sexta-feira, julho 29, 2011

Juros sobre dívida brasileira são os maiores entre o G20


A proporção do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro gasta com pagamento de juros da dívida pública federal vem caindo nos últimos anos, mas ainda é a maior entre as 20 maiores economias do mundo e também supera a de países europeus afetados pela crise da dívida, à exceção da Grécia.

Segundo dados da Economist Intelligence Unit (EIU) sobre 25 países mais a União Europeia (UE), compilados a pedido da BBC Brasil, o serviço da dívida brasileira consumiu 5,1% do PIB do País no ano passado, proporção inferior apenas aos 5,47% do PIB gastos pela Grécia - país que na semana passada teve aprovado um segundo pacote bilionário de resgate para garantir o pagamento de suas dívidas.

Outros países europeus afetados pela crise das dívidas têm uma proporção bem menor de gastos com juros. Portugal gastou no ano passado 3,04% de seu PIB com pagamento de juros de sua dívida, a Espanha, gastou 1,6%, a Irlanda, 3,2% e a Itália teve 4,53% de seu PIB consumido com o serviço de sua dívida.

Apesar de ter a segunda maior proporção de gastos com o serviço da dívida, o Brasil é apenas o 13º da lista quando considerada a proporção do endividamento total em relação ao PIB. Segundo os dados da EIU, a dívida total brasileira correspondia a 59% do PIB do País ao final do ano passado, proporção bastante inferior a países como Japão (199%), Grécia (143%), Itália (119%), Irlanda (95,7%) e Portugal (93%).

"A alta proporção do PIB gasta com juros pode ser vista como um fator de vulnerabilidade da economia brasileira, mas nas atuais condições não são consideradas como um grande problema", avalia Irene Mia, diretora regional para América Latina e Caribe da EIU, braço de pesquisas da revista Economist.

"O Brasil está crescendo solidamente, tem um bom superávit primário e vem recebendo um grande fluxo de divisas por meio de investimentos estrangeiros diretos. Tudo isso ajuda a compensar a vulnerabilidade de pagar juros tão altos", avalia.

Queda
A proporção do PIB brasileiro gasta com o serviço da dívida vem caindo nos últimos anos - depois de chegar a 8,54% em 2003, caiu para 5,1% no ano passado e, segundo as projeções da EIU, deve ficar em 4,9% neste ano e em 4,3% em 2015.

Nesse período, segundo a organização, o total da dívida brasileira deve cair dos atuais 59% do PIB para 53,7% do PIB em 2015. As projeções indicam que em 2015, após a reestruturação de sua dívida, a Grécia terá uma dívida equivalente a 76,1% do PIB e deverá gastar apenas 2,2% de seu PIB com o serviço de sua dívida, após um pico de 7,3% em 2012.

Outros países europeus, porém, devem verificar um grande aumento na proporção do PIB gasto com juros. A Itália deve chegar a 2015 gastando 6,1% de seu PIB com juros, Portugal deve gastar 6% e a Grã-Bretanha, que em 2010 gastou 2,95%, deve chegar a 4,6% em 2015.

O principal fator que eleva a proporção do PIB brasileiro gasta com o serviço da dívida é a alta taxa de juros básicos, já que a maior parte da dívida brasileira atual foi tomada no mercado interno. A dívida externa, tomada em moeda estrangeira e a juros praticados no mercado de crédito internacional, representa menos de 5% do total da dívida pública brasileira, segundo os dados do Banco Central (BC).

Estados Unidos e Japão
Os dados compilados pela EIU mostram que o peso da dívida brasileira é muito maior para a economia do país do que as dívidas do Japão, país com a maior dívida relativa ao PIB do mundo, e que os Estados Unidos, que têm a maior dívida nominal.

O Japão, cuja dívida total já ultrapassa os 200% de seu PIB, gastou em 2010 apenas 1,43% de seu PIB com o serviço dessa dívida. Essa proporção deverá ser ainda menor em 2011, com uma projeção de gasto de 0,8% do PIB com os juros da dívida.

No caso dos Estados Unidos, que se veem envoltos na polêmica discussão sobre o aumento do limite para o endividamento do país, dos atuais US$ 14,3 trilhões, esse valor deverá representar neste ano 68,3% do PIB do país, e os gastos com juros deverão consumir 1,4% da produção anual de riquezas americana.

Da BBC

PAC 2 tem 76% das obras em ritmo adequado, avalia governo


Brasília - O primeiro balanço do Programa de Aceleração do Crescimento do período de 2011-2014 (PAC 2) mostra que 9% das ações previstas estavam concluídas até 30 de junho.

Segundo os dados, 76% das obras estão sendo executadas em ritmo adequado, 12% necessitam de atenção e 3% estão com execução considerada preocupante. O balanço está sendo apresentado na manhã de hoje (29) pelo governo.

Com relação aos valores investidos, 89% das ações monitoradas apresentam ritmo adequado, 8% estão em estado de atenção, 2% têm execução preocupante e 1% das obras foi concluído.

Os investimentos do PAC 2 somam R$ 955 bilhões para o período entre 2011 e 2014. O programa reúne as principais ações do governo nas áreas de transporte, energia, mobilidade urbana e recursos hídricos.

Segundo o balanço apresentado pelo governo, a previsão é que até 2014 sejam investidos R$ 708 bilhões, o que representa 74% do total previsto.

As demais obras, entre elas a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro e a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste, serão concluídas depois de 2014, e têm uma previsão de execução de R$ 247 bilhões até lá.

Os empreendimentos que já foram concluídos entre janeiro e junho de 2011 somam R$ 45,7 bilhões. Entre eles estão os programas Cidade Melhor, que teve R$ 26,5 milhões para saneamento e prevenção em áreas de risco, e o Minha Casa, Minha Vida, que recebeu R$ 38 milhões.

A área de transportes teve R$ 6,1 milhões executados em portos e aeroportos. O setor de energia executou R$ 7,7 bilhões em geração, transmissão e empreendimentos de refino e produção de óleo e gás.

Fonte: Agência Brasil, Por Sabrina Craide / Edição: Juliana Andrade

Os EUA têm histórico esquecido de calotes

Obama tenta tapar buraco de US$ 1,5 trilhão no orçamento

Se ocorrer, default americano não será inédito; para a decepção dos catastrofistas, o mundo não acabará dessa vez

Patrick Cruz, iG São Paulo

Os EUA têm histórico esquecido de calotesSe ocorrer, default americano não será inédito; para a decepção dos catastrofistas, o mundo não acabará dessa vez

Na tela da TV, apresentadores e entrevistados dissecam em tom funéreo a possibilidade de os Estados Unidos anunciarem o calote de sua dívida. O canal Bloomberg adicionou drama ao exibir em sua tela um relógio com a contagem regressiva para a quebra: quatro dias, seis horas, dois minutos, nove segundos (oito, sete, seis). Analistas usam expressões tão leves quanto “episódio sem precedentes” e “catastrófico”. O horror, o horror, o horror.

Mas o mundo não acabará dessa vez. Se o Congresso não chegar a um consenso sobre a elevação do limite da dívida do país (atualmente de US$ 14,29 trilhões) até o dia 2 de agosto – e, assim, o calote for confirmado –, os EUA, que têm déficit orçamentário de US$ 1,5 trilhão, suspenderão o pagamento de suas obrigações. Os políticos têm alardeado o ineditismo dessa decisão e os mercados financeiros estão tensos com as consequências imprevisíveis, mas, em outras ocasiões, o default já ocorreu – e a vida seguiu.

Esse histórico esquecido de calotes norte-americanos começou em 1790. O país, ainda imberbe, tinha proclamado sua Constituição menos de três anos antes disso quando o recém-formado governo federal reestruturou os pagamentos dos bônus emitidos pelos Estados para financiar a guerra pela independência da Inglaterra. E foi um calote em obrigações internas e externas. “Os juros nominais foram mantidos em 6%, mas uma parte dos juros foi postergada por dez anos”, relatam Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff em “The forgotten history of domestic debt” (A história esquecida da dívida doméstica), trabalho feito para a National Bureau of Economic Research, entidade privada de pesquisa de temas econômicos criada há quase 100 anos.

Franklin Roosevelt, presidente dos EUA na moratória de 1933: devo, não nego, mas não pago em ouro

A lista de defaults ganhou novo item em 1933, o primeiro ano de Franklin Delano Roosevelt na presidência dos EUA. As finanças do governo ainda tinham uma ligação íntima com o ouro – e isso era particularmente verdade no caso dos bônus emitidos para financiar a participação norte-americana na Primeira Guerra Mundial. Esses papéis tinham uma cláusula que permitia a seus detentores optar por receber o pagamento em moedas feitas do metal precioso.

Mas como aqueles eram os dias da Grande Depressão, o governo, com a anuência do Congresso, desvalorizou o dólar e, no dia 5 de junho daquele ano, também decidiu que a cláusula do ouro não era mais válida. Como o metal era uma garantia contra a desvalorização da moeda, e como, com aquele ato, ele não seria mais usado pelo governo para honrar seus débitos, na prática, a desvalorização da moeda faria com que os detentores dos bônus recebessem menos dinheiro por esses documentos do que eles efetivamente valiam. Ações na Justiça contra a decisão chegaram à Suprema Corte, que, por cinco votos a quatro, ratificou a medida do governo. Estava decretada a moratória.

O ano de 1979 teve um quase-calote. A exemplo do que ocorre hoje, o Congresso demorou para votar a elevação do teto da dívida para US$ 830 bilhões. A proposta foi aprovada, mas não a tempo de o governo emitir cheques para todos os seus credores. Com isso, foram adiados os pagamentos que totalizavam US$ 122 milhões a investidores com títulos que venceriam em 26 de abril, 3 e 10 de maio daquele ano. O episódio foi considerado pelo Tesouro dos EUA não um calote (ainda que momentâneo), mas um problema técnico.

Calote federal, calote estadual

Houve ainda ocasiões em que Estados dos EUA deram calote. Entre 1841 e 1842, nove deles o fizeram. Depois, entre 1873 e 1884, nos recessivos anos pós-Guerra Civil, foram dez os caloteiros. No caso de West Virginia, um dos dez dessa lista, a liquidação das obrigações só ocorreria em 1919.

Há quem prefira dizer que os episódios passados seriam casos de “default técnico” e não têm a mesma dramaticidade da ameaça atual de moratória. Em 1790, a ação, orquestrada pelo secretário do Tesouro Alexander Hamilton, teria sido menos um calote e mais uma reestruturação de dívida, afirmam alguns pesquisadores. E, em 1933, os EUA postergaram unilateralmente suas obrigações, mas os pagamentos acabariam sendo feitos – ainda que não nos termos originalmente acordados.

Mas não havia, de qualquer forma, garantia de que os compromissos seriam honrados depois dos calotes (ou “defaults técnicos”). Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff (professor em Harvard e ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional) atestam as moratórias no livro Desta vez é diferente: oito séculos de loucura financeira, de 2010.

