O objetivo deste blog é discutir um projeto de desenvolvimento nacional para o Brasil. Esse projeto não brotará naturalmente das forças de mercado e sim de um engajamento político que direcionará os recursos do país na criação de uma nação soberana, desenvolvida e com justiça social.
quarta-feira, junho 29, 2011
Delfim Netto: Oportunidade - Valor Econômico
Esse é um momento particularmente interessante para os economistas. A crise de 2007/09, que atingiu o sistema financeiro e interrompeu o "circuito econômico", já custou mais de 5% do PIB mundial e deixou desempregados mais de 30 milhões de honestos trabalhadores.
Ela mostrou as limitações dos nossos conhecimentos de como funciona, de fato, o sistema econômico. Mostrou, também, a precariedade do que parecia ser uma revolução científica: a construção da economia financeira, separada da macroeconomia, feita por pequenos economistas, supostos grandes matemáticos!
O economista é um cientista social que procura entender como funciona o mundo real (e não impor-lhe o que gostaria que ele fosse). Tenta encontrar algumas regularidades e organizar histórias plausíveis sobre elas. O resultado do seu trabalho deve ajudar a lubrificar o funcionamento das instituições que levam ao desenvolvimento sustentável com justiça social.
Nem toda atividade social é de interesse da economia, mas toda atividade econômica é de interesse social. O agente econômico é um animal mais complicado do que supúnhamos: aprende com uma racionalidade limitada inserido num universo de incertezas.
O individualismo metodológico e os agentes representativos que estão na base das nossas construções teóricas são insuficientes para entender o fenômeno das redes que dominam o universo social, da tendência à imitação dos agentes e da segurança que a norma lhes dá. Eles certamente movem-se por estímulos e interesses, mas num espaço social, numa rede na qual cada um é apenas um elemento, o que condiciona as suas escolhas.
A pobre discussão que envolveu a ideia de "Estado mínimo", por exemplo, era apenas uma ação ideologicamente motivada. Na verdade, não existe "mercado" sem um Estado capaz de garantir as condições de seu funcionamento. Numa larga medida, a forma de organização do sistema produtivo é ditada pelos que detêm o poder político e formulam a política econômica que serve aos seus interesses. A sua construção teórica e a formalização para justificá-la também são um produto ideológico.
Para entender isso, basta ver como a tomada do poder pelas finanças nos EUA levou a uma política econômica que lentamente erodiu a legislação que regulava suas atividades e fora produzida após a Grande Depressão. Muito rapidamente os "cientistas" produziram uma "ciência" que justificava a total desregulamentação da atividade financeira em nome da "eficiência" e da descoberta de "inovações" capazes de medir os "riscos": 1929 nunca mais!
É preciso incorporar no DNA dos economistas a autonomia do político. Nas situações de conflitos irreconciliáveis, só o poder político pode arbitrar. Ainda que possamos ter sugestões interessantes sobre a flexibilidade do mercado de trabalho (o que não é muito claro do ponto de vista empírico), elas são, claramente, propostas "normativas" que produzem, inevitavelmente, "vencedores" e "perdedores". É um pouco ridículo sugerir aos últimos que devem sacrificar-se em nome de um "valor maior" construído sobre a base teórica discutível da Teoria do Equilíbrio Geral...
A economia precisa voltar a abrigar contribuições de todos os matizes teóricos e ideológicos, porque aqui, como na biologia, só a diversidade é fértil. Essa é uma velha tradição da FEA/USP. Apenas para recordar. Nos idos de 1947, o ilustre professor Paul Hugon nos ensinava - na cadeira de economia política - que a moeda era "qualquer coisa" aceita pela sociedade com as qualidades de ser uma unidade de conta, de resgatar compromissos e capaz de ser reserva de valor. Era apenas um véu que escondia a economia real.
Ao mesmo tempo, o não menos ilustre professor Heraldo Barbuy - na cadeira de sociologia - nos "enriquecia", inspirado em George Simmel, ao mostrar que a coisa não era tão simples! A moeda era sim produto de uma convenção social, mas tinha profunda influência no comportamento humano, como a cupidez, a avareza e a prodigalidade e exercia profunda influência sobre a economia real. A ideia de uma moeda neutra, apenas um "véu" facilitador das trocas, era uma "imbecilidade".
Os economistas estão diante de um novo e excitante momento. Precisam aproveitar as novas oportunidades que se abrem à profissão para renovar o trabalho mais modesto de oferecer instrumentos para a boa governança dos Estados e a melhor alocação dos seus recursos. Precisam recuperar a história, a geografia, a sociologia, a psicologia, a antropologia e usar mais modestamente a topologia...
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.
Prá frente, Brasil! :: Amir Khair
O cenário internacional sofreu nos últimos dois meses sensível piora. As perspectivas para a Europa são sombrias, com a Grécia sob forte pressão para não cair em default, e expor a quantidade ignorada de títulos podres do Banco Central Europeu, usados para salvar os bancos de Irlanda, Portugal, Espanha e Grécia na crise de 2008. A nova “ajuda” em perspectiva só vai protelar e agravar o problema.
A esperança de recuperação nos EUA vai se dissipando, sob forte tensão política para elevar o limite de endividamento público atingido em maio, com exigências dos republicanos de só concordar com nova elevação mediante reduções nas despesas fiscais, cujo déficit atinge 10% do PIB.
O Japão estagnado e, sem perspectivas, e a China, locomotiva do mundo, buscando reduzir o ritmo de crescimento às voltas com ameaças crescentes de inflação.
