O objetivo deste blog é discutir um projeto de desenvolvimento nacional para o Brasil. Esse projeto não brotará naturalmente das forças de mercado e sim de um engajamento político que direcionará os recursos do país na criação de uma nação soberana, desenvolvida e com justiça social.
segunda-feira, junho 21, 2010
O risco Estados Unidos
Moniz Bandeira:
Irresponsabilidade fiscal, descontrole dos gastos públicos, elevados déficits orçamentários, déficit comercial, corrupção, inflação e estancamento econômico constituem alguns dos fatores fundamentais que levaram a Grécia à beira do default. As agências de classificação de risco - influenciadas por Wall Street — agravaram ainda mais a situação rebaixando a Grécia, favorecendo de propósito o ataque ao euro pelos que especulam com as moedas. Por Luiz Alberto Moniz Bandeira, na Carta Capital
Irresponsabilidade fiscal, descontrole dos gastos públicos, elevados déficits orçamentários, déficit comercial, corrupção, inflação e estancamento econômico constituem alguns dos fatores fundamentais que levaram a Grécia à beira do default. Com uma dívida pública, como percentual do PIB, da ordem de 124,5%, a maior da União Européia, e um déficit fiscal de 11,3% projetado para 2010 (o segundo maior, atrás da Irlanda, com 12,4%), ela enfrentava e enfrenta enormes dificuldades, assim como, em menor grau, outros países da região, sobretudo Irlanda, Portugal e Espanha. Porém, as agências de classificação de risco (mais de cem, todas sob a influência de Wall Street) agravaram ainda mais a situação, rebaixando a classificação de solvabilidade da Grécia, com o que favoreceram, propositadamente, o ataque ao euro pelos que especulam com as moedas, nas bolsas de valores.
A erupção da crise econômica e financeira, que abala a Grécia e ameaça a Irlanda, Portugal, Espanha e toda a Eurozona (16 dos 27 Estados-membros da União Européia e outros 9 não-membros da UE que adotam o euro), constituiu um desdobramento, a terceira etapa da crise econômica e financeira deflagrada nos Estados Unidos, com a explosão do mercado imobiliário, no primeiro semestre de 2007, quando grandes corretoras, como Merrill Lynch e Lehman Brothers, suspenderam a venda de colaterais, e em julho do mesmo ano, bancos europeus registraram prejuízos com contratos baseados em hipotecas sub-prime.
A inadimplência de devedores hipotecários provocou a débâcle, afetando empréstimos de empresas, cartões de crédito etc. Em seguida, setembro de 2008, a crise atingiu o setor bancário, com a bancarrota e a dissolução do Lehman Brothers, o quarto banco de investimento dos Estados Unidos, após 158 anos de atividade. E, finalmente, comprometeu e envolveu os próprios Estados nacionais. Levou a Islândia, cujos bancos mantinham negócios num valor três vezes maior do que o PIB do país, a uma virtual bancarrota, com reflexo sobre o Reino Unido, seu principal credor. E, em fins de 2009, manifestou-se na Grécia, ameaçando a estabilidade de toda a Eurozona, dado que vários países não cumpriram as metas do Tratado de Maastricht para a unificação monetária, entre as quais controle do déficit orçamentário (até 3% do PIB),do endividamento público (até 60% do PIB).
A situação configura-se ainda mais grave, porquanto a eventual desestabilização da Eurozona poderia provocar uma crise sistêmica, devido à promiscuidade dos bancos alemães, franceses e também americanos com os Estados nacionais e outros bancos, mediante dívidas cruzadas. Se a Grécia e/ou Portugal deixassem de pagar aos bancos, a crise propagar-se-ia e cresceria como bola de neve. Por exemplo, de acordo com o Bank for International Settlements, os bancos portugueses devem 86 bilhões de dólares aos bancos espanhóis, que, por sua vez, devem 238 bilhões a instituições alemães, 200 bilhões aos bancos franceses e cerca de 200 bilhões aos bancos americanos.
A concessão de cerca de 1 trilhão de dólares à Grécia, prometida pela União Européia e o Fundo Monetário Internacional, não visou a ajudá-la, mas a salvar os bancos alemães, franceses e os investidores americanos, que provêem mais de 500 bilhões de dólares de empréstimos de curto prazo aos bancos europeus, sobretudo aos das nações mais débeis, para financiar diariamente suas operações.
Esse endividamento dos Estados com os bancos e dos bancos com outros bancos evidencia que, não obstante os fatores nacionais, domésticos, a crise que se agravou na Grécia e ameaça contagiar toda a Eurozona também é, em outra dimensão, uma conseqüência direta da crise dos Estados Unidos, dado que o sistema capitalista, entrançado pelo mercado mundial e a divisão internacional do trabalho, constitui um todo, interdependente, e não uma simples soma de economias nacionais.
