O objetivo deste blog é discutir um projeto de desenvolvimento nacional para o Brasil. Esse projeto não brotará naturalmente das forças de mercado e sim de um engajamento político que direcionará os recursos do país na criação de uma nação soberana, desenvolvida e com justiça social.
segunda-feira, junho 28, 2010
O "Projeto Nacional" dos tucanos é contra o desenvolvimento
O tucano José Serra e seus aliados acusam Dilma Rousseff e o campo progressista de não ter um projeto nacional. Não é verdade: os tucanos “esquecem” que esta é uma luta histórica e que eles são, hoje, os herdeiros e continuadores da política anti-nacional que, desde os tempos de José Bonifácio, impede o desenvolvimento e atrasa o país.
Por José Carlos Ruy
Só há uma explicação para a repetida acusação feita pelo bloco conservador e pelo candidato da oposição, o tucano José Serra, de que o governo Lula e a candidata progressista Dilma Rousseff não têm um projeto nacional. É a amnésia histórica daqueles que aderiram ao pensamento único e ao dogma neoliberal de que não existe alternativa além do fracassado projeto que impuseram ao Brasil em sua longa passagem pela presidência da República, com Fernando Collor de Mello e, depois, Fernando Henrique Cardoso.
Os tucanos e conservadores insistem naquela tecla esquecendo o conflito histórico que, em todo o período independente de nossa história, opôs os desenvolvimentistas aos liberais, os pregoeiros do uso da força do Estado para fomentar o crescimento da economia aos partidários da submissão brasileira a uma divisão do trabalho que perpetua o atraso.
Esse conflito eclodiu já nos anos da luta pela Independência, quando José Bonifácio defendeu o fim da escravidão, a reforma agrária e o favorecimento da produção de alimentos ao lado da agricultura de exportação, o apoio à industrialização, a instrução do povo e a inclusão de negros e índios à comunidade nacional, e a afirmação nacional soberana perante as potências estrangeiras.
José Bonifácio foi nomeado ministro do Reino e dos Estrangeiros por D. Pedro no início de 1822, tornando-se nessa condição o primeiro chefe de governo no Brasil. Ele estava na contra mão dos bisavós dos atuais neoliberais, cujo campeão foi José da Silva Lisboa, o visconde de Cairu, que defendia a Inglaterra com a mesma ênfase com que os tucanos defendem, hoje, os EUA.
Cairu era a expressão dos interesses da oligarquia agro-mercantil e seu projeto econômico baseado na escravidão e na monocultura latifundiária, na exportação de produtos agrícolas e na oposição à industrialização, subordinando a nação que se formava a uma economia mundial dominada pelos ingleses. José Bonifácio bateu de frente com os interesses daquela elite agro-mercantil, aliada dos ingleses sendo por isso afastado do governo, abrindo caminho para que fosse mantida, após a Independência, a arcaica estrutura social colonial, escravista e latifundiária.
Venceu, com isso, a política econômica liberal e antiindustrialista que, com um pequeno interregno na década de 1840, vigorou em todo o período imperial. Um exemplo das dificuldades que aquela política impunha ao desenvolvimento é a trajetória de Irineu Evangelista de Souza, o Visconde de Mauá. Este grande empresário construiu o estaleiro de Porto de Areia, um dos maiores do mundo, mas faliu fragorosamente quando a política econômica liberal foi intensificada na década de 1850; sua história é emblemática de contradições que ainda hoje não estão resolvidas.
Os primeiros anos da República significaram outro interregno, breve, naquela política antinacional. Foi uma época marcada pelas intensas disputas entre setores urbanos (classe média e parte da burguesia) radicalizados, e a coalizão de latifundiários, grandes comerciantes do comércio externo e os representantes do capital estrangeiro (na época, principalmente inglês), que dominava a economia e a política brasileira desde os tempos do império. O choque cresceu durante os dois primeiros governos republicanos, dirigido pelos marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, quando as iniciativas do novo regime ameaçavam os interesses colonialistas ao apontar para a construção de uma nação autônoma do ponto de vista político e econômico.
Quando o latifundiário Prudente de Moraes assumiu a presidência da República, na sucessão de Floriano Peixoto, o projeto industrialista foi abandonado. Os antepassados dos atuais neoliberais, que eram então chamados de livre-cambistas, passaram a dominar o governo e implantaram a mesma velha política econômica liberal. Rodrigues Alves, grande fazendeiro de café e ministro da Fazenda de Prudente de Moraes, dizia que a indústria prejudicava a agricultura ao atrair “a mão-de-obra e os capitais necessários à lavoura". A elite latifundiária e o capital comercial que controlava o comércio externo do país mantiveram a economia subordinada a esse princípio nocivo ao desenvolvimento nacional.
Era a abertura de um período liberal que durou até 1930, quando a revolução que acabou com a República Velha e levou Getúlio Vargas ao governo sinalizou o aprofundamento do desenvolvimento capitalista brasileiro e deu ao Estado um papel decisivo na promoção do desenvolvimento. As políticas econômica, cambial, industrial e agrícola voltavam-se agora ao atendimento dos interesses desse desenvolvimento. Mas a ruptura com o passado não foi completa, pois as velhas oligarquias agromercantis foram derrotadas mas não eliminadas.
De qualquer forma, depois de 1930 foi claramente rompido o vínculo com os princípios liberais; e as relações entre a indústria e o governo se tornaram mais cordiais. Vargas adotou medidas de forte impacto econômico e social, promovendo a intervenção do Estado para estimular o desenvolvimento industrial.
Sob o Estado Novo foram criados organismos técnicos de assessoria nos quais o governo e a burguesia industrial discutiam e formulavam as estratégias econômicas. Os industriais participaram de forma intensa deles, liderados por aquele que, na época, se destacou como seu maior líder: o paulista Roberto Simonsen, que propunha a proteção à produção industrial brasileira e a liberação da importação de equipamentos e matérias primas necessárias para ela. Desde então a produção nacional cresceu e se diversificou; um de seus marcos principais foi a construção da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda.
A modernização acentuada no período pós-1930 foi marcada também pela emergência de outro personagem decisivo no cenário político, o proletariado que, com o Partido Comunista do Brasil à frente, engrossou a luta pelo desenvolviment que impulsionou a partir de suas próprias reivindicações de classe.
Aquela política de modernização marcou a fase conhecida como “Era Vargas”, recolocando o conflito entre os dois projetos antagônicos em outro patamar. A luta pelo desenvolvimento dominou durante meio século, e entrou em crise na década de 1980, colocando o Brasil em uma encruzilhada histórica na qual emergiu a hegemonia temporária do projeto neoliberal que atualizava as velhas teses conservadoras contra o desenvolvimento industrial e pela subordinação do país aos interesses de potências estrangeiras. Essa hegemonia foi anunciada quando, em dezembro de 1994, Fernando Henrique Cardoso despediu-se do Senado para assumir a presidência da República anunciando a intenção de colocar um ponto final à Era Vargas e ao “seu modelo de desenvolvimento autárquico e ao seu Estado intervencionista”. Os resultados funestos dessa decisão foram sentidos pelos brasileiros durante os oito anos de domínio do tucanato, sob FHC, com sua política de privatizações; desmantelamento do Estado; submissão aos Estados Unidos e às agências econômicas do imperialismo, como o FMI; ataques aos direitos sociais dos trabalhadores e aos direitos políticos dos brasileiros.
Aquele foi o “projeto nacional” dos tucanos, que começou a ser desmontado desde 2003, quando Luiz Inácio Lula da Silva, assumiu a presidência da República, acelerando-se no segundo mandato, em 2007. Esta escolha pelo desenvolvimento precisa ser reafirmada e aprofundada no novo período presidencial que começa em 2011.
terça-feira, junho 22, 2010
os Estados Unidos e o terrorismo de massa
Domenico Losurdo:
Em visita à sede nacional ao PCdoB, o filósofo italiano Domenico Losurdo conversou com os jornalistas Osvaldo Bertolino, do Portal da Fundação Maurício Grabois, e José Carlos Ruy, do Vermelho, sobre seu livro recém-lançado A Linguagem do Império — Léxico da Ideologia Estadunidense.
“Digo que os terrorismos podem ser individuais ou de massa”, afirma Losurdo, na entrevista. “Terrorismo de massa é aquele que golpeia indiscriminadamente uma população civil. E, então, me pergunto se esta é a definição de terrorismo de massa qual é o maior acontecimento de terrorismo de massa na história? Não há dúvida de que foi a destruição nuclear de Hiroshima e Nagasaki porque foi rendida a população civil de duas cidades e foi rendida essa população civil para mais aterrorizar a União Soviética.”
Portal da Fundação Maurício Grabois: Professor, primeiro, queria que o senhor falasse um pouco sobre o livro.
Losurdo: O livro se chama Il linguagio Dell impero, lessico della ideologia americana. Já está traduzido para diversas línguas: espanhol, português do Brasil e de Portugal, grego e outras. Creio que atenda a uma necessidade real. Nós nos encontramos diante de uma situação sem precedentes na história. Vemos que os Estados Unidos sozinhos ocupam a metade do orçamento militar mundial. Por isso, trata-se de uma superpotência militar solitária.
Contudo, ao mesmo tempo eles são também uma superpotência ideológica no sentido de ainda funcionarem como uma espécie de tribunal da inquisição em nível planetário. Pelo fato de estigmatizarem aqueles que se opõem ao império, ou que se precipitam no confronto com o império, os Estados Unidos os tacham como cúmplices do terrorismo, cúmplices do fundamentalismo, cúmplices ou culpados de antinorte-americanismo, culpados de antissemitismo, de filo-islamismo, de ódio contra o Ocidente.
Então, neste livro examinei as categorias principais com base nas quais Washington procura fazer calar todas as vozes críticas e todas as divergências. A cada uma dessas categorias examinei seja no plano histórico seja no plano conceitual para fazer ver de que maneira Washington procura impor um domínio mesmo ideológico.
FMG: O livro volta às raízes dessa configuração que temos hoje?
Losurdo: Dou um exemplo de como procedo neste livro. Os Estados Unidos dizem estar empenhados em uma guerra contra o terrorismo e, por exemplo, tacham e até culpam países como cúmplices do terrorismo. Então analiso essa categoria de terrorismo. Digo que os terrorismos podem ser individuais ou de massa. Terrorismo de massa é aquele que golpeia indiscriminadamente uma população civil. E, então, me pergunto se esta é a definição de terrorismo de massa, qual é o maior acontecimento de terrorismo de massa na história? Não há dúvida de que foi a destruição nuclear de Hiroshima e Nagasaki, porque foi rendida a população civil de duas cidades e foi rendida essa população civil para mais aterrorizar a União Soviética.
Isso já reconhecem historiadores estadunidenses, pois trata-se de um terrorismo horrível e mais de caráter transversal. Alguém poderia dizer: Está bem, mas passou tanto tempo e isso hoje já perdeu a validade. Ao contrário. No livro, examino, por exemplo, a guerra contra Camboja. Cito estudiosos estadunidenses ocidentais. O livro cita sempre estudiosos estadunidenses ocidentais. Pois, então, um dos estudiosos chama-se Charles Johnson e diz que na guerra contra o Camboja os Estados Unidos, com os bombardeamentos, mataram pelo menos 705 mil camponeses vietnamitas. Isso diz esse autor estadunidense.
Claro, esse é um terrorismo de massa porque foram golpeados a população civil e camponeses vietnamitas. Naturalmente, os EUA ainda hoje se reservam o direito de dar curso aos armamentos nucleares. Por exemplo, enquanto a China se empenha em não usar nunca mais armamento nuclear, os Estados Unidos, ao contrário, recusam-se a deixar de fazê-lo. Ou seja, a tendência ao terrorismo de massa é uma característica constante da política internacional do imperialismo estadunidense.
Dou ainda outro exemplo de terrorismo individual: quantas vezes os Estados Unidos procuraram acabar com Fidel Castro? Me reporto também a outros acontecimentos. Por exemplo, cito nesse caso Il Corriere della Sera, principal jornal da Itália. Ele refere que em 1951 os Estados Unidos tentaram assassinar o primeiro-ministro chinês Zhou Enlai atingindo o avião em que viajava. Zhou Enlai, no último momento, mudou de avião e esse da Air Indian no qual se pensava que Zhou Enlai estaria atingiu igualmente a área usada pela CIA e morreram obviamente todos os passageiros. Isso, no que se refere à categoria terrorismo, pode continuar. Por exemplo, no que se refere à categoria fundamentalismo. E os Estados Unidos tacham seus inimigos de fundamentalistas.
O Hamas é fundamentalista, o Hesbolá é fundamentalista, o IRA é naturalmente fundamentalista. Mas poucos sabem que fundamentalismo é um termo que nasce pela primeira vez nos Estados Unidos nos inícios dos anos 1900. E inicialmente não havia uma conotação negativa, era uma autodesignação orgulhosa. Esses círculos protestantes se conservavam para defender a verdade fundamental do cristianismo contra o socialismo, contra a modernidade e, por isso, se autodefiniam orgulhosamente fundamentalistas. É um paradoxo. Essa categoria que nascera como autodesignação orgulhosa bem no coração do Ocidente, bem no coração do império, hoje se dedica a tachar e criminalizar inimigos do império.
Em suma, o fundamentalismo é essa confusão de políticas religiosas — basta ler Bush Filho, que dizia que havia se tornado presidente dos EUA por inspiração divina, que sua política é uma política que tem em conta valores religiosos. Cito personalidades estadunidenses de primeiro plano que concordam que os Estados Unidos combatem contra os inimigos de Deus. Essa é uma terrível forma de fundamentalismo. E acrescento: hoje o fundamentalismo mais perigoso é o estadunidense. Mas não digo isso para atacar os Estados Unidos. Faço essas considerações que devem ser direcionadas para todos.
O fundamentalismo islâmico, criticado e contestado, nunca se dedicou a celebrar um determinado país como o país designado por deus para uma tarefa particular. Somente o imperialismo estadunidense – e o de Israel, devo dizer, concentra-se no imperialismo estadunidense – se dedica a celebrar um determinado país. Por exemplo, Bush Filho dizia que os Estados Unidos são a nação escolhida por Deus para a tarefa de cuidar do mundo.
E esses padrões não se encontram apenas em Bush Filho, mas em uma série de presidentes estadunidenses. Aqui, pois, se conclui a categoria fundamentalismo em meu livro. Pois o fundamentalismo norte-americano tem isso de particularmente perigoso que deforma o sentido religioso, como a nação escolhida por Deus. Um país e um povo determinados.
FMG: O presidente Chávez tem dito que existem dois Obama. O senhor concorda com ele? Um que é um pouco esse fundamentalismo e outro que tenta fazer as mudanças e é tomado pela máquina.
Losurdo: Não. Não acredito nessas duas personalidades. Acredito que Obama seja um único presidente que, naturalmente, compreendeu as dificuldades em que o imperialismo estadunidense se confronta, e em que se contorce, e procura controlar atentamente essa nova situação. Mas Obama não sabe a maneira de colocar em discussão o mito dos Estados Unidos como a nação escolhida por Deus. Esse é um teorema ideológico que caracteriza toda a tradição política estadunidense. De outra parte, se observarmos a política concretamente difundida por Obama vemos que ela reforçou a guerra contra o Afeganistão.
Isso é evidente, se reserva o direito de dar curso ao armamento nuclear contra o Irã porque dissimuladamente fez essa ameaça. E o presidente iraniano Ahmadinejad tem razão quando diz que havia essa ameaça. Também na América Latina, para mim, com Obama, a pressão militar do imperialismo estadunidense está aumentando e não diminuindo. E também faço um exame sobre a China. Creio que Obama a considera como adversário principal e está se instrumentando para procurar manter a hegemonia norte-americana.
FMG: Paul Samuelson disse a seguinte frase: há uma contradição entre a batalha militar e os gastos orçamentários de cada potência, que num certo momento esses gastos seriam tão altos que comprometeriam a própria sobrevivência daquela potência. Temos visto que é admitido, que é falado nisso, que há um declive acentuado do poder norte-americano. Como se combina esse declive – visível do ponto de vista econômico – com o poderio militar dos EUA e que custa tanto?
Losurdo: Creio que você já tenha colocado precisamente a questão principal. Isto é, a contradição é exatamente essa, mas, como dizer, há uma contradição real e me preocupa muitíssimo. Por um lado, os Estados Unidos indicam fortemente o impacto da crise. Isto está fora de discussão. Esse impacto da crise se faz sentir também no déficit do orçamento comercial e do orçamento central. No entanto, os Estados Unidos não estão de fato diminuindo as despesas militares.
Pelo contrário, de fato fazem de tudo para manter uma comprovadíssima superioridade tecnológica sobre os outros. Em suma, com os investimentos tecnológicos nos últimos tempos efetuados pelos Estados Unidos é como se eles quisessem adquirir uma espécie de monopólio de fato sobre o armamento nuclear. Este é o tema de um artigo da revista estadunidense Foreign Affairs, que fica próxima ao departamento de Estado.
Esse artigo dizia que com as dimensões robustas do arsenal nuclear estadunidenses estão desenvolvendo fortemente a defesa antimíssil e pode-se verificar uma situação em que de fato os Estados Unidos seriam a única potência em nível de investir sobre o plano nuclear de seus inimigos. Naturalmente, essa é a ambição dos Estados Unidos. No entanto, acredito que haja uma efetiva aspiração da parte do imperialismo norte-americano por realizar uma espécie de monopólio de fato da possibilidade de recurso ao armamento nuclear.
FMG: Inclusive, pelas últimas manifestações de Hillary e do próprio Obama, eles querem também o monopólio da tecnologia, e não apenas das armas.
Losurdo: Sim. Claro, procuram manter o monopólio da tecnologia. No entanto, aqui, ao contrário, creio que acertam menos. Sobre a tecnologia militar tem uma grande vantagem, sobre a tecnologia enquanto tal a vantagem é mais reduzida porque a China está dando enormes passos adiante. Acredito que a mudança que se desenvolveu a partir da política de abertura de Deng Xiaoping pode ser recuperada deste modo. Pode ser recuperada como um provérbio chinês que diz que às vezes existem situações em que há uma única base, mas na realidade nessa base duas pessoas têm sonhos diferentes, radicalmente diferentes.
Claro, os Estados Unidos, no momento de abertura da China, pensavam que poderiam transformá-la em uma reserva de mão-de-obra a baixo custo, e em um mercado desaguadouro para as mercadorias norte-americanas. ou pelo menos para as mercadorias tecnologicamente mais sofisticadas.
Enquanto, ao contrário, os dirigentes chineses desde o início pensaram essa política de abertura como uma tentativa de equilibrar o desenvolvimento não apenas econômico, mas também tecnológico da China, rompendo o monopólio tecnológico ocidental. Creio que, fundamentalmente, até agora a China está chegando a conseguir esse objetivo. Mais complicada a situação no que diz respeito à tecnologia militar, na qual os Estados Unidos têm uma vantagem que é mais difícil de superar.
FMG: Certa ocasião o senhor disse que a tecnologia é a mãe de todas as desigualdades. O senhor estava analisando o embargo de armas da União Europeia para a China por imposição norte-americana. O senhor acha que esta pode ser uma vertente de conflito entre China e Estados Unidos?
Losurdo: A possibilidade de conflito entre China e Estados Unidos é real. É inútil disfarçar que existe essa possibilidade e os Estados Unidos estão se preparando de modo diligente. China e Estados Unidos estão se preparando de maneira radicalmente diferente. Os Estados Unidos em consequência sacrificam o desenvolvimento econômico por causa do desenvolvimento militar. Basta dizer a propósito que apesar da crise continuam a cobrir os 50% do orçamento militar mundial.
A China, ao contrário, se prepara com mentalidade radicalmente diferente, no sentido de que equilibra constantemente o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento tecnológico civil, mas julga que esse desenvolvimento tecnológico tem também recorrências militares. Choques indiretos são sempre mais custosos para os Estados Unidos.
FMG: Comente um pouco, por favor, o desfecho da Segunda Guerra Mundial.
Losurdo: O final da Segunda Guerra Mundial produziu um resultado fundamental. Hitler não nasce do nada e acreditava retomar e radicalizar a tradição colonial. E acreditava radicalizar a tradição colonial a ponto de querer constituir na Europa oriental um império colonial de características continentais. E, por isso, Hitler, por repetidas vezes, declara querer construir na Europa oriental as Índias alemãs, assim ele se exprime. Ou, explicitamente, compara a Europa oriental ao faroeste norte-americano. Como a raça branca – dizia Hitler – se expandiu no faroeste exterminando, ou dizimando, os índios e norte-americanizando o território, também o império alemão na Europa oriental se desenvolveria reduzindo a população eslava.