Face a essa realidade pode-se: a) pisar no freio do crescimento e elevar a Selic sob a avaliação que há excesso de demanda e perspectivas de inflação; b) estimular o crescimento, sem o pavor da inflação, pois ela ajusta o poder aquisitivo.
A primeira opção é a defendida pelo mercado financeiro, que lucra com a política de juros elevados. Não reduz despesa, pois o aumento dos juros com a elevação da Selic supera a contenção de despesas, amarradas que estão a dispositivos legais.
A segunda tem a vantagem de maior proteção face ao imprevisível cenário externo, aproveitando o potencial interno de consumo, mola mestra para a atração dos investimentos e elevação da arrecadação pela maior atividade econômica e redução da inadimplência.
Essa arrecadação é que poderá garantir a constituição dos excedentes fiscais, juntamente com a redução das despesas com juros, para atender aos pesados investimentos no pré-sal, infraestrutura e eventos esportivos de 2014 e 2016. O aumento do salário mínimo em 14% em 2012, ao contrário do que se difunde, irá causar surpresas, pois ao nível do setor público a arrecadação proporcionada pela maior atividade, formalização e menor inadimplência irá superar com folga as despesas. É para conferir.
Felizmente o governo foi ágil ao lançar programas de fortalecimento do mercado interno: com maiores recursos ao Bolsa Família, lançou o Plano Brasil sem Miséria, a segunda fase do Minha Casa Minha Vida, e está em vias de novo plano de estímulo ao setor produtivo.
Mas falhou na política monetária - nosso calcanhar de Aquiles. O Banco Central (BC) abdicou do uso das medidas macroprudenciais e elevou a Selic. Continuará refém do mercado financeiro enquanto não usar amostra representativa das expectativas inflacionárias do mercado e não do mercado financeiro, que responde por apenas 7% do mesmo.
Enquanto isso não mudar, o País não vai se livrar da chantagem inflacionária, que justifica as maiores taxas de juros do mundo, pagas pelo governo (no fundo você contribuinte) na malfadada Selic, e pelas empresas e consumidores nas escorchantes taxas de juros bancárias, que faz do Brasil o paraíso da agiotagem legalizada.
Felizmente existem medidas que podem ajudar nessa travessia da crise mundial. Seguem quatro sugestões.
1) Para o controle da inflação, a dosagem do crédito é a mais eficaz, pois age nas prestações, o que não ocorre com a Selic.
2) Isso permite reduzir a Selic ao nível internacional no prazo de um ano. Vantagens: superávit nas contas públicas, queda acelerada da relação dívida/PIB, contenção da sobrevalorização cambial, melhora nas contas externas, redução do custo de carregamento das reservas e maior competitividade e investimento nas empresas.
3) Fixar limites às exorbitantes taxas de juros e tarifas bancárias. Isso reduz a inadimplência e a agiotagem imposta pelos bancos à sociedade. A mídia é fundamental para essa mudança.
4) Compensar o custo Brasil, com estímulos às micro e pequenas empresas, via linhas de crédito a juros favorecidos pelas instituições financeiras oficiais, e desonerações fiscais a setores que empregam mais mão de obra.
Prá frente, Brasil!
(artigo publicado nesta 4ª feira na seção de Economia do Estadão)
Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor
segunda-feira, junho 27, 2011
FGV: Brasil é único dos Brics a combinar crescimento com redução de desigualdade
Clique no título acima para ter acesso ao estudo da FGV
Ronaldo D'Ercole
SÃO PAULO - O Brasil é o país dos Brics (grupo de países emergentes formado por Brasil, Rússia Índia, China e África do Sul) que melhor tem conseguido conciliar crescimento econômico com redução das desigualdades sociais. De acordo com o estudo "Os emeregentes dos Emergentes", divulgado hoje pela Fundação Getúlio Vargas, entre 2003 e 2009 a renda per capita brasileira cresceu em média 1,8 ponto percentual acima da expsnão do Produto Interno Bruto (PIB), o melhor índice entre os emergentes.
- A desigualdade no Brasil está caindo, e muito, enquanto ela sobre nos demais Brics - diz Marcelo Neri, economista-chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV, citando a China, onde a renda das famílias avança a taxas médias dois pontos percentuais abaixo do crescimento do PIB. -- A desigualdade cresce no mundo inteiro, só cai na América Latina e no Brasil.
No período entre 2003 e 2007, segundo o estudo, a evolução da renda dos 20% mais pobres da população brasileira avançou em média 6,30% ao ano, superior à dos demais Brics, exceto a China, onde cresceu a 8,5% ao ano. Em contrapartida, as taxas médias de crescimento da renda dos 10% mais ricos da população foi muito maior nos demais Brics: de 15,1% na China; 7,6% na Ãfrica do Sul; 2,8% na Índia; e de 1,7% no Brasil.
Nos anos 2000, observou Neri, enquanto a renda dos 50% mais pobres no Brasil subiu 67,9%, os ganhos dos 10% mais ricos avançaram 10,03% em termos reais.
Segundo o estudo da FGV, os brasileiros são os mais otimistas em relação às suas condições de vida no futura, chamada de "felicidade futura". Numa escala de 0 a 10, o brasileiro dá nota média de 8,7 à expectativa de satisfação com a vida em 2014, a melhor avaliação numa amostra de 146 países pesquisados, cuja média foi de 6,5. Em relação à condição atual de vida, o brasileiro também lidera o ranking, com nota média 7.