A alta do preço do petróleo e do ouro, no mercado mundial, bem como a elevada valorização do euro refletiram a profunda crise que deteriorava e deteriora a economia americana. A valorização do euro, em decorrência da queda do dólar, afetou, porém, países como a Grécia, Irlanda e Portugal, que não possuem moeda própria e, conseqüentemente, não podem promover a desvalorização cambial, para reduzir os salários, compensar a perda da competitividade de suas exportações, ajustar as finanças e equilibrar a conta-corrente do balanço de pagamentos.
Apesar da enorme assimetria, a grave situação econômica e financeira da Grécia e alguns outros Estados na União Européia é muito similar à dos Estados Unidos, cuja dívida externa líquida, em 31 de dezembro de 2009, era da ordem de 13,76 trilhões de dólares, do mesmo tamanho que o seu PIB, calculado em 14,26 trilhões em 2009, calculado conforme a capacidade de seus poder de compra. A dívida pública dos Estados Unidos, em maio de 2010, era de cerca de 12,9 trilhões, dos quais 8,41 trilhões em poder do público e 4,49 trilhões com os governos estrangeiros. Esse montante (12,9 trilhões de dólares) corresponde a cerca de 94% do PIB dos Estados Unidos, enquanto o da Eurozona é de 84%.
O problema fiscal nos Estados Unidos é extremamente grave. O antigo presidente do Federal Reserve (FED), Alan Greenspan, em outubro de 2009, declarou que não estava muito preocupado com a fraqueza do dólar, mas com os custos de longo prazo dos Estados Unidos, associado com a crescente elevação da dívida nacional, cuja relação se tornava progressivamente explosiva, como uma espiral, na qual o crescente pagamento dos juros aumentaria o déficit e a dívida, gerando novo aumento e assim por diante. O déficit do ano fiscal de 2009, terminado em 30 de setembro, mais do que triplicou o do ano anterior, atingindo montante recorde de 1,4 trilhão de dólares.
O presidente Barack Obama apresentou para o ano fiscal de 2010 um orçamento, com despesas de aproximadamente 3,5 trilhões e um déficit federal de 1,75 trilhão, o que significa que o governo americano terá de tomar empréstimos, aumentando a dívida pública, ou emitir mais dólares, uma vez que a poupança interna é insuficiente para atender aos seus gastos. Esse déficit fiscal se entrelaça com o crescente déficit comercial, que em 2009 representou mais de 40% (1,04 bilhão) do total do seu intercâmbio com outros países. E, nos primeiros três meses de 2010, continuou a crescer. Em março, o Departamento de Comércio anunciou um déficit de 40,4 bilhões, contra 39,4 bilhões em fevereiro.
A sustentabilidade dos déficits fiscal e comercial – denominados “déficits-gêmeos”, não porque sejam iguais, mas porque se inter-relacionam – depende de contínuo influxo de capitais estrangeiros, oriundos, sobretudo das inversões da China, comprando bônus do Tesouro dos Estados Unidos.
Efetivamente são os bancos centrais de outros países que financiam o déficit na conta-corrente dos Estados Unidos, da ordem de 380,1 bilhões de dólares em 2009, mais de 6% do PIB, déficit este que, no primeiro trimestre de 2010, saltou para 115,6 bilhões de dólares, contra 102.3 bilhões de dólares, no mesmo período de 2009, e recresce cerca de 2,35 bilhões de dólares por dia. Se o influxo de capitais do exterior cessar, o Tesouro dos Estados Unidos não terá recursos, no correr de 2010, para refinanciar 2 trilhões de sua dívida de curto prazo, da qual 44% estão em poder de países estrangeiros.
Os Estados Unidos ocupam o primeiro lugar na lista dos países com a maior dívida externa líquida do mundo (13,7 trilhões de dólares), seguido pelo Reino Unido (9,6 trilhões), Alemanha (5,2 trilhões), França (5 trilhões) e Países Baixos (2,4 trilhões). Trata-se, portanto, de uma superpotência devedora, virtualmente em bancarrota. Somente não chegou à beira da insolvência porque pode emitir o dólar, que é a moeda internacional de reserva.
Mas a tendência do dólar é de declínio, tanto que, após desvalorizar-se 40% entre 2002 e 2008 e fortalecer-se 20% em relação ao euro, entre março e dezembro de 2008, durante a crise financeira, voltou a cair 20%, entre março e dezembro de 2009, devido à preocupação no mercado com a dívida externa dos Estados Unidos. Sua revalorização, como conseqüência da crise na Grécia e do enfraquecimento econômico da Eurozona, é conjuntural. O dólar está estruturalmente debilitado pelos déficits fiscal e cambial e pela elevada dívida externa líquida dos Estados Unidos. A perspectiva é de que, mais dias menos dias, deixe a condição de única moeda internacional de reserva, apesar da China e de serem os Estados Unidos o centro do sistema capitalista mundial. E, quando isto ocorrer, os Estados Unidos terão enormes dificuldades de pagar suas contas, por meio de empréstimos de outros países.