“Contrair dívidas será quase que infalivelmente uma ação a ser tomada de forma abusiva pelos governos”, foi o que disse o filósofo David Hume há quase 250 anos no ensaio “Sobre o crédito público”. Endividar-se é da essência dos governos, atestou o escocês. Para os otimistas, há (como se vê) vida depois das moratórias. Para os pessimistas, o mundo vai acabar – mais uma vez.

terça-feira, julho 26, 2011

Socialização de prejuízos


Hoje, quero falar um pouco da crise econômica e política na Europa. O drama europeu parece interminável. É o elo fraco da economia mundial. A dificuldade de coordenar uma solução convincente para a Grécia ameaça contaminar outros países da periferia do continente e, no limite, abalar o próprio projeto de integração europeu. Se a crise se aprofundar muito, ela poderá ter repercussões importantes no resto do mundo.

Por enquanto, a abordagem preferida parece ser insistir em mais do mesmo: grandes volumes de dinheiro oficial (de governos da área do euro, do Banco Central Europeu e do FMI) para “socorrer” a Grécia. Na realidade, até agora os principais beneficiários do “socorro” têm sido os credores privados do país. Desde 2010, o dinheiro oficial tem permitido que credores privados se livrem de seus empréstimos problemáticos à Grécia. Em outras palavras: está em curso uma gigantesca socialização de prejuízos.

O programa de ajustamento draconiano imposto à Grécia pelos credores oficiais vem funcionando muito mal. A economia entrou em recessão e o desemprego subiu rapidamente. A dívida pública alcançou aproximadamente 150% do PIB e tende a crescer — apesar do esforço de ajustamento que vem sendo exigido dos gregos. A resistência social e política ao programa econômico do governo cresce a cada mês que passa. A situação do país lembra muito a da Argentina há dez anos.

Um ponto em comum é a rigidez do sistema monetário (união monetária no caso da Grécia; currency board com dolarização parcial no caso da Argentina). Na impossibilidade de desvalorizar a moeda, o processo de ajustamento se mostra extremamente doloroso. Uma forma de ganhar competitividade seria forçar uma deflação de preços e salários (a chamada “desvalorização interna”). Mas isso exigiria uma recessão cavalar, solapando ainda mais o equacionamento das contas públicas. Além disso, a deflação elevaria a carga real da dívida, contribuindo para inviabilizar a Grécia do ponto de vista financeiro.

A insatisfação é geral na Europa. Numa ponta, os alemães não querem mais ajudar países “pródigos” ou “irresponsáveis” da periferia. Na outra ponta, gregos e outros periféricos se sentem massacrados por demandas insuportáveis de ajustamento.

Na Alemanha, prevalece também a percepção de que os credores privados da Grécia têm que assumir parte do ônus da crise. Mas a França e o Banco Central Europeu resistem de maneira feroz. Argumentam que qualquer tipo de reescalonamento ou reestruturação da dívida teria efeitos dramáticos em termos de contágio de outros países (Portugal e Irlanda, principalmente).

O dilema é real e agudo. Quanto maior a contribuição que se tentar obter dos credores privados, maior o risco de contágio e de instabilidade. Por outro lado, se os credores privados ficarem isentos de qualquer obrigação, a situação da Grécia pode se tornar insustentável. A essa altura, a rolagem voluntária da dívida grega é provavelmente impossível.

Os problemas distributivos decorrentes da abordagem adotada até agora vão ficando inadministráveis e invendáveis do ponto de vista político. Invendáveis na Grécia, invendáveis na Alemanha.

A turma da bufunfa tem um poder de pressão e até de chantagem verdadeiramente temível. Mas tudo tem limite.

A Grécia parece estar chegando no seu. Se não for encontrada uma solução razoável, o risco de colapso financeiro é real. E o pior é que, apesar de pequena, a Grécia pode arrastar grande parte da Europa com ela.

fonte: O Globo 25/06/2011 – Opinião

*PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional, mas expressa os seus pontos de vista em caráter pessoal

Sara Robinson: A ascensão do fascismo nos Estados Unidos

Obama, na versão apocalíptica: Socialista, autoritário, Grande Irmão e presidente ilegítimo (nasceu na África)

Estados Unidos fascistas: Já chegamos lá?

por Sara Robinson, no Blog For Our Future

Através da escuridão dos anos do governo Bush, os progressistas assistiram horrorizados ao sumiço das proteções constitucionais, à retórica nativista, ao uso do discurso de ódio transformado em intimidação e violência e a um presidente dos Estados Unidos que assumiu poderes só exigidos pelos piores ditadores da história. Com cada novo ultraje, o punhado de nós que tinha se tornado expert na cultura e na política da extrema-direita ouvia de novos leitores preocupados: Chegamos lá? Já nos tornamos um estado fascista? Quando vamos chegar lá?

E cada vez que essa pergunta era feita, gente como Chip Berlet e Dave Neiwert e Fred Clarkson e eu mesma olhava para o mapa como o pai que faz uma longa viagem e respondia com um sorriso confortador. “Bem… estamos numa estrada ruim, se não mudarmos de caminho poderíamos acabar lá em breve. Mas há muito tempo e oportunidades para voltar. Fique de olho, mas não se preocupe. Pode parecer ruim, mas não, ainda não chegamos lá”.

Ao investigar a quilometragem nesse caminho para a perdição, muitos de nós nos baseávamos no trabalho do historiador Robert Paxton, que é provavelmente o estudioso mais importante na questão de como os países adotam o fascismo. Em um trabalho publicado em 1998 no Jornal da História Moderna, Paxton argumentou que a melhor forma de reconhecer a emergência de movimentos fascistas não é pela retórica, pela política ou pela estética. Em vez disso, ele afirmou, as democracias se tornam fascistas por um processo reconhecível, um grupo de cinco estágios que identificam toda a família de “fascismos” do século 20. De acordo com nossa leitura de Paxton, ainda não estávamos lá. Havia certos sinais — um, em particular — em que estávamos de olho, e ainda não o reconhecíamos.

E agora o reconhecemos. Na verdade, se você sabe o que procura, repentinamente vê isso em todo lugar. É estranho que eu não tenha ouvido a pergunta por um bom tempo; mas se você me fizer a pergunta hoje, eu diria que ainda não chegamos, mas que já entramos no estacionamento e estamos procurando uma vaga. De qualquer forma, o futuro fascista dos Estados Unidos aparece bem grande diante do vidro do automóvel — e os que dão valor à democracia dos Estados Unidos precisam entender como chegamos aqui, o que está mudando e o que está em jogo no futuro próximo se permitirmos a essa gente vencer — ou mesmo manter o território.

O que é fascismo?

A palavra tem sido usada por tanta gente, tão erroneamente, por tanto tempo que, como disse Paxton, “todo mundo é o fascista de alguém”. Dado isso, sempre gosto de começar a conversa revisitando a definição essencial de Paxton:

“Fascismo é um sistema de autoridade política e ordem social que tem o objetivo de reforçar a unidade, a energia e a pureza de comunidades nas quais a democracia liberal é acusada de produzir divisão e declínio”.

Em outro lugar, ele refina o termo como “uma forma de comportamento político marcado pela preocupação obsessiva com o declínio da comunidade, com a humilhação e a vitimização e pelo culto compensatório da unidade, energia e pureza, na qual um partido de massas de militantes nacionalistas, trabalhando em colaboração desconfortável mas efetiva com as elites tradicionais, abandona as liberdades democráticas e busca através de violência redentora e sem controles éticos ou legais objetivos de limpeza interna e expansão externa”.

Não considerando Jonah Goldberg, é uma definição básica com a qual a maioria dos estudiosos concorda e é a que usarei como referência

Do proto-fascismo ao momento-chave

De acordo com Paxton, o fascismo surge em cinco estágios. Os dois primeiros estão solidamente atrás de nós — e o terceiro deveria ser de particular interesse para os progressistas nesse momento.

No primeiro estágio, um movimento rural emerge em busca de algum tipo de renovação nacionalista (o que Roger Griffin chama de palingenesis, o renascimento das cinzas, como a de fênix). Eles se reúnem para restaurar uma ordem social rompida, como sempre usando temas como unidade, ordem e pureza. A razão é rejeitada em favor da emoção passional. A maneira como a história é contada muda de país para país; mas ela sempre tem raiz na restauração do orgulho nacional perdido pela ressureição dos mitos e valores tradicionais da cultura e na purificação da sociedade das influências tóxicas de estrangeiros e de intelectuais, aos quais cabe o papel de culpados pela miséria atual.

O fascismo somente cresce no solo revolto de uma democracia madura em crise. Paxton sugere que a Ku Klux Klan, que se formou em reação à Restauração pós-Guerra Civil, pode ser o primeiro movimento autenticamente fascista dos tempos modernos. Quase todo país da Europa teve um movimento proto-fascista nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial (quando o Klan experimentou um ressurgimento nos Estados Unidos), mas a maior parte deles empacou no primeiro estágio — ou no próximo.

Como Rick Perlstein documentou em seus dois livros sobre Barry Goldwater e Richard Nixon, o conservadorismo moderno dos Estados Unidos foi construído sobre esses mesmos temas. Do “Despertar nos Estados Unidos” [tema de campanha de Ronald Reagan] aos grupos religiosos prontos para a Ruptura [os milenaristas], ao nacionalismo branco promovido pelo Partido Republicano através de grupos racistas de vários graus, é fácil identificar como o proto-fascismo americano ofereceu a redenção dos turbulentos anos 60 ao promover a restauração da inocência dos Estados Unidos tradicionais, brancos, cristãos e patriarcais.

Essa visão foi abraçada tão completamente que todo o Partido Republicano agora se define nessa linha. Nesse estágio, é abertamente racista, sexista, repressor, excludente e permanentemente viciado na política do medo e do ódio. Pior: não se envergonha disso. Não se desculpa para ninguém. Essas linhas se teceram em todo movimento fascista da História.

Em um segundo estágio, os movimentos fascistas ganham raízes, se tornam partidos políticos reais e ganham um lugar na mesa do poder.

Interessantemente, em todo caso citado por Paxton a base política veio do mundo rural, das partes menos educadas do país; e quase todos chegaram ao poder se oferecendo especificamente como esquadrões informais organizados para intimidar pequenos proprietários em nome dos latifundiários.

A KKK lutava contra os pequenos agricultores negros [do sul dos Estados Unidos] e se organizou como o braço armado de Jim Crow. Os “squadristi” italianos e os camisas-marrom da Alemanha reprimiam greves rurais. E nos dias de hoje os grupos anti-imigração apoiados pelo Partido Republicano tornam a vida dos trabalhadores rurais hispânicos nos Estados Unidos um inferno. Enquanto a violência contra hispânicos aumenta (cidadãos americanos ou não), os esquadrões da direita estão obtendo treinamento básico que, se o padrão se confirmar, poderão eventualmente usar para nos intimidar.