- O brasileiro é o que apresenta maior expectativa de felicidade futura, superando inclusive a Dinamarca, líder mundial de felicidade presente - diz Neri. - Esse dado revela talvez uma característica do brasileiro, que é ser meio otimista por natureza. Esse é um componente cultura e ajuda a entender a natureza do brasileiro. O que pode não ser uma virtude, mas é um traço da população.
Ascensão social acelerada
O resultado dessa combinação de crescimento econômico com redução de desigualdade aparece na intensa mobilidade dos brasileiros na pirâmide social. De 2003 até este ano, 48,7 milhões de brasileiros ascenderam para as classes A, B e C, um salto de 47,94% no número de brasileiros das chamdas classe médida e média alta.
- Esse contingente equivale a uma população da África do Sul, ou da Espanha
- observa Neri.
E somente entre 2009 e maio deste ano, foram 13,08 milhões os brasileiros que ingressaram nas classes AB/C.
- O que explica vários desses dados é o simples fato de o país estar se tornando um país normal. Hoje com a inflação controlada, menos desigualdade, taxas de crescimento que se sucedem há uma década e veloluindo em áreas como a educação - diz Neri.- O Brasil é um país cheio de problemas, mas se você começa a introduzir avanços os ganhos são enormes.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/economia/mat/2011/06/27/fgv-brasil-unico-dos-brics-combinar-crescimento-com-reducao-de-desigualdade-924771714.asp#ixzz1QW5aLpyu
O desastre neoliberal da Grécia
Autor: Michael Hudson
Por Luiz Lima
Amig@s,
Eis aqui uma tradução ao espanhol do novo artigo de Michael Hudson para o "CounterPunch". Infelizmente não disponho de tempo, no momento, para vertê-lo ao português. Abraços a tod@s.
Los banqueros se preparan para violar a Grecia: los socialdemócratas votan por el suicidio nacional
Michael Hudson CounterPunch
Traducido del inglés para Rebelión por Germán Leyens
La lucha por el futuro de Europa se está librando en Atenas y otras ciudades griegas que se resisten a las exigencias financieras que son la versión en el Siglo XXI de un ataque militar directo. Sin duda, la amenaza de supremacía de los bancos no es el tipo de política asesina de la economía que proporcione oportunidades para mostrar heroísmo en la batalla armada. Las políticas financieras destructivas se parecen más a un ejercicio en la banalidad del mal, en este caso las conjeturas favorables a los acreedores del Banco Central Europeo (BCE), la UE y el FMI (incitado por el Tesoro de EE.UU.).
Como señaló Vladimir Putin hace algunos años, las reformas neoliberales colocadas en manos de Boris Yeltsin por los Harvard Boys en los años noventa, llevaron a que Rusia sufriera tasas de natalidad más bajas, esperanza de vida más corta y emigración –la mayor reducción del crecimiento de la población desde la Segunda Guerra Mundial. La huída de capitales es otra consecuencia de la austeridad financiera. La “solución” al problema de la deuda de Grecia propuesta por el BCE es por lo tanto contraproducente. Solo sirve para que el BCE gane tiempo para apoderarse de más deuda del gobierno griego, dejando que todos los contribuyentes de la UE paguen la cuenta. Para evitar ese traspaso de las pérdidas de los bancos a los contribuyentes, Angela Merkel en Alemania ha insistido en que los dueños privados de bonos deben absorber parte de la pérdida que resulta de sus malas inversiones.
Los banqueros tratan de obtener una ganancia inesperada utilizando el martillo de la deuda para lograr lo que hacía la guerra en el pasado. Exigen la privatización de activos públicos (a crédito, con deducción tributaria para los intereses de manera que quede más flujo de efectivo para pagar a los banqueros). Esta transferencia de tierras, servicios públicos e intereses como botín financiero y tributo a las economías acreedoras es lo que hace que la austeridad financiera se parezca a la guerra en su efecto.
Sócrates dijo que la ignorancia debe ser la raíz de todo mal, porque nadie se propone deliberadamente ser malo. Pero la “medicina” económica de llevar a los deudores a la pobreza y de forzar la venta de su dominio público se ha convertido en una sabiduría socialmente aceptada enseñada en las actuales escuelas de gestión. Se pensaría que después de cincuenta años de programas de austeridad y de ventas de privatización para pagar malas deudas, el mundo habría aprendido bastante sobre las causas y las consecuencias.
La profesión bancaria decide deliberadamente ser ignorante. La “Buena práctica aceptada” está apoyada por Premios Nobel de Economía para suministrar un manto de negabilidad plausible cuando los mercados son “inesperadamente” vaciados y la nueva inversión disminuye como resultado de economías que se desangran en lo financiero al estilo medieval, mientras la riqueza es absorbida por la punta de la pirámide económica.
A mi amigo David Kelley le gusta citar el comentario sarcástico de Molly Ivins: “Es difícil convencer a la gente de que la estás matando por su propio bien”. El intento de la UE de hacerlo no tuvo éxito en Islandia. Como los islandeses, los manifestantes griegos están hasta la coronilla de docta ignorancia neoliberal de que la austeridad, el desempleo y los mercados en contracción son el camino hacia la prosperidad, no a más pobreza. Por lo tanto hay que preguntar ¿qué motiva a los bancos centrales a promover a administradores con estrechez de miras, que siguen las órdenes y la lógica de un sistema que impone innecesarios sufrimientos y desperdicio, todo para continuar con la banal obsesión de que los bancos no deben perder dinero?
