quarta-feira, agosto 14, 2013

Marcio Pochmann e a concentração de renda no Brasil: imposto cobrado dos pobres paga juros para os mais ricos


Do Viomundo

Uma descrição da vida no Wilma Flor from Luiz Carlos Azenha on Vimeo.

por Luiz Carlos Azenha

As cenas acima são um registro do cotidiano numa ocupação do Jardim Wilma Flor, em Cidade Tiradentes, extremo da Zona Leste de São Paulo.

Um lembrete de uma realidade registrada assim no livro Qual desenvolvimento?, do economista Marcio Pochmann:

A concentração da renda e da riqueza é uma marca inalienável do Brasil. De acordo com o Atlas de exclusão social — Os ricos no Brasil (Campos, 2004), somente 5 mil clãs apropriam-se de 45% de toda a riqueza e renda nacional, embora o país tenha mais de 51 milhões de famílias.

Quando o autoritarismo predominou, os ricos foram os mais beneficiados, mantendo inalterado o padrão distributivo excludente no país.

… a composição fundiária segue muito concentrada. A estrutura tributária permanece regressiva, com a população pobre pagando mais impostos e os ricos quase que incólumes, enquanto a estrutura social permanece distante das possibilidades governamentais de garantia da universalidade e qualidade necessária dos bens, serviços e equipamentos sociais básicos para toda a população.

… perceber que a distância da separação entre o menor e o maior salário no país chega a atingir quase 2 mil vezes parece inacreditável nesse início de terceiro milênio.

Os avanços registrados ao longo dos mandatos do ex-presidente Lula e de Dilma Rousseff tangenciaram o problema. A insatisfação popular não deveria surpreender ninguém.

As manifestações de junho e julho, que levaram às ruas uma ampla pauta de reivindicações, foram em certa medida uma expressão disso. Nos protestos verificados no entorno de estádios de que sediaram jogos da Copa das Confederações — Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza e Brasília — falou-se muito em hospitais, creches e escolas padrão FIFA.

De onde virá o dinheiro?

A resposta surpreendente de Marcio Pochmann é que o Estado brasileiro já dispõe de uma carga tributária adequada para oferecer ao País serviços como aqueles que marcaram o padrão de civilização europeu e que, lá, diante da crise financeira, tem sido dilapidados.

A carga tributária brasileira saltou de 22 a 23% do Produto Interno Bruto (PIB), nos anos 80, para cerca de 35% agora.

O problema é que ela foi colocada nas costas dos pobres e da classe média, que proporcionalmente pagam mais impostos que os ricos.

De um lado o ex-presidente do IPEA, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, defende rever isenções e desonerações.

Por exemplo, os descontos dados no Imposto Renda para gastos com saúde, educação e assistência social privada. Na opinião de Pochmann, os incentivos do Estado deveriam ser no sentido de incentivar a saúde, a educação e a assistência social públicas.

Outras características injustas do sistema tributário brasileiro são amplamente conhecidas. Faz tempo. Tem sido denunciadas, por exemplo, por Pedro Delarue, do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, o Sindifisco. Ao Viomundo, ele lembrou que os ricos não pagam imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) para lanchas, jatinhos e helicópteros particulares. O Supremo Tribunal Federal considerou que o IPVA sucedeu o imposto rodoviário e, portanto, só autorizou o imposto para veículos terrestres.

Delarue lembrou, também, que desde 1995, por decreto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, empresários não pagam imposto sobre distribuição de lucros e dividendos.

Como o emblemático episódio de sonegação da Globo deixou claro — perdão, foi “planejamento tributário” –, o Estado fala grosso com a Bolívia e fala fino com os Estados Unidos.

Voltamos ao livro de Marcio Pochmann:

De acordo com a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE, o trabalhador que recebe mensalmente até dois salários mínimos mensais tem uma carga tributária de até 48% do seu rendimento. [...] Já o trabalhador com remuneração superior a 30 salários mínimos mensais, deixa para os impostos somente 26% de sua renda.

Hoje presidente da Fundação Perseu Abramo, Pochmann nos disse em entrevista que outra mudança absolutamente necessária é a redução do pagamento de juros da dívida interna, que saltaram de 1,8% do PIB em 1980 para 5 a 6% atualmente.

O sifão por onde escoam os juros é estrutural à economia brasileira, sustenta Pochmann. Foi instalado no Tesouro para servir à elite.

…constata-se a existência de um elemento de ordem estrutural na dinâmica capitalista atual que transforma o setor público no comandante da produção de uma nova riqueza financeirizada, apropriada privadamente na forma de direitos de propriedade dos títulos que carregam o endividamento público.

… parte dos ricos abandonou o compromisso com a expansão produtiva, o que levou ao parasitismo e às ações anti-republicanas contaminadas pela improdutiva rentabilidade financeira.

Atualmente o peso da dívida líquida do setor público corresponde a cerca de 50% do PIB, praticamente mesma situação verificada na segunda metade da década de 1980.

As exigências das famílias ricas, ao disponibilizarem seus patrimônios na compra dos títulos públicos que lastreiam o endividamento financeiro do Estado são cada vez maiores, fazendo com que o objetivo perseguido pela política econômica seja, muitas vezes, atendê-las, tão-somente. Não sem motivo, o Ministério da Fazenda transformou-se no ministério dos juros.

É uma forma mais diplomática de dizer o mesmo que a ex-auditora Maria Lucia Fatorelli disse, em entrevista ao Viomundo: os banqueiros sequestraram o Estado brasileiro.

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