sexta-feira, julho 15, 2011

Não vamos perder o TAV da História


Evaristo Almeida *

O Shinkansen foi a primeira linha de trem de alta velocidade a operar no mundo. Ele ficou conhecido como trem bala e foi inaugurado em 1964 no Japão para os jogos olímpicos de Tóquio. Atingia a velocidade máxima de 210 quilômetros por hora. Desde então vários outros países implantaram redes de alta velocidade como a França com o TGV, a Alemanha com o Ice, a Espanha com o Ave, Coréia do Sul, Itália e China, Turquia, Bélgica, Reino Unido, Taiwan. No total são 12 países com trens de alta velocidade somando 9.969 quilômetros em operação e mais 7.686 em construção.

Os trens de alta velocidade atualmente operam em velocidade comercial de até 350 quilômetros por hora. Em teste já atingiram 580 quilômetros por hora.
No Brasil a discussão sobre a implantação de um trem de alta velocidade ligando São Paulo ao Rio de Janeiro vem sendo discutida desde os anos 1970.
No ano de 2008 uma parceria entre o BNDES e o BID contratou o consórcio Halcrow/Sinergia para realizar um estudo da viabilidade técnico financeira do Trem de Alta Velocidade – TAV ligando Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro.
O projeto prevê uma linha de 511 quilômetros de extensão, com trens que podem atingir 350 km por hora. A demanda estimada para essa linha é de 33 milhões de passageiros/ano em 2014. O custo da obra foi estimado inicialmente em R$ 34 bilhões, e cálculos feitos pelo TCU chegaram a R$ 33 bilhões. Desses R$ 24 bilhões são para obras em infra-estrutura e R$ 9 bilhões para aquisição de trens e sistemas.

O projeto financeiro da obra prevê que o BNDES financiará R$ 20 bilhões e o governo federal participará com R$ 4 bilhões por meio da empresa recém-criada Etav. Também estão previstos R$ 5 bilhões para uma repactuação de juros caso haja frustração da receita. A empresa que vencesse o leilão deveria entrar com o restante dos recursos.

O consórcio vencedor deveria escolher a tecnologia a ser utilizada, fazer o projeto básico, contratar a construtora da obra e operar o TAV. Ao governo caberia obter a licença ambiental e desapropriar as áreas por onde passará o TAV.

A licitação foi postergada duas vezes, de dezembro de 2010 para abril de 2011 e julho de 2011. No dia da entrega das propostas a licitação deu vazia, por falta de interesse de consórcios que estavam dispostos em participar do leilão.

Oposição ao TAV

Implantação de trens de alta velocidade tem sido motivo de controvérsia no mundo inteiro. Na Coréia do Sul o projeto demorou 15 anos para sair do papel. A China que tem um programa ambicioso de instalação de TAV’s, vem redimensionando o projeto em função dos custos de construção e operação.
Os opositores do TAV alegam que o Brasil precisa implantar uma rede metroviária nas grandes capitais e que não cabe gastar recursos públicos em uma obra tão vultosa. Os argumentos são os mais variados possíveis e foram vários editoriais de jornais se posicionando contra a implantação do trem rápido no Brasil.

Outra argumentação contra o trem rápido é que a passagem custará caro e que não seria acessível para a população.

Há controvérsia ainda sobre os reais valores do empreendimento. Um estudo de um analista do Senado Federal defende que ela custa R$ 55 bilhões. Já uma análise das maiores construtoras do país chegou a R$ 60 bilhões.

O empreendimento também contraria com os interesses de algumas empresas construtoras que pretendem construir um aeroporto em Caieiras. Como o TAV transforma Viracopos num dos maiores aeroportos do mundo, inviabiliza o aeroporto em Caieiras.

Quem também deve estar torcendo contra o TAV são as empresas aéreas, que teriam a concorrência do trem de alta velocidade. Em algumas linhas os aviões perderam de 50% a 80% dos passageiros para os trens rápidos.
Assim como as empresas que fazem o trajeto rodoviário entre Campinas e São Paulo e desta para o Rio de Janeiro, além de alguns trechos como até São José dos Campos, que terá a competição do TAV.