Hay que concluir que los nuevos planificadores centrales de la UE (¿No es lo que Hayek dijo que era el Camino a la Servidumbre?) actúan como guerreros de clase al exigir que todas las pérdidas sean sufridas por las economías al imponer la deflación de la deuda y al permitir que los acreedores se apoderen de activos. Como si esto no empeorara el problema. Esta línea dura del BCE está respaldada por el secretario del Tesoro de EE.UU., Geithner, evidentemente a fin de que las instituciones estadounidenses no pierdan sus apuestas en juegos de derivados que han emprendido.
Es una repetición de la intervención de Geithner para impedir el alivio de la deuda irlandesa. El resultado es que entramos en un territorio absurdo en el cual el BCE y el Tesoro insisten en “renegociación voluntaria” sobre la base de que algún banco puede haber tomado un riesgo del tipo AIG al ofrecer seguro contra default o apuesta a que pueda hacerlo perder tanto dinero que sería necesario otro rescate. Es como si el juego financiero fuera económicamente necesario, no parte de Las Vegas. ¿Por qué les iba a importar un dracma a los griegos? Es un problema regulatorio entre bancos europeos. Pero para soslayarlo, el BCE dice a Grecia que venda sus derechos de agua y de alcantarillado, puertos, islas y otra infraestructura.
Esto vira hacia el teatro financiero del absurdo. Por cierto, algunos intereses especiales siempre se benefician del absurdo sistémico, por banal que sea. Los mercados financieros siempre se han basado en que Grecia terminará por hacer default. Sólo es cuestión de cuándo. Los bancos están aprovechando el tiempo para apoderarse de todo lo que pueden y pasar las pérdidas al BCE, la UE y el FMI, instituciones “públicas” que tienen más influencia que los acreedores privados. Por lo tanto los banqueros se convierten en patrocinadores de lo absurdo y de la economía chatarra lanzada tan irreflexivamente por los ejecutores, porristas por la banalidad del mal. No importa realmente si sus nombres son Trichet, Geithner o Papandreu. Solo son bultos emparentados sobre el calamar vampiro de las demandas de los acreedores.
Las multitudes griegas que se manifiestan frente al Parlamento en la Plaza Syntagma están suministrando su contraparte a la “primavera árabe”. Pero en realidad, ¿qué pueden hacer, a falta de violencia, mientras la policía y los militares se ponen de parte del gobierno que por su parte se pone de parte de los acreedores extranjeros?
La táctica más efectiva es pedir un referendo nacional sobre si se aceptan los términos de austeridad, aumentos de impuestos, recortes de los gastos públicos y privatizaciones del BCE. Es como el presidente de Islandia impidió que la dirigencia socialdemócrata de su país comprometiera la economía a pagos ruinosos (e innecesarios desde el punto de vista legal) ante las exigencias del Partido Laborista de Gordon Brown y de los holandeses para Icesave e incluso los rescates de Kaupthing.
La única base legal para exigir el pago del rescate por la UE de bancos franceses y alemanes -y la exigencia del secretario del Tesoro de EE.UU., Tim Geithner, de que las deudas deben ser sacrosantas, no las vidas de los ciudadanos– es la aceptación y aquiescencia pública de una política semejante. De otra manera la imposición de la deuda podría tratarse simplemente como un acto de guerra financiera.
Las economías nacionales tienen derecho a defenderse contra una agresión semejante. Los dirigentes populares pueden insistir en que, a falta de un referendo, se proponen elegir un programa político comprometido con la anulación directa de la deuda. El derecho internacional prohíbe que las naciones traten a sus propios ciudadanos de un modo diferente a los extranjeros, de modo que todas las deudas en categorías específicas deberían anularse para crear una Tabula Rasa. (La Reforma Monetaria Alemana de 1947 impuesta por las Potencias Aliadas fue la Tabula Rasa más exitosa de los tiempos modernos. Liberar a la economía de la deuda [incluidas las reparaciones a Grecia por el descalabro de la Segunda Guerra Mundial] se convirtió en la base del milagro económico alemán.)
No se trata de la primera propuesta semejante para Grecia. Hacia finales del Siglo III a.de C., los reyes de Esparta, Agis y Cleómenes, presionaron por la cancelación de una deuda, cómo lo hizo Nabis después de ellos. Plutarco cuenta la historia, y también explica el trágico defecto de esa política. Propietarios absentistas que habían pedido prestado para comprar bienes raíces respaldaron la cancelación de la deuda, obteniendo un inmenso beneficio.
Sería mucho más el caso en la actualidad que en el pasado, cuando la gran masa de la deuda es deuda hipotecaria. Imaginad lo que una cancelación de la deuda haría a los Donald Trump de la economía –habiendo adquirido propiedad con crédito con un mínimo de inversión propia, ¡debiendo repentinamente nada a los bancos! El objetivo de una reforma financiera-fiscal debería ser liberar la economía de gastos fijos financieros que son tecnológicamente innecesarios. Para evitar hacer un regalo a los propietarios absentistas, una cancelación de la deuda tendría que combinarse con un impuesto a la renta económica. El sector público recibiría el valor de arrendamiento de la tierra como su base fiscal.
Sucede que éste era el objetivo básico de los economistas del libre mercado del Siglo XIX: gravar la tierra y la naturaleza –y los monopolios naturales– en lugar de gravar el trabajo y los bienes capitales. El objetivo era mantener para el público lo que crean la naturaleza y la infraestructura pública. Hace un siglo se creía que los monopolios como los que ahora tienen en la mira los privatizadores deberían ser operados por el sector público; o, si se dejaban en manos públicas, sus precios serían regulados para mantenerlos en línea con los costes reales de producción. En los casos en los que propietarios privados ya habían tomado posesión de la tierra, las minas o los monopolios, el ingreso de la renta de esos privilegios de propiedad sería totalmente gravado. Esto incluye el privilegio financiero del que gozan los bancos en la creación de crédito.