Claro, em Stalingrado e depois, com a derrota final, o III Reich foi obrigado a renunciar a esse projeto. E digo que isso deu impulso a um gigantesco processo de descolonização, que se desenvolveu após a Segunda Guerra Mundial. A derrota do projeto das Índias alemãs na Europa oriental de repente aplainou o caminho para a independência das Índias alemãs propriamente. Pensem: na Ásia, as Filipinas, ao longo da Segunda Guerra Mundial, ainda era uma colônia norte-americana. A Indonésia colônia holandesa. E assim por diante.
Então, a pergunta que podemos fazer aqui é esta: se os anos 1900 foram o da luta de emancipação dos povos colonizados, o que é o século XXI? Essas lutas de emancipação dos povos colonizados acabaram neste século? Ou ainda continuam? Sustento que continuam ainda. Em alguns casos, essa luta anticolonialista manifesta-se no modo clássico porque o colonialismo se manifesta de modo clássico.
Pensem na Palestina. Claro, ali efetivamente o colonialismo se manifesta de modo clássico. Temos a expansão das colônias israelenses e os palestinos são expropriados de suas terras e forçados a imigrar. Mas, ao contrário, em outra situação a luta anticolonial se manifesta de maneira diferente. Isso tinham entendido duas grandes personalidades, entre si muito diferentes. Uma é Mao Tse tung que, às vésperas da conquista do poder, antes ainda de outubro de 1949, disse: Os EUA queriam que a China continuasse a depender da farinha norte-americana, de modo que a China continue a ser uma colônia mesmo depois de sua conquista formal da independência.
Outra grande personalidade, completamente diferente, é, para mim, Franz Fanon. Ele foi o grande teórico da revolução argelina e, em 1961, quando ele publica seu livro Os condenados da Terra, escreve: A atitude das potências coloniais dominantes pode ser descrita deste modo: é como se as potências coloniais voltassem aos povos em luta por independência com esse discurso: querem a independência? Peguem-na e depois morram de fome.
Ou seja, essas duas personalidades entre si tão diferentes compreenderam que uma revolução anticolonial não pode ser realmente vitoriosa se, após a vitória militar, não procura consolidar a independência por meio do desenvolvimento econômico. E, então, devemos dizer que em países como China, Vietnã – naturalmente, vale para Cuba, mas vale também para países que, na América Latina, estão se rebelando contra a Doutrina Monroe – devemos saber ver essa luta pelo desenvolvimento econômico como a continuação, nas novas condições, da luta anticolonialista.
Essa é uma tese que sustento fortemente. E a esquerda ocidental que olha com idoneidade, ou absolutamente com desprezo, a China, Vietnã e os países da América Latina, na realidade, demonstra um verdadeiro primitivismo que entende a luta anticolonial apenas quando se manifesta no plano militar e não a entende, ao contrário, quando se manifesta também no plano econômico.
Por exemplo, não sei se vocês conhecem o livro de Antonio Negri, Império. Há um trecho que, para mim, é iluminado: nós – ele – expressamos solidariedade ao povo palestino, mas essa simpatia acabará imediatamente no mesmo dia em que o povo palestino se constituir como Estado nacional. O que isso significa? Negri diz ao povo palestino: Eu terei simpatia em relação a ti somente até quando continue a ser vencido, humilhado e oprimido. O dia em que o povo palestino, nãoseja mais oprimido, conquistando o Estado nacional independente, não. E se compreende que se o povo chinês, o povo vietnamita, os povos da América Latina não estão na situação desesperada e trágica do povo palestino, por sorte esses povos não estão nessa situação desesperada e trágica, certa esquerda ocidental tem uma posição de desprezo, de hostilidade e de incompreensão profunda daquilo que está por vir. De fato, eles renegam a luta anticolonialista.
FMG: O senhor acha que a Itália vai tirar a copa do mundo do Brasil? (Risos)
Losurdo: O Brasil pelo menos no plano artístico é uma grande superpotência.
Fonte: Portal da Fundação Maurício Grabois
Em visita à sede nacional ao PCdoB, o filósofo italiano Domenico Losurdo conversou com os jornalistas Osvaldo Bertolino, do Portal da Fundação Maurício Grabois, e José Carlos Ruy, do Vermelho, sobre seu livro recém-lançado A Linguagem do Império — Léxico da Ideologia Estadunidense.
“Digo que os terrorismos podem ser individuais ou de massa”, afirma Losurdo, na entrevista. “Terrorismo de massa é aquele que golpeia indiscriminadamente uma população civil. E, então, me pergunto se esta é a definição de terrorismo de massa qual é o maior acontecimento de terrorismo de massa na história? Não há dúvida de que foi a destruição nuclear de Hiroshima e Nagasaki porque foi rendida a população civil de duas cidades e foi rendida essa população civil para mais aterrorizar a União Soviética.”
Portal da Fundação Maurício Grabois: Professor, primeiro, queria que o senhor falasse um pouco sobre o livro.
Losurdo: O livro se chama Il linguagio Dell impero, lessico della ideologia americana. Já está traduzido para diversas línguas: espanhol, português do Brasil e de Portugal, grego e outras. Creio que atenda a uma necessidade real. Nós nos encontramos diante de uma situação sem precedentes na história. Vemos que os Estados Unidos sozinhos ocupam a metade do orçamento militar mundial. Por isso, trata-se de uma superpotência militar solitária.
Contudo, ao mesmo tempo eles são também uma superpotência ideológica no sentido de ainda funcionarem como uma espécie de tribunal da inquisição em nível planetário. Pelo fato de estigmatizarem aqueles que se opõem ao império, ou que se precipitam no confronto com o império, os Estados Unidos os tacham como cúmplices do terrorismo, cúmplices do fundamentalismo, cúmplices ou culpados de antinorte-americanismo, culpados de antissemitismo, de filo-islamismo, de ódio contra o Ocidente.
Então, neste livro examinei as categorias principais com base nas quais Washington procura fazer calar todas as vozes críticas e todas as divergências. A cada uma dessas categorias examinei seja no plano histórico seja no plano conceitual para fazer ver de que maneira Washington procura impor um domínio mesmo ideológico.
FMG: O livro volta às raízes dessa configuração que temos hoje?
Losurdo: Dou um exemplo de como procedo neste livro. Os Estados Unidos dizem estar empenhados em uma guerra contra o terrorismo e, por exemplo, tacham e até culpam países como cúmplices do terrorismo. Então analiso essa categoria de terrorismo. Digo que os terrorismos podem ser individuais ou de massa. Terrorismo de massa é aquele que golpeia indiscriminadamente uma população civil. E, então, me pergunto se esta é a definição de terrorismo de massa, qual é o maior acontecimento de terrorismo de massa na história? Não há dúvida de que foi a destruição nuclear de Hiroshima e Nagasaki, porque foi rendida a população civil de duas cidades e foi rendida essa população civil para mais aterrorizar a União Soviética.
Isso já reconhecem historiadores estadunidenses, pois trata-se de um terrorismo horrível e mais de caráter transversal. Alguém poderia dizer: Está bem, mas passou tanto tempo e isso hoje já perdeu a validade. Ao contrário. No livro, examino, por exemplo, a guerra contra Camboja. Cito estudiosos estadunidenses ocidentais. O livro cita sempre estudiosos estadunidenses ocidentais. Pois, então, um dos estudiosos chama-se Charles Johnson e diz que na guerra contra o Camboja os Estados Unidos, com os bombardeamentos, mataram pelo menos 705 mil camponeses vietnamitas. Isso diz esse autor estadunidense.
Claro, esse é um terrorismo de massa porque foram golpeados a população civil e camponeses vietnamitas. Naturalmente, os EUA ainda hoje se reservam o direito de dar curso aos armamentos nucleares. Por exemplo, enquanto a China se empenha em não usar nunca mais armamento nuclear, os Estados Unidos, ao contrário, recusam-se a deixar de fazê-lo. Ou seja, a tendência ao terrorismo de massa é uma característica constante da política internacional do imperialismo estadunidense.
Dou ainda outro exemplo de terrorismo individual: quantas vezes os Estados Unidos procuraram acabar com Fidel Castro? Me reporto também a outros acontecimentos. Por exemplo, cito nesse caso Il Corriere della Sera, principal jornal da Itália. Ele refere que em 1951 os Estados Unidos tentaram assassinar o primeiro-ministro chinês Zhou Enlai atingindo o avião em que viajava. Zhou Enlai, no último momento, mudou de avião e esse da Air Indian no qual se pensava que Zhou Enlai estaria atingiu igualmente a área usada pela CIA e morreram obviamente todos os passageiros. Isso, no que se refere à categoria terrorismo, pode continuar. Por exemplo, no que se refere à categoria fundamentalismo. E os Estados Unidos tacham seus inimigos de fundamentalistas.
O Hamas é fundamentalista, o Hesbolá é fundamentalista, o IRA é naturalmente fundamentalista. Mas poucos sabem que fundamentalismo é um termo que nasce pela primeira vez nos Estados Unidos nos inícios dos anos 1900. E inicialmente não havia uma conotação negativa, era uma autodesignação orgulhosa. Esses círculos protestantes se conservavam para defender a verdade fundamental do cristianismo contra o socialismo, contra a modernidade e, por isso, se autodefiniam orgulhosamente fundamentalistas. É um paradoxo. Essa categoria que nascera como autodesignação orgulhosa bem no coração do Ocidente, bem no coração do império, hoje se dedica a tachar e criminalizar inimigos do império.
Em suma, o fundamentalismo é essa confusão de políticas religiosas — basta ler Bush Filho, que dizia que havia se tornado presidente dos EUA por inspiração divina, que sua política é uma política que tem em conta valores religiosos. Cito personalidades estadunidenses de primeiro plano que concordam que os Estados Unidos combatem contra os inimigos de Deus. Essa é uma terrível forma de fundamentalismo. E acrescento: hoje o fundamentalismo mais perigoso é o estadunidense. Mas não digo isso para atacar os Estados Unidos. Faço essas considerações que devem ser direcionadas para todos.
O fundamentalismo islâmico, criticado e contestado, nunca se dedicou a celebrar um determinado país como o país designado por deus para uma tarefa particular. Somente o imperialismo estadunidense – e o de Israel, devo dizer, concentra-se no imperialismo estadunidense – se dedica a celebrar um determinado país. Por exemplo, Bush Filho dizia que os Estados Unidos são a nação escolhida por Deus para a tarefa de cuidar do mundo.
E esses padrões não se encontram apenas em Bush Filho, mas em uma série de presidentes estadunidenses. Aqui, pois, se conclui a categoria fundamentalismo em meu livro. Pois o fundamentalismo norte-americano tem isso de particularmente perigoso que deforma o sentido religioso, como a nação escolhida por Deus. Um país e um povo determinados.
FMG: O presidente Chávez tem dito que existem dois Obama. O senhor concorda com ele? Um que é um pouco esse fundamentalismo e outro que tenta fazer as mudanças e é tomado pela máquina.
Losurdo: Não. Não acredito nessas duas personalidades. Acredito que Obama seja um único presidente que, naturalmente, compreendeu as dificuldades em que o imperialismo estadunidense se confronta, e em que se contorce, e procura controlar atentamente essa nova situação. Mas Obama não sabe a maneira de colocar em discussão o mito dos Estados Unidos como a nação escolhida por Deus. Esse é um teorema ideológico que caracteriza toda a tradição política estadunidense. De outra parte, se observarmos a política concretamente difundida por Obama vemos que ela reforçou a guerra contra o Afeganistão.
Isso é evidente, se reserva o direito de dar curso ao armamento nuclear contra o Irã porque dissimuladamente fez essa ameaça. E o presidente iraniano Ahmadinejad tem razão quando diz que havia essa ameaça. Também na América Latina, para mim, com Obama, a pressão militar do imperialismo estadunidense está aumentando e não diminuindo. E também faço um exame sobre a China. Creio que Obama a considera como adversário principal e está se instrumentando para procurar manter a hegemonia norte-americana.
FMG: Paul Samuelson disse a seguinte frase: há uma contradição entre a batalha militar e os gastos orçamentários de cada potência, que num certo momento esses gastos seriam tão altos que comprometeriam a própria sobrevivência daquela potência. Temos visto que é admitido, que é falado nisso, que há um declive acentuado do poder norte-americano. Como se combina esse declive – visível do ponto de vista econômico – com o poderio militar dos EUA e que custa tanto?
Losurdo: Creio que você já tenha colocado precisamente a questão principal. Isto é, a contradição é exatamente essa, mas, como dizer, há uma contradição real e me preocupa muitíssimo. Por um lado, os Estados Unidos indicam fortemente o impacto da crise. Isto está fora de discussão. Esse impacto da crise se faz sentir também no déficit do orçamento comercial e do orçamento central. No entanto, os Estados Unidos não estão de fato diminuindo as despesas militares.
Pelo contrário, de fato fazem de tudo para manter uma comprovadíssima superioridade tecnológica sobre os outros. Em suma, com os investimentos tecnológicos nos últimos tempos efetuados pelos Estados Unidos é como se eles quisessem adquirir uma espécie de monopólio de fato sobre o armamento nuclear. Este é o tema de um artigo da revista estadunidense Foreign Affairs, que fica próxima ao departamento de Estado.
Esse artigo dizia que com as dimensões robustas do arsenal nuclear estadunidenses estão desenvolvendo fortemente a defesa antimíssil e pode-se verificar uma situação em que de fato os Estados Unidos seriam a única potência em nível de investir sobre o plano nuclear de seus inimigos. Naturalmente, essa é a ambição dos Estados Unidos. No entanto, acredito que haja uma efetiva aspiração da parte do imperialismo norte-americano por realizar uma espécie de monopólio de fato da possibilidade de recurso ao armamento nuclear.
FMG: Inclusive, pelas últimas manifestações de Hillary e do próprio Obama, eles querem também o monopólio da tecnologia, e não apenas das armas.
Losurdo: Sim. Claro, procuram manter o monopólio da tecnologia. No entanto, aqui, ao contrário, creio que acertam menos. Sobre a tecnologia militar tem uma grande vantagem, sobre a tecnologia enquanto tal a vantagem é mais reduzida porque a China está dando enormes passos adiante. Acredito que a mudança que se desenvolveu a partir da política de abertura de Deng Xiaoping pode ser recuperada deste modo. Pode ser recuperada como um provérbio chinês que diz que às vezes existem situações em que há uma única base, mas na realidade nessa base duas pessoas têm sonhos diferentes, radicalmente diferentes.
Claro, os Estados Unidos, no momento de abertura da China, pensavam que poderiam transformá-la em uma reserva de mão-de-obra a baixo custo, e em um mercado desaguadouro para as mercadorias norte-americanas. ou pelo menos para as mercadorias tecnologicamente mais sofisticadas.
Enquanto, ao contrário, os dirigentes chineses desde o início pensaram essa política de abertura como uma tentativa de equilibrar o desenvolvimento não apenas econômico, mas também tecnológico da China, rompendo o monopólio tecnológico ocidental. Creio que, fundamentalmente, até agora a China está chegando a conseguir esse objetivo. Mais complicada a situação no que diz respeito à tecnologia militar, na qual os Estados Unidos têm uma vantagem que é mais difícil de superar.
FMG: Certa ocasião o senhor disse que a tecnologia é a mãe de todas as desigualdades. O senhor estava analisando o embargo de armas da União Europeia para a China por imposição norte-americana. O senhor acha que esta pode ser uma vertente de conflito entre China e Estados Unidos?
Losurdo: A possibilidade de conflito entre China e Estados Unidos é real. É inútil disfarçar que existe essa possibilidade e os Estados Unidos estão se preparando de modo diligente. China e Estados Unidos estão se preparando de maneira radicalmente diferente. Os Estados Unidos em consequência sacrificam o desenvolvimento econômico por causa do desenvolvimento militar. Basta dizer a propósito que apesar da crise continuam a cobrir os 50% do orçamento militar mundial.
A China, ao contrário, se prepara com mentalidade radicalmente diferente, no sentido de que equilibra constantemente o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento tecnológico civil, mas julga que esse desenvolvimento tecnológico tem também recorrências militares. Choques indiretos são sempre mais custosos para os Estados Unidos.
FMG: Comente um pouco, por favor, o desfecho da Segunda Guerra Mundial.
Losurdo: O final da Segunda Guerra Mundial produziu um resultado fundamental. Hitler não nasce do nada e acreditava retomar e radicalizar a tradição colonial. E acreditava radicalizar a tradição colonial a ponto de querer constituir na Europa oriental um império colonial de características continentais. E, por isso, Hitler, por repetidas vezes, declara querer construir na Europa oriental as Índias alemãs, assim ele se exprime. Ou, explicitamente, compara a Europa oriental ao faroeste norte-americano. Como a raça branca – dizia Hitler – se expandiu no faroeste exterminando, ou dizimando, os índios e norte-americanizando o território, também o império alemão na Europa oriental se desenvolveria reduzindo a população eslava.
Claro, em Stalingrado e depois, com a derrota final, o III Reich foi obrigado a renunciar a esse projeto. E digo que isso deu impulso a um gigantesco processo de descolonização, que se desenvolveu após a Segunda Guerra Mundial. A derrota do projeto das Índias alemãs na Europa oriental de repente aplainou o caminho para a independência das Índias alemãs propriamente. Pensem: na Ásia, as Filipinas, ao longo da Segunda Guerra Mundial, ainda era uma colônia norte-americana. A Indonésia colônia holandesa. E assim por diante.
Então, a pergunta que podemos fazer aqui é esta: se os anos 1900 foram o da luta de emancipação dos povos colonizados, o que é o século XXI? Essas lutas de emancipação dos povos colonizados acabaram neste século? Ou ainda continuam? Sustento que continuam ainda. Em alguns casos, essa luta anticolonialista manifesta-se no modo clássico porque o colonialismo se manifesta de modo clássico.
Pensem na Palestina. Claro, ali efetivamente o colonialismo se manifesta de modo clássico. Temos a expansão das colônias israelenses e os palestinos são expropriados de suas terras e forçados a imigrar. Mas, ao contrário, em outra situação a luta anticolonial se manifesta de maneira diferente. Isso tinham entendido duas grandes personalidades, entre si muito diferentes. Uma é Mao Tse tung que, às vésperas da conquista do poder, antes ainda de outubro de 1949, disse: Os EUA queriam que a China continuasse a depender da farinha norte-americana, de modo que a China continue a ser uma colônia mesmo depois de sua conquista formal da independência.
Outra grande personalidade, completamente diferente, é, para mim, Franz Fanon. Ele foi o grande teórico da revolução argelina e, em 1961, quando ele publica seu livro Os condenados da Terra, escreve: A atitude das potências coloniais dominantes pode ser descrita deste modo: é como se as potências coloniais voltassem aos povos em luta por independência com esse discurso: querem a independência? Peguem-na e depois morram de fome.
Ou seja, essas duas personalidades entre si tão diferentes compreenderam que uma revolução anticolonial não pode ser realmente vitoriosa se, após a vitória militar, não procura consolidar a independência por meio do desenvolvimento econômico. E, então, devemos dizer que em países como China, Vietnã – naturalmente, vale para Cuba, mas vale também para países que, na América Latina, estão se rebelando contra a Doutrina Monroe – devemos saber ver essa luta pelo desenvolvimento econômico como a continuação, nas novas condições, da luta anticolonialista.
Essa é uma tese que sustento fortemente. E a esquerda ocidental que olha com idoneidade, ou absolutamente com desprezo, a China, Vietnã e os países da América Latina, na realidade, demonstra um verdadeiro primitivismo que entende a luta anticolonial apenas quando se manifesta no plano militar e não a entende, ao contrário, quando se manifesta também no plano econômico.
