terça-feira, julho 05, 2011

Reforma tributária e Pão de Açúcar


Há sempre esperança de aprovar mudanças no sistema tributário ao iniciar um governo. Após alguns meses, o Executivo formula a proposta e envia ao Congresso Nacional, para que possa ser aprimorada, buscando arredondar os interesses em conflito. À sociedade interessa pagar menos tributos, e os governos federal, estaduais e municipais querem receber mais e, por isso, brigam uns com os outros para maximizar sua posição.

Há interesse em simplificar o sistema tributário, pois além de onerosa a sua gestão, abre brechas para sonegações e pendências cuja decisão acaba no Poder Judiciário, o que causa insegurança jurídica às partes envolvidas. Em todas as propostas enviadas no passado, ocorreu a interferência dos governadores e prefeitos para ampliar recursos aos seus Estados e municípios, transformando o que seria uma simplificação num verdadeiro Frankenstein tributário.

Mas a principal questão na modificação no sistema tributário é a conta dos novos tributos sobre os contribuintes, que estão dentro dos ativos e preços dos bens e serviços.

A CT - por definição, a divisão da arrecadação do setor público pelo PIB - no Brasil é considerada elevada em face de países de economia semelhante, mas convém deixar claro, que ela depende fundamentalmente do que compete, pela Constituição, ser feito pelo governo para a sociedade, especialmente nas questões sociais (saúde, educação, previdência, assistência social, habitação, transporte, cultura e segurança), além do desenvolvimento das cidades e da infraestrutura do país.

Alguns países, como a China, têm baixa CT, pois não garante a seguridade a seus cidadãos e precariza sua mão de obra. Não serve de referência, nem Estados Unidos nem Japão, onde a população paga ao setor privado para vários serviços, normalmente de responsabilidade do poder público, como nos países europeus, que têm CT mais alta.

Duas questões merecem reflexão:

1.ª) Quem ganha até dois salários mínimos paga 49% dos seus rendimentos em tributos e quem ganha mais de 30, paga 26%. A CT penaliza mais quem menos ganha, pois o consumo é fortemente penalizado, especialmente, pelo ICMS, que é um imposto que pertence aos Estados.

2.ª) Desde 2005 até 2009, a CT estava estacionada em 33,6% do PIB e, em 2010, deve atingir 34,0%. Mas só parte da arrecadação pode ser usada pelo setor público para o desempenho das suas obrigações constitucionais, pois deve abater os juros, que nos últimos 12 meses atingiram R$ 220 bilhões (5,7% do PIB), contra a média internacional de 1,8% do PIB. Assim, o que sobra é uma CT útil (CT menos juros) de 28,3% (34,0% menos 5,7%).

Comparação com os demais países, sem levar isso em consideração, induz a erro. O lamentável é que essa elevada despesa com juros se deve à taxa de juros, a mais elevada do mundo, enquanto o nível da dívida de 40% do PIB está abaixo do padrão mundial, que supera 70%. Nos países ricos, já passa de 100%.

Se não tivéssemos essa anomalia, o governo federal poderia colocar mais recursos para facilitar a aprovação da reforma tributária (RT). Se não houver redução dos juros, com a queda da Selic, torna-se difícil que prospere qualquer proposta que altere a parte central da RT, que é a substituição das 27 legislações do ICMS por uma legislação única federal com o novo tributo, denominado de Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA), com critérios homogêneos e tributação majoritariamente devida no Estado de destino.

Nesse IVA, bens de consumo popular teriam alíquota reduzida e de consumo supérfluo, majorada em relação aos níveis atuais. Caso a definição das novas alíquotas fique a critério do Senado ou do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) composto pelos secretários de Fazenda dos Estados, certamente a CT vai crescer para satisfazer os interesses dos governadores, representado por essas duas instituições.

Como essa alteração no ICMS mexe com 83% da arrecadação dos Estados torna-se necessário a criação de um Fundo de Compensação (FC) a nível federal, com regras de transição acordadas entre a União, Estados e Municípios.

O importante nesse processo é manter a CT útil, pois é ilusão pensar que as despesas do setor público vão cair. Poderão ser racionalizadas, mas dentro de limites impostos por amarrações legais. O déficit social e de infraestrutura do País é elevado, causa entraves ao desenvolvimento e ultrapassa a possível economia de recursos que se possa fazer.

A recente reunião dos governadores do Nordeste com a presidente já mostraram as mazelas do pires na mão. Os governadores querem negociar as dívidas, passando por cima da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e não querem abrir mão da guerra fiscal. O problema está nos grandes Estados, (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul) que têm relação dívida/receita mais elevada.

Essa discussão não pode ficar alheia à sociedade e a mídia tem de bater duro nas pretensões de usar como moeda de troca, para aprovação da RT, mexer na questão das dívidas e na LRF, que interessa a alguns Estados, e ao município de São Paulo, que se excederam em despesas no passado. Espero que o governo federal considere que 99% dos entes federados não têm problemas com a dívida. Ao contrário, a maioria dos Estados está abaixo dos limites estabelecidos pelo Senado e, no caso do conjunto de municípios, em vez de dívidas, têm créditos.

Guerra fiscal. A Lei Complementar n.º 24, de 1975, condicionou a concessão de qualquer benefício fiscal do ICMS à aprovação unânime dos Estados. A inobservância implica nulidade do ato e ineficácia do crédito. Mas os governadores vêm ignorando essa lei promovendo interminável guerra fiscal. No início de junho, o STF julgou ilegais os atos que desrespeitaram a Lei n.º 24/75 para alguns Estados e outras decisões ainda virão na mesma direção atingindo outros Estados. As empresas beneficiadas e as autoridades envolvidas devem responder pelo desrespeito à lei e aos danos causados ao País. A decisão do STF pode facilitar a aprovação da RT e a mídia tem papel decisivo para o sucesso na obtenção de um novo sistema tributário, mais justo, que é o que importa.

Chega de moleza e impunidade!

Pão de Açúcar. Ia terminar por aqui, mas chamou-me a atenção à disputa do empresário Abilio Diniz, do Grupo Pão de Açúcar, com seu sócio, o grupo francês Casino e seu concorrente internacional, o Carrefour.

Essa questão envolve o BNDES com recursos públicos provenientes do FAT, que pertencem aos trabalhadores, de R$ 3,9 bilhões. As centrais sindicais não foram consultadas e são contra o uso desse recurso e vão agir com peso.

O BNDES ainda vai analisar a operação, e já começou a disputa judicial aqui e no exterior, fora a avaliação do Cade. Tem longo caminho a percorrer, onde o que interessa é o que poderá ocorrer para os consumidores. Portanto, parecem precipitadas as declarações do ministro (Fernando) Pimentel e do vice-presidente do BNDES, João Carlos Ferraz, defendendo o envolvimento do banco no caso. Isso ainda vai dar muito pano para a manga. É só aguardar.

Fonte: O Estado de S.Paulo, Por Amir Khair

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