El camino para reducir costes es reducir los “malos” impuestos que aumentan el precio de producción, sobre todo los impuestos sobre la mano de obra y el capital, los impuestos a la venta y los impuestos al valor agregado. Al contrario, los impuestos a la renta recaudan el “almuerzo gratuito” de la economía, y por lo tanto dejan menos disponibilidad para comprometerla con los bancos para ser capitalizada en servicio de la deuda en préstamos más elevados. Al transferir la carga tributaria griega de la mano de obra a la propiedad se reduciría el precio de de suministro de mano de obra, y también el precio de la vivienda que está aumentadndo debido a los créditos bancarios.
Un cambio del impuesto sobre la tierra fue la propuesta primordial de reforma de los siglos XVIII y XIX, de los fisiócratas y de Adam Smith hasta John Stuart Mill y los reformadores de la Era Progresista de EE.UU. El objetivo era liberar los mercados de las rentas hereditarias de la aristocracia terrateniente originadas en la conquista vikinga medieval. Esto liberó las economías del feudalismo, y mantuvo a raya los precios en relación con los costes de producción socialmente necesarios.
Todo gobierno tiene el derecho de cobrar impuestos, mientras lo haga uniformemente a los propietarios del interior así como a los propietarios extranjeros. Fuera de re-nacionalizar la tierra y la infraestructura la imposición completa de su renta económica (pagos de acceso para lugares cuyo valor es creado por la naturaleza o por mejoras públicas) devolvería a las autoridades griegas lo que los acreedores tratan de agarrar.
Esta clásica amenaza de los reformadores del Siglo XIX es la respuesta que los griegos pueden dar al Banco Central Europeo. Pueden recordar al resto del mundo que fue, después de todo, el ideal de los mercados libres como fue expresado desde Adam Smith a John Stuart Mill en Inglaterra, y que fue la base de los gastos públicos, las agencias reguladoras y la política tributaria de EE.UU. durante su período de ascenso.
Cuán extraño (y triste) es que el propio Partido Socialista que gobierna en Grecia, cuyo líder dirige la Segunda Internacional, haya rechazado este programa centenario de reformas. No es comunismo. No es ni siquiera inherentemente revolucionario, o por lo menos no lo era cuando se formuló. Es socialismo del tipo reformista en el que culminaron dos siglos de economía política clásica.
Pero es el tipo de mercados libres contra el que lucha el BCE, respaldado por las estridentes exhortaciones del secretario del Tesoro Geithner de EE.UU. Obama no dice nada, deja en manos de burócratas de Wall Street la fijación de la política económica nacional. ¿Está mal? ¿O es solo pasivo e indiferente? ¿Representaría una gran diferencia para el resultado final?
Resumiendo, los objetivos de la agresión financiera extranjera son los mismos que en la conquista militar: la tierra y el dominio público. Pero las naciones tienen derecho a gravar el rendimiento de la renta además del rendimiento de la inversión de capital. Contrariamente a las demandas de la UE de “devaluación interna” (recortes de salarios) como medio para reducir el precio de la mano de obra griega para hacerla más competitiva, la reducción de los niveles de vida no es el camino a seguir. Reduce la productividad de la mano de obra mientras erosiona el mercado interior, llevando a una espiral en deterioro de contracción económica.
La necesidad de un referendo popular
Todo gobierno tiene derecho y por cierto la obligación política de proteger su prosperidad y subsistencia a fin de mantener a su población dentro del país en lugar de conducirla a emigrar o a una posición de dependencia financiera de rentistas. En el corazón de la democracia económica está el principio de que ninguna nación soberana tiene la obligación de renunciar a su dominio público o a sus impuestos, y por ello a su prosperidad económica y su subsistencia futura, ante los extranjeros o en cualquier caso a una clase financiera interior. Por eso Islandia votó “no” en el referendo de la deuda. Su economía se está recuperando.
Irlanda votó “sí” y ahora enfrenta una nueva gran emigración comparable con la que sobrevino después de las emigraciones impulsadas por la pobreza y la hambruna de mediados del Siglo XIX. Si Grecia no fija un límite, será una victoria de la agresión financiera y fiscal que le impondrá la esclavitud por deudas.
Las finanzas se han convertido en el modo de guerra preferido del Siglo XXI. Su objetivo es apropiarse de la tierra y la infraestructura pública para sus propias elites del poder. El logro de este objetivo por medios financieros, imponiendo la esclavitud por deudas a poblaciones sometidas, evita el sacrificio de vidas de la potencia agresora, pero solo mientras los países deudores sometidos acepten voluntariamente su carga. Si no hay referendo, la economía nacional no se puede responsabilizar de pagar las deudas debidas incluso a acreedores “preferidos”: el FMI y el BCE. Activos que se privatizan por insistencia de bancos extranjeros pueden ser re-nacionalizados. Y exactamente igual que las naciones atacadas militarmente pueden entablar un proceso legal, Grecia puede presentar una demanda por la devastación causada por la austeridad, los empleos perdidos, la producción perdida, la población perdida, la fuga de capitales.
La economía griega no recibirá los fondos de un “rescate” del BCE. Los bancos recibirán el dinero. Les gustaría darle vuelco y volver a prestárselo de nuevo a los compradores de la tierra, los monopolios y otras propiedades que dicen que Grecia debe privatizar. Los ingresos que cobren (indudablemente aumentando las tarifas al hacerlo, para cubrir el interés y otorgarse los usuales aumentos de salarios sobre propiedad privatizada) se pagarán como intereses. ¿No es como un tributo militar?