Por exemplo, não sei se vocês conhecem o livro de Antonio Negri, Império. Há um trecho que, para mim, é iluminado: nós – ele – expressamos solidariedade ao povo palestino, mas essa simpatia acabará imediatamente no mesmo dia em que o povo palestino se constituir como Estado nacional. O que isso significa? Negri diz ao povo palestino: Eu terei simpatia em relação a ti somente até quando continue a ser vencido, humilhado e oprimido. O dia em que o povo palestino, nãoseja mais oprimido, conquistando o Estado nacional independente, não. E se compreende que se o povo chinês, o povo vietnamita, os povos da América Latina não estão na situação desesperada e trágica do povo palestino, por sorte esses povos não estão nessa situação desesperada e trágica, certa esquerda ocidental tem uma posição de desprezo, de hostilidade e de incompreensão profunda daquilo que está por vir. De fato, eles renegam a luta anticolonialista.
FMG: O senhor acha que a Itália vai tirar a copa do mundo do Brasil? (Risos)
Losurdo: O Brasil pelo menos no plano artístico é uma grande superpotência.
Fonte: Portal da Fundação Maurício Grabois
Lula, imprensa neutra e diversidade informativa
O que é realmente uma imprensa livre? A que temos no Brasil é prisioneira do poder econômico, controlado pelas classes endinheiradas. Rigorosamente aprisionada dos preconceitos e visões destas classes. Imprensa livre de quem, então? A preferência dos barões da mídia é escandalosa. Há uma unanimidade contra a candidata de Lula. Exceção feita, nas revistas de circulação nacional, à Carta Capital. Exceção que também se verifica na chamada mídia alternativa, porém extremamente pulverizada e de escassa circulação nacional. Com todo o heroísmo que significa a sua sustentação. O artigo é de Beto Almeida.
Beto Almeida (*)
O tema da falta de neutralidade da imprensa voltou à baila nesta semana por iniciativa do presidente Lula. Quando ele pede que a imprensa seja neutra ou no mínimo diga que tem candidato, está levantando um problema real e verdadeiro. Mas, a solução para isto, está muito longe da simples decisão dos proprietários de veículos de converterem-se repentinamente a uma neutralidade ou a uma diversidade informativa que nunca praticaram historicamente. A solução caminha para o fortalecimento das mídias públicas e pela construção, no caso brasileiro, de um grande jornal popular e nacionalista. E para esta solução, o próprio presidente Lula poderia sim ser um grande aliado.
A reclamação de Lula foi feita em discurso na Convenção do PT que indicou oficialmente Dilma Roussef como candidata presidencial. Ele registrava o desequilíbrio que sente ao assistir pela televisão a cobertura jornalística da campanha eleitoral. Os tempos e o tratamento são obviamente diferenciados. A preferência dos barões da mídia é escandalosa. Há uma unanimidade contra a candidata de Lula. Exceção feita, nas revistas de circulação nacional, à Carta Capital. Exceção que também se verifica na chamada mídia alternativa, porém extremamente pulverizada e de escassa circulação nacional. Com todo o heroísmo que significa a sua sustentação.
No mesmo discurso Lula fala que “somos todos defensores da imprensa mais livre do mundo” e que não se incomoda com as críticas que recebe. Mas, o que é realmente uma imprensa livre? A que temos no Brasil é prisioneira do poder econômico, controlado pelas classes endinheiradas. Rigorosamente aprisionada dos preconceitos e visões destas classes. Imprensa livre de quem, então?
Mais adiante, no mesmo discurso, Lula fala que é preciso ficar atento e “mudar de canal”. Como mudar de canal? Para qual, se não há alternativas?!!
Neutralidade na imprensa do capital?
Aqui entramos no problema que reiteradamente, não apenas este escriba mas também outros mais qualificados, vem tratando de enfrentar, propondo a fundação de um programa público de estímulo da edição e leitura de jornais. Certamente, os barões da mídia, advertimos com antecipação, vão gritar escandalizados. Estatização da mídia!!! Dirão, alguns. Querem o dinheiro público para fazer política!!! Dirão outros.
Ué, mas isto não vem ocorrendo historicamente?! Como é que se sustenta, esta mesma mídia que ataca editorialmente a participação do estado em ramos essenciais da economia e da sociedade, entre os quais acrescentaria a obrigação de garantir informação diversificada e idônea aos cidadãos? Basta reflefir sobre a informação de que a maior empresa de comunicação do país recebe, apenas ela, mais de 60 por cento das bilionárias verbas públicas federais. Não faz muito tempo, a Revista Veja trazia, numa só edição, 14 páginas de publicidade da Petrobrás, um dos alvos prediletos do cada vez mais precário jornalismo do veículo.
O governo paga para apanhar
Que o governo paga para apanhar, pode ser uma conclusão. Verdadeira, mas não esgota o problema. Aliás, o governo até promoveu um critério novo e mais democrático para a distribuição de sua publicidade. Ainda assim, a grande massa de brasileiros não pode nem mudar de canal, nem pode ler jornal, já que continuamos com a quase unanimidade dos jornais de circulação mais relevantes aprisionados pelos empresários que praticam o desequilíbrio informativo, que estão muito longe da neutralidade sugerida por Lula - aliás, duvido que ela exista. E também não temos, como em outros países ou como já tivemos no passado, um jornal nacional de ampla circulação que refletisse o ponto de vista das classes populares e nacionalistas, que, afinal, existem na sociedade. Ou não? A tomar pela imprensa do capital hoje, parece que estes outros pontos de vista não existiriam. Paradoxo: estas conseguem eleger o presidente da república mas não conseguem construir um jornal que tenha a sua cara e os seus sonhos??
A experiência do jornal “Última Hora”
Já tivemos o Jornal “Última Hora”, nacionalista e popular. Uma página importantíssima na história da imprensa brasileira, tema já tocado aqui por este escriba e também pelo jornalista Laurindo Leal Filho. Tal como Lula hoje, Vargas também percebia que toda a imprensa se voltava contra o nacionalismo, condenava as leis trabalhistas e previdenciárias, hostilizava o salário mínimo, defendia os interesses das oligarquias e, sobretudo, do capital estrangeiro. O presidente Vargas comenta então o problema da desinformação crônica do país com o jornalista Samuel Wainer. E sugere: “Por que tu não montas um jornal?” O encorajamento veio de Vargas. Houve um empréstimo do Banco do Brasil e de outras instituições e nasceu o ‘Última Hora”. Hoje, o presidente Lula poderia ir além da reclamação e das críticas corretas que faz à esta imprensa desequilibrada e propor uma solução. Se disserem que é um absurdo que um presidente encoraje á formação de uma iniciativa deste porte, lembraremos as nebulosas condições em que foi criada a maior rede de televisão do Brasil, inclusive afrontando a lei, conforme demonstrou a histórica CPI do Grupo Time-Life. O encorajamento, digamos, veio de longe...
Aliás, a solução já vem sendo proposta reiteradas vezes por segmentos do movimento de democratização da comunicação. Tanto no Seminário “A imaginação a serviço do Brasil”, de julho de 2002, que preparou um programa específico entregue ao então candidato Lula, como também nos debates da Confecom e nos Congressos Nacionais de Jornalistas, muito embora nem todos os sindicatos a sustentem de modo militante. Clamam por Diploma!! Diploma!!!, mas onde este exército de jornalistas diplomados, espelidos pela indústria do canudo, irá trabalhar? Temos fatores soltos que necessitam ser coordenados. Temos um povo praticamente proibido da leitura. Nossos índices de leitura de jornal, segundo a UNESCO, perdem para os da Bolívia! Temos um exército de jornalistas e escritores talentosos desempregados, vítimas da propaganda enganosa que foi a explosão de faculdades de comunicação no país, prometendo emprego para todos. E temos uma indústria gráfica com 50 por cento de capacidade ociosa crônica. Gráficas paradas e um povo sem poder ler!!!
Esta solução trilha por uma Fundação para o Jornalismo Público. Muitos fundos de pensão de empresas públicas, altamente rentáveis aliás, poderiam associar-se a esta Fundação.
Hipocrisia
Quando os barões da mídia, fingindo-se escandalizados, reclamarem do uso de recursos públicos para um jornalismo de missão pública, que não é o deles, apresentaremos uma tabela com todos os monumentais recursos que durante décadas estas empresas de mídia drenaram do estado. E diremos que estamos apenas reivindicando isonomia. Por que o BNDES pode oferecer empréstimos para a Vale do Rio Doce, para grandes empresários e até poderosas empresas estrangeiras, ou para as empresas de comunicação já instaladas, e esta Fundação para um Jornalismo Público não pode também receber? Que a dívida que grandes empresas de mídia possuem com o INSS seja convertida em favor de um programa que edifique um programa público de leitura e edição de jornais no Brasil é algo ser examinado. E também denunciaremos a hipocrisia desta mídia que ataca o estado editorialmente, mas ante qualquer dificuldade de caixa bate exatamente às portas deste mesmo estado para o uso , sim, do dinheiro público. Elas não se transformaram nestes poderosos conglomerados por eficiência empresarial, mas, sobretudo, por irrigação privilegiada de recursos do estado para sua contabilidade privada!
Jornal popular, nacionalista, a baixo preço
O papel essencial desta Fundação é a de editar e distribuir nacionalmente um jornal de grande circulação, a preços populares, estabelecendo a diversidade informativa preconizada na Constituição. Não é livre uma imprensa aprisionada por uma única classe social poderosa que edita apenas seus desejos e sua vassalagem ante aos grandes interesses. Não esqueceremos jamais: esta mídia que aí está a atacar o fortalecimento das políticas públicas atuais, foi a mesma que atacou Vargas por criar a Petrobrás, chegando até mesmo a proclamar - pasmem - que no Brasil não havia petróleo! Nesta onda de recall das grandes empresas, bateu a inspiração para escrever artigo com o título “E o dia em que fizerem o recall da mídia?”. Quanta informação adulterada, defeituosa, falsificada!!! Será possível corrigir? Afinal, não estamos falando de um tapete, um pedal ou um cabo de freio....Estamos falando de informação, pedra preciosa para a cidadania!
A solução é construir, expandir e qualificar o campo da mídia pública. Mudanças mais audazes nos critérios de distribuição de publicidade oficial já ajudariam muito a reequilibrar o campo de mídia. Com o valor das 14 páginas de publicidade dadas exclusivamente à Veja, uma TV Comunitária se sustenta por vários anos!
Escola de Jornalismo
Além de editar um jornal, esta Fundação para o Jornalismo Público bem que poderia ter uma escola de jornalismo, pois a ideologia da notícia emanada pela imprensa comercial hoje já penetrou de tal modo nas escolas de comunicação que, em certos casos, parece uma cooptação informativo-cultural em torno de valores alheios e até mesmo antagônicos aos do povo brasileiro, dos que produzem e constroem este país. E jornalismo não é fábrica de sabão. Não é pecado sonhar em ter uma escola de jornalismo nesta Fundação sob a orientação de geniais jornalistas, como Mauro Santayanna, por exemplo, que trabalhou naquele valente Última Hora. E tantos outros. É preciso abrir uma página nova no jornalismo brasileiro, pensando nas próximas gerações. E também poderia instalar nesta Fundação uma editora especializada em temas que permitissem ao povo brasileiro ter acesso a livros de qualidade, a baixo custo, e, tematicamente, ajudando na superação das vulnerabilidades ideológicas, padrões de informação e de cultura que querem nos impingir alguns governos intervencionistas, pelos braços de suas ONGs, alardeando ambíguas e ardilosas bandeiras democráticas.
Se nasceu a TV Brasil, a EBC, em sintonia com inúmeras mudanças democráticas da comunicação em vários países da América Latina, por que não avançamos? Por que não ir além da constatação de que estamos padecendo de uma manipulação informativa clamorosa? Denunciar é rigorosamente necessário, tanto quanto apresentar caminhos a seguir. Na Argentina, existe o jornal Página 12 e o fortalecimento da TV e Rádio Públicas, além de uma nova lei de comunicação que proíbe o monopólio. Na Bolívia nasceu o jornal Câmbio e em 8 meses de vida já vende tanto quanto o mais antigo jornal do país, o La Razón, com 70 anos de vida. Na Venezuela, nasceu o jornal Correio do Orenoco, resgatando o jornal original de Simon Bolívar, no qual foi redator o general pernambucano Abreu e Lima, que lutou ao lado do Libertador. No México há o jornal La Jornada, uma espécie de cooperativa.
Já passou da hora do povo brasileiro dar um passo novo para fazer uma nova história do jornalismo. Se oferecemos ao mundo com engenhosidade e criatividade a mais bela festa popular do planeta, se já oferecemos ao mundo um Alberto Santos Dumont, se já lançamos ao mundo um Paulo Freire, um Josué de Castro, um Oscar Niemeyer e uma música de inventividade admirável, por que não podemos pretender criar um outro caminho para um jornalismo tal como previsto na Constituição: humanista, diversificado, plural, respeitando os mais elevados valores da nação, sua diversidade cultural e coibindo o daninho processo de concentração midiática?
Para os que temem nesta proposta alguma nostalgia guttemberguiana, nada disso: o povo brasileiro pode, finalmente, entrar na Era de Guttemberg e, simultamentemente, fazer este jornalismo espalhar-se pelo digital, sobretudo agora que a Telebrás pública irá cuidar de democratizar a banda larga. Mas, é preciso fazer jornalismo, o velho e bom jornalismo, de Jack London, de John Reed, do Barão de Itararé, de Barbosa Lima Sobrinho e do jornalista negro e socialista Gustavo de lacerda, fundador da ABI.
E bem que o presidente Lula, deixando a presidência, pode ser uma espécie de presidente de honra desta Fundação para um Jornalismo Público
(*) Beto Almeida é Jornalista, Diretor da Telesur
(**) Trecho de discurso do presidente Lula
"Eu estava vendo um certo canal de televisão: a Dilma deve ter aparecido uns 30 segundos, e o adversário apareceu seis vezes em quase seis minutos. É importante a gente começar a ficar esperto, a olhar e começar a ver qual o tratamento vai ser dado - disse, sendo interrompido por aplausos. - Todos somos defensores da imprensa mais livre do mundo. A imprensa muitas vezes cansa de falar mal de mim, e eu acho que faz parte da democracia. Agora, quando se trata de campanha, é preciso que a imprensa seja neutra ou, no mínimo, diga que tem candidato, porque aí nós vamos mudar de canal para ver o canal da nossa candidata e não o do candidato deles".
Beto Almeida (*)
O tema da falta de neutralidade da imprensa voltou à baila nesta semana por iniciativa do presidente Lula. Quando ele pede que a imprensa seja neutra ou no mínimo diga que tem candidato, está levantando um problema real e verdadeiro. Mas, a solução para isto, está muito longe da simples decisão dos proprietários de veículos de converterem-se repentinamente a uma neutralidade ou a uma diversidade informativa que nunca praticaram historicamente. A solução caminha para o fortalecimento das mídias públicas e pela construção, no caso brasileiro, de um grande jornal popular e nacionalista. E para esta solução, o próprio presidente Lula poderia sim ser um grande aliado.
A reclamação de Lula foi feita em discurso na Convenção do PT que indicou oficialmente Dilma Roussef como candidata presidencial. Ele registrava o desequilíbrio que sente ao assistir pela televisão a cobertura jornalística da campanha eleitoral. Os tempos e o tratamento são obviamente diferenciados. A preferência dos barões da mídia é escandalosa. Há uma unanimidade contra a candidata de Lula. Exceção feita, nas revistas de circulação nacional, à Carta Capital. Exceção que também se verifica na chamada mídia alternativa, porém extremamente pulverizada e de escassa circulação nacional. Com todo o heroísmo que significa a sua sustentação.
No mesmo discurso Lula fala que “somos todos defensores da imprensa mais livre do mundo” e que não se incomoda com as críticas que recebe. Mas, o que é realmente uma imprensa livre? A que temos no Brasil é prisioneira do poder econômico, controlado pelas classes endinheiradas. Rigorosamente aprisionada dos preconceitos e visões destas classes. Imprensa livre de quem, então?
Mais adiante, no mesmo discurso, Lula fala que é preciso ficar atento e “mudar de canal”. Como mudar de canal? Para qual, se não há alternativas?!!
Neutralidade na imprensa do capital?
Aqui entramos no problema que reiteradamente, não apenas este escriba mas também outros mais qualificados, vem tratando de enfrentar, propondo a fundação de um programa público de estímulo da edição e leitura de jornais. Certamente, os barões da mídia, advertimos com antecipação, vão gritar escandalizados. Estatização da mídia!!! Dirão, alguns. Querem o dinheiro público para fazer política!!! Dirão outros.
Ué, mas isto não vem ocorrendo historicamente?! Como é que se sustenta, esta mesma mídia que ataca editorialmente a participação do estado em ramos essenciais da economia e da sociedade, entre os quais acrescentaria a obrigação de garantir informação diversificada e idônea aos cidadãos? Basta reflefir sobre a informação de que a maior empresa de comunicação do país recebe, apenas ela, mais de 60 por cento das bilionárias verbas públicas federais. Não faz muito tempo, a Revista Veja trazia, numa só edição, 14 páginas de publicidade da Petrobrás, um dos alvos prediletos do cada vez mais precário jornalismo do veículo.
O governo paga para apanhar
Que o governo paga para apanhar, pode ser uma conclusão. Verdadeira, mas não esgota o problema. Aliás, o governo até promoveu um critério novo e mais democrático para a distribuição de sua publicidade. Ainda assim, a grande massa de brasileiros não pode nem mudar de canal, nem pode ler jornal, já que continuamos com a quase unanimidade dos jornais de circulação mais relevantes aprisionados pelos empresários que praticam o desequilíbrio informativo, que estão muito longe da neutralidade sugerida por Lula - aliás, duvido que ela exista. E também não temos, como em outros países ou como já tivemos no passado, um jornal nacional de ampla circulação que refletisse o ponto de vista das classes populares e nacionalistas, que, afinal, existem na sociedade. Ou não? A tomar pela imprensa do capital hoje, parece que estes outros pontos de vista não existiriam. Paradoxo: estas conseguem eleger o presidente da república mas não conseguem construir um jornal que tenha a sua cara e os seus sonhos??
A experiência do jornal “Última Hora”
Já tivemos o Jornal “Última Hora”, nacionalista e popular. Uma página importantíssima na história da imprensa brasileira, tema já tocado aqui por este escriba e também pelo jornalista Laurindo Leal Filho. Tal como Lula hoje, Vargas também percebia que toda a imprensa se voltava contra o nacionalismo, condenava as leis trabalhistas e previdenciárias, hostilizava o salário mínimo, defendia os interesses das oligarquias e, sobretudo, do capital estrangeiro. O presidente Vargas comenta então o problema da desinformação crônica do país com o jornalista Samuel Wainer. E sugere: “Por que tu não montas um jornal?” O encorajamento veio de Vargas. Houve um empréstimo do Banco do Brasil e de outras instituições e nasceu o ‘Última Hora”. Hoje, o presidente Lula poderia ir além da reclamação e das críticas corretas que faz à esta imprensa desequilibrada e propor uma solução. Se disserem que é um absurdo que um presidente encoraje á formação de uma iniciativa deste porte, lembraremos as nebulosas condições em que foi criada a maior rede de televisão do Brasil, inclusive afrontando a lei, conforme demonstrou a histórica CPI do Grupo Time-Life. O encorajamento, digamos, veio de longe...
Aliás, a solução já vem sendo proposta reiteradas vezes por segmentos do movimento de democratização da comunicação. Tanto no Seminário “A imaginação a serviço do Brasil”, de julho de 2002, que preparou um programa específico entregue ao então candidato Lula, como também nos debates da Confecom e nos Congressos Nacionais de Jornalistas, muito embora nem todos os sindicatos a sustentem de modo militante. Clamam por Diploma!! Diploma!!!, mas onde este exército de jornalistas diplomados, espelidos pela indústria do canudo, irá trabalhar? Temos fatores soltos que necessitam ser coordenados. Temos um povo praticamente proibido da leitura. Nossos índices de leitura de jornal, segundo a UNESCO, perdem para os da Bolívia! Temos um exército de jornalistas e escritores talentosos desempregados, vítimas da propaganda enganosa que foi a explosão de faculdades de comunicação no país, prometendo emprego para todos. E temos uma indústria gráfica com 50 por cento de capacidade ociosa crônica. Gráficas paradas e um povo sem poder ler!!!
Esta solução trilha por uma Fundação para o Jornalismo Público. Muitos fundos de pensão de empresas públicas, altamente rentáveis aliás, poderiam associar-se a esta Fundação.