A defesa do TAV

Após a privatização das ferrovias brasileiras ocorridas em 1998, os trens de passageiros de médio e longo curso praticamente desapareceram no Brasil. Atualmente temos apenas três linhas, as da Vale, que ligam Belo Horizonte a Vitória na Estrada de Ferro Vitória a Minas – EFVM, com 664 quilômetros de extensão, num percurso de 13 horas que funciona desde 1907. A outra ferrovia da Vale que transporta passageiros é a Estrada de Ferro Carajás – EFC, que faz a ligação Parauapebas no Pará a São Luis no Maranhão, com 892 quilômetros de extensão. E finalmente temos a Estrada de Ferro Amapá – EFA, que faz regularmente transportes de passageiros nos seus 198 quilômetros de extensão ligando Macapá a Serra do Navio.

O Brasil é um país continental que pode utilizar mais do modal ferroviário para transporte de cargas e passageiros. O de cargas vem tendo um tratamento adequado pelo governo federal com a construção de mais 5 mil quilômetros de malha e 14 mil projetados. O de passageiros além do TAV inclui 15 projetos de trens regionais.

A construção do TAV vai interligar a macrometrópole formada por Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro, na qual vivem 34 milhões de brasileiros e representa 24 % do PIB do país.

Essa região é atendida por três dos principais aeroportos brasileiros Viracopos, Cumbica e Galeão, com movimento de passageiros de 44,3 milhões de passageiros/ano. Desde 2003 houve crescimento de 117% no número de passageiros no Brasil. Há previsão desse número chegar a 230 milhões em breve.

É preciso aumentar a capacidade dos aeroportos brasileiros, principalmente em São Paulo. Dessa forma o TAV viabiliza o aeroporto de Viracopos, que pode se transformar num hub latino-americano, com capacidade de 70 milhões de passageiros/ano. Isso só ocorrerá com uma ligação ferroviária entre Campinas e São Paulo. O aeroporto de Cumbica não possui ligação ferroviária com a capital paulista, assim como o Galeão com a capital carioca. O TAV vai sanar essa deficiência, viabilizando esses três aeroportos.

O mesmo ocorre com as rodovias que ligam São Paulo a Campinas, a Bandeirantes e Anhanguera, que se encontram saturadas no horário de pico e a Rodovia Dutra, que faz a ligação com o Rio de Janeiro, também já opera acima da capacidade instalada.

Dessa forma o TAV vai reduzir a necessidade de vôos entre São Paulo e Rio de Janeiro e de viagens rodoviárias no eixo Campinas-São Paulo-Rio de Janeiro, reduzindo a pressão sobre os aeroportos das três metrópoles e das rodovias que as interligam.

O trem de alta velocidade vai dar cara nova ao transporte ferroviário de passageiros. Este perdeu competitividade para o transporte rodoviário por causa da lentidão e do desconforto dos trens.

Uma análise a ser feita é o quanto de combustível fóssil de aviões, carros e ônibus deixará de ser queimado com a substituição desses pelo TAV, melhorando favoravelmente o meio ambiente com a redução da emissão de poluientes.

Com o TAV o Brasil poderá dominar toda a tecnologia que envolve esse meio de transporte, assim como o fizeram a Coréia do Sul e a China.

Sobre os custos

A priori, o consórcio Halcrow/Sinergia é quem deve se posicionar se realmente os valores que estão sendo divulgados são reais ou não. Afinal foram eles que fizeram todo o estudo, que foi respaldado pelo Tribunal de Contas da União que ainda reduziu em R$ 1 bilhão o valor estimado inicialmente.

Projetos dessa natureza são naturalmente caros, mas servem como catalisador do desenvolvimento que dinamizará mais ainda a região por onde passará o empreendimento. Mesmo se houver necessidade de subsídio a obra é interessante para o Brasil. Quando da instalação da Ferrovia D. Pedro II, depois Ferrovia Central do Brasil, que ligou o Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, por onde a obra passou não tinha nada, atualmente é a região mais rica do Brasil.
O retorno financeiro estimado pela modelagem é de 10,5%, o que é excelente em qualquer país do mundo.

Assim como democratizamos o acesso às viagens aéreas o mesmo acontecerá com o TAV com a população de menor renda utilizando das linhas de crédito, como faz com os aviões.