Margaret Thatcher solía decir “No hay alternativa”. Pero evidentemente existe. Grecia puede optar por no participar en este despilfarro de activos y de privilegio económico para los acreedores.
¿Qué dicen los colegas de Papandreu de la Internacional Socialista sobre los actuales acontecimientos en Grecia? Supongo que es evidente que la antigua Internacional Socialista está muerta, dado el hecho que Papandreu es, después de todo, su jefe. Lo que pasa hoy por socialismo es diametralmente opuesto de las reformas promovidas bajo su nombre hace un siglo, en la era anterior a la Primera Guerra Mundial. Los partidos socialdemócratas y laboristas europeos de la actualidad han encabezado el camino de la privatización, de la financiarización de sus economías bajo condiciones que han bloqueado el crecimiento de los niveles de vida. El resultado promete ser un realineamiento político internacional.
La austeridad económica no puede garantizar las demandas de los acreedores
El jueves por la tarde el Dow, que había bajado 230 puntos, dio un salto al cierre para perder “solo” 60 puntos, por los rumores de que Grecia había aceptado el plan de austeridad del FMI. ¿Pero qué es Grecia? ¿Es solo el gabinete? Ciertamente no todo el Parlamento. ¿Habrá una votación parlamentaria opuesta al interés público, que acepte austeridad y privatización?
Solo un referendo puede comprometer al gobierno griego a pagar nuevas deudas impuestas bajo la austeridad. Solo un referendo puede impedir que propiedad que está privatizada se re-nacionalice. Una transferencia semejante no es legítima según ideas comúnmente aceptadas de democracia política y económica. Y en todo caso, un impuesto sobre la renta puede recuperar para la economía griega lo que los agresores financieros tratan de agarrar.
La historia está llena de ejemplos instructivos. Oligarquías locales en la región invitaron a Roma a atacar Esparta, y derrocó a los reyes y a su sucesor Nabis (quien puede haber sido real). La secuela es que Roma dirigió un imperio oligárquico, utilizando la violencia en el interior para asesinar a reformadores democráticos como los hermanos Gracchi después de 133 A. de C., arrojando a la república a un siglo de guerra civil. Los intereses acreedores terminaron por estar en control total, y su propio egoísmo banal arrojó a la mitad occidental del Imperio Romano a una Edad Oscura económica y social.
Esperemos que esta vez el resultado sea mejor. Ciertamente habrá luchas, pero más en la esfera financiera y fiscal que en la abiertamente militar. En última instancia la lucha sólo se puede ganar si se comprenden la corrosiva dinámica de la “magia del interés compuesto” y la necesidad social de subordinar los intereses de los acreedores a los de la economía “real” en general. Pero para lograr esto, la propia teoría económica tiene que sacarse de su actual banalidad posclásica “neoliberal”.
Michael Hudson es ex economista de Wall Street, distinguido profesor investigador de la Universidad de Missouri, en Kansas City, y autor de numerosos libros, entre ellos: “Super Imperialism: The Economic Strategy of American Empire” (nueva edición, Pluto Press, 2002) y “Trade, Development and Foreign Debt: A History of Theories of Polarization v. Convergence in the World Economy”. Puede contactarse con él en: mh@michael-hudson.com
Fuente: http://www.counterpunch.org/hudson06242011.html
terça-feira, junho 21, 2011
Brasil tem carga tributária 'suave' para ricos, diz estudo
Estudo revela o caráter “esdrúxulo” dos tributos brasileiros; País também tem muitos impostos indiretos
Um levantamento de uma associação internacional de consultorias indicou que o Brasil tem uma carga tributária considerada leve para as classes mais altas.
Segundo a rede UHY, com sede em Londres, um profissional no Brasil que recebe até US$ 25 mil por ano – cerca de R$ 3.300 por mês – leva, após o pagamento de imposto de renda e previdência, 84% do seu salário para casa.
Já os profissionais que recebem US$ 200 mil por ano – cerca de R$ 26.600 por mês – recebem no final cerca de 74% de seu pagamento.
Entre 20 países pesquisados pela UHY, essa diferença de cerca de 10 pontos percentuais é uma das menores.
Na Holanda, onde um profissional na faixa mais baixa recebe um valor líquido semelhante ao do Brasil após os impostos e encargos (84,3%), os mais ricos levam para casa menos de 55% do salário.
A lógica também se aplica a todos os países do G7, o grupo de países mais industrializados do mundo (EUA, Canadá, Japão, Grã-Bretanha, Alemanha, França e Itália).
Nos EUA, enquanto os mais ricos levam para casa 70% do salário, os profissionais na faixa dos US$ 25 mil anuais deixam apenas um décimo da renda para o governo e a previdência.
Tributação ‘esdrúxula’
O representante da UHY no Brasil, o superintendente da UHY Moreira Auditores, Paulo Moreira, disse que a pesquisa revela o caráter “esdrúxulo” da carga tributária brasileira.
Com grande parte dos impostos sendo coletada de forma indireta, a carga tributária brasileira total supera a tributação à pessoa física, e é estimada em 41%.
Como esses tributos circulam embutidos nas mercadorias e serviços consumidos pelos contribuintes, aplicam-se de forma igual a ricos e pobres, explica.
Para Moreira, entretanto, essa suposta “justiça” tributária é ilusória, porque as classes mais altas têm formas de evitar o pagamento de impostos sobre consumo fazendo compras no exterior ou recorrendo a outros artigos de consumo.