Paxton escreveu que o sucesso no segundo estágio “depende de certas condições relativamente precisas: a fraqueza do estado liberal, cujas inadequações condenam a nação à desordem, declínio ou humilhação; e a falta de consenso político, quando a direita, herdeira do poder mas incapaz de usá-lo sozinha, se nega a aceitar a esquerda como parceira legítima”.

Paxton notou que Hitler e Mussolini assumiram o poder sob essas mesmas circunstâncias: “Paralisia do governo constitucional (produzida em parte pela polarização promovida pelos fascistas); líderes conservadores que se sentiram ameaçados pela perda de capacidade para manter a população sob controle num momento de mobilização popular maciça; o avanço da esquerda; e líderes conservadores que se negaram a trabalhar com a esquerda e que se sentiram incapazes de continuar no governo contra a esquerda sem um reforço de seus poderes”.

E, mais perigosamente: “A variável mais importante é aceitação, pela elite conservadora, de trabalhar com os fascistas (com uma flexibilidade recríproca dos líderes fascistas) e a profundidade da crise que os induz a cooperar”.

Essa descrição parece muito com a situação difícil em que os congressistas republicanos estão nesse momento. Apesar do partido ter sido humilhado, rejeitado e reduzido a um status terminal por uma série de catástrofes nacionais, a maior parte produzida pelo próprio partido, sua liderança não pode nem imaginar governar cooperativamente com os democratas em ascensão. Sem rotas legítimas para voltar ao poder, sua última esperança é investir no que restou de sua “base dura”, dando a ela uma legitimidade que não tem, recrutá-la como tropa de choque e derrubar a democracia americana pela força. Se eles não podem vencer eleições, estão dispostos a levar a disputa política para as ruas e assumir o poder intimidando os americanos a se manterem silenciosos e cúmplices.

Quanto esta aliança “não santa” é feita, o terceiro estágio — a transição para um governo abertamente fascista — começa.

O terceiro estágio: chegando lá

Durante os anos do governo Bush, os analistas progressistas da direita se negaram a chamar o que viam de “fascismo” porque, apesar de estarmos de olho, nunca vimos sinais claros e deliberados de uma parceria institucional comprometida entre as elites conservadoras dos Estados Unidos e a horda nacional de camisas-marrom. Vimos sinais de flertes breves — algumas alianças políticas, apoio financeiro, palavras-de-ordem doidas da direita na boca de líderes conservadores tradicionais. Mas era tudo circunstancial e transitório. Os dois lados mantiveram uma distância discreta um do outro, pelo menos em público. O que acontecia por trás das portas, só dá para imaginar. Eles com certeza não agiam como um casal.

Agora, o jogo de advinhação acabou. Nós sabemos sem qualquer dúvida que o movimento do Teabag foi criado por grupos como o FreedomWorks do Dick Armey e o Americans for Prosperity do Tim Phillips, com ajuda maciça de mídia da Fox News [a TV de Rupert Murdoch, o magnata da mídia, é porta-voz da extrema-direita dos Estados Unidos].

Site da FreedomWorks

Site do Americans For Prosperity

[Nota do Viomundo: O movimento do Teabag foi um protesto em escala nacional, organizado pelos republicanos, com ampla cobertura da Fox, em que eleitores protestaram contra a cobrança de impostos e o tamanho do governo federal. Uma tentativa de trazer de volta a rebelião contra a cobrança de impostos que esteve na origem do movimento de independência dos Estados Unidos. Ver Boston Tea Party]

Vimos a questão dos birther [aqueles que acreditam que Barack Obama não nasceu nos Estados Unidos, mas no Quênia] — o tipo de lenda urbana que nunca deveria ter saído da capa do [jornal sensacionalista] National Enquirer — sendo ratificada por congressistas republicanos.

Vimos os manuais produzidos profissionalmente por Armey que instruem grupos de eleitores republicanos na arte de causar distúrbios no processo de governo democrático — e as imagens de autoridades públicas aterrorizadas e ameaçadas a ponto de requererem guarda-costas armados para sair de prédios [os protestos aconteceram durante audiências públicas para debater o novo sistema de saúde].

Um dos protestos aparece aqui

Vimos o líder da minoria republicana John Boehner aplaudindo e promovendo um vídeo de manifestantes e esperando por “um longo e quente agosto para os democratas no Congresso”.

Este é o sinal pelo qual estávamos esperando — o que nos diria que sim, crianças, chegamos. As elites conservadoras dos Estados Unidos jogaram abertamente seu futuro com o das legiões de descontentes da extrema-direita. Elas deram apoio explícito e poder às legiões para que ajam como um braço político nas ruas americanas, apoiando ameaças físicas e a intimidação de trabalhadores, liberais e autoridades que se neguem a defender seus [das elites] interesses políticos e econômicos.

Este é o momento catalisador em que o fascismo honesto, de Hitler, começa. É nossa última chance de brecá-lo.

O ponto decisivo

De acordo com Paxton, esse momento da aliança do terceiro estágio é decisivo — e o pior é que quando se chega a esse ponto, é provavelmente tarde para pará-lo. Daqui, há uma escalada, quando pequenos protestos se tornam espancamentos, mortes e a aplicação de rótulos em certos grupos para eliminação, tudo dirigido por pessoas no topo da estrutura de poder. Depois do Dia do Trabalho [Labor Day], quando senadores e deputados democratas voltarem a Washington, grupos organizados para intimidá-los vão permanecer na cidade e usar a mesma tática — aumentada e aperfeiçoada a cada uso — contra qualquer pessoa cuja cor, religião ou inclinação política eles não aceitem. Em alguns lugares, eles já estão tomando nota e preparando listas de nomes.

Qual é a linha do perigo? Paxton oferece três rápidas perguntas que nos ajudam a identificar:

1. Estão os neo ou proto-fascistas se tornando arraigados em partidos que representam grandes interesses e sentimentos e conseguem ampla influência na cena política?

2. O sistema econômico ou constitucional está congestionado, de forma aparentemente insuperável, pelas autoridades atuais?

3. A mobilização política rápida está ameaçando sair do controle das elites tradicionais, ao ponto que elas poderiam buscar ajuda para manter o controle?

Pela minha avaliação, a resposta é sim. Estamos muito perto. Muito perto.

O caminho adiante

A História nos diz que uma vez essa aliança [entre a elite e a tropa de choque] é formada, catalisada e tem sucesso em busca do poder, não há mais como pará-la. Como Dave Neiwert escreveu em seu livro recente, The Eliminationists, “se apenas podemos identificar o fascismo em sua forma madura — os camisas-marrom com passos de ganso, o uso de táticas de intimidação e violência, os comícios de massa — então será muito tarde para enfrentá-lo”.

Paxton (que anteviu que “um autêntico fascismo popular nos Estados Unidos será crente e anti-negros”) concorda que se uma aliança entre as corporações e os camisas-marrom tiver uma conquista — como a nossa aliança tenta agora [barrando a reforma do sistema de saúde proposta por Barack Obama] — pode rapidamente ascender ao poder e destruir os últimos vestígios de um governo democrático. Assim que ela conseguir algumas vitórias, o país estará condenado a fazer a feia viagem através dos dois últimos estágios, sem saída ou paradas entre agora e o fim.

O que nos espera? No estágio quatro, quando o dueto assumir o controle completo do país, lutas políticas vão emergir entre os crentes do partido dos camisas-marrom e as instituições da elite conservadora — igreja, militares, profissionais e empresários. O caráter do regime será determinado por quem vencer a disputa. Se os membros do partido (que chegaram ao poder através da força bruta) vencerem, um estado policial autoritário seguirá. Se os conservadores conseguirem controlá-los, um teocracia tradicional, uma corporocracia ou um regime militar podem emergir com o tempo. Mas em nenhum caso o resultado lembrará a democracia que a aliança derrubou.

Paxton caracteriza o estágio cinco como “radicalização ou entropia”. Radicalização é provável se o novo regime conseguir um grande vitória militar [Nota do Azenha: sobre a Venezuela, por exemplo], o que consolida seu poder e dá apetite para expansão e uma reengenharia social em grande escala (Veja a Alemanha). Na ausência do evento radicalizador, podemos ter a entropia, com a perda pelo estado de seus objetivos, o que degenera em incoerência política (Ver a Itália).

É fácil neste momento olhar para a confusão na direita e dizer que é puro teatro político do tipo mais absurdamente ridículo. Que é um show patético de marionetes. Que esse povo não pode ser levado a sério. Com certeza, eles estão com raiva — mas eles são minoria, fora do poder e reduzida a ataques de nervos. Os crescidos devem se preocupar com eles tanto quanto se preocupam com uma menina de cinco anos, furiosa, que ameaça segurar a respiração até ficar azul.

Infelizmente, todo o barulho e as ameaças obscurecem o perigo. Essa gente é tão séria quanto uma multidão linchadora e eles já deram os primeiros passos para se tornar uma. Eles vão se sentir mais altos e mais orgulhosos agora que suas tentativas de desobediência civil estão contando com apoio integral das pessoas mais poderosas do país, que cinicamente os usam numa última tentativa de garantir suas posições de lucro e prestígio.

Chegamos. Estamos estacionados exatamente no lugar onde nossos melhores especialistas dizem que o fascismo nasce. Todos os dias que os conservadores no Congresso, os comentaristas de extrema-direita e seus barulhentos seguidores conseguem segurar nossa capacidade de governar o país, é mais um dia em que caminhamos em direção à linha final, da qual nenhum país, mostra a História, conseguiu retornar.

Brasil sabe que não pode ser potência sozinho, diz secretária-geral da Unasul


Secretária-geral da Unasul, a colombiana Mara Emma Mejia, em entrevista à Folha no Rio de Janeiro

CLAUDIA ANTUNES – FOLHA SP
Num mundo que caminha para a regionalização, o Brasil sabe que não poderá ser uma potência forte sem integração com os vizinhos, afirmou a colombiana María Emma Mejía, que assumiu em maio a secretaria-geral da Unasul (União de Nações Sul-Americanas).

“Prevê-se que o Brasil será a quarta economia do mundo em 2014, é claro que o país tem um peso. Mas temos que trabalhar juntos se queremos ser potência. O Brasil sozinho não é a mesma coisa que o Brasil com 12 juntos”, disse ela em entrevista à Folha, relembrando conversa recente sobre o tema com o chanceler brasileiro, Antonio Patriota.

Mejía dividirá o mandato de dois anos com o atual ministro de Energia da Venezuela, Ali Rodríguez Araque. É uma prova, segundo ela, do “enorme êxito político” do bloco em desmontar crises regionais, como a que opôs seu país à Venezuela do presidente Hugo Chávez, acusada pelo ex-presidente colombiano Álvaro Uribe de apoiar as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

Ministra da Educação e das Relações Exteriores nos anos 1990, Mejía dirigiu nos últimos oito anos a Pés Descalços, fundação educativa financiada pela cantora Shakira. Foi indicada pelo presidente colombiano Juan Manuel Santos para a Unasul apesar de ser ligada — mas não “militante”, diz — a um partido de oposição, o Polo Democrático (esquerda).