Hipocrisia
Quando os barões da mídia, fingindo-se escandalizados, reclamarem do uso de recursos públicos para um jornalismo de missão pública, que não é o deles, apresentaremos uma tabela com todos os monumentais recursos que durante décadas estas empresas de mídia drenaram do estado. E diremos que estamos apenas reivindicando isonomia. Por que o BNDES pode oferecer empréstimos para a Vale do Rio Doce, para grandes empresários e até poderosas empresas estrangeiras, ou para as empresas de comunicação já instaladas, e esta Fundação para um Jornalismo Público não pode também receber? Que a dívida que grandes empresas de mídia possuem com o INSS seja convertida em favor de um programa que edifique um programa público de leitura e edição de jornais no Brasil é algo ser examinado. E também denunciaremos a hipocrisia desta mídia que ataca o estado editorialmente, mas ante qualquer dificuldade de caixa bate exatamente às portas deste mesmo estado para o uso , sim, do dinheiro público. Elas não se transformaram nestes poderosos conglomerados por eficiência empresarial, mas, sobretudo, por irrigação privilegiada de recursos do estado para sua contabilidade privada!
Jornal popular, nacionalista, a baixo preço
O papel essencial desta Fundação é a de editar e distribuir nacionalmente um jornal de grande circulação, a preços populares, estabelecendo a diversidade informativa preconizada na Constituição. Não é livre uma imprensa aprisionada por uma única classe social poderosa que edita apenas seus desejos e sua vassalagem ante aos grandes interesses. Não esqueceremos jamais: esta mídia que aí está a atacar o fortalecimento das políticas públicas atuais, foi a mesma que atacou Vargas por criar a Petrobrás, chegando até mesmo a proclamar - pasmem - que no Brasil não havia petróleo! Nesta onda de recall das grandes empresas, bateu a inspiração para escrever artigo com o título “E o dia em que fizerem o recall da mídia?”. Quanta informação adulterada, defeituosa, falsificada!!! Será possível corrigir? Afinal, não estamos falando de um tapete, um pedal ou um cabo de freio....Estamos falando de informação, pedra preciosa para a cidadania!
A solução é construir, expandir e qualificar o campo da mídia pública. Mudanças mais audazes nos critérios de distribuição de publicidade oficial já ajudariam muito a reequilibrar o campo de mídia. Com o valor das 14 páginas de publicidade dadas exclusivamente à Veja, uma TV Comunitária se sustenta por vários anos!
Escola de Jornalismo
Além de editar um jornal, esta Fundação para o Jornalismo Público bem que poderia ter uma escola de jornalismo, pois a ideologia da notícia emanada pela imprensa comercial hoje já penetrou de tal modo nas escolas de comunicação que, em certos casos, parece uma cooptação informativo-cultural em torno de valores alheios e até mesmo antagônicos aos do povo brasileiro, dos que produzem e constroem este país. E jornalismo não é fábrica de sabão. Não é pecado sonhar em ter uma escola de jornalismo nesta Fundação sob a orientação de geniais jornalistas, como Mauro Santayanna, por exemplo, que trabalhou naquele valente Última Hora. E tantos outros. É preciso abrir uma página nova no jornalismo brasileiro, pensando nas próximas gerações. E também poderia instalar nesta Fundação uma editora especializada em temas que permitissem ao povo brasileiro ter acesso a livros de qualidade, a baixo custo, e, tematicamente, ajudando na superação das vulnerabilidades ideológicas, padrões de informação e de cultura que querem nos impingir alguns governos intervencionistas, pelos braços de suas ONGs, alardeando ambíguas e ardilosas bandeiras democráticas.
Se nasceu a TV Brasil, a EBC, em sintonia com inúmeras mudanças democráticas da comunicação em vários países da América Latina, por que não avançamos? Por que não ir além da constatação de que estamos padecendo de uma manipulação informativa clamorosa? Denunciar é rigorosamente necessário, tanto quanto apresentar caminhos a seguir. Na Argentina, existe o jornal Página 12 e o fortalecimento da TV e Rádio Públicas, além de uma nova lei de comunicação que proíbe o monopólio. Na Bolívia nasceu o jornal Câmbio e em 8 meses de vida já vende tanto quanto o mais antigo jornal do país, o La Razón, com 70 anos de vida. Na Venezuela, nasceu o jornal Correio do Orenoco, resgatando o jornal original de Simon Bolívar, no qual foi redator o general pernambucano Abreu e Lima, que lutou ao lado do Libertador. No México há o jornal La Jornada, uma espécie de cooperativa.
Já passou da hora do povo brasileiro dar um passo novo para fazer uma nova história do jornalismo. Se oferecemos ao mundo com engenhosidade e criatividade a mais bela festa popular do planeta, se já oferecemos ao mundo um Alberto Santos Dumont, se já lançamos ao mundo um Paulo Freire, um Josué de Castro, um Oscar Niemeyer e uma música de inventividade admirável, por que não podemos pretender criar um outro caminho para um jornalismo tal como previsto na Constituição: humanista, diversificado, plural, respeitando os mais elevados valores da nação, sua diversidade cultural e coibindo o daninho processo de concentração midiática?
Para os que temem nesta proposta alguma nostalgia guttemberguiana, nada disso: o povo brasileiro pode, finalmente, entrar na Era de Guttemberg e, simultamentemente, fazer este jornalismo espalhar-se pelo digital, sobretudo agora que a Telebrás pública irá cuidar de democratizar a banda larga. Mas, é preciso fazer jornalismo, o velho e bom jornalismo, de Jack London, de John Reed, do Barão de Itararé, de Barbosa Lima Sobrinho e do jornalista negro e socialista Gustavo de lacerda, fundador da ABI.
E bem que o presidente Lula, deixando a presidência, pode ser uma espécie de presidente de honra desta Fundação para um Jornalismo Público
(*) Beto Almeida é Jornalista, Diretor da Telesur
(**) Trecho de discurso do presidente Lula
"Eu estava vendo um certo canal de televisão: a Dilma deve ter aparecido uns 30 segundos, e o adversário apareceu seis vezes em quase seis minutos. É importante a gente começar a ficar esperto, a olhar e começar a ver qual o tratamento vai ser dado - disse, sendo interrompido por aplausos. - Todos somos defensores da imprensa mais livre do mundo. A imprensa muitas vezes cansa de falar mal de mim, e eu acho que faz parte da democracia. Agora, quando se trata de campanha, é preciso que a imprensa seja neutra ou, no mínimo, diga que tem candidato, porque aí nós vamos mudar de canal para ver o canal da nossa candidata e não o do candidato deles".
Sem saída, José?
Gilson Caroni Filho
A sabedoria do senso comum já aprendeu que a pior imoralidade é condenar o povo, depois de séculos, a continuar a ser explorado, a não ter onde morar, o que comer, a viver em um estado de miséria e ignorância.
Gilson Caroni Filho, na Carta Maior
Para enfrentar a batalha por espaço político a partir das eleições de outubro, quando serão escolhidos, além do presidente, novos governadores, senadores e deputados, a direita brasileira, sem projetos ou discursos, ensaia a repetição de arrazoados desmentidos pela história recente. Não sabendo como fazer oposição a um governo que completa seu oitavo ano cercado por popularidade recorde, e sem idéia de como restabelecer o prestígio de seus mais ilustres quadros, ao tucanato restaram os factóides na imprensa e a esperança no ativismo judiciário.
Insistindo em ignorar que um novo paradigma econômico reclama um novo paradigma político, com um Estado forte, dotado de poder econômico e capacidade, para fazer cumprir as leis e regulamentações que estimulem o crescimento econômico com justiça social, sobra a José Serra a defesa de um “Estado musculoso que não se pareça com um lutador de sumô”. A direita, convenhamos, já foi bem mais feliz em metáforas.
O que o leitor lerá, até outubro, nas colunas da imprensa corporativa é tão previsível quanto a sucessão de dias e noites. O desequilíbrio do setor público será apresentado como resultante do modelo de intervenção do Estado na economia. O único problema é que, ao contrário da gestão neoliberal, não há qualquer evidência de exaustão macroeconômica. Na linha inversa do que afirma o credo conservador, o Estado não perdeu força como agente de desenvolvimento em uma economia complexa. Quem se mostrou um estorvo ao progresso, em razão de uma interferência caótica na vida das pessoas e das empresas, gerando privilégios para setores improdutivos, foi o mito do mercado como mecanismo capaz de regular-se a si mesmo.
Como repete incansavelmente o presidente Lula, a mudança na orientação da política econômica salvou o capitalismo brasileiro dele mesmo, democratizando seu funcionamento, a fim de sair de uma crise que parecia interminável. Manter as linhas mestras do atual governo corresponde a seguir o desafio a que se propôs Keynes, e ao qual devemos dar continuidade agora devido ao caráter cíclico das crises capitalistas.
Serra sabe que é herdeiro de um legado assustador. O governo ao qual se opõe foi capaz de ultrapassar o modelo supostamente modernizante e concentrador de rendas, herdado do consórcio liderado pelo PSDB, para uma etapa caracterizada pelo trinômio “crescimento-distribuição-participação”. Os critérios de escolha, em outubro, estão dados pelos êxitos obtidos pelo campo democrático-popular: retomada do desenvolvimento econômico e tomada de medidas voltadas para a redistribuição de renda e riqueza entre classes e regiões. Tudo isso realizado por atores políticos capazes de hierarquizar adequadamente as prioridades e de tratá-las dentro de um arcabouço de legalidade. Será de pouca valia argumentações que desconsiderem situações políticas novas e completamente distintas das que existiam em 2002.
A situação piora quando José Serra chama o Mercosul de farsa e ataca a ações diplomáticas levadas a cabo no atual governo. Fica claro que seu projeto de política externa seria guiado pela subalternidade aos desígnios estadunidenses e não pela realização mais plena da convivência internacional soberana. Só mesmo uma miopia conservadora, colonizada, de caráter quase religioso, pode justificar esse posicionamento.
Se a direita acredita ter alguma chance no terreno da moralidade abstrata, incorre em outro um equívoco colossal. Há algum tempo, com a inclusão crescente de amplos setores da população na esfera do consumo, o brasileiro compreendeu que toda a campanha contra o governo petista envolveu apenas um moralismo de fachada.
Sob o espetáculo midiático, a defesa de valores abstratos é feita por pessoas que sempre foram coniventes com a injustiça social. A pedagogia do cotidiano removeu argumentos que não passavam de cortina de fumaça para encobrir outros interesses. A sabedoria do senso comum já aprendeu que a pior imoralidade é condenar o povo, depois de séculos, a continuar a ser explorado, a não ter onde morar, o que comer, a viver em um estado de miséria e ignorância. E agora, José? Qual o próximo dossiê a ser apresentado como substituto a um projeto de país?
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil
A sabedoria do senso comum já aprendeu que a pior imoralidade é condenar o povo, depois de séculos, a continuar a ser explorado, a não ter onde morar, o que comer, a viver em um estado de miséria e ignorância.
Gilson Caroni Filho, na Carta Maior
Para enfrentar a batalha por espaço político a partir das eleições de outubro, quando serão escolhidos, além do presidente, novos governadores, senadores e deputados, a direita brasileira, sem projetos ou discursos, ensaia a repetição de arrazoados desmentidos pela história recente. Não sabendo como fazer oposição a um governo que completa seu oitavo ano cercado por popularidade recorde, e sem idéia de como restabelecer o prestígio de seus mais ilustres quadros, ao tucanato restaram os factóides na imprensa e a esperança no ativismo judiciário.
Insistindo em ignorar que um novo paradigma econômico reclama um novo paradigma político, com um Estado forte, dotado de poder econômico e capacidade, para fazer cumprir as leis e regulamentações que estimulem o crescimento econômico com justiça social, sobra a José Serra a defesa de um “Estado musculoso que não se pareça com um lutador de sumô”. A direita, convenhamos, já foi bem mais feliz em metáforas.
O que o leitor lerá, até outubro, nas colunas da imprensa corporativa é tão previsível quanto a sucessão de dias e noites. O desequilíbrio do setor público será apresentado como resultante do modelo de intervenção do Estado na economia. O único problema é que, ao contrário da gestão neoliberal, não há qualquer evidência de exaustão macroeconômica. Na linha inversa do que afirma o credo conservador, o Estado não perdeu força como agente de desenvolvimento em uma economia complexa. Quem se mostrou um estorvo ao progresso, em razão de uma interferência caótica na vida das pessoas e das empresas, gerando privilégios para setores improdutivos, foi o mito do mercado como mecanismo capaz de regular-se a si mesmo.
Como repete incansavelmente o presidente Lula, a mudança na orientação da política econômica salvou o capitalismo brasileiro dele mesmo, democratizando seu funcionamento, a fim de sair de uma crise que parecia interminável. Manter as linhas mestras do atual governo corresponde a seguir o desafio a que se propôs Keynes, e ao qual devemos dar continuidade agora devido ao caráter cíclico das crises capitalistas.
Serra sabe que é herdeiro de um legado assustador. O governo ao qual se opõe foi capaz de ultrapassar o modelo supostamente modernizante e concentrador de rendas, herdado do consórcio liderado pelo PSDB, para uma etapa caracterizada pelo trinômio “crescimento-distribuição-participação”. Os critérios de escolha, em outubro, estão dados pelos êxitos obtidos pelo campo democrático-popular: retomada do desenvolvimento econômico e tomada de medidas voltadas para a redistribuição de renda e riqueza entre classes e regiões. Tudo isso realizado por atores políticos capazes de hierarquizar adequadamente as prioridades e de tratá-las dentro de um arcabouço de legalidade. Será de pouca valia argumentações que desconsiderem situações políticas novas e completamente distintas das que existiam em 2002.
A situação piora quando José Serra chama o Mercosul de farsa e ataca a ações diplomáticas levadas a cabo no atual governo. Fica claro que seu projeto de política externa seria guiado pela subalternidade aos desígnios estadunidenses e não pela realização mais plena da convivência internacional soberana. Só mesmo uma miopia conservadora, colonizada, de caráter quase religioso, pode justificar esse posicionamento.
Se a direita acredita ter alguma chance no terreno da moralidade abstrata, incorre em outro um equívoco colossal. Há algum tempo, com a inclusão crescente de amplos setores da população na esfera do consumo, o brasileiro compreendeu que toda a campanha contra o governo petista envolveu apenas um moralismo de fachada.
Sob o espetáculo midiático, a defesa de valores abstratos é feita por pessoas que sempre foram coniventes com a injustiça social. A pedagogia do cotidiano removeu argumentos que não passavam de cortina de fumaça para encobrir outros interesses. A sabedoria do senso comum já aprendeu que a pior imoralidade é condenar o povo, depois de séculos, a continuar a ser explorado, a não ter onde morar, o que comer, a viver em um estado de miséria e ignorância. E agora, José? Qual o próximo dossiê a ser apresentado como substituto a um projeto de país?
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil
segunda-feira, junho 21, 2010
O risco Estados Unidos
Moniz Bandeira:
Irresponsabilidade fiscal, descontrole dos gastos públicos, elevados déficits orçamentários, déficit comercial, corrupção, inflação e estancamento econômico constituem alguns dos fatores fundamentais que levaram a Grécia à beira do default. As agências de classificação de risco - influenciadas por Wall Street — agravaram ainda mais a situação rebaixando a Grécia, favorecendo de propósito o ataque ao euro pelos que especulam com as moedas. Por Luiz Alberto Moniz Bandeira, na Carta Capital
Irresponsabilidade fiscal, descontrole dos gastos públicos, elevados déficits orçamentários, déficit comercial, corrupção, inflação e estancamento econômico constituem alguns dos fatores fundamentais que levaram a Grécia à beira do default. Com uma dívida pública, como percentual do PIB, da ordem de 124,5%, a maior da União Européia, e um déficit fiscal de 11,3% projetado para 2010 (o segundo maior, atrás da Irlanda, com 12,4%), ela enfrentava e enfrenta enormes dificuldades, assim como, em menor grau, outros países da região, sobretudo Irlanda, Portugal e Espanha. Porém, as agências de classificação de risco (mais de cem, todas sob a influência de Wall Street) agravaram ainda mais a situação, rebaixando a classificação de solvabilidade da Grécia, com o que favoreceram, propositadamente, o ataque ao euro pelos que especulam com as moedas, nas bolsas de valores.
A erupção da crise econômica e financeira, que abala a Grécia e ameaça a Irlanda, Portugal, Espanha e toda a Eurozona (16 dos 27 Estados-membros da União Européia e outros 9 não-membros da UE que adotam o euro), constituiu um desdobramento, a terceira etapa da crise econômica e financeira deflagrada nos Estados Unidos, com a explosão do mercado imobiliário, no primeiro semestre de 2007, quando grandes corretoras, como Merrill Lynch e Lehman Brothers, suspenderam a venda de colaterais, e em julho do mesmo ano, bancos europeus registraram prejuízos com contratos baseados em hipotecas sub-prime.
A inadimplência de devedores hipotecários provocou a débâcle, afetando empréstimos de empresas, cartões de crédito etc. Em seguida, setembro de 2008, a crise atingiu o setor bancário, com a bancarrota e a dissolução do Lehman Brothers, o quarto banco de investimento dos Estados Unidos, após 158 anos de atividade. E, finalmente, comprometeu e envolveu os próprios Estados nacionais. Levou a Islândia, cujos bancos mantinham negócios num valor três vezes maior do que o PIB do país, a uma virtual bancarrota, com reflexo sobre o Reino Unido, seu principal credor. E, em fins de 2009, manifestou-se na Grécia, ameaçando a estabilidade de toda a Eurozona, dado que vários países não cumpriram as metas do Tratado de Maastricht para a unificação monetária, entre as quais controle do déficit orçamentário (até 3% do PIB),do endividamento público (até 60% do PIB).
A situação configura-se ainda mais grave, porquanto a eventual desestabilização da Eurozona poderia provocar uma crise sistêmica, devido à promiscuidade dos bancos alemães, franceses e também americanos com os Estados nacionais e outros bancos, mediante dívidas cruzadas. Se a Grécia e/ou Portugal deixassem de pagar aos bancos, a crise propagar-se-ia e cresceria como bola de neve. Por exemplo, de acordo com o Bank for International Settlements, os bancos portugueses devem 86 bilhões de dólares aos bancos espanhóis, que, por sua vez, devem 238 bilhões a instituições alemães, 200 bilhões aos bancos franceses e cerca de 200 bilhões aos bancos americanos.
A concessão de cerca de 1 trilhão de dólares à Grécia, prometida pela União Européia e o Fundo Monetário Internacional, não visou a ajudá-la, mas a salvar os bancos alemães, franceses e os investidores americanos, que provêem mais de 500 bilhões de dólares de empréstimos de curto prazo aos bancos europeus, sobretudo aos das nações mais débeis, para financiar diariamente suas operações.
Esse endividamento dos Estados com os bancos e dos bancos com outros bancos evidencia que, não obstante os fatores nacionais, domésticos, a crise que se agravou na Grécia e ameaça contagiar toda a Eurozona também é, em outra dimensão, uma conseqüência direta da crise dos Estados Unidos, dado que o sistema capitalista, entrançado pelo mercado mundial e a divisão internacional do trabalho, constitui um todo, interdependente, e não uma simples soma de economias nacionais.
A alta do preço do petróleo e do ouro, no mercado mundial, bem como a elevada valorização do euro refletiram a profunda crise que deteriorava e deteriora a economia americana. A valorização do euro, em decorrência da queda do dólar, afetou, porém, países como a Grécia, Irlanda e Portugal, que não possuem moeda própria e, conseqüentemente, não podem promover a desvalorização cambial, para reduzir os salários, compensar a perda da competitividade de suas exportações, ajustar as finanças e equilibrar a conta-corrente do balanço de pagamentos.
Apesar da enorme assimetria, a grave situação econômica e financeira da Grécia e alguns outros Estados na União Européia é muito similar à dos Estados Unidos, cuja dívida externa líquida, em 31 de dezembro de 2009, era da ordem de 13,76 trilhões de dólares, do mesmo tamanho que o seu PIB, calculado em 14,26 trilhões em 2009, calculado conforme a capacidade de seus poder de compra. A dívida pública dos Estados Unidos, em maio de 2010, era de cerca de 12,9 trilhões, dos quais 8,41 trilhões em poder do público e 4,49 trilhões com os governos estrangeiros. Esse montante (12,9 trilhões de dólares) corresponde a cerca de 94% do PIB dos Estados Unidos, enquanto o da Eurozona é de 84%.