“Se o sujeito ganha R$ 3 mil, a renda dele tem de ser praticamente consumida em bens de consumo geral: sabonete, comida, arroz, roupas, gasolina, as coisas que são de grande consumo e que são taxadas com mais rigor”, explica o especialista.
“Quem tem uma renda alta, após um primeiro momento dos bens de consumo geral, passa a ter consumos mais sofisticados, produtos menos taxados, obras de artes, enfim, artigos de difícil controle na tributação.”
O porta-voz da UHY diz que outro fator que contribui para fazer do Brasil um país pouco “equânime” no quesito tributário é o teto aplicado à contribuição previdenciária.
O imposto de 11% sobre o salário é aplicado somente até o valor de R$ 3.038,99, o que quer dizer que trabalhadores que ganham acima disso têm uma fatia maior do seu salário livre de descontos que os que ganham dentro da faixa.
Atração de mão-de-obra
Entretanto, como lembra o UHY, o imposto sobre a renda pessoal é um dos instrumentos utilizados pelos países, sobretudo emergentes, para atrair mão-de-obra qualificada.
Dubai e a Rússia, por exemplo, são os dois países com menor nível de tributação e não fazem nenhuma diferenciação entre a taxa aplicada sobre a renda dos profissionais em qualquer das duas faixas analisadas.
Enquanto um profissional na Rússia leva 87% do seu salário após os impostos e encargos – independentemente da faixa de salário –, Dubai tem alardeado seu regime de “imposto zero” como um dos maiores atrativos de se trabalhar no emirado.
Depois destes países, as primeiras posições entre as nações com carga tributária mais leve para as classes privilegiadas são todas ocupadas por emergentes, como Egito, Estônia, Brasil e México.
Além disso, todos os países emergentes da pesquisa diferenciam relativamente pouco entre profissionais de renda alta e mais baixa.
“As companhias olham para o nível de tributação sobre a pessoa física para decidir onde investir”, disse o sócio da UHY Hacker Young, o britânico Mark Giddens.
“Se a taxação for muito alta, elas podem ter dificuldades em atrair talentos.”
Paulo Moreira diz que o Brasil não é exceção a esta regra, e que a tributação leve para as classes mais altas é “um fator favorável na atração do talento”.
“Essa é uma escolha dura: ou se facilita a vida dos menos qualificados (que ganham menos) ou a vida dos mais qualificados”, raciocina.
“O argumento é que mais qualificados trarão tecnologia e conhecimento, e que tecnologia e esse conhecimento, por sua vez, trarão condições de melhorar também os menos qualificados.”
Um levantamento de uma associação internacional de consultorias indicou que o Brasil tem uma carga tributária considerada leve para as classes mais altas.
Segundo a rede UHY, com sede em Londres, um profissional no Brasil que recebe até US$ 25 mil por ano – cerca de R$ 3.300 por mês – leva, após o pagamento de imposto de renda e previdência, 84% do seu salário para casa.
Já os profissionais que recebem US$ 200 mil por ano – cerca de R$ 26.600 por mês – recebem no final cerca de 74% de seu pagamento.
Entre 20 países pesquisados pela UHY, essa diferença de cerca de 10 pontos percentuais é uma das menores.
Na Holanda, onde um profissional na faixa mais baixa recebe um valor líquido semelhante ao do Brasil após os impostos e encargos (84,3%), os mais ricos levam para casa menos de 55% do salário.
A lógica também se aplica a todos os países do G7, o grupo de países mais industrializados do mundo (EUA, Canadá, Japão, Grã-Bretanha, Alemanha, França e Itália).
Nos EUA, enquanto os mais ricos levam para casa 70% do salário, os profissionais na faixa dos US$ 25 mil anuais deixam apenas um décimo da renda para o governo e a previdência.
Tributação ‘esdrúxula’
O representante da UHY no Brasil, o superintendente da UHY Moreira Auditores, Paulo Moreira, disse que a pesquisa revela o caráter “esdrúxulo” da carga tributária brasileira.
Com grande parte dos impostos sendo coletada de forma indireta, a carga tributária brasileira total supera a tributação à pessoa física, e é estimada em 41%.
Como esses tributos circulam embutidos nas mercadorias e serviços consumidos pelos contribuintes, aplicam-se de forma igual a ricos e pobres, explica.
Para Moreira, entretanto, essa suposta “justiça” tributária é ilusória, porque as classes mais altas têm formas de evitar o pagamento de impostos sobre consumo fazendo compras no exterior ou recorrendo a outros artigos de consumo.
“Se o sujeito ganha R$ 3 mil, a renda dele tem de ser praticamente consumida em bens de consumo geral: sabonete, comida, arroz, roupas, gasolina, as coisas que são de grande consumo e que são taxadas com mais rigor”, explica o especialista.
“Quem tem uma renda alta, após um primeiro momento dos bens de consumo geral, passa a ter consumos mais sofisticados, produtos menos taxados, obras de artes, enfim, artigos de difícil controle na tributação.”
O porta-voz da UHY diz que outro fator que contribui para fazer do Brasil um país pouco “equânime” no quesito tributário é o teto aplicado à contribuição previdenciária.
O imposto de 11% sobre o salário é aplicado somente até o valor de R$ 3.038,99, o que quer dizer que trabalhadores que ganham acima disso têm uma fatia maior do seu salário livre de descontos que os que ganham dentro da faixa.
Atração de mão-de-obra
Entretanto, como lembra o UHY, o imposto sobre a renda pessoal é um dos instrumentos utilizados pelos países, sobretudo emergentes, para atrair mão-de-obra qualificada.