A secretária-geral da Unasul veio ao Rio para inaugurar o Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde, criado pelo bloco para promover o intercâmbio de programas e estudos na área.

Ela destacou a tarefa de institucionalizar e dar “carne” à Unasul, criada em 2008 e cujo tratado acaba de entrar em vigor, depois de ratificado por dez dos 12 integrantes. Citou a organização de um secretariado “flexível, não burocrático e econômico”, em Quito, e a abertura há duas semanas do Centro de Estudos Estratégicos da Defesa, em Buenos Aires.

“É um tanque de pensamento [do inglês think-tank] para mostrar que podemos gerar nossa própria doutrina”, disse, prevendo que a proteção dos recursos naturais será a principal tarefa dos militares da região daqui a “algumas décadas”.

A Unasul também acaba de incorporar a estrutura técnica da IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana), antes coordenada pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Segundo Mejía, será proposto aos presidentes um “plano decenal” com 73 obras prioritárias — uma meta ambiciosa, já que, nos dez anos de existência da IIRSA, 29 obras de grande parte foram concluídas.

A Unasul fará uma reunião de cúpula na próxima quinta-feira, em Lima, em paralelo à posse do presidente Ollanta Humala. Leia abaixo a íntegra da entrevista.

FOLHA – A Unasul vem atuando mais como mediadora de crises na região e carece de uma institucionalização mais forte. Quais são os desafios?

MARÍA EMMA MEJÍA - A Unasul teve enormes êxitos políticos em desmontar crises, como foi o caso do rompimento de Colômbia e Venezuela, há menos de um ano, da tentativa de golpe de Estado de novembro de 2010 no Equador, da secessão prática de Santa Cruz [na Bolívia] em 2008. Todos foram problemas resolvidos, talvez de forma mais ágil do que por qualquer outro organismo multilateral que eu conheça.

A institucionalidade não existia porque somos muito jovens. O tratado foi firmado em 2008, é ratificado e entra em vigor em março de 2011. Agora, temos que gerar essa institucionalidade. O primeiro secretário-geral foi o presidente Néstor Kirchner [morto em outubro do ano passado], que teve que apagar incêndios nessas crises. Foi excelente mediador, mas não teve tempo de criar a secretaria, só ficou no cargo cinco meses. Agora nos cabe estabelecer a secretaria em Quito, trazer equipes, elaborar um orçamento, desenhar uma estrutura como os presidentes e presidentas querem: flexível, fácil, não burocrática, econômica.

O segundo desafio é a carne: os temas sociais; o Conselho de Defesa Sul-Americano, que é um grande modelo de soberania própria e não ditada por fórmulas; a área de saúde, criando esse instituto que é o segundo órgão ligado à Unasul, depois do Centro de Estudos Estratégicos de Defesa, com sede em Buenos Aires.

Há muito mais na Unasul do que se vê no plano político. Atrás da cena há toda uma bagagem de trabalhos que nascem em 2000, quando se cria a IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana), que hoje está elaborando um plano decenal para 2022. Se os presidentes estiverem de acordo, queremos um plano decenal para todas as áreas, um pouco como fez a Europa quando se desenhou há mais de 40 anos.

Nas obras inicialmente escolhidas pela IIRSA, muita coisa ficou por fazer.

A herança técnica que recebemos da IIRSA foi o Cosiplan, Conselho Sul-Americano de Planejamento de Infraestrutura, presidido pela ministra brasileira, Miriam Belchior. Anteontem terminou em Montevidéu uma reunião em que analisamos 73 obras de um banco grande de projetos. Na última década foram realizadas 29, como a ligação entre o Atlântico e o Pacífico entre Brasil e Peru.

Iniciativas como essas eram impensáveis antes, incluindo as que reúnem dois, três, quatro, cinco países. Acaba de acontecer a cúpula de ministros de Relações Exteriores e especialistas em energia dos países andinos mais o Chile. Os cinco decidiram fazer um plano de desenvolvimento energético, chamaram também a Venezuela [que deixou a Comunidade Andina de Nações].

Não necessariamente têm que ser projetos de todos. Podem ser bilaterais, com apoio privado. Mas, se conseguirmos fazer em todas as áreas — infraestrutura, luta contra as drogas, proteção das reservas naturais, segurança e defesa, saúde, educação — um plano decenal como esse, teremos uma visão de como será a região ema 2022, quando terminam nossos bicentenários com o da Independência do Brasil. Não ditamos políticas de desenvolvimento, mas podemos ajudar a coordenar.

No dia em que a sra. foi nomeada para o cargo, o presidente colombiano Juan Manuel Santos disse que a América do Sul, a América Latina, era a região do futuro. É também a sua visão?

O presidente Santos disse uma coisa muito interessante: somos países muito fortes, mas unidos somos uma potência. Há alguns dias, quando o chanceler Antonio Patriota me visitou na sede da Unasul em Quito, eu lhe disse: vocês por si só são uma potência. Ele respondeu: uma potência só não pode fazer nada, faz mais ligada a outras.

Então creio que há entre os mandatários e também entre os especialistas uma sensação de que esta é a década da América Latina. Nós viemos de toda sorte de dificuldades políticas, econômicas e sociais, da década perdida dos 1980, da década frustrada dos 1990, de golpes militares, de carências de democracia, de hiperinflação. Agora arrumamos a casa, o crescimento [médio] foi de 6% no ano passado e neste ano está projetado em 4% a 5%, a inflação está controlada em quase todos os casos, e avançamos em temas sociais, alguns países mais do que outros.

Nesse tema creio que está nossa tarefa pendente e uma das grandes responsabilidades da Unasul. No dia 28, quando teremos a cúpula em Lima, os presidentes farão sua declaração sobre a igualdade, como podemos inclusive compartilhar modelos, o que o Brasil fez, o que continua fazendo para tirar gente da pobreza.

É uma realidade, não é uma fantasia, que a América Latina junta tem uma grande oportunidade. Os presidentes estão conscientes disso, que têm que atuar juntos, independentemente de outros mecanismos de integração, do Mercosul, da Comunidade Andina de Nações. A Unasul é uma experiência inédita, não há outro organismo igual.

O papel da Unasul é sobretudo de coordenação?

Depois de falar com quase todos os presidentes e presidentas da Unasul, creio que o papel político é o primeiro. Todos foram muito categóricos nesse objetivo. Hoje somos uma zona de paz, e isso nos permite trabalhar no objetivo político de nos unirmos em tudo que for possível, inclusive com as diferenças ideológicas e nos modelos de desenvolvimento que existem. Os presidentes querem dar uma enorme prioridade a essa unidade política. Como desenvolvê-la? Vamos trabalhar em como potencializamos áreas específicas para que sejam um elemento de integração.

Uma das coisas que mais me impressionou foi a receptividade dada à Unasul pelos europeus, os chineses. O mundo vai se dividir em blocos, é muito difícil negociar país a país. Uma entidade como a Unasul se torna muito mais poderosa do que apenas um conjunto de países muito assimétricos.

Antes do presidente Santos, a impressão é que a Colômbia resistia à Unasul. Mudou o líder ou também as circunstâncias? Fala-se que a aproximação do presidente Santos com os vizinhos ocorreu muito em função do atraso na ratificação do acordo de livre comércio com os EUA.

Houve uma mudança muito profunda na política externa colombiana, não apenas no tema dos Estados Unidos. Acho que em poucos dias vão aprovar o tratado de livre comércio [nos EUA], mas há uma visão em relação aos vizinhos muito forte do presidente Santos e de sua chanceler, María Ángela Holguín, que foi embaixadora na Venezuela, na ONU. Há muito peso nessa decisão, que privilegiou a paz com a Venezuela. Não é à toa que o presidente veio ao Brasil em sua primeira viagem ao exterior depois da posse, para mostrar a prioridade à região.

Devo dizer, no entanto, que foi o presidente Álvaro Uribe quem assinou o tratado de criação da Unasul e também, decisão mais difícil, assinou o acordo para o Conselho de Defesa Sul-Americano. Era uma coisa difícil para ele, uma pessoa que estava a ponto de assinar um acordo adicional de cooperação com os EUA. Acho então que há uma mudança, um olhar mais para o sul. Quem poderia pensar que na secretaria geral da Unasul poderia estar primeiro uma colombiana e depois um venezuelano?

O peso do Brasil na região também gera reações nos vizinhos, fala-se em alguns círculos de imperialismo brasileiro. Como o Brasil é visto nos outros países da região e na Colômbia?

Prevê-se que o Brasil será a quarta economia do mundo em 2014, é claro que é um país que tem um peso. Mas temos que trabalhar juntos se queremos ser potência. O Brasil sozinho não é a mesma coisa que o Brasil com 12 juntos. Creio que o Brasil é um país admirável, não apenas por ter conseguido transformar-se em potência emergente e estar no mapa mundial, mas também por seus avanços sociais. Não é minha sensação nem tem sido neste tempo que haja algo como o peso do império, como tivemos quase um século com os EUA.

É muito diferente. Creio que estamos nos aproximando mais, como nunca. O Brasil pesa na Unasul, é evidente, mas como podem pesar Venezuela, Peru, Uruguai, Argentina. Podemos trabalhar de forma complementar.

O próprio presidente Santos quando esteve no Brasil mencionou o superavit comercial brasileiro com a Colômbia. Não há uma cobrança para que o Brasil trabalhe por mais equilíbrio entre os países da região?

Na medida em que aprofundemos a institucionalidade da Unasul, não apenas como órgão de reflexão e reação política, mas como instância de integração real, o Brasil terá um peso específico grande porque há assimetrias internas profundas. Como lidar com isso os presidentes terão que dizer. Por enquanto é um organismo jovem, mas entramos em uma nova etapa. Temos que discutir como região, e eles como líderes, para onde queremos ir, que tipo de integração haverá, se vão criar um fundo de solidariedade, um fundo de complementaridade, se vão estudar modelos e exemplos de cada país, como estamos fazendo aqui hoje com o instituto de saúde.

A revista “Economist” qualificou a Área de Integração Profunda recém-lançada por Colômbia, Peru, Chile e México como um contraponto ao Brasil desses países banhados pelo Pacífico.

Não é um contraponto. Nascemos com o espírito integracionista de Simón Bolívar, San Martín, e agora que estamos celebrando o bicentenário estamos voltando a essas origens. Essa aliança do Pacífico, temos que ver como Ollanta Humala a vê, mas hoje há declarações interessantes do Rafael Roncagliolo, seu novo ministro de Relações Exteriores [ele disse que as prioridades externas do novo governo serão a Comunidade Andina de Nações e a Unasul].