O problema fiscal nos Estados Unidos é extremamente grave. O antigo presidente do Federal Reserve (FED), Alan Greenspan, em outubro de 2009, declarou que não estava muito preocupado com a fraqueza do dólar, mas com os custos de longo prazo dos Estados Unidos, associado com a crescente elevação da dívida nacional, cuja relação se tornava progressivamente explosiva, como uma espiral, na qual o crescente pagamento dos juros aumentaria o déficit e a dívida, gerando novo aumento e assim por diante. O déficit do ano fiscal de 2009, terminado em 30 de setembro, mais do que triplicou o do ano anterior, atingindo montante recorde de 1,4 trilhão de dólares.
O presidente Barack Obama apresentou para o ano fiscal de 2010 um orçamento, com despesas de aproximadamente 3,5 trilhões e um déficit federal de 1,75 trilhão, o que significa que o governo americano terá de tomar empréstimos, aumentando a dívida pública, ou emitir mais dólares, uma vez que a poupança interna é insuficiente para atender aos seus gastos. Esse déficit fiscal se entrelaça com o crescente déficit comercial, que em 2009 representou mais de 40% (1,04 bilhão) do total do seu intercâmbio com outros países. E, nos primeiros três meses de 2010, continuou a crescer. Em março, o Departamento de Comércio anunciou um déficit de 40,4 bilhões, contra 39,4 bilhões em fevereiro.
A sustentabilidade dos déficits fiscal e comercial – denominados “déficits-gêmeos”, não porque sejam iguais, mas porque se inter-relacionam – depende de contínuo influxo de capitais estrangeiros, oriundos, sobretudo das inversões da China, comprando bônus do Tesouro dos Estados Unidos.
Efetivamente são os bancos centrais de outros países que financiam o déficit na conta-corrente dos Estados Unidos, da ordem de 380,1 bilhões de dólares em 2009, mais de 6% do PIB, déficit este que, no primeiro trimestre de 2010, saltou para 115,6 bilhões de dólares, contra 102.3 bilhões de dólares, no mesmo período de 2009, e recresce cerca de 2,35 bilhões de dólares por dia. Se o influxo de capitais do exterior cessar, o Tesouro dos Estados Unidos não terá recursos, no correr de 2010, para refinanciar 2 trilhões de sua dívida de curto prazo, da qual 44% estão em poder de países estrangeiros.
Os Estados Unidos ocupam o primeiro lugar na lista dos países com a maior dívida externa líquida do mundo (13,7 trilhões de dólares), seguido pelo Reino Unido (9,6 trilhões), Alemanha (5,2 trilhões), França (5 trilhões) e Países Baixos (2,4 trilhões). Trata-se, portanto, de uma superpotência devedora, virtualmente em bancarrota. Somente não chegou à beira da insolvência porque pode emitir o dólar, que é a moeda internacional de reserva.
Mas a tendência do dólar é de declínio, tanto que, após desvalorizar-se 40% entre 2002 e 2008 e fortalecer-se 20% em relação ao euro, entre março e dezembro de 2008, durante a crise financeira, voltou a cair 20%, entre março e dezembro de 2009, devido à preocupação no mercado com a dívida externa dos Estados Unidos. Sua revalorização, como conseqüência da crise na Grécia e do enfraquecimento econômico da Eurozona, é conjuntural. O dólar está estruturalmente debilitado pelos déficits fiscal e cambial e pela elevada dívida externa líquida dos Estados Unidos. A perspectiva é de que, mais dias menos dias, deixe a condição de única moeda internacional de reserva, apesar da China e de serem os Estados Unidos o centro do sistema capitalista mundial. E, quando isto ocorrer, os Estados Unidos terão enormes dificuldades de pagar suas contas, por meio de empréstimos de outros países.
Em agosto de 2007, David M. Walker, chefe do Government Accountability Office (GAO), órgão do Congresso americano encarregado da auditoria dos gastos do governo, advertiu que o país estava sobre uma “plataforma abrasante” (burning platform) de políticas e práticas insustentáveis, escassez crônica de recursos para a saúde, problemas de imigração e compromissos militares externos, que ameaçavam eclodir se medidas não fossem em breve adotadas. Previu aumentos “dramáticos” nos impostos, redução nos serviços do governo e a rejeição em larga escala dos bônus do Tesouro americano como instrumento de reserva pelos países estrangeiros. E apontou “notáveis semelhanças” entre os fatores que resultaram na queda do Império Romano e a situação dos Estados Unidos, devido ao declínio dos valores morais e da civilidade política, à confiança e à excessiva dispersão das Forças Armadas no exterior, bem como à irresponsabilidade fiscal do governo americano.
Menos de um ano depois, Paul Craig Roberts, ex-secretário-assistente do Departamento do Tesouro, no governo de Ronald Reagan (1981-1989), afirmou, em artigo intitulado “The Collapse of American Power” e publicado no Wall Street Journal, que a superpotência – os Estados Unidos – não estava em condições de financiar suas próprias operações domésticas, muito menos suas “injustificáveis” guerras, se não fosse a bondade dos estrangeiros, que lhe emprestam dinheiro sem perspectiva de receber o pagamento. De fato, os Estados Unidos só podem manter as guerras no Iraque e no Afeganistão, duas guerras perdidas, com o financiamento de outros países, principalmente China e Japão, que continuam a comprar bônus do Tesouro americano.
Joseph E. Stiglitz (Premio Nobel de Economia) estimou que o total dos custos dessas duas guerras estende-se de 2,7 trilhões de dólares, em termos estritamente orçamentários, a um total de custos econômicos da ordem de 5 trilhões de dólares. Não sem razão, The Economist, na edição de 27 de março 2008, publicou um artigo intitulado “Waiting for Armageddon”, no qual ressaltou que o aumento das corporações em bancarrota podia ser o sinal de que muito pior estava ainda por ocorrer. O pior que se pode esperar é default do próprio governo dos Estados Unidos, cujo sistema financeiro a China, com reservas em dólares de mais de 2,4 trilhões de dólares, tem condições de comprar.
Em tais circunstâncias, o default da Grécia, se ocorresse, não só abalaria toda a Eurozona. Também afetaria a estrutura econômica e financeira dos Estados Unidos, cuja política fiscal a longo-termo é insustentável. Mas o problema não decorre principalmente dos gastos com os serviços sociais e de saúde, como os conservadores republicanos e mesmo alguns democratas acusam. O câncer que corrói a economia americana é o militarismo, alimentado pelos profundos interesses do complexo industrial-militar, nos grandes negócios em que as grandes corporações e militares se associam, fomentando um clima de supostas ameaças, um ambiente de medo, com o propósito de compelir o Congresso a aprovar vultosos recursos para o Pentágono e outros órgãos vinculados à defesa.
A indústria bélica, com toda a cadeia produtiva, constitui outra bolha que, mais cedo ou mais tarde, vai explodir. O governo dos Estados Unidos, seja com o presidente Barack Obama ou seja quem o suceder, não terá recursos para subsidiá-la, eternamente, com a encomenda de armamentos pelo Pentágono, nem manter centenas de bases militares e milhares de tropas, em todas as regiões do mundo. Decerto, cortar esses gastos é muito difícil. Afetaria a economia de vários Estados americanos, localizadas, sobretudo, no sunbelt (Texas, Missouri, Florida, Maryland e Virginia), onde funcionam as indústrias de armamentos que empregam tecnologia intensiva de capital.
Em tais circunstâncias, em meio a propinas, suborno, pagamento de comissões aos que propiciam as encomendas, e contribuições para a campanha eleitoral dos partidos políticos, o complexo industrial-militar, com enorme peso econômico e político, exerce forte influência sobre o Congresso americano e sobre toda a mídia, principalmente nas redes de televisão. Porém, o incomparável poderio militar dos Estados Unidos tem limites econômicos. Irresponsabilidade fiscal, descontrole dos gastos públicos, altos déficits orçamentários, contínuo déficit na balança comercial, elevado endividamento externo, corrupção inerente ao conluio entre indústria bélica e o Pentágono, representado pelo complexo industrial-militar, recessão — fatores similares aos que produziram a crise da Grécia –- representam a maior ameaça e podem derrotar a superpotência. E essa extrema vulnerabilidade de sua economia, com possibilidade de insolvência, as agências de classificação de risco não apontam.
Do trem blindado a Brest-Litovsk (Ou as concessões do camarada Lênin)
Augusto C. Buonicore
Rumo à Estação Finlândia
Em fevereiro de 1917 Lênin ainda estava na Suíça. Foi ali que recebeu as primeiras notícias da eclosão da revolução democrática, que derrubou o tzar, e a constituição de um duplo poder: o do governo provisório e dos sovietes de soldados e operários. Existia muita confusão nas fileiras bolcheviques e era necessário voltar imediatamente para a Rússia revolucionária. Mas, as fronteiras estavam ocupadas pelas tropas da Entente (Inglaterra e França). Estes países não tinham o menor interesse no regresso dos bolcheviques exilados, que eram contra a guerra imperialista. O governo provisório russo defendia ardentemente a manutenção da aliança militar com a Entente e mantinha intacto o esforço de guerra iniciado em 1914.
Para Lênin, só havia uma saída: negociar com o governo imperialista alemão. Os alemães tinham interesse que Lênin e os bolcheviques voltassem e a tirassem a Rússia da guerra. Assim, poderiam concentrar suas tropas nos combates da frente ocidental. Lênin era, desde 1914, defensor do chamado derrotismo revolucionário e da necessidade de transformar a guerra imperialista em uma revolução popular. Os defensores desta tese na Alemanha estavam encarcerados, mas na Rússia deveriam ser incentivados, pensava o Kaiser Guilherme II.
Parvus que era membro da ala direita do Partido Social Democrata da Alemanha, e um dos mais ardentes defensores da guerra imperialista, convenceu o governo alemão da importância do envio dos bolcheviques à Rússia. O próprio Guilherme II ordenou que, se os revolucionários não pudessem entrar na Suécia, fossem autorizados a atravessar as linhas de guerra alemãs na própria frente oriental. Felizmente isto não foi necessário.
Quando Lênin recebeu a notícia que o alto comando havia concordado com a viagem, disse eufórico para sua esposa Krupskaia: "Vamos no primeiro comboio!". Alguns socialistas ficaram horrorizados com os planos de Lênin e tentaram dissuadi-lo. Recusavam-se a aceitar qualquer acordo com o alto comando alemão e a idéia de cruzar o território inimigo sob proteção militar. Lênin nem mesmo aceitou receber a delegação de descontentes. A situação não comportava qualquer concessão ao moralismo pequeno-burguês de verniz esquerdista.
Em 9 de abril Lênin, Krupskaia, e mais 19 bolcheviques, atravessaram o território alemão, rumo a Petrogrado. Foram transportados num trem blindado e guardado por oficiais alemães. Na noite do dia 16 de abril cruzaram a fronteira da Finlândia, que na ocasião pertencia a Rússia, e na mesma noite chegaram a Petrogrado. Os rumos da revolução russa começavam se ser decididos.
Iniciou-se a partir de então uma grande campanha internacional contra Lênin, dizendo que ele era um agente à serviço do governo alemão. Esta, por exemplo, foi a tônica das primeiras notícias sobre o líder revolucionário russo divulgadas no Brasil. O jornal O combate de 25 de julho de 1917, num artigo intitulado "Quem é Lênin?", afirmou: "O verdadeiro nome dele é Leão Ulianov e que ele pode ser considerado como chefe da espionagem alemã na Rússia, tendo gasto nos últimos meses vários milhões de rublos (...) Lênin é considerado um criminoso de alta traição." O jornal A Noite na mesma linha de desinformação estampou em suas páginas: "foi assassinado em Petrogrado (...) o socialista Lênin, apontado como agente alemão e que fazia propaganda à favor da paz.".
Astrojildo Pereira, um dos fundadores do PC do Brasil, comentando as notícias da imprensa burguesa da época, escreveu: "E assim, o mundo inteiro, guiado pelo que diz a imprensa moderna, está absolutamente convencido de que Lênin é, de fato, um traidor da pior espécie, fomentador de desordem que se aproveitam os inimigos da Rússia, miserável vendido ao ouro teutônico".
Lênin, de fato, fez um acordo com o governo alemão. Os dois, por motivos diferentes, tinham interesse de que os principais líderes bolcheviques voltassem para o centro da luta revolucionária na Rússia. O imperialismo alemão estava interessado na derrubada (ou na desestabilização) do governo pró-entente. Lênin estava interessado em conduzir a Rússia pela senda da revolução socialista. Neste momento os interesses contraditórios se cruzaram e Lênin soube tirar proveito da situação. No final das contas, o acordo acabou sendo amplamente favorável à revolução e ao socialismo no mundo. Só os tolos, ou moralistas pequenos burgueses, poderiam se negar a subir no trem blindado alemão rumo a estação Finlândia. Os acordos e compromissos dos bolcheviques com o alto comando do imperialismo alemão foram necessários e não parariam ali.
O Tratado de Brest-Litovsk
Em 7 novembro de 1917 os bolcheviques, liderados por Lênin, tomaram o poder na Rússia. No mesmo dia o novo governo anunciou o famoso Decreto sobre a Paz. Nele se dizia: "O governo (...) propõe a todos os povos beligerantes e aos seus governos o início de conversações imediatas com vista a uma paz, justa e democrática". Dez dias depois o governo alemão transmitiu ao governo soviético o seu interesse de entabular negociações de paz. Assim, na cidade de Brest-Litovsk, se reuniram os representantes da Rússia soviética e da Alemanha.
Os russos desejavam uma paz sem anexações e os alemães não a aceitaram e exigiram a entrega de 215 mil km2 do território e uma indenização de 3000 milhões de rubros em ouro. Lênin deu instruções claras para que a delegação soviética procurasse ganhar tempo, mas, caso se estabelecesse um impasse assinasse o acordo de paz. Para ele, isso era essencial para salvar a revolução socialista. Trotsky não seguiu as instruções e recusou-se a assinar o acordo. Lênin escreveu: "Todo aquele que for contra a paz imediata, ainda que seja extremamente penosa, trabalha para perda do poder dos sovietes."
Aproveitando-se dos erros de Trotsky, em 18 de fevereiro, os exércitos alemães iniciaram uma ofensiva relâmpago. Os alemães ocuparam a Ucrânia, a Lituânia, a Estônia, a Finlândia e chegaram perto de Petrogrado, a capital da revolução. Nas suas mãos cairam mais de 400 mil km2 do território russo e uma população de mais de 55 milhões de pessoas. Nestas regiões se encontravam 90% da reserva de combustível e 45% da produção de trigo.
O poder soviético teve que retomar as negociações em piores condições e governo alemão apresentou novas e maiores exigências para assinar o acordo de paz. Entre outras coisas, exigiu a entrega de todos os territórios ocupados e mais o pagamento de uma pesada indenização. A maioria dos bolcheviques e dos social-revolucionários - com apoio da direita russa - recusou a proposta.
Em 24 de fevereiro o comitê do Partido Bolchevique em Moscou chegou a aprovar, por unanimidade, uma moção que expressava sua "desconfiança com o Comitê Central em virtude de sua política de concessões" e, por isso, não se veria "absolutamente obrigado a se submeter às determinações daquele Comitê" O documento concluía afirmando: "No interesse da revolução mundial, consideramos aconselhável arriscar uma possível destruição do governo soviético." Lênin respondeu que a derrota da revolução russa em nada ajudaria o proletariado mundial, pelo contrário ajudaria apenas ao imperialismo e a burguesia internacional.
Bukharin defendeu que devia se levar a guerra revolucionária ao o território alemão. Lênin considerou a proposta idealista, pois não correspondia a correlação de forças real, e defendeu a assinatura imediata do acordo, apesar das condições humilhantes impostas pelos alemães. Era preciso manobrar, era preciso recuar para salvar a revolução.
Uma pesquisa entre os principais sovietes constatou que havia uma grande resistência ao acordo de paz, sob as condições impostas. Buscando impedir o processo de paz, os social-revolucionários de esquerda assassinaram o embaixador alemão e planejaram atentados contra várias autoridades soviéticas. Instalou-se um clima de rebelião contra a proposta de Lênin. Mas, ele estava convicto da justeza de suas posições.
Alguns anos mais tarde, sistematizando a experiência dos bolcheviques, ele afirmou que os partidos revolucionários deveriam completar sua instrução aprendendo também a recuar. "E se os bolcheviques conseguiram tal resultado (vencer a contra-revolução) foi exclusivamente porque desmascararam impiedosamente os revolucionários de boca, obstinados em não compreender que é necessário recuar, que é preciso saber recuar."
A superioridade alemã, e os riscos representados para revolução, ficaram tão evidentes que a proposta de Lênin acabou sendo aprovada pelo Partido Bolchevique e, em 3 de março de 1918, foi assinado o acordo de paz. Para a imprensa burguesa, ligada a Entente, esta era a prova definitiva de que Lênin era realmente um agente alemão. Esta idéia foi amplamente divulgada no interior da Rússia pelos social-revolucionários, mencheviques e outras correntes contra-revolucionárias. Os social-revolucionários de esquerda, que ainda possuíam base de massas, romperam com o governo soviético e passaram para o campo da oposição. Poucos meses depois, em 30 de agosto, organizaram um atentado terrorista contra o próprio Lênin.
Durante processo de paz de Brest-Litovsk, Lênin foi obrigado a estabelecer um compromisso com alto comando militar alemão. Um compromisso extremamente desfavorável à Rússia, mas necessário para salvar a revolução que estava prestes a ser derrotada no campo militar. Novamente, os esquerdistas e os moralistas de toda ordem se levantaram contra ele, acusando-o de não ter princípios e de estabelecer acordos e compromissos inaceitáveis com os inimigos do socialismo. "Preferimos que a revolução morra do que aceitar acordos com o imperialismo", afirmavam eles. Não tinham consciência que esta posição, aparentemente radical, representava um acordo implícito, de longo termo, com os interesses dos piores inimigos dos trabalhadores. Para Lênin, nenhum princípio poderia ser sustentado sob o cadáver da revolução socialista russa. No livro Esquerdismo, doença infantil do comunismo (1921), voltou a justificar sua posição: "A paz de Brest-Litovsk era ao seu ver (dos esquerdistas) um compromisso com os imperialistas e, portanto, inadmissível por princípio (...) Era, efetivamente, um compromisso com os imperialistas, mas era exatamente isso que as circunstâncias tornava obrigatório".
A vitória da revolução socialista na Rússia animou o proletariado alemão que, em 1918, pôs abaixo a monarquia e o império dos junkers. Em alguns anos, o exército vermelho recuperou a quase totalidade das regiões cedidas no acordo de Brest-Litovsk. A história mostrou que as difíceis concessões feitas por Lênin, que levantaram contra ele a maioria das forças esquerdistas, mostraram-se fundamentalmente corretas. Na maioria das vezes, em situações de crise, as concessões não podem ser compreendidas imediatamente pelos doutrinários e imediatistas. Elas só podem ser compreendidas plenamente no transcorrer de um período histórico mais ou menos longo. Como cansou de afirmar Lênin, somente os dirigentes marxistas experientes possuem esta capacidade de firmar compromissos complexos e sabem retirar suas tropas, organizadamente, quando a situação assim o exige. Foi esta sagacidade política que fez de Lênin o maior estrategista do proletariado revolucionário no século XX.
* Augusto César Buonicore, Historiador e membro do Comitê Central do PCdoB
Rumo à Estação Finlândia
Em fevereiro de 1917 Lênin ainda estava na Suíça. Foi ali que recebeu as primeiras notícias da eclosão da revolução democrática, que derrubou o tzar, e a constituição de um duplo poder: o do governo provisório e dos sovietes de soldados e operários. Existia muita confusão nas fileiras bolcheviques e era necessário voltar imediatamente para a Rússia revolucionária. Mas, as fronteiras estavam ocupadas pelas tropas da Entente (Inglaterra e França). Estes países não tinham o menor interesse no regresso dos bolcheviques exilados, que eram contra a guerra imperialista. O governo provisório russo defendia ardentemente a manutenção da aliança militar com a Entente e mantinha intacto o esforço de guerra iniciado em 1914.