Em agosto de 2007, David M. Walker, chefe do Government Accountability Office (GAO), órgão do Congresso americano encarregado da auditoria dos gastos do governo, advertiu que o país estava sobre uma “plataforma abrasante” (burning platform) de políticas e práticas insustentáveis, escassez crônica de recursos para a saúde, problemas de imigração e compromissos militares externos, que ameaçavam eclodir se medidas não fossem em breve adotadas. Previu aumentos “dramáticos” nos impostos, redução nos serviços do governo e a rejeição em larga escala dos bônus do Tesouro americano como instrumento de reserva pelos países estrangeiros. E apontou “notáveis semelhanças” entre os fatores que resultaram na queda do Império Romano e a situação dos Estados Unidos, devido ao declínio dos valores morais e da civilidade política, à confiança e à excessiva dispersão das Forças Armadas no exterior, bem como à irresponsabilidade fiscal do governo americano.
Menos de um ano depois, Paul Craig Roberts, ex-secretário-assistente do Departamento do Tesouro, no governo de Ronald Reagan (1981-1989), afirmou, em artigo intitulado “The Collapse of American Power” e publicado no Wall Street Journal, que a superpotência – os Estados Unidos – não estava em condições de financiar suas próprias operações domésticas, muito menos suas “injustificáveis” guerras, se não fosse a bondade dos estrangeiros, que lhe emprestam dinheiro sem perspectiva de receber o pagamento. De fato, os Estados Unidos só podem manter as guerras no Iraque e no Afeganistão, duas guerras perdidas, com o financiamento de outros países, principalmente China e Japão, que continuam a comprar bônus do Tesouro americano.
Joseph E. Stiglitz (Premio Nobel de Economia) estimou que o total dos custos dessas duas guerras estende-se de 2,7 trilhões de dólares, em termos estritamente orçamentários, a um total de custos econômicos da ordem de 5 trilhões de dólares. Não sem razão, The Economist, na edição de 27 de março 2008, publicou um artigo intitulado “Waiting for Armageddon”, no qual ressaltou que o aumento das corporações em bancarrota podia ser o sinal de que muito pior estava ainda por ocorrer. O pior que se pode esperar é default do próprio governo dos Estados Unidos, cujo sistema financeiro a China, com reservas em dólares de mais de 2,4 trilhões de dólares, tem condições de comprar.
Em tais circunstâncias, o default da Grécia, se ocorresse, não só abalaria toda a Eurozona. Também afetaria a estrutura econômica e financeira dos Estados Unidos, cuja política fiscal a longo-termo é insustentável. Mas o problema não decorre principalmente dos gastos com os serviços sociais e de saúde, como os conservadores republicanos e mesmo alguns democratas acusam. O câncer que corrói a economia americana é o militarismo, alimentado pelos profundos interesses do complexo industrial-militar, nos grandes negócios em que as grandes corporações e militares se associam, fomentando um clima de supostas ameaças, um ambiente de medo, com o propósito de compelir o Congresso a aprovar vultosos recursos para o Pentágono e outros órgãos vinculados à defesa.
A indústria bélica, com toda a cadeia produtiva, constitui outra bolha que, mais cedo ou mais tarde, vai explodir. O governo dos Estados Unidos, seja com o presidente Barack Obama ou seja quem o suceder, não terá recursos para subsidiá-la, eternamente, com a encomenda de armamentos pelo Pentágono, nem manter centenas de bases militares e milhares de tropas, em todas as regiões do mundo. Decerto, cortar esses gastos é muito difícil. Afetaria a economia de vários Estados americanos, localizadas, sobretudo, no sunbelt (Texas, Missouri, Florida, Maryland e Virginia), onde funcionam as indústrias de armamentos que empregam tecnologia intensiva de capital.
Em tais circunstâncias, em meio a propinas, suborno, pagamento de comissões aos que propiciam as encomendas, e contribuições para a campanha eleitoral dos partidos políticos, o complexo industrial-militar, com enorme peso econômico e político, exerce forte influência sobre o Congresso americano e sobre toda a mídia, principalmente nas redes de televisão. Porém, o incomparável poderio militar dos Estados Unidos tem limites econômicos. Irresponsabilidade fiscal, descontrole dos gastos públicos, altos déficits orçamentários, contínuo déficit na balança comercial, elevado endividamento externo, corrupção inerente ao conluio entre indústria bélica e o Pentágono, representado pelo complexo industrial-militar, recessão — fatores similares aos que produziram a crise da Grécia –- representam a maior ameaça e podem derrotar a superpotência. E essa extrema vulnerabilidade de sua economia, com possibilidade de insolvência, as agências de classificação de risco não apontam.
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