Há diferentes instâncias de integração, todas podem coexistir e creio que são necessárias. Não acredito que tenhamos que fazer uma política excludente. A aliança do Pacífico não é um obstáculo nem concorre com o Brasil. São países que buscam alternativas de integração e acredito que todas elas são positivas.

Os países da região podem chegar ao ponto de tratar juntos do problema do narcotráfico, de prescindir da colaboração dos Estados Unidos?

O grupo de trabalho sobre drogas da Unasul já se converteu em um Conselho de Luta contra as Drogas, hoje coordenado por Bolívia, com plano de ação e estatutos. É um tema mais difícil, há divergências mais profundas, temos aqui três dos principais produtores de coca do mundo [Colômbia, Peru e Bolívia].

Avançamos muito, mas não vejo por enquanto a possibilidade de buscar uma política unitária de luta contra as drogas. Foi importante colocar o tema na agenda da Unasul, mas ainda há muito o que fazer. Há posições diferentes, é preciso ser francos.

O governo da Colômbia desistiu de levar ao Congresso o último acordo com os EUA [para uso de sete bases colombianas], não?

A Corte Suprema disse que seria preciso submetê-lo ao Congresso, e o presidente Santos não viu necessidade.

A presença de tropas americanas ainda suscita desconfianças nesta parte do continente. Há perspectiva do fim dessa presença e para o fim do conflito com as Farc?

Estou convencida de que o presidente Santos e seu governo estão buscando que esse signo trágico que a Colômbia teve, com uma presença insurgente de tantos anos, em algum momento se encerre. Mas podemos cooperar na região e ter boas relações com os EUA. Não se trata de amigos e inimigos, mas de somar todas as possibilidades que existem.

Só o fato de que pudemos recuperar a confiança em nosso país e em seu processo de integração, como demonstrado pela nomeação de um secretário-geral colombiano… Acho que é uma fórmula que nasceu aqui no Brasil, que caiu muito bem, que permite superar as preocupações que possam ter existido. Se armou uma institucionalidade que permitiu a superação das desconfianças.

Na relação entre Colômbia e Venezuela, também houve uma mudança de atitude no caso da Venezuela, não? Essa mudança na relação bilateral é duradoura?

As relações entre a Colômbia e Venezuela tiveram altos e baixos ao longo da história. Mas, quando alguém tem um irmão siamês, no final se entende. E isso é o bonito que sempre nos aconteceu. Hoje se reafirma uma relação que é muito realista, que tenta recuperar seus níveis comerciais, há cooperação na fronteira, entendem-se as diferenças. Creio que será duradoura pelo estilo em que estão levando, pela confiança. É possível ver isso no Conselho de Defesa Sul-Americano, agora que estamos trabalhando no tema da transparência dos gastos militares. Quando existe confiança, não há tantas suspeitas.

A esperança é que a Unasul parta para uma etapa de construção?

É a alternativa de criar nosso próprio modelo. A América do Sul sempre foi muito herdeira de modelos externos, e hoje temos uma possibilidade real, num momento de crescimento e de certa estabilidade econômica e política, de construir esse modelo de integração.

O último relatório da Cepal, além de destacar o crescimento da região, também advertiu para riscos de desindustrialização devido à China, que demanda as matérias-primas da região e exporta seus manufaturados. A integração pode ajudar a região a não voltar a a ser apenas exportadora de seus bens naturais?

Em primeiro lugar, somos um reservatório de biodiversidade, de água potável, de florestas.

A reflexão da Cepal é válida. Temos que ver onde estão nossos ativos e detectar com antecedência os riscos que enfrentamos. Não lidamos diretamente com o tema comercial, mas os presidentes discutem como teremos que ir ajustando nosso caminho num mundo global que mudou totalmente. Um grande desafio é como construirmos capital humano, porque aí é onde haverá uma diferença que nos permitirá uma inserção verdadeira entre os emergentes.

Como está funcionando o Conselho de Defesa?

Não só conseguimos criar o conselho como apresentá-lo à Junta Americana de Defesa [da Organização dos Estados Americanos] e a todos os presidentes e presidentas da região. Busca um protocolo de paz para dar transparência ao gasto militar. Há um aprofundamento do que pode ser a área de defesa e segurança numa zona que pode ser exemplo para o mundo, e que amanhã pode passar a converter-se em temas de defesa de nossos recursos naturais.

A defesa dos recursos naturais é hoje o papel dos militares na região?

Acho que será no futuro, em algumas décadas. O Centro de Estudos Estratégicos de Defesa que inauguramos em Buenos Aires é um tanque de pensamento [do inglês think-tank] próprio, da nossa própria doutrina, de apresentar quais são as nossas teses e mostrar também que em uma área tão complexa podemos ser inovadores e gerar nossos próprios pensamentos.

Não há desconfiança sobre os planos de modernização militar do Brasil?

Não vejo isso. Não sei porque você fala tanto de desconfiança, porque é o contrário. Há confiança, confiança, confiança. Em todos os setores, da política à defesa. Há a intenção de ser transparente, o que para mim é altamente positivo, pois é dessa forma que podemos crescer como região.

Postado por Luis Favre
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segunda-feira, julho 25, 2011

O complexo de vira-lata


Celso Amorim

Até os jornais brasileiros tiveram de noticiar. Uma força-tarefa criada pelo Conselho de Relações Exteriores, organização estreitamente ligada ao establishment político/intelectual/empresarial dos Estados Unidos, acaba de publicar um relatório exclusivamente dedicado ao Brasil, -pontuado de elogios e manifestações de respeito e consideração. Fizeram parte da força-tarefa um ex-ministro da Energia, um ex-subsecretário de Estado e personalidades destacadas do mundo acadêmico e empresarial, além de integrantes de think tanks, homens e mulheres de alto conceito, muitos dos quais estiveram em governos norte-americanos, tanto democratas quanto republicanos. O texto do relatório abarca cerca de 80 páginas, se descontarmos as notas biográficas dos integrantes da comissão, o índice, agradecimentos etc. Nelas são analisados vários aspectos da economia, da evolução sociopolítica e do relacionamento externo do Brasil, com natural ênfase nas relações com os EUA. Vou ater-me aqui apenas àqueles aspectos que dizem respeito fundamentalmente ao nosso relacionamento internacional.

Logo na introdução, ao justificar a escolha do Brasil como foco do considerável esforço de pesquisa e reflexão colocado no empreendimento, os autores assinalam: “O Brasil é e será uma força integral na evolução de um mundo multipolar”. E segue, no resumo das conclusões, que vêm detalhadas nos capítulos subsequentes: “A Força Tarefa (em maiúscula no original) recomenda que os responsáveis pelas políticas (policy makers) dos Estados Unidos reconheçam a posição do Brasil como um ator global”. Em virtude da ascensão do Brasil, os autores consideram que é preciso que os EUA alterem sua visão da região como um todo e busquem uma relação conosco que seja “mais ampla e mais madura”. Em recomendação dirigida aos dois países, pregam que a cooperação e “as inevitáveis discordâncias sejam tratadas com respeito e tolerância”. Chegam mesmo a dizer, para provável espanto dos nossos “especialistas” – aqueles que são geralmente convocados pela grande mídia para “explicar” os fracassos da política externa brasileira dos últimos anos – que os EUA deverão ajustar-se (sic) a um Brasil mais afirmativo e independente.

Todos esses raciocínios e constatações desembocam em duas recomendações práticas. Por um lado, o relatório sugere que tanto no Departamento de Estado quanto no poderoso Conselho de Segurança Nacional se proceda a reformas institucionais que deem mais foco ao Brasil, distinguindo-o do contexto regional. Por outro (que surpresa para os céticos de plantão!), a força-tarefa “recomenda que a administração Obama endosse plenamente o Brasil como um membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. É curioso notar que mesmo aqueles que expressaram uma opinião discordante e defenderam o apoio morno que Obama estendeu ao Brasil durante sua recente visita sentiram necessidade de justificar essa posição de uma forma peculiar. Talvez de modo não totalmente sincero, mas de qualquer forma significativo (a hipocrisia, segundo a lição de La Rochefoucault, é a homenagem que o vício paga à virtude), alegam que seria necessária uma preparação prévia ao anúncio de apoio tanto junto a países da região quanto junto ao Congresso. Esse argumento foi, aliás, demolido por David Rothkopf na versão eletrônica da revista Foreign Policy um dia depois da divulgação do relatório. E o empenho em não parecerem meros espíritos de porco leva essas vozes discordantes a afirmar que “a ausência de uma preparação prévia adequada pode prejudicar o êxito do apoio norte-americano ao pleito do Brasil de um posto permanente (no Conselho de Segurança)”.

Seguem-se, ao longo do texto, comentários detalhados sobre a atuação do Brasil em foros multilaterais, da OMC à Conferência do Clima, passando pela criação da Unasul, com referências bem embasadas sobre o Ibas, o BRICS, iniciativas em relação à África e aos países árabes. Mesmo em relação ao Oriente Médio, questão em que a força dos lobbies se faz sentir mesmo no mais independente dos think tanks, as reservas quanto à atuação do Brasil são apresentadas do ponto de vista de um suposto interesse em evitar diluir nossas credenciais para negociar outros itens da agenda internacional. Também nesse caso houve uma “opinião discordante”, que defendeu maior proatividade do Brasil na conturbada região.

Em resumo, mesmo assinalando algumas diferenças que o relatório recomenda sejam tratadas com respeito e tolerância, que abismo entre a visão dos insuspeitos membros da comissão do conselho norte-americanos- e aquela defendida por parte da nossa elite, que insiste em ver o Brasil como um país pequeno (ou, no máximo, para usar o conceito empregado por alguns especialistas, “médio”), que não deve se atrever a contrariar a superpotência remanescente ou se meter em assuntos que não são de sua alçada ou estão além da sua capacidade. Como se a Paz mundial não fosse do nosso interesse ou nada pudéssemos fazer para ajudar a mantê-la ou obtê-la.


Celso Amorim
Celso Amorim é ex-ministro das Relações Exteriores do governo Lula. Formado em 1965 pelo Instituto Rio Branco, fez pós-graduação em Relações Internacionais na Academia Diplomática de Viena, em 1967. Entre inúmeros outros cargos públicos, Amorim foi ministro das Relações Exteriores no governo Itamar Franco entre 1993 e 1995. Depois, no governo Fernando Henrique, assumiu a Chefia da Missão Permanente do Brasil nas Nações Unidas e em seguida foi o chefe da missão brasileira na Organização Mundial do Comércio. Em 2001, foi embaixador em Londres.

sexta-feira, julho 22, 2011

Diário da Nova China (1): O século XXI será chinês



O século XX foi inquestionavelmente norteamericano. Na virada do século XIX para o XX a hegemonia inglesa já dava sinais claros de esgotamentos. Economicamente, o dinamismo das emergentes economias alemã e norteamericana ameaçava claramente a dianteira inglesa. Militarmente, a Inglaterra teve dificuldades para resolver guerras localizadas na China e na África do Sul.