Para Lênin, só havia uma saída: negociar com o governo imperialista alemão. Os alemães tinham interesse que Lênin e os bolcheviques voltassem e a tirassem a Rússia da guerra. Assim, poderiam concentrar suas tropas nos combates da frente ocidental. Lênin era, desde 1914, defensor do chamado derrotismo revolucionário e da necessidade de transformar a guerra imperialista em uma revolução popular. Os defensores desta tese na Alemanha estavam encarcerados, mas na Rússia deveriam ser incentivados, pensava o Kaiser Guilherme II.
Parvus que era membro da ala direita do Partido Social Democrata da Alemanha, e um dos mais ardentes defensores da guerra imperialista, convenceu o governo alemão da importância do envio dos bolcheviques à Rússia. O próprio Guilherme II ordenou que, se os revolucionários não pudessem entrar na Suécia, fossem autorizados a atravessar as linhas de guerra alemãs na própria frente oriental. Felizmente isto não foi necessário.
Quando Lênin recebeu a notícia que o alto comando havia concordado com a viagem, disse eufórico para sua esposa Krupskaia: "Vamos no primeiro comboio!". Alguns socialistas ficaram horrorizados com os planos de Lênin e tentaram dissuadi-lo. Recusavam-se a aceitar qualquer acordo com o alto comando alemão e a idéia de cruzar o território inimigo sob proteção militar. Lênin nem mesmo aceitou receber a delegação de descontentes. A situação não comportava qualquer concessão ao moralismo pequeno-burguês de verniz esquerdista.
Em 9 de abril Lênin, Krupskaia, e mais 19 bolcheviques, atravessaram o território alemão, rumo a Petrogrado. Foram transportados num trem blindado e guardado por oficiais alemães. Na noite do dia 16 de abril cruzaram a fronteira da Finlândia, que na ocasião pertencia a Rússia, e na mesma noite chegaram a Petrogrado. Os rumos da revolução russa começavam se ser decididos.
Iniciou-se a partir de então uma grande campanha internacional contra Lênin, dizendo que ele era um agente à serviço do governo alemão. Esta, por exemplo, foi a tônica das primeiras notícias sobre o líder revolucionário russo divulgadas no Brasil. O jornal O combate de 25 de julho de 1917, num artigo intitulado "Quem é Lênin?", afirmou: "O verdadeiro nome dele é Leão Ulianov e que ele pode ser considerado como chefe da espionagem alemã na Rússia, tendo gasto nos últimos meses vários milhões de rublos (...) Lênin é considerado um criminoso de alta traição." O jornal A Noite na mesma linha de desinformação estampou em suas páginas: "foi assassinado em Petrogrado (...) o socialista Lênin, apontado como agente alemão e que fazia propaganda à favor da paz.".
Astrojildo Pereira, um dos fundadores do PC do Brasil, comentando as notícias da imprensa burguesa da época, escreveu: "E assim, o mundo inteiro, guiado pelo que diz a imprensa moderna, está absolutamente convencido de que Lênin é, de fato, um traidor da pior espécie, fomentador de desordem que se aproveitam os inimigos da Rússia, miserável vendido ao ouro teutônico".
Lênin, de fato, fez um acordo com o governo alemão. Os dois, por motivos diferentes, tinham interesse de que os principais líderes bolcheviques voltassem para o centro da luta revolucionária na Rússia. O imperialismo alemão estava interessado na derrubada (ou na desestabilização) do governo pró-entente. Lênin estava interessado em conduzir a Rússia pela senda da revolução socialista. Neste momento os interesses contraditórios se cruzaram e Lênin soube tirar proveito da situação. No final das contas, o acordo acabou sendo amplamente favorável à revolução e ao socialismo no mundo. Só os tolos, ou moralistas pequenos burgueses, poderiam se negar a subir no trem blindado alemão rumo a estação Finlândia. Os acordos e compromissos dos bolcheviques com o alto comando do imperialismo alemão foram necessários e não parariam ali.
O Tratado de Brest-Litovsk
Em 7 novembro de 1917 os bolcheviques, liderados por Lênin, tomaram o poder na Rússia. No mesmo dia o novo governo anunciou o famoso Decreto sobre a Paz. Nele se dizia: "O governo (...) propõe a todos os povos beligerantes e aos seus governos o início de conversações imediatas com vista a uma paz, justa e democrática". Dez dias depois o governo alemão transmitiu ao governo soviético o seu interesse de entabular negociações de paz. Assim, na cidade de Brest-Litovsk, se reuniram os representantes da Rússia soviética e da Alemanha.
Os russos desejavam uma paz sem anexações e os alemães não a aceitaram e exigiram a entrega de 215 mil km2 do território e uma indenização de 3000 milhões de rubros em ouro. Lênin deu instruções claras para que a delegação soviética procurasse ganhar tempo, mas, caso se estabelecesse um impasse assinasse o acordo de paz. Para ele, isso era essencial para salvar a revolução socialista. Trotsky não seguiu as instruções e recusou-se a assinar o acordo. Lênin escreveu: "Todo aquele que for contra a paz imediata, ainda que seja extremamente penosa, trabalha para perda do poder dos sovietes."
Aproveitando-se dos erros de Trotsky, em 18 de fevereiro, os exércitos alemães iniciaram uma ofensiva relâmpago. Os alemães ocuparam a Ucrânia, a Lituânia, a Estônia, a Finlândia e chegaram perto de Petrogrado, a capital da revolução. Nas suas mãos cairam mais de 400 mil km2 do território russo e uma população de mais de 55 milhões de pessoas. Nestas regiões se encontravam 90% da reserva de combustível e 45% da produção de trigo.
O poder soviético teve que retomar as negociações em piores condições e governo alemão apresentou novas e maiores exigências para assinar o acordo de paz. Entre outras coisas, exigiu a entrega de todos os territórios ocupados e mais o pagamento de uma pesada indenização. A maioria dos bolcheviques e dos social-revolucionários - com apoio da direita russa - recusou a proposta.
Em 24 de fevereiro o comitê do Partido Bolchevique em Moscou chegou a aprovar, por unanimidade, uma moção que expressava sua "desconfiança com o Comitê Central em virtude de sua política de concessões" e, por isso, não se veria "absolutamente obrigado a se submeter às determinações daquele Comitê" O documento concluía afirmando: "No interesse da revolução mundial, consideramos aconselhável arriscar uma possível destruição do governo soviético." Lênin respondeu que a derrota da revolução russa em nada ajudaria o proletariado mundial, pelo contrário ajudaria apenas ao imperialismo e a burguesia internacional.
Bukharin defendeu que devia se levar a guerra revolucionária ao o território alemão. Lênin considerou a proposta idealista, pois não correspondia a correlação de forças real, e defendeu a assinatura imediata do acordo, apesar das condições humilhantes impostas pelos alemães. Era preciso manobrar, era preciso recuar para salvar a revolução.
Uma pesquisa entre os principais sovietes constatou que havia uma grande resistência ao acordo de paz, sob as condições impostas. Buscando impedir o processo de paz, os social-revolucionários de esquerda assassinaram o embaixador alemão e planejaram atentados contra várias autoridades soviéticas. Instalou-se um clima de rebelião contra a proposta de Lênin. Mas, ele estava convicto da justeza de suas posições.
Alguns anos mais tarde, sistematizando a experiência dos bolcheviques, ele afirmou que os partidos revolucionários deveriam completar sua instrução aprendendo também a recuar. "E se os bolcheviques conseguiram tal resultado (vencer a contra-revolução) foi exclusivamente porque desmascararam impiedosamente os revolucionários de boca, obstinados em não compreender que é necessário recuar, que é preciso saber recuar."
A superioridade alemã, e os riscos representados para revolução, ficaram tão evidentes que a proposta de Lênin acabou sendo aprovada pelo Partido Bolchevique e, em 3 de março de 1918, foi assinado o acordo de paz. Para a imprensa burguesa, ligada a Entente, esta era a prova definitiva de que Lênin era realmente um agente alemão. Esta idéia foi amplamente divulgada no interior da Rússia pelos social-revolucionários, mencheviques e outras correntes contra-revolucionárias. Os social-revolucionários de esquerda, que ainda possuíam base de massas, romperam com o governo soviético e passaram para o campo da oposição. Poucos meses depois, em 30 de agosto, organizaram um atentado terrorista contra o próprio Lênin.
Durante processo de paz de Brest-Litovsk, Lênin foi obrigado a estabelecer um compromisso com alto comando militar alemão. Um compromisso extremamente desfavorável à Rússia, mas necessário para salvar a revolução que estava prestes a ser derrotada no campo militar. Novamente, os esquerdistas e os moralistas de toda ordem se levantaram contra ele, acusando-o de não ter princípios e de estabelecer acordos e compromissos inaceitáveis com os inimigos do socialismo. "Preferimos que a revolução morra do que aceitar acordos com o imperialismo", afirmavam eles. Não tinham consciência que esta posição, aparentemente radical, representava um acordo implícito, de longo termo, com os interesses dos piores inimigos dos trabalhadores. Para Lênin, nenhum princípio poderia ser sustentado sob o cadáver da revolução socialista russa. No livro Esquerdismo, doença infantil do comunismo (1921), voltou a justificar sua posição: "A paz de Brest-Litovsk era ao seu ver (dos esquerdistas) um compromisso com os imperialistas e, portanto, inadmissível por princípio (...) Era, efetivamente, um compromisso com os imperialistas, mas era exatamente isso que as circunstâncias tornava obrigatório".
A vitória da revolução socialista na Rússia animou o proletariado alemão que, em 1918, pôs abaixo a monarquia e o império dos junkers. Em alguns anos, o exército vermelho recuperou a quase totalidade das regiões cedidas no acordo de Brest-Litovsk. A história mostrou que as difíceis concessões feitas por Lênin, que levantaram contra ele a maioria das forças esquerdistas, mostraram-se fundamentalmente corretas. Na maioria das vezes, em situações de crise, as concessões não podem ser compreendidas imediatamente pelos doutrinários e imediatistas. Elas só podem ser compreendidas plenamente no transcorrer de um período histórico mais ou menos longo. Como cansou de afirmar Lênin, somente os dirigentes marxistas experientes possuem esta capacidade de firmar compromissos complexos e sabem retirar suas tropas, organizadamente, quando a situação assim o exige. Foi esta sagacidade política que fez de Lênin o maior estrategista do proletariado revolucionário no século XX.
* Augusto César Buonicore, Historiador e membro do Comitê Central do PCdoB
domingo, junho 20, 2010
Presidente Lula e a nossa respeitabilidade internacional
Enquanto a nossa mídia colonizada e servil publica textos com o complexo de vira-lata, nosso país é respeitado internacionalmente, mas isso porque conquistou esse respeito. A sub-elite brasileira (porque não tem um projeto de nação) queria que o Brasil ficasse sempre na defensiva. Com nosso programa de nação o Brasil passa à ofensiva, mostrando ao mundo que aqui mora um povo forte e que tem orgulho de sua história.
quinta-feira, junho 17, 2010
Lula e Vargas na madrugada da partilha
Gilson Caroni Filho
Nascido da tradição da Filosofia da História, o tempo lento, linear e previsível não costuma dar espaço para que surjam agitações trazidas por “eventos” desconstrutores de representações sedimentadas No entanto, quando constelações específicas condensam a vida, restituindo sua dimensão dialética, estamos, sem dúvida, diante de atos ou fatos inaugurais quase sempre originados na esfera política.
Quando o Senado aprovou a capitalização da Petrobras em até US$ 60 bilhões, o que ampliará a dimensão estatal da empresa, e o regime de partilha, que garante a exploração soberana das jazidas do pré-sal, a história se tornou presente no espaço. Ignorando o intervalo de 57 anos, a madrugada fria de 10 de junho de 2010 trouxe de volta o tema do petróleo como questão de soberania. Das brumas de 3 de outubro de 1953, Vargas voltou a sancionar a Lei 2.004, recriando a Petrobras, com o restabelecimento do monopólio do Estado para exploração do nosso mais valioso recurso natural. Da névoa seca do Planalto, Lula retomou a campanha de O petróleo é nosso, reinventando Brasília como capital da consciência histórica.
A decisão do Congresso representa derrota para o projeto de Serra e das petroleiras internacionais que lutaram até o fim para adiar votação, na expectativa de uma reversão do quadro político nacional, após as eleições de outubro. O novo marco regulador garante à Petrobras o papel de operadora única de jazidas gigantescas que podem conter até 50 bilhões de barris, segundo a Agência Nacional de Petróleo. Com isso, a estatal brasileira terá, no mínimo, 30% dos novos campos, mas poderá receber do Estado 100% de novas áreas sem licitação.
O próximo passo é a criação da Petro-Sal, uma empresa que vai assegurar a hegemonia pública completa no gerenciamento dessa riqueza. É a pá de cal no sonho privatizante dos interesses aglutinados em torno da candidatura tucana. Foi aprovado, ainda, o Fundo Social formado pela capitalização de receitas e royalties vinculados a investimentos em educação, ciência, tecnologia, meio ambiente, combate à pobreza e à desigualdade.
Ao contrário do consórcio neoliberal que o antecedeu, o governo petista lega às gerações futuras um passaporte de emancipação social, em vez de dívidas, crise e alienação de patrimônio público.
É a reiteração de uma estratégia de desenvolvimento econômico e social que rompe com os padrões anteriores. Assistimos à implantação crescente de políticas industriais e tecnológicas voltadas para o parque produtivo brasileiro, respondendo aos desafios impostos pela conjuntura econômica internacional e às exigências de um sólido mercado interno. Se antes a ação econômica instrumentalizou a política, fazendo dela um meio de coerção para a maximização dos fins acumulativos, agora, após oito anos de governo democrático-popular, a institucionalidade democrática inverteu os termos da equação.
Antes mesmo que o sol nascesse, Lula, elegantemente, se despediu de Vargas. Quem assistiu à cena improvável, jura que o Angelus Novus, de Paul Klee, sorriu satisfeito. Nas suas costas não havia mais ruínas.
segunda-feira, junho 14, 2010
Serra, Bolívia e Irã: segurança para quem?
Ministério da Segurança? Esqueceu o passado Sr. Serra?
Enviado por Alberto Porem Junior, seg, 14/06/2010 - 14:45
Como avaliar a extensão e a profundidade da preocupação do ex-ministro José Serra para com a segurança nacional se, quando ministro de FHC, participou desta espantosa política de desarmamento unilateral que é como pode ser chamada a desnacionalização da Embratel e a entrega de informações militares e governamentais brasileiras para o controle de um consórcio internacional muito vinculado à indústria bélica? Quem criou o apagão satelital agora clama para segurança? O artigo é de Beto Almeida.
Beto Almeida - Jornalista - Carta Maior
O candidato presidencial pelo PSDB tem insistido na crítica à atual política externa brasileira, à proposta da integração latino-americana. Foca na Bolívia, sobretudo, acusando o presidente Evo Morales de conivência com o narcotráfico. E critica também o governo Lula-Dilma por não adotar medidas de segurança mais eficazes no combate ao tráfico de drogas.
Porém, lembramos algumas medidas adotadas no governo da dupla FHC-Serra que diluíram a níveis gravíssimos a capacidade do estado de praticar indispensáveis políticas de soberania. Tomemos a privatização da Embratel. Com ela, todas as comunicações governamentais e de segurança nacional, além da cobertura nacional das TVs, que passam pelos antigos Brasil-SAT da empresa, estão hoje sob controle de consórcio internacional. Basta uma ligeira modificação no posicionamento dos satélites, por sabotagem ou por erro técnico - atenção para a elasticidade do termo - para causar um apagão em todo o território nacional. A informação é importante para compreender que concepção de segurança o ex-ministro de FHC está a alardear hoje.
Muito recentemente, com a aprovação da nova Estratégia Nacional de Defesa, a preocupação de importantes segmentos militares com aquela extravagante vulnerabilidade externa criada pela privatização-desnacionalização da Embratel, está sendo resolvida pelo governo atual. Por iniciativa da Aeronáutica, já há o planejamento para um satélite brasileiro, geoestacionário, por onde trafegarão as comunicações militares e governamentais, hoje sob comando de consórcios vinculados a operações militares destinadas a sustentar o expansionismo dos interesses do EUA sobre o Iraque, o Afeganistão e, bola da vez, o Irã, todos riquíssimos em energia. Como sabemos, estas grandes empresas registram grande vinculação com a indústria bélica, fonte de todas suas encomendas.
Assim, cabe perguntar se serão diferentes os interesses e o modo de operação de mecanismos como a Embratel, por parte dos EUA, em relação a um país do porte e das riquezas estratégicas do Brasil, considerando a grande escassez energética do gigante norte-americano? Será que os EUA atuarão com pleno respeito às leis do mercado e também às leis internacionais, quando, num momento de tensão ficarem consignadas as grandes divergências que possui com o Brasil em matéria de política internacional, aliás, como assinalou a Secretária Hillary Clinton?
Há segurança com apagão satelital?
É diante deste quadro de complexidades crescentes - num mundo que cada vez mais comprova não ser o terreno para meigos - que por proposta do Brasil foi criado o Conselho de Defesa Sul-Americana. Detalhe fundamental: sem a presença dos EUA. Ato contínuo, os EUA revitalizaram a sua Quarta Frota. Como avaliar então a extensão e a profundidade da preocupação do ex-ministro José Serra para com a segurança nacional se, quando ministro de FHC, participou desta espantosa política de desarmamento unilateral que é como pode ser chamada a desnacionalização da Embratel e a entrega de informações militares e governamentais brasileiras para o controle de um consórcio internacional muito vinculado à indústria bélica? Quem criou o apagão satelital agora clama para segurança?
Vale lembrar que tanto a Venezuela, que já lançou o seu satélite próprio, Simon Bolívar, como a Bolívia, que está preparando o seu equipamento próprio, a partir de cooperação com a China, hoje uma potência espacial, sinalizam o quanto o Brasil terá andado na contra-mão na imprescindível caminhada de possuir um sistema soberano de informação. Aliás, vale lembrar que foi em 1961, a partir de visita do presidente João Goulart à China que nasce o interesse do Brasil pela exploração espacial. Muitos fatores intervieram, sobretudo intervenções externas, para atrasar ao máximo o lançamento oficial do Programa Espacial Brasileiro, apenas em 1979. Enquanto isso, comparemos, a China Popular foi do ábaco ao computador, foi do estágio agrícola a tornar-se uma potência espacial, lançando naves ao espaço sideral.
Por obra de valorosos brasileiros preservamos o Programa Espacial Brasileiro e, agora, com uma política inversa áquela praticada pela dupla FHC-Serra, o Brasil já está em condições de dedicar mais prioridade política e orçamentária a programas de desenvolvimento das novas possibiliades, aproveitando suas grandes vantagens comparativas, para buscar ingressar no seleto e fechado clube das super-potências espaciais. E também para reativar e fortalecer outro importante programa também relacionado à soberania nacional, o programa nuclear, que, há pouco, recebeu volume inédito de recursos por decisão de um presidente que quando criança, por pouco escapou da morte ao ser mordido por uma égua enfezada. Assim como escapou da pena de morte generalizada representada pela miséria que durante décadas executou implacavelmente crianças pobres nordestinas.
Esvaziamento ou inchaço?
Por falar em segurança também é importante lembrar por quanto tempo a Polícia Federal ficou sem realizar concursos públicos quando Serra era ministro, período em que o FBI passou a ter um módulo seu, dentro das instalações da DPF em Brasília, um edifício cujo acesso é vedado a policial brasileiro, conforme denunciou reiteradas vezes a revista Carta Capital em 2000 e 2001.
O Brasil, com quase 200 milhões de habitantes, tem nos quadros de sua Polícia Federal, cerca de 50 mil profissionais. Para se dimensionar o esvaziamento da máquina pública pelas políticas neoliberais, o Canadá, com pouco mais de 20 milhões de habitantes, tem na Polícia Federal um efetivo de 180 mil homens. Agora, registramos a retomada dos concursos públicos pela dupla Lula-Dilma, procedimento que é visto pela crítica neoliberal como inchaço da máquina....
É claro que não se pode pensar em segurança e defesa se não há controle de fronteiras, infra-estrutura moderna, incluindo meios de transporte e suas indústrias ferroviária e aeronáutica, ambas privatizadas e desnacionalizadas na década passada. E Forças Armadas de fato armadas.
