Autor(es): Mauro Borges Lemos
Valor Econômico -
Desde o ano passado, é voz corrente na mídia o mau humor do mercado com a economia brasileira. Em que pese a invejável situação do país nos fundamentos macroeconômicos e do quase pleno emprego, frente ao mundo desenvolvido em crise profunda, esse mau humor persiste. Se um estrangeiro ler o noticiário dominante, vai concluir que o efeito contágio já afetou a nossa economia. Daí a sequência lógica seria a repetição do ciclo vicioso de contaminação interna de crises financeiras internacionais anteriores: escassez de reservas, deterioração do balanço de pagamentos, maxidesvalorização cambial, escalada inflacionária e explosão da dívida pública.
Das muitas críticas à política econômica do governo, uma das mais salientes é o seu ativismo, traduzido como excesso de intervencionismo estatal na economia. Na acepção corrente, esse ativismo "mais atrapalha do que ajuda", distorcendo o sistema de preços, aumentando o "custo Brasil" e, assim, comprometendo a competitividade da economia. Como parte do ativismo governamental, a política industrial é um dos alvos preferidos. A ampla desoneração da economia - quase R$ 100 bilhões até 2014, por meio da redução de tributos e do barateamento do crédito para investimento e inovação visando menores custos do capital e do trabalho - é considerada medida paliativa, incapaz de aumentar a competitividade do setor produtivo, especialmente da indústria de transformação.
Além da política macroeconômica prudente e responsável, a resposta do governo tem sido a "construção de pontes": criar agendas de diálogo com o setor produtivo sobre temas considerados estratégicos, usando, para isso, as diversas instâncias do sistema de gestão do Plano Brasil Maior - PBM.
No calor dessa onda de críticas à política industrial brasileira, foi lançado, no dia 15 de maio, o documento anual "Perspectives on Global Development", da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE. Intitulado "Industrial policies in a changing world: shifting up a gear", o estudo é dedicado à política industrial contemporânea no mundo e, em especial, à política industrial dos países emergentes www.bit.ly/14x0kqX
Fez parte da cerimônia de lançamento a mesa sobre experiências contemporâneas de política industrial dos pais emergentes (China, África do Sul, Malásia e Brasil). Como participante da mesa, tive a oportunidade de expor as diretrizes da política industrial brasileira, à luz do amplo mosaico de políticas analisadas no documento de referência.
A primeira questão que causou surpresa foi o fato de ser este o primeiro documento oficial da OCDE sobre política industrial. Por ser uma organização de países industrializados, sempre houve muita resistência em reconhecer a necessidade da política industrial como instrumento legítimo e estratégico de política econômica para o desenvolvimento das nações. Em que pesem fartas evidências históricas de que todos os países hoje desenvolvidos implementaram políticas industriais ativas em seus esforços deliberados de industrialização, o tema vem suscitando controvérsias desde o ressurgimento do liberalismo econômico nos anos 1980. A consolidação da Organização Mundial do Comércio (OMC), nos anos 1990, ampliou tais resistências, uma vez que as políticas do século passado eram fortemente baseadas em proteção tarifária e câmbios múltiplos.
O segundo motivo de surpresa foi o reconhecimento de que, além dos países emergentes, os países ricos retomaram ativamente suas políticas industriais, como consequência da crise internacional de 2008. O exemplo mais conspícuo é a política de manufatura avançada do governo Obama (Advanced Manufacturing Policy), inteiramente integrada à política de defesa e espacial, principal fonte de geração de tecnologias dos Estados Unidos desde os anos 1920.
Finalmente, a terceira surpresa foi a agradável constatação que a atual política industrial brasileira é inteiramente convergente com o que os países mais importantes do planeta estão fazendo e está alinhada às diretrizes propugnadas pelo documento da OCDE. O Brasil é fartamente citado no documento como exemplo de boas práticas de políticas industriais eficazes.
Vejamos as principais recomendações: 1) construção de legitimidade institucional para políticas industriais de longo prazo (em vez de resultado de curto prazo, a maioria das medidas do PBM é de longa maturação); 2) construção de políticas industriais baseadas em alianças público-privado (exatamente o desenho do sistema de gestão do PBM); 3) abertura de espaço político institucional para a emergência de "novos setores" críticos para a competitividade (convergente com a "criação de novas competências" do PBM); 4) garantia de financiamento estável e de longo prazo para pesquisa e desenvolvimento (como prevê o recém lançado "Inova Empresa"); 5) reconstrução de capacidades em países onde as instituições de política industrial foram desmanteladas (caso típico do Brasil, em que já foi voz corrente que a "melhor política industrial é não ter política industrial").
O lançamento do documento da OCDE e a valorização de ferramentas de apoio ao desenvolvimento da indústria são evidências de que estamos na rota de uma política industrial consistente e alinhada com as políticas contemporâneas dominantes de nossos principais parceiros comerciais. Assim, é preciso ir mais além das expectativas para enxergar as perspectivas de longo prazo da economia brasileira.
Mauro Borges Lemos é professor titular da UFMG e presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial - ABDI
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