Enquanto isso a Alemanha, com a pujança do esquema imposto por Bismarck, recuperava o atraso econômico do país, tornando-se rapidamente a economia mais pujante da Europa. E os EUA despontava como o outro concorrente para disputar a sucessão da decadência inglesa.

Simbolicamente, a Inglaterra perdeu pela primeira vez, uma Copa Davis para os EUA, em 1900. Mas o que teve mais efeitos foi a projeção da indústria automobilística. Começado o novo século, chegavam a Londres os primeiros carros Ford norteamericanos. Era apenas o prenúncio da projeção mundial dos EUA como nova potência econômica, no bojo da generalização do consumo de automóveis – tornado o novo sonho de consumo de todos e passaporte de ingresso à classe média.

O automóvel foi a maior mercadoria do século XX, seu consumo se generalizou e seu estilo de vida se internacionalizou, a ponto que se cunhou a expressão “civilização do automóvel” para a era do novo século. E com, ele se afirmou também um estilo de vida, o “modo de vida norteamericano”, enquanto o consumo dos carros puxava o resto das estruturas industriais e impunha um estilo de vida individualizado – ida sozinha para o trabalho, fim de semana de cada família, sentimento de poderia associado à velocidade, etc.

Quando produziu seu primeiro modelo popular, Henri Ford projetava o sonho de consumo também para os trabalhadores – a começar pelos das suas fábricas – que poderiam ter acesso à compra de autos, no projeto de um “capitalismo popular”. O resto da hegemonia norteamericana foi consolidado por Hollywood, que produziu as grandes imagens do século, recontou a história da humanidade na ótica norteamericana e conquistou mentes e corações pelo mundo afora.

Mas isso não teria dado a vitória aos EUA na sucessão da Inglaterra, não tivesse sido derrotada a Alemanha nas duas guerras mundiais – na verdade, uma só, com um intervalo. O campo ficava livre para a projeção dos EUA como líder mundial. A crise de 1929 colocou interrogações, mas a segunda guerra permitiu o aceleramento da recuperação econômica norteamericana, puxada pelo complexo industrial-militar. Enquanto a Europa era destruída, pela segunda vez, em poucas décadas, os EUA aceleravam seu crescimento econômico e chegavam ao fim da segunda guerra como o líder indiscutível do Ocidente, ameaçado apenas pelo surgimento do campo socialista, com a superação do isolamento da URSS pelo surgimento dos países do leste europeu, incoporados à influencia soviética, pelos acordos do fim da guerra.

Mas a outra novidade foi a Revolução Chinesa, inesperada, como toda revolução, heterodoxa, desconcertante. O país de maior população no mundo, abandonava o campo ocidental – onde era uma imensa colônia japonesa e norteamericana – e se somava ao campo socialista. Uma imensa rebelião camponesa colocava novos desafios para a esquerda, mas sobretudo para o campo capitalista.

Os EUA se apressaram a forçar reformas agrárias no Japão, na Coréia do Sul – bombas atômicas e guerra da Coréia que possibilitassem – para tentar desativar as contradições no campo e evitar a proliferação de novas Chinas. As estratégias guerrilheiras ganhavam força na Ásia, África e America Latina.

A liderança espetacular de Mao-Tse-Tung surgiu depois do fracasso da tentativa de reproduzir na China a estratégia bolchevique das insurreições operárias nas cidades, com duas grandes derrotas no final dos ano 20. A “longa marcha” foi o prolongado processo de mobilização e sublevação camponesa, que permitiu, primeiro a expulsão dos japoneses, depois a derrota dos EUA, que levou à vitória revolucionária de 1949.

Porém a China reproduziu, à sua maneira, as mesmas dificuldades da URSS para romper com o capitalismo e construir o socialismo a partir das condições de atraso da periferia colonizada do sistema imperialista. O período de direção de Mao – hoje completamente renegado e esquecido – foi o das grandes viradas para tentar dar “um salto adiante”, do período das “mil flores” até a revolução cultural, com sucessivos fracassos e frustrações.

Ao final da revolução cultural, conforme o discurso atual, o país estava destruído. A revolução cultural não correspondia aos contos que pensadores maoístas pintavam: uma imensa rebelião das bases da sociedade contra a tecnocracia e a burocracia, mas um processo de sistemática destruição das estruturas mesmas do novo Estado chinês, incluídas as universidades, os centros de pesquisa e o próprio Partido Comunista. 200 milhões de pessoas vagam pelo país, desempregadas, enquanto vários milhões cumpriam penas de “recuperação”, enviadas ao campo para conviver com o campesinato.

A Nova China, esta que assombra o mundo, nasce ou renasceu em 1977, com a negação mais radical de tudo o que a revolução cultural pregava. A afirmação de Den-Ziao-Ping – considerado como o refundador da China – de que “Não importa a cor do gato, contanto que ele cace o rato”, apontava para a utilização da tecnologia e todos os meios que permitissem a China retomar o caminho do progresso e da modernização. Quando a revolução cultural se havia notabilizado por concepções exatamente opostas: o que não tivesse expressamente o selo de classe, era burguês. Nesse redemoinho foram tornada maldita não apenas a tecnologia, mas a cultura – renegando-se de Balzac a Shakespeare, de Bethoven a Bach.

O Mao que os chineses reivindicavam é o líder revolucionário que derrotou e expulsou os japoneses e os norteamericanos – que permitiu a independência da China -, não o desastrado dirigente de 1949 até sua morte, em 1975. Sua imagem continua a ocupar o lugar central na majestosa Praça da Paz Celestial, junto à bandeira vermelha com a foice e o martelo, a sede do Partido Comunista e a manutenção do objetivo da construção do socialismo, com a desaparição do Estado e das classes sociais.

Mas a China atual, essa que se projeta de forma aparentemente irresistível no século XXI, foi construída a partir das diretrizes de Deng, que à referências à técnica, incentivou – de forma similar a Lenin, na tentativa de incentivar os camponeses a produzir – os chineses a se enriquecer, dizendo que isso seria “glorioso” ou, pelo menos não teriam que se envergonhar de enriquecer. Foi um retumbante apelo à desmistificação do progresso e à entrega do mais de milhão de chineses ao trabalho.

Os resultados não poderiam ser mais espetaculares. O país tirou da miséria mais de 300 milhões de pessoas, em 3 décadas, o que ninguém nunca havia feito na historia da humanidade. E o fez sem dirigir um sistema colonial ou imperialista, sem intervenções bélicas externas, sem escravidão, nem pirataria (típicos das potências coloniais e imperialistas do Ocidente).

A China recuperou espetacularmente a capacidade de crescer, em meio a um mundo ocidental decadente economicamente, recessivo. (De cada 4 guindastes que se montam no mundo, 3 estão na China.) A China considera que o “breve” período de dois séculos, em que ela foi suplantada por potências ocidentais, um parêntesis em ter suas glórias passadas e as presentes e futuras.

De fato, até o século XVIII, a China não apenas era mais desenvolvida que as potências europeias. Ela não se interessava por comprar nada do ocidente, enquanto os países europeus desejavam loucamente comprar as sedas, as especiarias, os chás, e outros tantos bens produzidos pela China. Para buscar reequilibrar o comercio, a Inglaterra invadiu a China e induziu o consumo do ópio – a chamada guerra do ópio. Não pôde se manter, se retirou para Hong-Kong (devolvido recentemente à China) e passou a exportar para esse país o ópio produzido na maior colônia inglesa – a Índia. Um negócio redondo para a Inglaterra, que passava a ter o que exportar para a China, incentivava a produção do ópio na Índia e encontrava uma mercadoria com a qual equilibrar as exportações chinesas.

Se o século XXI vai ser o século chinês, é uma questão aberta. Do ponto de vista econômico, há fortes indício de que sim. Uma combinação entre economia de mercado com um Estado fortemente regulador, parece combinar fatores positivos dos dois, respondendo em parte pelo contínuo progresso chinês. Se essa força econômica será suficiente ou não para torna-la a potência hegemônica no mundo ao longo do século XXI, depende não apenas da força econômica, mas do poderio militar, da força política, da capacidade de transformar esses elementos em predominância ideológica.

A humanidade entrou, certamente, em um período de crise hegemônica, em que a velha potência dominante se enfraquece, mas mantem sua predominância, enquanto as forças emergentes – das quais a China é a mais importante, junto com países como o Brasil e a Índia, entre outros, - ocupam cada vez mais espaços, apontando para a possível passagem de um mundo unipolar para um mundo multipolar. A China é e será o fator essencial nessa passagem.

Emir Sader

quinta-feira, julho 21, 2011

Por que a oposição não fala de economia ?



O PSDB, o jornal O Globo e seus aliados estão indignados com a corrupção no Brasil. Querem que o povo saia às ruas. Mas o povo só costuma sair às ruas quando a economia vai mal. E, curiosamente, aqueles que querem que o povo saia às ruas, não querem falar de economia. Distração? Falta de ter o quê dizer?


Marco Aurélio Weissheimer
Boletim Carta Maior - 20/07/2011


Subitamente, setores da sociedade brasileira querem que o povo saia às ruas. É preciso qualificar esses “setores da sociedade brasileira”. São aqueles que foram apeados do poder político no início dos anos 2000 e que tiveram sua agenda política e econômica dilacerada pela realidade. A globalização econômica cantada em prosa e verso nos anos 1990 revelou-se um fracasso retumbante. A globalização financeira, a única que houve, afundou em uma crise dramática que drenou bilhões de dólares da economia real, conta que, agora, está sendo paga por quem costuma pagar essas lambanças: o povo trabalhador que vive da renda de seu trabalho.

Durante praticamente duas décadas, nos anos 80 e 90, a esmagadora maioria da imprensa no Brasil e no exterior repetiu os mesmos mantras: o Estado era uma instituição ineficiente e corrupta, era preciso privatizar a economia, desregulamentar, flexibilizar. A globalização levaria o mundo a um novo renascimento. Milhares de editoriais e colunas repetiram esse discurso em jornais, rádios, tvs e páginas da internet por todo o mundo.

Tudo isso virou pó. Os gigantes da economia capitalista estão mergulhados em uma grave crise, a Europa, que já foi exemplo de Estado de Bem-Estar Social, corta direitos conquistados a duras penas após duas guerras mundiais. A principal experiência de integração regional, a União Europeia, anda para trás.

No Brasil, diante da total ausência de programa, de projeto, os representantes políticos e midiáticos deste modelo fracassado que levou a economia mundial para o atoleiro, voltam-se mais uma vez para o tema da corrupção. Essa é uma história velhíssima na política brasileira. Já foi usada várias vezes, contra diferentes governantes. Afinal de contas, os corruptos seguem agindo dentro e fora dos governos. Aparentemente, por uma curiosa mágica, eles são apresentados sempre como um ser que habita exclusivamente a esfera pública. Quando algum corrupto privado aparece com algemas, costuma haver uma surda indignação contra os “excessos policiais”.

