo o Bahrein. Nasci no Bahrein. Meu sangue é bahraini – e vi meu país assassinado hoje, à vista dos próprios filhos.”


A rebelião xiita contra a dinastia al-Khalifa de mais de 200 anos – invasores, vindos do continente –, está em andamento, de fato, há décadas; inclui centenas de prisioneiros políticos em quatro prisões, na cidade e nos arredores da capital Manama, presos e torturados por “conselheiros” jordanianos; e um regime cujo exército é composto, basicamente, de soldados punjabi e baloques paquistaneses.


Demorou um pouco – mas, então, aconteceu aquele telefonema estratégico de Washington, que deu ânimo para que al-Khalifa se decidisse a tratar do assunto da matança com um pouco mais de aplicação.


O relato de como a política externa dos EUA agilmente se adaptou à Grande Revolta Árabe de 2011 oferece algumas lições. Hosni Mubarak expulso do Egito e o rei Hamad do Bahrein são “moderados” e certamente não são “o mal”. Afinal, um foi e o outro é, respectivamente, pilar da “estabilidade”, como se lê em MENA (Middle East-Northern Africa [em http://en.wikipedia.org/wiki/2010–2011_Middle_East_and_North_Africa_protests ].

Por outro lado, Muammar Gaddafi da Líbia e Bashar al-Assad da Síria são realmente péssimos, porque não se submetem nunca aos diktats de Washington. A escala moral que determina a resposta dos EUA é diretamente proporcional a o quanto o monarca ditador feudal em questão comporte-se como sátrapa a serviço dos EUA.


Assim se explica a instantânea repulsa (que o Departamento de Estado manifestou anteontem e o presidente Obama só hoje, quinta-feira) aos ataques de Gaddafi contra seu próprio povo, enquanto a mídia-empresa nos EUA e legiões de analistas de think-tanks disputam entre eles a glória de ter encontrado o adjetivo que mais elaboradamente ensina a crucificar Gaddafi. Ninguém é melhor que essa gente, quando se trata de denunciar ditador que não se encaixa no modelo de lacaio que os EUA prefiram.


Simultaneamente, não se ouviu no MENA nem um pio quando o aparelho de repressão de Hamad – parcialmente importado da Arábia Saudita – matou seus próprios cidadãos na rotatória da Pérola. OK, terrorista reabilitado, Gaddafi sempre foi doido, mas ao Bahrain aplica-se todo um longo mantra, como “aliado próximo” dos EUA; “nação pequena mas estrategicamente valiosa”; lar da 5ª Frota, essencial para garantir que o petróleo continue a fluir pelo Estreito de Ormuz; defesa contra o Irã etc.


Seja como for, mesmo depois do massacre, Sheikh Ali Salman, líder do maior partido de oposição, xiita, o partido al-Wefaq, e também Ebrahim Sharif, líder do partido secular Wa’ad, e Mohammed Mahfood da Sociedade de Ação Islâmica, todos aceitaram encontrar-se com o Príncipe Coroado Salman bin Hamad al-Khalifa, para um diálogo proposto pela monarquia.


Husain Abdullah, diretor de Americans for Democracy and Human Rights no Bahrein, não está convencido: “Não sei se a própria família reinante, eles próprios, merecem alguma confiança para algum diálogo sério, porque, se se assiste à televisão do Bahrain, nada se vê além de ataques sectários contra a multidão que permanece na praça-rotatória Lulu.”


Para Abdullah, o que está de fato acontecendo é que “mais e mais pessoas estão exigindo abertamente o fim do regime, por meios pacíficos, e querem que o Bahrein seja governado pelo povo do Bahrein. Além disso, há conclamação séria de desobediência civil completa (não parcial, como até agora), em todo o país, para expulsar do país a família reinante, como foi feito na Tunísia e no Egito.” Não surpreende que a Casa de Saud esteja em pânico.

O levante dos 70% de xiitas do Bahrein, mais alguns poucos sunitas – o mantra principal do protesto era “Nem xiitas nem sunitas. Todos bahrainis” – começou como movimento de direitos civis. Mas o príncipe coroado melhor fará se concordar rapidamente – ou a coisa ali também se transformará em revolução. Por enquanto, há muita retórica sobre “estabilidade”, “calma”, “segurança”, “coesão nacional”, mas nada de sério sobre reforma eleitoral e constitucional.


Há razões para crer que Salman – aconselhado pelos sauditas – talvez tente uma saída à Mubarak e faça algumas promessas vagas para algum futuro distante. Todos sabemos como a coisa acabou, na praça Tahrir.


Os manifestantes começaram por pedir primeiro-ministro eleito, monarquia constitucional e o fim da discriminação contra os xiitas. Agora, Matar Ibrahim, um dos 18 deputados xiitas do Parlamento, já diz que há um abismo de distância entre os manifestantes da rotatória da Pérola e os deputados da oposição que se reuniram com o Príncipe Coroado. A palavra de ordem que mais se ouve na rotatória da Pérola já é “Fora, Fora Khalifa”.


Milhares de trabalhadores da fábrica gigante de alumínio Alba já deixou claro que um poderoso sindicato e vários movimentos sindicais já apoiam os manifestantes em sua maioria xiitas. O presidente do sindicato de trabalhadores da Alba, Ali Bin Ali – que é sunita, mas isso nada muda – já alertou que há greve organizada para eclodir a qualquer momento.


Queremos nossos direitos sociais


Se houver mudança democrática de regime no Bahrein, os megaperdedores serão a Arábia Saudita e os EUA.
O Bahrein é caso clássico de colusão entre o império das bases dos EUA e uma ditadura/monarquia feudal sem sal. Naturalmente, o chefe do Estado-maior dos EUA favorece a “ordem-e-estabilidade” comandada pela ditadura – e o mesmo aconteceu com o velho poder colonial britânico; os massacres de civis no Bahrein e na Líbia chegam até vocês por especial cortesia da Royal Military Academy Sandhurst e dos sistemas BAE [para saber o que é, veja http://www.baesystems.com]

O rei Hamad é formado pela Escola Militar de Alto Comando dos EUA (orig. US Army Command and General Staff School) em Fort Leavenworth, Kansas, e “tem papel destacado na direção da política de segurança do Bahrein” – como se leu em telegrama de 2009 publicado por WikiLeaks. Foi ministro da Defesa de 1971 a 1988 e é fã do armamento pesado dos EUA.


O Príncipe Coroado, renomado por sua “abordagem muito ocidental”, por sua vez, estudou na escola que o Departamento de Defesa mantém no Bahrein e graduou-se na American University em Washington. Tradução: dois vassalos cabeça-de-Pentágono, estão hoje encarregados de fazer reformas democráticas no Bahrein.


A Grande Revolta Árabe de 2011, por todas as razões específicas nos diferentes países, não é, não, de modo algum, sobre religião (como Mubarak, Gaddafi e Hamad tentaram fazer parecer que seria). É revolta da classe trabalhadora, diretamente provocada pela crise global do capitalismo.


Choque de civilizações, fim da história, islamofobia e outros conceitos igualmente tolos estão mortos e enterrados. As pessoas querem direitos sociais, querem navegar em águas da democracia política e da democracia social.


Nesse sentido, a rua árabe é hoje a vanguarda do mundo. Se al-Khalifa não entender, será arrancado de lá.

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