Irã
Mas, como a crítica do candidato tucano alcançou o Irã, uma pequena nota divulgada hoje ajuda a jogar luzes seu posicionamento. Trata-se de uma advertência dos EUA ao Brasil, lembrando que as sanções impostas ao Irã incluem a proibição da venda de etanol à nação persa. Fica claro então que as sanções visam não apenas manter o monopólio da tecnologia nuclear em mãos das potências nucleares, como também prejudicar o relacionamento econômico do Irã com diversos países, incluindo o Brasil.
O ex-ministro da Saúde, no episódio, é colhido na posição contrária ao desenvolvimento tecnológico das nações emergentes no terreno nuclear. Posicionamento que, se hoje é contra o Irã, amanhã pode ser perfeitamente lançado contra o Brasil, já que há muitas insinuações de estranhos porta-vozes das grandes potências de que o Brasil também estaria pretendendo ter a sua bomba atômica. Não precisa ser verdade. Lançou-se devastadora agressão militar contra o Iraque com base em mentiras, hoje reconhecidas, de que aquela nação árabe possuía armas de destruição em massa.
Revisão necessária em curso
Só muito recentemente aquela política de desarmamento unilateral vem sendo revista com robustez. A Estratégia Nacional de Defesa, o reforço orçamentário ao Programa Nuclear Brasileiro, o apoio consistente ao Programa Espacial Brasileiro, a retomada dos concursos públicos para equipamento da Polícia Federal, a criação do Sistema de Rastreabilidade dos Medicamentos combatendo com tecnologia avançada o contrabando e a falsificação, a retomada da Telebrás Estatal, são algumas das medidas que apontam para esta revisão. Vale citar a regulamentação da lei do tiro de interceptação de naves que penetram ilegalmente as fronteiras brasileiras, nunca regulamentada no governo anterior, estimulando sua prática, já que os militares brasileiros nada podiam fazer além de constatar a ilegalidade.
Há a necessidade de muitas outras medidas. Mas, uma delas, é inescapável lembrar aqui, embora tenha sido apresentada durante da Conferência Nacional de Comunicação, sem ter tido o número de votos necessários à aprovação: a retomada do controle da Embratel para o estado brasileiro. Ou será admissível num mundo de tensas e complexas tensões, e de crescentes divergências do Brasil com os EUA, como nos advertiu Hillary Clinton, imaginar, candidamente, que mesmo em situações de impasse e de conflitos que envolvam a soberania nacional, os atuais donos da empresa, que controla informações governamentais e militares brasileiras, atuarão com lealdade e sinceridade ante os interesses nacionais?
Para os que desnacionalizaram a Embratel, entre eles o ex-ministro Serra, provavelmente sim. Eles o fizeram. Para a ex-ministra Dilma, que atuou intensamente para, a partir da Casa-Civil, dar sustentação e viabilidade á nova Estratégia Nacional de Defesa, possivelmente não. Não creio sejam estas diferenças secundárias entre os dois. E, certamente, ajudam a medir o alcance do discurso do candidato tucano quando aborda o tema segurança.
Publicado no
http://www.brasilianas.org/blog/alberto-porem-junior/ministerio-da-seguranca-esqueceu-o-passado-sr-serra#more
Enviado por Alberto Porem Junior, seg, 14/06/2010 - 14:45
Como avaliar a extensão e a profundidade da preocupação do ex-ministro José Serra para com a segurança nacional se, quando ministro de FHC, participou desta espantosa política de desarmamento unilateral que é como pode ser chamada a desnacionalização da Embratel e a entrega de informações militares e governamentais brasileiras para o controle de um consórcio internacional muito vinculado à indústria bélica? Quem criou o apagão satelital agora clama para segurança? O artigo é de Beto Almeida.
Beto Almeida - Jornalista - Carta Maior
O candidato presidencial pelo PSDB tem insistido na crítica à atual política externa brasileira, à proposta da integração latino-americana. Foca na Bolívia, sobretudo, acusando o presidente Evo Morales de conivência com o narcotráfico. E critica também o governo Lula-Dilma por não adotar medidas de segurança mais eficazes no combate ao tráfico de drogas.
Porém, lembramos algumas medidas adotadas no governo da dupla FHC-Serra que diluíram a níveis gravíssimos a capacidade do estado de praticar indispensáveis políticas de soberania. Tomemos a privatização da Embratel. Com ela, todas as comunicações governamentais e de segurança nacional, além da cobertura nacional das TVs, que passam pelos antigos Brasil-SAT da empresa, estão hoje sob controle de consórcio internacional. Basta uma ligeira modificação no posicionamento dos satélites, por sabotagem ou por erro técnico - atenção para a elasticidade do termo - para causar um apagão em todo o território nacional. A informação é importante para compreender que concepção de segurança o ex-ministro de FHC está a alardear hoje.
Muito recentemente, com a aprovação da nova Estratégia Nacional de Defesa, a preocupação de importantes segmentos militares com aquela extravagante vulnerabilidade externa criada pela privatização-desnacionalização da Embratel, está sendo resolvida pelo governo atual. Por iniciativa da Aeronáutica, já há o planejamento para um satélite brasileiro, geoestacionário, por onde trafegarão as comunicações militares e governamentais, hoje sob comando de consórcios vinculados a operações militares destinadas a sustentar o expansionismo dos interesses do EUA sobre o Iraque, o Afeganistão e, bola da vez, o Irã, todos riquíssimos em energia. Como sabemos, estas grandes empresas registram grande vinculação com a indústria bélica, fonte de todas suas encomendas.
Assim, cabe perguntar se serão diferentes os interesses e o modo de operação de mecanismos como a Embratel, por parte dos EUA, em relação a um país do porte e das riquezas estratégicas do Brasil, considerando a grande escassez energética do gigante norte-americano? Será que os EUA atuarão com pleno respeito às leis do mercado e também às leis internacionais, quando, num momento de tensão ficarem consignadas as grandes divergências que possui com o Brasil em matéria de política internacional, aliás, como assinalou a Secretária Hillary Clinton?
Há segurança com apagão satelital?
É diante deste quadro de complexidades crescentes - num mundo que cada vez mais comprova não ser o terreno para meigos - que por proposta do Brasil foi criado o Conselho de Defesa Sul-Americana. Detalhe fundamental: sem a presença dos EUA. Ato contínuo, os EUA revitalizaram a sua Quarta Frota. Como avaliar então a extensão e a profundidade da preocupação do ex-ministro José Serra para com a segurança nacional se, quando ministro de FHC, participou desta espantosa política de desarmamento unilateral que é como pode ser chamada a desnacionalização da Embratel e a entrega de informações militares e governamentais brasileiras para o controle de um consórcio internacional muito vinculado à indústria bélica? Quem criou o apagão satelital agora clama para segurança?
Vale lembrar que tanto a Venezuela, que já lançou o seu satélite próprio, Simon Bolívar, como a Bolívia, que está preparando o seu equipamento próprio, a partir de cooperação com a China, hoje uma potência espacial, sinalizam o quanto o Brasil terá andado na contra-mão na imprescindível caminhada de possuir um sistema soberano de informação. Aliás, vale lembrar que foi em 1961, a partir de visita do presidente João Goulart à China que nasce o interesse do Brasil pela exploração espacial. Muitos fatores intervieram, sobretudo intervenções externas, para atrasar ao máximo o lançamento oficial do Programa Espacial Brasileiro, apenas em 1979. Enquanto isso, comparemos, a China Popular foi do ábaco ao computador, foi do estágio agrícola a tornar-se uma potência espacial, lançando naves ao espaço sideral.
Por obra de valorosos brasileiros preservamos o Programa Espacial Brasileiro e, agora, com uma política inversa áquela praticada pela dupla FHC-Serra, o Brasil já está em condições de dedicar mais prioridade política e orçamentária a programas de desenvolvimento das novas possibiliades, aproveitando suas grandes vantagens comparativas, para buscar ingressar no seleto e fechado clube das super-potências espaciais. E também para reativar e fortalecer outro importante programa também relacionado à soberania nacional, o programa nuclear, que, há pouco, recebeu volume inédito de recursos por decisão de um presidente que quando criança, por pouco escapou da morte ao ser mordido por uma égua enfezada. Assim como escapou da pena de morte generalizada representada pela miséria que durante décadas executou implacavelmente crianças pobres nordestinas.
Esvaziamento ou inchaço?
Por falar em segurança também é importante lembrar por quanto tempo a Polícia Federal ficou sem realizar concursos públicos quando Serra era ministro, período em que o FBI passou a ter um módulo seu, dentro das instalações da DPF em Brasília, um edifício cujo acesso é vedado a policial brasileiro, conforme denunciou reiteradas vezes a revista Carta Capital em 2000 e 2001.
O Brasil, com quase 200 milhões de habitantes, tem nos quadros de sua Polícia Federal, cerca de 50 mil profissionais. Para se dimensionar o esvaziamento da máquina pública pelas políticas neoliberais, o Canadá, com pouco mais de 20 milhões de habitantes, tem na Polícia Federal um efetivo de 180 mil homens. Agora, registramos a retomada dos concursos públicos pela dupla Lula-Dilma, procedimento que é visto pela crítica neoliberal como inchaço da máquina....
É claro que não se pode pensar em segurança e defesa se não há controle de fronteiras, infra-estrutura moderna, incluindo meios de transporte e suas indústrias ferroviária e aeronáutica, ambas privatizadas e desnacionalizadas na década passada. E Forças Armadas de fato armadas.
Irã
Mas, como a crítica do candidato tucano alcançou o Irã, uma pequena nota divulgada hoje ajuda a jogar luzes seu posicionamento. Trata-se de uma advertência dos EUA ao Brasil, lembrando que as sanções impostas ao Irã incluem a proibição da venda de etanol à nação persa. Fica claro então que as sanções visam não apenas manter o monopólio da tecnologia nuclear em mãos das potências nucleares, como também prejudicar o relacionamento econômico do Irã com diversos países, incluindo o Brasil.
O ex-ministro da Saúde, no episódio, é colhido na posição contrária ao desenvolvimento tecnológico das nações emergentes no terreno nuclear. Posicionamento que, se hoje é contra o Irã, amanhã pode ser perfeitamente lançado contra o Brasil, já que há muitas insinuações de estranhos porta-vozes das grandes potências de que o Brasil também estaria pretendendo ter a sua bomba atômica. Não precisa ser verdade. Lançou-se devastadora agressão militar contra o Iraque com base em mentiras, hoje reconhecidas, de que aquela nação árabe possuía armas de destruição em massa.
Revisão necessária em curso
Só muito recentemente aquela política de desarmamento unilateral vem sendo revista com robustez. A Estratégia Nacional de Defesa, o reforço orçamentário ao Programa Nuclear Brasileiro, o apoio consistente ao Programa Espacial Brasileiro, a retomada dos concursos públicos para equipamento da Polícia Federal, a criação do Sistema de Rastreabilidade dos Medicamentos combatendo com tecnologia avançada o contrabando e a falsificação, a retomada da Telebrás Estatal, são algumas das medidas que apontam para esta revisão. Vale citar a regulamentação da lei do tiro de interceptação de naves que penetram ilegalmente as fronteiras brasileiras, nunca regulamentada no governo anterior, estimulando sua prática, já que os militares brasileiros nada podiam fazer além de constatar a ilegalidade.
Há a necessidade de muitas outras medidas. Mas, uma delas, é inescapável lembrar aqui, embora tenha sido apresentada durante da Conferência Nacional de Comunicação, sem ter tido o número de votos necessários à aprovação: a retomada do controle da Embratel para o estado brasileiro. Ou será admissível num mundo de tensas e complexas tensões, e de crescentes divergências do Brasil com os EUA, como nos advertiu Hillary Clinton, imaginar, candidamente, que mesmo em situações de impasse e de conflitos que envolvam a soberania nacional, os atuais donos da empresa, que controla informações governamentais e militares brasileiras, atuarão com lealdade e sinceridade ante os interesses nacionais?
Para os que desnacionalizaram a Embratel, entre eles o ex-ministro Serra, provavelmente sim. Eles o fizeram. Para a ex-ministra Dilma, que atuou intensamente para, a partir da Casa-Civil, dar sustentação e viabilidade á nova Estratégia Nacional de Defesa, possivelmente não. Não creio sejam estas diferenças secundárias entre os dois. E, certamente, ajudam a medir o alcance do discurso do candidato tucano quando aborda o tema segurança.
Publicado no
http://www.brasilianas.org/blog/alberto-porem-junior/ministerio-da-seguranca-esqueceu-o-passado-sr-serra#more
Artur Henrique: A propaganda enganosa e os mitos da carga tributária
por Artur Henrique, presidente da CUT, em seu blog
Um certo tipo de crítica que se faz à carga tributária brasileira esconde propósitos muito egoístas, apesar da aparência patriótica. É uma campanha que tem até painel eletrônico numa rua da capital paulista – o “impostômetro” de uma associação empresarial – e humorista de televisão se fingindo de frentista de posto para vender gasolina mais barata, “sem imposto”. Algo que os patrocinadores dessas ações querem de verdade, mas tentam ocultar, é a diminuição dos investimentos do Estado em programas sociais ou em políticas de transferência de renda como o Bolsa Família.
Essa conclusão salta aos olhos diante de um levantamento divulgado recentemente pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Alguns de seus dados contrariam abertamente a mais comum das críticas, a de que o governo federal tem aumentado seus gastos com a folha de pagamento ou com o “inchaço” da máquina.
Em 2002, último ano de FHC, o governo federal gastava 4,8% do PIB (Produto Interno Bruto) com pagamento de pessoal. Em março de 2010, depois da “gastança”, do “aparelhamento” e outras imprudências atribuídas ao governo Lula, a folha de pagamento dos servidores consome… 4,8% do PIB. Houve, sim, aumentos salariais e contratações, essenciais para o processo de recomposição do Estado, mas dentro de uma lógica de acompanhamento da arrecadação e do crescimento da economia. Aliás, esses investimentos também funcionam como motivadores do crescimento econômico.
Por outro lado, os programas de transferência de renda, que em 2002 correspondiam a 6,4% do PIB, em março de 2010 saltaram para 9,1% do PIB, o que representa algo em torno de R$ R$29,6 bilhões de reais. Assim, se a carga tributária fosse simplesmente reduzida, como bradam analistas e empresários, as políticas públicas e sociais estariam entre as mais fortemente atingidas.
Para esses analistas, quando o Estado aplica recursos em programas e projetos para combater a fome, a miséria e diminuir as desigualdades sociais existentes, isso é de política assistencialista. Mas quando o estado fortalece os bancos públicos, garantindo recursos para os investimentos privados a juros subsidiados por toda a sociedade, aí eles aplaudem.
Outro dado do levantamento desfaz a crença de que o atual governo vem sistematicamente aumentando a carga tributária, enquanto o governo anterior – atualmente na oposição e querendo voltar – era mais comedido. Entre 1998 e 2002, período do segundo mandato FHC, marcado por momentos de forte retração da economia, de desemprego e doação do patrimônio público, a carga tributária da União subiu 3,32%. Em sete anos de governo Lula, a quantidade de impostos arrecadados pela União subiu 1,02%. Bem menos, e sem vender ou doar nenhuma empresa pública, ao contrário.
A carga tributária está em torno de 34% do PIB. Mas não se trata de loucura sem paralelo no mundo civilizado, como querem fazer parecer muitos analistas por aí. Essa proporção está na mesma faixa de países como Portugal, Espanha, Inglaterra e Alemanha e muito, muito abaixo de nações com forte estrutura de bem estar social, como Suécia e Dinamarca. Sem os impostos, como investir no papel social do Estado, nas políticas públicas?
O debate correto seria discutir a qualidade dos gastos, as prioridades, o orçamento participativo, e outros instrumentos que garantam que o Estado esteja realmente a serviço da maioria da sociedade.
Para os trabalhadores e trabalhadoras, mais importante que a proporção dos impostos em relação ao PIB, é chamar a atenção para quem é mais penalizado. Segundo estudo do economista Amir Khair, famílias que ganham até 2 salários mínimos pagam quase 49% de sua renda mensal em impostos. Já os mais favorecidos, que ganham acima de 30 salários mínimos por mês, comprometem 26,3% de sua renda com impostos. Muito menos.
Então, o desafio é alterar essa lógica perversa e criar um modelo tributário progressivo: quem ganha mais, paga mais. Quem ganha menos, paga menos. Voltaremos ao assunto.
Um certo tipo de crítica que se faz à carga tributária brasileira esconde propósitos muito egoístas, apesar da aparência patriótica. É uma campanha que tem até painel eletrônico numa rua da capital paulista – o “impostômetro” de uma associação empresarial – e humorista de televisão se fingindo de frentista de posto para vender gasolina mais barata, “sem imposto”. Algo que os patrocinadores dessas ações querem de verdade, mas tentam ocultar, é a diminuição dos investimentos do Estado em programas sociais ou em políticas de transferência de renda como o Bolsa Família.
Essa conclusão salta aos olhos diante de um levantamento divulgado recentemente pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Alguns de seus dados contrariam abertamente a mais comum das críticas, a de que o governo federal tem aumentado seus gastos com a folha de pagamento ou com o “inchaço” da máquina.
Em 2002, último ano de FHC, o governo federal gastava 4,8% do PIB (Produto Interno Bruto) com pagamento de pessoal. Em março de 2010, depois da “gastança”, do “aparelhamento” e outras imprudências atribuídas ao governo Lula, a folha de pagamento dos servidores consome… 4,8% do PIB. Houve, sim, aumentos salariais e contratações, essenciais para o processo de recomposição do Estado, mas dentro de uma lógica de acompanhamento da arrecadação e do crescimento da economia. Aliás, esses investimentos também funcionam como motivadores do crescimento econômico.
Por outro lado, os programas de transferência de renda, que em 2002 correspondiam a 6,4% do PIB, em março de 2010 saltaram para 9,1% do PIB, o que representa algo em torno de R$ R$29,6 bilhões de reais. Assim, se a carga tributária fosse simplesmente reduzida, como bradam analistas e empresários, as políticas públicas e sociais estariam entre as mais fortemente atingidas.
Para esses analistas, quando o Estado aplica recursos em programas e projetos para combater a fome, a miséria e diminuir as desigualdades sociais existentes, isso é de política assistencialista. Mas quando o estado fortalece os bancos públicos, garantindo recursos para os investimentos privados a juros subsidiados por toda a sociedade, aí eles aplaudem.
Outro dado do levantamento desfaz a crença de que o atual governo vem sistematicamente aumentando a carga tributária, enquanto o governo anterior – atualmente na oposição e querendo voltar – era mais comedido. Entre 1998 e 2002, período do segundo mandato FHC, marcado por momentos de forte retração da economia, de desemprego e doação do patrimônio público, a carga tributária da União subiu 3,32%. Em sete anos de governo Lula, a quantidade de impostos arrecadados pela União subiu 1,02%. Bem menos, e sem vender ou doar nenhuma empresa pública, ao contrário.
A carga tributária está em torno de 34% do PIB. Mas não se trata de loucura sem paralelo no mundo civilizado, como querem fazer parecer muitos analistas por aí. Essa proporção está na mesma faixa de países como Portugal, Espanha, Inglaterra e Alemanha e muito, muito abaixo de nações com forte estrutura de bem estar social, como Suécia e Dinamarca. Sem os impostos, como investir no papel social do Estado, nas políticas públicas?
O debate correto seria discutir a qualidade dos gastos, as prioridades, o orçamento participativo, e outros instrumentos que garantam que o Estado esteja realmente a serviço da maioria da sociedade.
Para os trabalhadores e trabalhadoras, mais importante que a proporção dos impostos em relação ao PIB, é chamar a atenção para quem é mais penalizado. Segundo estudo do economista Amir Khair, famílias que ganham até 2 salários mínimos pagam quase 49% de sua renda mensal em impostos. Já os mais favorecidos, que ganham acima de 30 salários mínimos por mês, comprometem 26,3% de sua renda com impostos. Muito menos.
Então, o desafio é alterar essa lógica perversa e criar um modelo tributário progressivo: quem ganha mais, paga mais. Quem ganha menos, paga menos. Voltaremos ao assunto.
Ministro Samuel Pinheiro Guimarães traça cenário global
O ministro de Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães, disse que nos próximos anos o mundo experimentará a aceleração do processo científico e tecnológico, o aumento da distância entre países pobres e desenvolvidos, e o surgimento de novos blocos de países com o estabelecimento da multipolarização.