No último domingo, o jornal O Globo publicou uma reportagem para questionar por que os brasileiros não saem às ruas para protestar contra a corrupção (aliás, o MST respondeu à pergunta, mas não teve sua resposta publicada). O Globo sabe a resposta. Como costuma acontecer no Brasil e no resto do mundo, o povo só sai às ruas quando a economia vai mal, quando há elevadas taxas de desemprego, quando as prateleiras dos super mercados tornam-se território hostil, quando não há perspectiva para a juventude. Não há nada disso no Brasil de hoje. Há outros problemas, sérios, mas não estes. A violência, o tráfico de drogas, as filas na saúde, a falta de uma educação de melhor qualidade. É de causar perplexidade (só aparente, na verdade) que nada disso interesse à oposição. Quem está falando sobre isso são setores mais à esquerda do atual governo.

Comparando com o que acontece no resto do mundo, a economia brasileira vai bem. Não chegamos ao paraíso, obviamente. Longe disso. Há preocupações legítimas em nosso vale de lágrimas que deveriam ser levadas a sério pelo governo federal sobre a correção e pertinência da atual política cambial e de juros, apenas para citar um exemplo. O Brasil virou mais uma vez um paraíso para o capital especulativo e a supervalorização do real incentiva um processo de desindustrialização.

Curiosamente, essa não é a principal bandeira da oposição. Por que estão centrando fogo no tema da corrupção e não na ausência de mecanismos de controle de capitais, por exemplo? Por que não há editoriais irados e enfáticos contra a política do Banco Central e as posições defendidas pelos agentes do setor financeiro? Bem, as respostas são conhecidas. Os partidos políticos não são entidades abstratas descoladas da vida social das comunidades. Alguns até acabam pervertendo seus ideais de origem e se transformam em híbridos de difícil definição. Mas outros permanecem fiéis às suas origens e repetem seus discursos e estratégias, década após década.
Nos últimos dias, lideranças nacionais do PSDB e seus braços midiáticos vêm repetindo um mesmo slogan: o Brasil vive uma das mais graves crises de corrupção de sua história. Parece ser uma tese com pouco futuro. Tomando as denúncias de corrupção como critério, o processo de privatizações no período FHC é imbatível. Há problemas econômicos reais no horizonte. É curioso que isso não interesse à oposição. Afinal, é isso que, no final das contas, faz o povo sair às ruas. Sempre foi assim: a guerra, a fome, o desemprego. Esses são os combustíveis das revoluções.

A indigência intelectual e programática da oposição brasileira não consegue fazer algo além do que abrir a geladeira, pegar o feijão congelado meio embolorado da UDN, colocá-lo no forno e oferecê-lo à população como se fosse uma feijoada irrecusável. Mas no fundo não se trata de indigência. É falta de alternativa mesmo. Falta de ter o quê dizer. Não falta matéria-prima para uma oposição no Brasil, falta cérebro e, principalmente, compromisso com um projeto de país e seu povo.
O modelo político-econômico que hoje, no Brasil, abraça a corrupção como principal bandeira esteve no poder nas últimas décadas por toda a América Latina e foi varrido do mapa político do continente, com algumas exceções. Seu ideário virou sinônimo de crise por todo o mundo. É preciso mudar de assunto mesmo. A verdade, em muitos casos, pode ser insuportável, ou, simplesmente, inconveniente.

Marco Aurélio Weissheimer é editor-chefe da Carta Maior (correio eletrônico: gamarra@hotmail.com)

terça-feira, julho 19, 2011

A trava dos juros :: Amir Khair


É usual nas análises da conjuntura se referir a uma variável - que tem papel relevante nos resultados fiscais, na inflação, crescimento econômico e câmbio - que é a taxa de juros da economia.

O que é interessante observar é que a taxa usada é a Selic. Mas existem duas taxas com funções distintas. A Selic, a taxa básica, definida pelo governo, e a de juros cobrada pelos bancos. No caso do cheque especial, é dez vezes maior que a Selic, como se verá à frente.

A diferença entre elas é denominada de spread bancário, onde a maior parte dele é o lucro do banco nas operações de empréstimos. Em maio, o spread para a pessoa física estava em 34,3% e para pessoa jurídica, 19,4%.

A China no dia 5 elevou suas taxas de juros para conter a inflação, que está igual à nossa. A taxa equivalente à Selic foi para 3,5% e para as pessoas 6,6% ao ano, com spread de 3,1 pontos porcentuais. O nosso é 11 (!) vezes maior (34,3 dividido por 3,1).

Vejamos os efeitos dessas duas taxas sobre a economia.

A Selic afeta: a) o déficit fiscal, pois incide sobre a dívida do governo, determinando as despesas com os juros e o custo de carregamento das reservas; b) o câmbio, ao atrair capital especulativo internacional; c) as contas externas: ao apreciar o real, reduz as exportações, eleva as importações, estimula a saída de dólares no turismo e a remessa de lucros e dividendos; d) a liquidez: ao atrair os dólares eleva a disponibilização de recursos aos bancos para empréstimos, o que vai contra o objetivo de redução da demanda para controle da inflação.

Os juros bancários afetam: a) o consumo, ao influir no valor global a ser pago nas compras; b) o investimento das empresas para as decisões de assumir riscos para a expansão das vendas e o capital de giro necessário para viabilizar o fluxo de caixa; c) a inadimplência, ao influir no valor das prestações a serem quitadas e; d) o lucro do sistema financeiro, pela essência do seu negócio.

Problema: O Brasil tem a particularidade de ter, ao mesmo tempo, essas duas taxas de juros, há vários anos, como as mais elevadas no ranking mundial, devido à política monetária adotada pelo Banco Central (BC). No caso da Selic, excluída a inflação, atingiu 6,8%, mais de quatro vezes (!) o segundo colocado, o Chile, com 1,5%. A média internacional é negativa em 0,9% e entre os emergentes é negativa em 0,5%.

Nas taxas de juros mensais do cheque especial, segundo o BC, entre 14 e 20 de junho para os seis principais bancos foram: Caixa, 8,18%, Banco do Brasil 8,69%, Itaú 8,77%, Bradesco 8,75%, HSBC, 9,72% e Santander 10,13%.

Ao comparar com a Selic de 12,25% ao ano, ou, 0,97% ao mês os juros bancários são dez (!) vezes maiores.

Trava: Nesses níveis anormais, essas duas taxas travam o desenvolvimento natural macroeconômico e impedem o País de avançar de forma saudável, pois elevam as despesas do governo, das empresas, dos consumidores, distorcem a concorrência, agravam a distribuição de renda, deslocam valores da economia real e do governo para o sistema financeiro, etc.

Agiotagem: Difícil entender que essas anomalias contam com o apoio da maioria das análises de conjuntura, que defendem mais elevação dessas taxas para controlar a inflação. Países de economia semelhante têm taxas muito inferiores e com inflação igual ou menor que a nossa. Podemos afirmar que somos, infelizmente, o paraíso da agiotagem legalizada!

Submissão: Parece haver a submissão do governo, por meio do BC, ao mercado financeiro. A presidente prometeu que no fim de 2014 a Selic, excluída a inflação, seria de 2%. É uma meta tímida e demorada. Lamentavelmente sobre as taxas de juros bancárias o governo não se pronunciou determinando limites, tendo poder legal para isso.

Expectativas: O BC consulta semanalmente as instituições do mercado financeiro sobre as previsões que fazem para a inflação, Selic, crescimento econômico, taxa de câmbio e produção industrial, reunindo-as no boletim Focus. A mídia propaga essas estimativas, que acabam servindo para “orientar” as expectativas dos agentes econômicos. Mas o mercado financeiro representa apenas 7% (!) do mercado, e tem interesse na elevação da Selic.

Várias vezes o BC foi questionado por usar uma amostra só representativa do mercado financeiro. Prometeu mudar, mas ainda não mudou. O que devia fazer é divulgar mensalmente suas próprias previsões de inflação e as expectativas representativas do mercado. Assim procede a maioria dos bancos centrais para terem credibilidade com os agentes do mercado. Tenho dúvidas se o BC vai evoluir nessa direção. Na realidade sou cético quanto a isso.

Quem paga: O Copom acaba definindo a Selic, que é indicada pelo mercado financeiro e referenda uma Selic que, quanto mais elevada, maior o lucro do sistema financeiro. Esse lucro sai do Tesouro Nacional, pois o governo federal é o único devedor dos títulos vinculados à Selic e a conta é paga pelo contribuinte por meio dos tributos.

Prejuízo: Os juros atingiram, nos últimos 12 meses até maio, R$ 220 bilhões (5,7% do PIB), quando no mundo é de 1,8% do PIB. A perda de 3,9% do PIB (5,7 menos 1,8) será crescente até o final de 2012, caso o Copom continue seguindo as previsões da Selic do mercado financeiro. Assim, a dívida do governo vai continuar subindo pelos juros crescentes e pelas injustificadas transferências por parte do Tesouro de mais R$ 55 bilhões ao BNDES, obtida com a emissão de novos títulos que pagam juros Selic. Com esse aporte ampliou o limite global das subvenções econômicas do banco para R$ 209 bilhões.

Falta de recursos: Com uma despesa tão elevada com juros, não sobram recursos para o governo expandir e dar qualidade na área social, da segurança pública, investimentos em equipamentos para a expansão dessas atividades e para a infraestrutura do País.

Esse problema é antigo. No governo FHC (1995/2002), os juros atingiram 8,6% do PIB, no governo Lula (2003/2010) 6,2% e nos 16 anos (1995 a 2010) 7,8% (!). São R$ 3,7 trilhões em valores atuais. Caso o BC não tivesse trilhado esse caminho de operar com a Selic elevada, o País seria outro, com situação fiscal equilibrada e zerado o elevado déficit social e de infraestrutura existente.

Como o governo não interfere no BC, fica obrigado a obter resultados primários (receitas menos despesas, exclusive juros) elevados para pagar apenas parte dos juros, resultando em déficits fiscais e dívida crescente. É uma bola de neve, que continuará a rolar ladeira abaixo caso não caia rapidamente a Selic e os juros bancários, que travam o desenvolvimento em prol da agiotagem.

Nuvens negras estão chegando da Europa e Estados Unidos e já estão nos afetando. O cenário externo se deteriora a cada dia e precisamos enfrentá-lo fortalecendo nossos fundamentos macroeconômicos e o principal deles é eliminar rapidamente essa distorção macroeconômica. Ainda há a esperança de que a política monetária atue a favor do desenvolvimento do País. Vamos aguardar.