Apesar de alguns economistas dizerem que os recursos são escassos, não há conflito entre a construção do TAV e a implantação de metrôs e sistemas de transportes no Brasil concomitantemente.

O governo federal anunciou recentemente o PAC da Mobilidade que vai investir R$ 17,5 bilhões no país inteiro em sistemas de transporte. Em São Paulo Serão R$ 1,08 bilhão na linha 17 – Ouro. Haverá recursos para o Rio de Janeiro, Brasília, Salvador, Natal, Maceió, Recife, Belo Horizonte, Manaus, Curitiba, Porto Alegre e Cuiabá.

Em São Paulo o governo federal investirá do orçamento federal R$ 850 milhões para construir a linha 18 – Marrom, ligando por monotrilho a cidade de São Paulo com São Bernardo do Campo. Será a primeira vez que o governo federal investe diretamente no Metrô paulista.

Depois de anos de ausência de recursos financeiros, principalmente nos anos 1990, o governo federal liberou empréstimos no valor de R$ 10,5 bilhões para o Metrô e a CPTM. São recursos do BNDES, Caixa Econômica Federal, BID, BIRD e JBIC.

Dessa forma não há escassez de recursos públicos para a implantação de sistemas de transportes nas capitais. Em São Paulo há falta de capacidade de gerir os projetos, como da linha 4 – Amarela, prometida sucessivamente para 2006, 2007,2008,2009, 2010 e talvez em 2011 completem a primeira fase. A fase 2 que estava prevista para 2012, na melhor das hipóteses estará pronta em 2014. A linha 5 – Lilás que se encontra incompleta do jeito que foi inaugurada em 2002. A licitação para sua continuidade foi viciada, permitindo conluio de empresas que teve um sobrepreço de R$ 304 milhões a mais que será pago pelo contribuinte paulista.

Também é bom lembrar que duas licitações do governo paulista deram vazias, a da linha 5 – Lilás e do monotrilho até a Cidade Tiradentes. As empresas apresentaram propostas muito acima da estimada inicialmente pelo Metrô, obrigando o governo paulista a aumentar o valor estipulado e a retirada da obrigação de algumas obras, reduzindo os custos para as empreiteiras.

No monotrilho a proposta inicial era a obra custar R$ 2,09 bilhões. As empresas apresentaram um valor maior. O governo estadual aumentou a proposta e retirou do edital a instalação de escadas rolantes e elevadores que serão contratados posteriormente. A obra foi contratada por R$ 2,46 bilhões ou R$ 370 milhões a mais do que o orçamento original.


Concluindo

O TAV é um transporte de massas de alta velocidade, confiabilidade e segurança que poderá ser o início de mudança da matriz de transportes no Brasil.

No século XXI o país precisa revitalizar as ferrovias para transporte de passageiros, visto sua quase extinção com a privatização de 1998.
A implantação do TAV no trecho entre Campinas – São Paulo – Rio de Janeiro vai possibilitar uma menor pressão entre os aeroportos e rodovias da região já saturados.

Não há dicotomia entre a construção do TAV e de obras de metrô e sistemas de transportes no Brasil. Elas podem ocorrer concomitantemente.
A implantação do TAV trará mais dinamismo à macrometrópole, facilitando a mobilidade com um sistema de transporte que é mais limpo do que os usados atualmente.

Incrementará o nível de emprego e renda por onde o trem rápido passar, sendo um pólo de desenvolvimento regional e nacional.

O Brasil ainda ganhará com o domínio da tecnologia de todos os sistemas que envolvem a implantação do empreendimento. Essa expertise poderá ser utilizada para a construção de outras linhas, que poderão ser motivo de estudo, ligando Campinas-São Paulo-Belo Horizonte ou São Paulo a Curitiba.
Por todos os aspectos aqui apresentados é que sou a favor da implantação do TAV, que interligado aos trens regionais significará uma nova proposta do brasileiro viajar.

É o troco da ferrovia sobre o rodoviarismo que vinga desde os anos de 1950 no país.

É por isso que não podemos perder o TAV da História.

* Mestre em Economia Política pela PUC-SP e Coordenador do Setorial de Transportes e Mobilidade Urbana do PT

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