Encontrei esse texto na internet, dá para entender muita coisa sobre a economia japonesa atual
Autor: Maria da Conceição Tavares
Publicado na Folha de São Paulo em 15/12/96
Os que previam o fim da hegemonia americana a partir das sucessivas crises do padrão dólar da década de 70 estavam equivocados. Fiz essa afirmação em vários artigos desde 1984 (Revista da CEPAL) e quero voltar ao tema, lembrando que o debilitamento do poder financeiro e industrial da potência dominante se enfrentava, aquela altura, com a crescente importância da economia japonesa. O Japão expandiu-se mais rapidamente do que todas as economias industrializadas desde os anos 50, fez uma revolução tecnológica que lhe permitiu acumular superávits comerciais crescentes, sobretudo com os Estados Unidos e tornou-se provedor de financiamentos de longo prazo possibilitando ao governo americano ampliar sem susto seu endividamento interno e externo.
Como bem assinalou, em trabalho recente, meu colega da UFRJ e parceiro em trabalhos sobre o Japão, Ernani Teixeira Torres Filho, "a perspectiva de um desafio japonês foi, no entanto, afastada no início da década de 90. A despeito da continuidade dos déficits comerciais e fiscais dos EUA, o Japão deixou de ser visto como a grande ameaça potencial aos interesses e à liderança norte-americana no mundo. Desde o Acordo de Plaza de 1985, as sucessivas valorizações do iene, a relocalização das indústrias nipônicas no exterior e, em particular, o surto especulativo verificado recentemente nos mercados de ativos de Tóquio, levaram o Japão a uma crise econômica e política sem precedentes".
Essa crise configurou o enfraquecimento de uma potência industrial que foi considerada, ao longo de todo pós-guerra, um paradigma de resposta nacional tanto ao desafio do atraso econômico (anos 50 e 60) quanto aos choques externos - elevação do preço do petróleo (1973 e 1979), aumento dos juros norte-americanos (1980) e valorização do iene (1985). Para que se possam identificar os fatores que levaram à atual crise da economia japonesa é necessário, antes de mais nada, voltar ao início da década de 80 e analisar as estratégias de ajuste adotadas pelo governo, pelas empresas e pelos bancos nipônicos, frente às pressões e aos desafios impostos pelo cenário internacional, marcado pela "Reaganomics".
Desde a política de Reagan o Japão foi o principal beneficiário direto dos déficits comerciais norte-americanos. Entre 1982 e 1986, o desequilíbrio do comércio bilateral aumentou de US$ 18 bilhões para US$ 51 bilhões, mantendo-se posteriormente em torno de US$ 45,5 bilhões. A acumulação desses mega-superávits fez com que o Japão se tornasse já em 1985 o principal credor líquido do mundo, posição tradicionalmente ocupada pelos Estados Unidos.
Diante desse quadro os Estados Unidos passaram a pressionar o Japão para que este flexibilizasse os limites às importações de bens e serviços estrangeiros e liberalizasse seu mercado financeiro. A pressão pela a "liberalização" veio acompanhada da iniciativa do governo americano, apoiada pelas principais economias capitalistas desenvolvidas, de promover uma desvalorização gradual da moeda norte-americana.
Através dos Acordos de Plaza de 1985 a expectativa era de que o iene deveria valorizar-se de 240 unidades por dólar para 160-170 unidades. Na realidade, a partir de 1987, o iene ficou em torno de 130, oscilando até menos de 100 por dólar na recente crise financeira. Esta sobrevalorização brutal reduziu consideravelmente a taxa de crescimento da economia japonesa e as margens de lucro dos setores exportadores. Para compensar essas perdas, o governo japonês decidiu ampliar a demanda interna adotando uma política monetária expansionista, que reduziu a taxa de redesconto de 5% para 2,5% ao ano. A queda dos juros mal conseguiu aquecer a economia, mas permitiu que as empresas japonesas obtivessem grandes lucros em operações de arbitragem, já que os juros dos Fundos Federais norte-americanos flutuaram entre 5,5% e 7,5%. Atualmente estima-se que os investidores japoneses detenham 30% dos "treasuries" em circulação no mercado.
As empresas produtivas japonesas lançaram-se com grande apetite em operações especulativas numa busca desenfreada por lucros não operacionais. Essa fome especulativa, acompanhada da liberalização do mercado financeiro, permitiu que as companhias nipônicas fizessem da gerência financeira uma atividade mais lucrativa do que os investimentos em bens reais. A Sony obtinha com operações de arbitragem financeira 56% de seus lucros antes dos impostos. A Toyota passou a ser conhecida como Banco Toyota e o mesmo aconteceu com outros grandes grupos empresariais, como a Matsushita, a Nissan e a Sharp.
Essa foi a gênese da bolha especulativa que jogou a economia japonesa numa profunda crise nos anos 90 e que tem como um de seus sinais mais evidentes uma enorme massa de créditos improdutivos sujeitos à reestruturação. Créditos esses que chegavam a US$ 400 bilhões em março de 1995, de acordo com o Ministério das Finanças japonês, mas que fontes não oficiais admitiam alcançar o dobro, ou seja, perto de US$ 800 bilhões.
A crise japonesa não tem, porém, apenas uma face financeira. Sua face real é igualmente importante. Para consolidar sua conquista dos mercados externos e aplicar seus excedentes de caixa, as empresas japonesas passaram a um movimento de internacionalização crescente a partir dos anos 80. Bancos, "tradings companies" e empresas industriais se tornaram globalizadas e isso acabou levando a uma deterioração dos laços de solidariedade vertical e horizontal que caracterizavam a sociedade japonesa, tornando mais difícil a coordenação de decisões empresariais e estratégicas e a distribuição equilibrada dos frutos do progresso técnico. Todo o esquema de contratos estáveis de longo prazo e de cooperação técnica que ligavam grandes e pequenas empresas ficou em xeque e, finalmente, a famosa estabilidade no emprego ficou sob ameaça. Assim começaram a ser erodidas as próprias bases internas de sustentação do paradigma japonês.
No jogo financeiro global os japoneses desempenham um papel de auxiliar de primeira linha para a continuação do financiamento externo norte-americano. Mais recentemente decidiram apoiar a prática imperial de adotar as teses do liberalismo comercial e da desregulamentação do investimento direto "para os outros", em particular seus sócios menores, os "ex-tigres asiáticos".
Na atual reunião de Cingapura o comando do jogo ficou totalmente por conta dos Estados Unidos. O Japão parece ter adotado a velha tática dos que, ao não poder lutar com um parceiro mais forte, se associam. Os demais membros da reunião são apenas parceiros menores ou comparsas claramente submetidos, a quem cabe apenas o direito de espernear.
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