Amir Khair é Mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor

(Publicado em 17/7/11 no jornal Estado de São Paulo)

Uma pareceria de tecnologia entre o Brasil e a França

Presidenta Dilma, ao lado dos ministros Nelson Jobim, Aloizio Mercadante, Gerard Longuet, da França, do presidente da Nuclep, Jaime Cardoso, e do governador Sérgio Cabral aciona máquina de corte da primeira chapa de aço para submarinos. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

Do Blog do Planalto

A presidenta Dilma Rousseff destacou, em discurso por ocasião da cerimônia de início da construção dos submarinos S-BR Brasil, em Itaguaí (RJ), que o grande mérito da parceria entre os governos do Brasil e da França é assegurar a transferência da tecnologia na construção de submarinos que, por fim, permitirão o patrulhamento das águas transnacionais brasileiras. Antes, na sede da Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep), a presidenta recebeu explicações de autoridades brasileiras e francesas sobre o projeto desenvolvido pela Marinha.

“Nessa cerimonia, nós vivemos um momento estratégico para o Brasil com o início da construção do navio submarino S-BR”, iniciou a presidenta.
Ela lembrou que um pequeno grupo de países domina a tecnologia da construção de submarinos nucleares e, por isso, conforme disse, trata-se de “um momento especial o Brasil, que dá mais um passo na condição de país desenvolvido, de uma indústria sofisticada”. Segundo a presidenta, desta forma, o país se capacita para desenvolver e utilizar tecnologias avançadas.

No discurso, a presidenta citou a Marinha – responsável pelo desenvolvimento do programa – e presidente Lula, que em 2008 iniciou o processo de parceria com a França – como sendo fatores importantes para que pudesse, na tarde desse sábado (16/7), acionar o botão que permitiu o início da operação de construção dos equipamentos.

“O grande mérito e objetivo dessa parceria é transferência de tecnologia e, portanto, uma estratégica da construção de submarino com a França… Com isso, vamos fortalecer e capacitar a Marinha do Brasil na sua modernização cada vez maior em dominar a produção de submarino de propulsão nuclear. Somos um país com o princípio da paz.”
Outro objetivo do projeto, segundo destacou, é permitir à “Marinha proteger o nosso povo e ser capaz de garantir um ambiente pacífico em nosso país e garantir a segurança de nossas riquezas naturais”. E por isso, continuou, “nada mais justo que nós tenhamos na Marinha um dos fatores de garantia da soberania desse país”.

Ainda no discurso, a presidenta Dilma Rousseff assegurou que o programa não se esgota por aí, pois ele tem por objetivo adquirir conhecimento e permitir ao setor militar tecnologias das mais avançadas. “Um programa de capacitar e qualificar profissionais. Um programa que nos dá orgulho em ver que conseguimos trilhar caminhos desde 2008 e damos o primeiro passo na construção de submarinos até chegarmos na construção de submarinos de propulsão nuclear”.

Ela lembrou, durante o discurso, os avanços conseguidos pelo governo como, por exemplo, alçar 39,5 milhões de cidadãos à classe média, fato que somente foi possível, entre outros fatores, em função do governo ter assegurado maior distribuição de renda no país. A presidenta destacou também os avanços na economia, bem como a importância de se valorizar cada um dos 190 milhões de brasileiros e brasileiras.

A presidenta mencionou também que a Nuclep, nos anos 1990, encontrava-se com suas atividades praticamente interrompidas e que passou a ganhar força em 2003 com o presidente Lula que deu início ao processo de recuperação da empresa. Dilma Rousseff prestou agradecimentos ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, e ao comandante da Marinha, almirante Júlio Soares de Moura Neto, e citou a importância das Forças Armadas no instante em que o Brasil segue na exploração e produção do petróleo na camada do pré-sal.

“Tenho certeza que nós todos, unidos num projeto comum, em que a produção dos submarinos se transforma numa posição estratégica do Brasil, na nossa capacidade de construir alianças internacionais. Sucesso a todos que estão envolvidos nesse desafio.”

A construção de submarinos no Brasil – A iniciativa faz parte do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub) da Marinha do Brasil, que prevê a construção de quatro submarinos convencionais chamados S-BR (submarino brasileiro), da classe Scorpène, de tecnologia francesa. A estimativa é de que o primeiro dos quatro submarinos esteja pronto em 2016 e seja entregue à Marinha em meados de 2017, após a realização dos testes de cais e mar. Os demais submarinos convencionais serão entregues a cada ano e meio de defasagem.

Segundo o Ministério da Defesa, o ato tem grande importância para o país, já que representa o primeiro passo para a construção do submarino com propulsão nuclear brasileiro (SN-BR), cuja previsão de entrega é 2023.

Além dos cinco submarinos, o Prosub também contempla a construção de um estaleiro e de uma base naval para abrigar as embarcações. A conclusão do estaleiro é esperada para 2014. Já a base naval deverá ficar pronta seis meses depois. As obras incluem, ainda, a instalação de uma Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas (Ufem), com inauguração prevista para novembro de 2012. A Ufem ficará ao lado da Nuclep, estatal encarregada de produzir as seções cilíndricas que formarão os corpos dos submarinos.

Durante a construção das instalações, o Ministério da Defesa estima gerar mais de 9 mil empregos diretos e outros 27 mil indiretos. Já na etapa de construção dos submarinos – apenas na área de construção naval militar – a previsão é de que sejam criados cerca de 2 mil empregos diretos e 8 mil indiretos permanentes, com utilização expressiva de mão de obra local.

Transferência de tecnologia – O acordo firmado com a França no final de 2008, no valor de R$ 6,7 bilhões, também prevê transferência de tecnologia para o Brasil. Pelo acordo, os franceses se comprometem a repassar know-how para determinadas indústrias fabricarem no Brasil itens usados nos submarinos. A estimativa é de que cada um dos submarinos contará com mais de 36 mil itens produzidos por mais de 30 empresas brasileiras. Entre esses equipamentos estão quadros elétricos, válvulas de casco, bombas hidráulicas, motores elétricos, sistema de combate, sistemas de controle, motor a diesel e baterias especiais de grande porte, além de serviços de usinagem e mecânica.

O submarino movido a energia nuclear é desenvolvido com tecnologia altamente sensível, dominada por um seleto grupo de países. Atualmente, apenas China, Estados Unidos da América, França, Inglaterra e Rússia detêm esse domínio tecnológico. Com o Prosub, o Brasil passará a integrar essa lista, já que o SN-BR terá reator nuclear e propulsão desenvolvidos pelo próprio país.

Itaguaí Construções Navais – Para viabilizar o programa de submarinos brasileiro foi constituída uma nova empresa, a Itaguaí Construções Navais (ICN), uma parceria entre a francesa Direction des Constructions Navales et Services (DCNS) e a construtora brasileira Norberto Odebrecht. A união foi formada com a participação da Marinha do Brasil, que detém golden share, com direito de veto sobre questões referentes à atuação da empresa.

O Estado indutor que precisamos



Delfim Netto, no Valor Econômico

Há alguns sinais preocupantes no horizonte para os quais temos de prestar atenção. O primeiro é a clara desarrumação política nos EUA revelada pelo cabo de guerra entre democratas e republicanos. O segundo é com relação à sucessão na China: há indícios de desacordos e ela não parece tão tranquila quanto as últimas. Ninguém sabe ao certo quando alguns problemas econômicos e sociais escondidos revelarão a sua cara. O terceiro é que a Eurolândia continua a tratar um problema de insolvência como se fosse de liquidez, o que a levará a maiores dificuldades. E o quarto é a visível mudança da mídia internacional com relação às perspectivas brasileiras. A impressão é que o setor financeiro se fartou de comer nosso peru com farofa fora do dia de Ação de Graças! Agora os "vendidos" parecem inquietar-se com os mecanismos que, em legítima defesa, o ministro Mantega tem tentado implementar.

A situação americana é realmente complicada: o presidente Obama aproveitou muito mal o "we can" que empolgou o país. Perdeu a confiança do setor real da economia. No início foi mal aconselhado política e economicamente pelos assessores que já devolveu à Academia. Em lugar de prestar atenção ao problema dos honestos que perderam o emprego, exagerou na salvação dos desonestos que produziram a crise. Os efeitos da política econômica com relação ao desemprego, que é a forma mais cruel de desperdício humano, podem ser vistos no gráfico 1, onde se compara a saída da crise de 2007/09 com as quatro que ocorreram desde o início dos anos 70. Ele revela o nível do desemprego nos EUA tendo como referência o mês em que o National Bureau of Economic Research estima o fim de cada recessão. Vemos que depois de um ano e meio do fim da recessão de 2007/09, a taxa de desemprego ainda ronda quase 10%, quando em todas as outras crises ela já havia se reduzido a qualquer coisa como 7,5%. O pior é que o "jeitão" do gráfico não é nada tranquilizador. Nada vai acontecer se o presidente Obama não recuperar a credibilidade e reduzir as incertezas.

Obama perdeu a confiança do setor real da economia
O dado mais sintético, que é a taxa de crescimento do PIB, também não parece confortador, como se vê no gráfico 2. Nele se registra o crescimento anual (trimestre contra o trimestre homônimo). Vemos uma rápida recuperação (em V) que depois de atingir o crescimento de "cruzeiro" (3%) dá sinais claros de enfraquecimento.

A informação fundamental para os emergentes é sobre a possível variação do dólar. Como ele é (e continuará a ser durante muito tempo ainda) a moeda que é a unidade de conta, de liquidação de compromissos e de reserva internacionais, o seu valor é determinante na formação dos preços nominais das "commodities". Isso influencia nossas relações de troca, o que explica, pelo menos em parte, a valorização do real. A trajetória de queda do dólar sugere que ainda há espaço para sua maior desvalorização. Não parece, portanto, que o mundo possa contar com uma recuperação robusta da economia americana antes das eleições de 2012.

Quanto à China, ela provavelmente vai crescer, mas não na mesma intensidade nos próximos 20 anos. Ela continuará a busca das três autonomias que caracterizam as potências: a alimentar (que ela persegue firme internamente com novas tecnologias e externamente com a compra de recursos naturais); a energética (com energias renováveis e métodos modernos da extração do "shale" gás); e a militar (que ela já tem suficientemente "dissuasiva"), com investimentos cada vez maiores para garantir o seu controle do "Mar da China".

É preciso não esquecer com respeito à China (e as nossas relações de troca), que os "preços acabam funcionando" e que seus níveis atuais acabarão elevando a oferta mundial de todos os nossos produtos de exportação (principalmente soja e minério de ferro) com consequências sobre eles.

O Brasil precisa colocar suas barbas de molho! Nosso modelo exportador agromineral induzido será incapaz de garantir empregos de boa qualidade para os 150 milhões de brasileiros que terão entre 15 e 65 anos em 2030. É disso que se trata. Precisamos apoiar um programa de desenvolvimento industrial e de serviços que promova forte competição interna e dê aos nossos trabalhadores e empresários inteligente proteção externa com condições isonômicas para exigir deles capacidade competitiva internacional. É, parece, o que nos oferecerá em breve a presidente Dilma Rousseff.