Guimarães fez uma prospecção sobre as principais tendências do cenário global, ao apresentar um panorama mundial, sul-americano e brasileiro para os próximos anos, durante o seminário Prospectiva, Estratégia e Cenários Globais, organizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
“A economia se torna cada vez mais global. Há a formação de enormes companhias transnacionais. Isso significa a formação de uma rede maior entre os países. Além disso, temos um processo contrário a esse, que é a formação de grandes blocos de países, mais notórios e mais integrados, com instituições internacionais”, disse.
Ao falar sobre os aspectos mundiais, Guimarães citou as crises internacionais relativas à economia, política, ideologia, meio ambiente e setor energético, e apontou as principais tendências internacionais.
Em relação ao Brasil, Samuel Pinheiro Guimarães destacou a importância de se ter uma decisão sobre quais serão as políticas públicas adotadas para que o ritmo de desenvolvimento econômico permita ao Brasil diminuir a distância em relação aos países desenvolvidos.
Além disso, o ministro demonstrou preocupação com a atual situação demográfica brasileira, que, segundo ele, poderá apresentar problemas para se manter com uma população estável, por conta das baixas taxas de fecundidade.
“A taxa para manter a população estável é de 2,1%, em função da mortalidade infantil. Estamos com uma taxa de fecundidade das mulheres de 1,7%. Talvez nós corramos o risco de virmos a ser uma nação velha e pobre, simultaneamente. Significa atingir a maturidade, sem ter atingido a riqueza”, afirmou.
Sobre o cenário sul-americano, o ministro chamou a atenção para a necessidade de desenvolver um sistema de transportes e de comunicação mais eficiente, que permita uma ligação entre esses países e o Brasil. Para ele, a precariedade do transporte dificulta o desenvolvimento econômico da região sul-americana.
“É quase um arquipélago de sistemas econômicos. As redes de transportes e comunicações são extraordinariamente precárias e insuficientes. Essa é uma característica importante porque não tem como formar um mercado. Para que haja um mercado é necessário que haja transporte. Não é possível haver troca de mercadorias se não há meios de transportá-las”, destacou.
Plano Brasil 2022 prevê crescimento anual de 7%
O crescimento econômico a uma taxa de 7% ao ano, previsto no plano Brasil 2022, possibilitará um desenvolvimento extraordinário em todos os setores da vida nacional, afirmou hoje o ministro de Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães, durante entrevista coletiva em que anunciou a publicação do plano no site da SAE.
“Se não crescermos a uma taxa entre 6% e 7%, nossa situação relativa será pior do que é hoje. Devido as nossas disparidades sociais, a nossa meta deve ser distribuir para crescer. Nós temos que formar um grande mercado interno. E para isso é necessário incorporar ao sistema produtivo, de forma plena, as 12 milhões de famílias que recebem o Bolsa Família”, afirmou.
De acordo com o ministro, a incorporação desse contingente populacional nas atividades de produção e no mercado de consumo permitirá atingir taxas de crescimento maiores. “Serão produtores mais eficientes e consumidores efetivos. É muito importante que nesse processo até 2022 haja uma expansão significativa de todo o tipo de programa que leve à recuperação dessa enorme massa de brasileiros”, ressaltou.
Em fase final de elaboração, o plano estabelece metas a serem alcançadas até o ano de 2022, quando será celebrado o bicentenário de independência brasileira. Elevar a participação da Formação Bruta de Capital Fixo no PIB de 17% em 2009, para 23% e aumentar a proporção de empregados com carteira assinada no Brasil de 44% em 2009, para 60% também estão entre as metas.
Nesse aspecto, Samuel Pinheiro destacou a importância em ter garantidos alguns direitos essenciais do trabalhador, e citou como exemplo a necessidade de formalização da atividade doméstica, desenvolvida predominantemente por mulheres. Outro ponto presente no plano é a equiparação salarial entre homens e mulheres.
O plano Brasil 2022, formulado pela SAE, Ministérios, Casa Civil e por técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), prevê ainda a erradicação da pobreza e do analfabetismo, redução do desmatamento a zero e a autonomia na produção de medicamentos.
A questão do acesso à banda larga também foi tratada pelo ministro durante o encontro. Para Pinheiro, toda a população brasileira deverá ter acesso uma internet mais veloz. “Fazer com que todos os brasileiros tenham acesso à internet é o objetivo. 43% dos municípios não têm acesso à internet. Apenas 24% dos domicílios têm acesso à banda larga”, afirmou Pinheiro.
Em relação à situação do déficit habitacional brasileiro, tema considerado prioritário no governo, o ministro ressaltou a importância do programa Minha Casa Minha Vida, mas disse que ainda há um número muito grande de habitações em áreas precárias. “Esse é um déficit importante que necessitará de uma meta adequada”, disse.
Além disso, a duplicação das exportações, o alcance definitivo da autonomia em fertilizantes, a redução da concentração fundiária à metade e a duplicação do consumo do pescado também são iniciativas prioritárias, uma vez que se espera, em 2022, um incremento na demanda de alimentos no mundo. Para o ministro, o Brasil tem condições de se tornar protagonista neste cenário por reunir as condições ideais de produção.
Samuel Pinheiro Guimarães pretende apresentar o projeto concluído ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva até 30 de junho deste ano. O projeto estará disponível no site da secretaria para receber sugestões e comentários da sociedade.
quinta-feira, junho 10, 2010
Crescer a 7%
Se o objetivo central da sociedade brasileira for vencer o subdesenvolvimento, a economia terá de crescer a taxas mais elevadas do que as que têm ocorrido no passado recente, enquanto que as políticas de distribuição de renda terão de ser mais vigorosas para incorporar ao sistema econômico e social moderno as imensas massas que se encontram em situação de grave pobreza: cerca de 60 milhões de brasileiros. Caso se deseje manter o Brasil como país pobre e subdesenvolvido, basta crescer a taxas modestas, obedecendo a todas as metas e a supostos potenciais máximos de crescimento, e, assim, lograr manter a economia estável porém miserável. O artigo é de Samuel Pinheiro Guimarães.
Samuel Pinheiro Guimarães, na Carta Maior
1. O subdesenvolvimento, situação em que a esmagadora maioria da população de um país não pode desfrutar dos bens e serviços que o avanço tecnológico e produtivo moderno permitem, é sempre uma questão relativa. Nenhum país é subdesenvolvido isoladamente; esta é sempre uma situação comparativa entre países e sociedades, desenvolvidas e subdesenvolvidas, em diferentes graus, em distintos momentos históricos.
2. Naturalmente, há indicadores objetivos de subdesenvolvimento: a exploração ao mesmo tempo insuficiente e predatória dos recursos naturais; a baixa escolaridade e qualificação média da mão de obra; a desintegrada rede de transportes; o pequeno consumo per capita de energia; a reduzida diversificação das exportações; o pequeno número de patentes registradas; o acesso restrito da população a saneamento básico; as precárias condições de saúde, educação e cultura; o alto percentual da população que se encontra abaixo da linha de pobreza etc.
3. A heterogeneidade é uma característica central do subdesenvolvimento. Regiões avançadas ao lado de regiões paupérrimas e de baixa produtividade. A ignorância ao lado da cultura. A moderna eficiência tecnológica convive com o uso de tecnologias do passado. A riqueza vizinha da miséria. E assim por diante. Essa heterogeneidade, ainda atual, é resultado da evolução de um sistema produtivo que se forma a partir de enclaves modernos, vinculados a centros econômicos externos, cuja maior produtividade não se difundiu para o resto do sistema nem deu origem a processos de geração e distribuição de renda devido à estrutura social, cuja base era o latifúndio agrícola, ou o enclave minerador, e o regime de mão-de-obra escrava ou servil.
4. O conjunto dessas deficiências leva a uma produção de bens e serviços por habitante relativamente pequena, o que, em termos monetários, se expressa por um baixo produto per capita e, em termos sociais, por uma precária qualidade de vida para a imensa maioria, ao lado de uma riqueza da qual pouquíssimos desfrutam.
5. A produção per capita representa o conjunto de bens e serviços a que o habitante médio de um país teria acesso por ano. Esta média hipotética será tanto mais representativa da realidade quanto mais igualitária for a distribuição de renda em uma sociedade, o que não ocorre no Brasil.
6. Por todos os critérios acima, o Brasil é um país subdesenvolvido, ainda que com importantes bolsões de riqueza e de produção moderna. Apesar dos esforços das últimas décadas, com significativas flutuações e longos períodos de estagnação, o Brasil continua a ser um país subdesenvolvido. Em relação a quem?
7. A situação de desenvolvimento do Brasil não pode ser comparada com a de países que, pelas características de território, população e PIB, não enfrentam os mesmos desafios que a sociedade brasileira. Pequenos e médios países europeus, asiáticos e sul-americanos, ainda que às vezes ostentem níveis de produto per capita ou indicadores sociais importantes, superiores aos brasileiros, não têm o mesmo potencial do Brasil nem têm de enfrentar desafios semelhantes aos nossos.
8. O Brasil é um país continental. Se fizermos três listas de países segundo o território, a população e o PIB, somente três países estarão entre os dez primeiros de cada uma dessas três listas: os Estados Unidos, a China e o Brasil.
9. Os países com quem o Brasil tem de ser comparado são países como os Estados Unidos, a China, a Rússia, a Índia, a Alemanha e a França. Esses têm de ser o nosso referencial e esses são os nossos competidores (e eventuais colaboradores) na dinâmica do sistema internacional e na disputa por poder político e pela apropriação de riqueza.
10. Todavia, a China e a Índia têm um produto per capita muito inferior ao do Brasil, enfrentam desafios sociais muito maiores e dispõem de recursos naturais inferiores aos nossos o que dificulta sua árdua tarefa de se tornarem países desenvolvidos. A Rússia, apesar de seus recursos naturais e do avanço tecnológico em certas áreas, enfrenta dificuldades extraordinárias em termos sociais e de reestruturação de sua economia. A Alemanha e a França, com todo o avanço que já alcançaram, enfrentam importantes dificuldades devido a suas limitações de território e de população e, portanto, apresentam vulnerabilidades decorrentes da necessidade de importar insumos e da dependência excessiva de sua economia em relação ao mercado internacional.
11. Talvez o melhor paradigma para o Brasil sejam os Estados Unidos. Nossas características territoriais e demográficas são semelhantes, enquanto que nosso PIB é muito distinto. Os Estados Unidos são o país mais poderoso do mundo em termos militares, de PIB e de tecnologia. Nossas sociedades democráticas, multiculturais e multiétnicas são semelhantes e grande é a diversidade de recursos naturais e a capacidade agrícola de ambos os países.
12. O produto per capita dos Estados Unidos em 1989 era 22.100 dólares e o do Brasil 3.400. A diferença era, portanto, naquela data de 18.700. Ora, o Brasil e os Estados Unidos cresceram em termos reais à mesma taxa nos últimos 20 anos: os Estados Unidos a 2,5% a.a. e o Brasil a 2,5% a.a.. Nos Estados Unidos, esta taxa de crescimento poderia ser considerada razoável e adequada mas, no caso do Brasil, ela reflete a estagnação da economia brasileira, da produção e do emprego, no período de 1989 a 2002. Esta situação se modificou entre 2002 e 2009, no Governo do Presidente Lula, período em que o Brasil cresceu à taxa média de 3,4% e os Estados Unidos à taxa média de 1,4% a.a..
13. Essas taxas de crescimento, devido às bases de PIB muito distintas de que partiam e às taxas diferentes de crescimento demográfico, fizeram com que a produção per capita americana passasse de 22.100 dólares, em 1989, para 46.400 dólares, em 2009, enquanto a do Brasil aumentou de 3.400 dólares para 8.200 dólares. Assim, o hiato de produto per capita entre os Estados Unidos e o Brasil aumentou entre 1989 e 2009, passando de 18.700 dólares para 38.200 dólares. O atraso relativo, o subdesenvolvimento, aumentou.
14. Se o objetivo central da sociedade brasileira for vencer o subdesenvolvimento, a economia terá de crescer a taxas mais elevadas do que as que têm ocorrido no passado recente, enquanto que as políticas de distribuição de renda terão de ser mais vigorosas para incorporar ao sistema econômico e social moderno as imensas massas que se encontram em situação de grave pobreza: cerca de 60 milhões de brasileiros.
15. Se o PIB dos Estados Unidos crescer a 2% a.a. até 2022 (inferior à sua taxa de 2,5% a.a. entre 1989 e 2009, e assim essa hipótese leva em conta os efeitos da crise atual sobre a economia americana), o PIB per capita americano alcançará 53.100 dólares; se, neste mesmo período, a economia brasileira crescer à taxa de 5% a.a. o PIB per capita brasileiro atingirá 14.200 dólares. O hiato de produção per capita aumentaria em 700 dólares.
16. Se o PIB dos Estados Unidos daqui até 2022 crescer a 2% a.a. e se o Brasil crescer a 6% a.a., a diferença de produto per capita se manterá praticamente igual entre os dois países: os Estados Unidos atingirá 53.100 dólares e o Brasil 16.000 dólares. O hiato, que em 2009 era de 38.200 dólares, se reduziria para 37.100 dólares. Uma melhora de 1.100 dólares em 12 anos: cem dólares por ano…
17. Assim, o Brasil em 2022, no bicentenário de sua Independência, continuaria tão subdesenvolvido quanto é hoje, apesar de seu produto per capita ter atingido 16 mil dólares e apesar dos enormes esforços para retirar da pobreza a maioria de sua população e para realizar amplos programas de construção de sua infra-estrutura e de financiamento a grandes investimentos.
18. Somente na hipótese de os Estados Unidos crescerem a 2% a.a. e o Brasil a 7% a.a., atingindo os Estados Unidos 53.100 dólares e o Brasil 18.100 dólares, a diferença de produção, de bem-estar, de desenvolvimento, entre os dois países se reduziria de 38.200 dólares para 35.000 dólares. Poderíamos então afirmar que o Brasil estaria iniciando o processo de se tornar um país desenvolvido. Isto caso fosse mantido este esforço nas décadas seguintes e caso a perversa dinâmica de distribuição de renda e de riqueza no Brasil for firmemente enfrentada. Aliás, esses 7% a.a. correspondem à taxa média de crescimento do PIB brasileiro entre 1946 e 1979…
19.Caso contrário, caso cresçamos à uma taxa anual média inferior a 7% a.a., apesar de todos os esforços bem intencionados, o senso comum e a prudência monetarista (a qual, aliás, teria impedido a integração territorial brasileira e a transformação do Brasil em uma grande economia industrial, já que teria vetado o Plano de Metas de Juscelino Kubitscheck pois o teria considerado inflacionário) que nos quer obrigar a crescer a uma taxa de 4,5% a.a., farão com que o Brasil continue a ser em 2022 uma sociedade subdesenvolvida, caracterizada pela extraordinária disparidade de renda e de riqueza. Nela, continuaremos a nos defrontar com a extrema pobreza, a ignorância profunda, a exclusão perversa e a violência anômica ao lado de uma riqueza ostensiva, suntuária, nababesca e excessiva, desfrutada por 0,04% da população brasileira (cerca de 80.000 pessoas) cuja renda mensal, em 2009, era superior, às vezes muito superior, a 50.000 reais.
20. Há, sempre, colocados pelos prudentes, três obstáculos ao crescimento da economia brasileira a taxas superiores a 4,5% a.a. ou 5% a.a.. O primeiro diz respeito ao suposto retorno da inflação a taxas superiores às que seriam “toleráveis”, com todos os seus efeitos sobre preços relativos e, em especial, porque a inflação prejudicaria principalmente os pobres. Esta preocupação generosa com a situação dos pobres não leva em conta, em primeiro lugar, que o que afeta os pobres de forma mais grave é o desemprego, a miséria, a violência, a exclusão e a falta de oportunidades que resultam do baixo crescimento em uma economia subdesenvolvida e tão díspar como o Brasil. Em segundo lugar, que a tendência inflacionária está presente em qualquer processo de desenvolvimento acelerado e que é possível preservar os segmentos mais pobres da população dos efeitos sobre os preços de um desenvolvimento mais rápido.
21. Uma palavra sobre a inflação. O processo de superação do subdesenvolvimento, devido aos grandes investimentos na infra-estrutura de energia, de transportes, de prospecção e exploração mineral, de pesquisa tecnológica, de comunicação, que são essenciais porém de longa maturação e de retorno incerto, e em programas sociais, também de longa maturação e também de retorno incerto, como em saúde, educação e cultura, provocam, necessariamente, aumentos de demanda sem o correspondente e imediato aumento de produção.
Como esses investimentos na infra-estrutura física e social têm de se suceder em períodos de décadas, para superar o atraso relativo do país, a pressão pelo aumento de preços passa a ser constante. Todavia, o crescimento do PIB a 7% a.a., quando sustentado a médio e longo prazos, significa que está havendo uma ampliação da capacidade instalada, da formação bruta de capital fixo, o que é feito por empresas que decidem investir, isto é, decidem ampliar suas unidades de produção, suas fábricas, suas lavouras, etc. E que o Estado decidiu investir diretamente por suas empresas (poucas, no caso do Brasil somente no setor financeiro e no setor de energia) ou indiretamente, contratando empresas privadas para a construção de obras de infra-estrutura ou financiando investimentos privados para produzir bens de consumo e de capital.
Ora, o crescimento, o desenvolvimento, à taxa de 7% a.a. significa a expansão das empresas, do capitalismo no Brasil, do emprego e dos lucros. Quanto menor o crescimento econômico menores as oportunidades de lucro, menores os investimentos, menor a geração de emprego (para absorver a mão-de-obra que ingressa no mercado todos os anos, cerca de 2 milhões de novos jovens trabalhadores) maior a violência e a exclusão social. Por outro lado, a demanda gerada pelos investimentos na infra-estrutura econômica e social é uma demanda em parte por bens de consumo o que estimula a ampliação da produção e o investimento privado, investimento cujo prazo de maturação é mais curto, o que reduz a pressão inflacionária. Aliás, a China e a Índia têm crescido a taxas superiores a 7% a.a. sem que tenha ocorrido inflação significativa.
22. Um segundo obstáculo, segundo os prudentes, seria que a economia brasileira não teria como gerar a poupança necessária à realização dos investimentos. Aí, há quatro respostas possíveis: a primeira, que o próprio Estado brasileiro, através de uma política de juros mais adequada, disporia de recursos adicionais significativos para investir direta ou indiretamente. A segunda, que ainda há vasto espaço para ampliação do crédito para investimento. A terceira, que não se pode afastar, tendo em vista o elevado grau de desconhecimento dos recursos do subsolo brasileiro, a possibilidade de descoberta de recursos naturais importantes, como foi o caso das descobertas no pré-sal que colocarão o Brasil entre os seis maiores produtores mundiais de petróleo. A quarta, que uma economia em expansão dinâmica, com as características do Brasil, atrairá como já se verifica, capitais externos em volumes significativos, como ocorreu e ocorre com a China. Aliás, os investimentos chineses (que têm 2,3 trilhões de reservas) estão chegando em volumes muito expressivos ao Brasil, na compra de sistemas de transmissão, na construção de hidroelétricas e na exploração do petróleo, tornando a China o terceiro maior investidor no Brasil.
23. O terceiro obstáculo ao desenvolvimento a taxas mais elevadas seria a escassez de mão de obra qualificada, em especial de engenheiros, nos mais diversos setores, que já estaria sendo detectada. Aí há duas soluções possíveis, pelo menos: a primeira, expandir os programas de formação e de retreinamento de engenheiros o que poderia ser feito rapidamente a custo baixo já que estudos recentes indicam a existência de grande número de vagas disponíveis nas escolas de engenharia; a segunda, “importar” mão de obra qualificada sem prejudicar a mão de obra nacional, bastando exigir o respeito aos padrões salariais da categoria, aproveitando, inclusive, a situação de crise em que se encontram os países desenvolvidos, onde há abundância de mão de obra qualificada, desempregada.
24. Porém, finalmente e por outro lado, caso se deseje manter o Brasil como país pobre e subdesenvolvido, basta crescer a taxas modestas, obedecendo a todas as metas e a supostos potenciais máximos de crescimento, e, assim, lograr manter a economia estável porém miserável. Este baixo crescimento corresponderá a um custo humano e social elevadíssimo para a imensa maioria da população, exceto para os super-ricos, que se transformarão, cada vez mais, em proprietários rentistas e absenteístas, distantes e alheios aos conflitos que se agravarão cada vez mais na sociedade brasileira.
(*) Ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos
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