Dubai e a Rússia, por exemplo, são os dois países com menor nível de tributação e não fazem nenhuma diferenciação entre a taxa aplicada sobre a renda dos profissionais em qualquer das duas faixas analisadas.
Enquanto um profissional na Rússia leva 87% do seu salário após os impostos e encargos – independentemente da faixa de salário –, Dubai tem alardeado seu regime de “imposto zero” como um dos maiores atrativos de se trabalhar no emirado.
Depois destes países, as primeiras posições entre as nações com carga tributária mais leve para as classes privilegiadas são todas ocupadas por emergentes, como Egito, Estônia, Brasil e México.
Além disso, todos os países emergentes da pesquisa diferenciam relativamente pouco entre profissionais de renda alta e mais baixa.
“As companhias olham para o nível de tributação sobre a pessoa física para decidir onde investir”, disse o sócio da UHY Hacker Young, o britânico Mark Giddens.
“Se a taxação for muito alta, elas podem ter dificuldades em atrair talentos.”
Paulo Moreira diz que o Brasil não é exceção a esta regra, e que a tributação leve para as classes mais altas é “um fator favorável na atração do talento”.
“Essa é uma escolha dura: ou se facilita a vida dos menos qualificados (que ganham menos) ou a vida dos mais qualificados”, raciocina.
“O argumento é que mais qualificados trarão tecnologia e conhecimento, e que tecnologia e esse conhecimento, por sua vez, trarão condições de melhorar também os menos qualificados.”
segunda-feira, junho 20, 2011
Questionar dogmas
Estado de São Paulo
Amir Khair
O dogma pode ser caracterizado como sendo uma crença estabelecida sobre a qual não cabe discussão. É muitas vezes usado para se referir a qualquer crença que é mantida insistentemente.
Muitas vezes repetida, determinada ideia acaba por se assemelhar a um dogma. Na economia têm sido usadas pelas análises tradicionais duas afirmações que se assemelham ao conceito de dogma: 1) a economia não pode crescer acima de determinado nível, pois ocorrerá necessariamente inflação; 2) a Selic só poderá cair depois que caírem as despesas do governo federal.
1º Dogma. Crescimento x Inflação: o conceito de produto potencial é normalmente usado como sendo o máximo crescimento que é possível alcançar sem causar elevação da inflação. É uma simplificação de uma realidade complexa de vários fatores que atuam sobre o crescimento e a inflação de origem interna e externa ao país. A globalização comercial e financeira invadiu a "tranquilidade" que reinava nas economias nacionais e passou a ter importância crescente na determinação do crescimento e na inflação de cada país, e de forma mais intensa quanto mais exposto ao comércio e sistema financeiro fora de suas fronteiras.
Quando ocorre um processo inflacionário em escala internacional, como uma crise na oferta de petróleo, crescem os custos dos seus derivados, dos produtos petroquímicos, da energia e dos fretes que dependem do óleo diesel. O mesmo vale para choques de oferta de alimentos e metais.
Como o último movimento da elevação da inflação começou a acorrer em escala global a partir de meados de 2010, com a subida dos preços dos alimentos e commodities (incluindo petróleo, alguns alimentos e metais), os países passaram a combatê-la com os instrumentos fiscais e monetários ao seu alcance.
Os países desenvolvidos, com economias estagnadas, sentiram menos seus efeitos, pois o consumo e o investimento se encontram, desde a crise de 2008, em níveis baixos e, as taxas de desemprego, ao redor de 10%, com a população envolvida em dívidas geradas pelo excesso de financiamentos, especialmente o imobiliário.
O mesmo não está ocorrendo nos países emergentes, que apresentam crescimentos ao nível do que vinha ocorrendo antes da crise de 2008. Assim, o consumo e o investimento continuam permitindo o desenvolvimento natural que vinha ocorrendo e, estão sofrendo um pouco mais de pressão de demanda, que criou uma elevação de preços mais acentuada do que nos países desenvolvidos. Diante desse quadro, há que tomar decisões que possam otimizar os benefícios da continuidade do crescimento, com razoável controle do processo inflacionário. Medidas de abrandamento da liquidez e elevação dos juros foram acionadas pelos emergentes, mas dentro de níveis compatíveis a não sacrificar o crescimento.
Por outro lado, foram ativados os investimentos para elevar a capacidade de atendimento de bens e serviços em expansão. Assim, o controle inflacionário é atacado pelas suas duas frentes: elevação da oferta e regulação da demanda por adequação do nível e condições do crédito de forma a não artificializar o consumo, criando riscos de elevação da inadimplência dos consumidores. No âmbito dessa política de manter o crescimento econômico com controle inflacionário, chama mais a atenção a questão das taxas de juros reais das diversas economias dentro desse processo. Era de se esperar que, para conter a inflação, as taxas reais de juros dos emergentes subissem para ficar no campo positivo. Não foi o que ocorreu. Nos países desenvolvidos, mais preocupados em retomar o crescimento, as taxas reais de juros foram para o campo negativo.
Logo após a elevação da Selic pelo Copom para 12,25% ao ano, no último dia 9, a Corretora Cruzeiro do Sul apresentou o ranking das taxas básicas de juros reais de uma amostra representativa das 40 principais economias. O Brasil liderou essa relação com 6,8%, mais de quatro vezes superior ao Chile, o segundo, com 1,5%. Os emergentes, exclusive o Brasil, apresentaram taxa negativa de 0,8% e, os desenvolvidos, taxa negativa de 1,4%. A média do conjunto dos 40 países foi de 0,9% negativa.
Chama a atenção o fato de ser tão discrepante a situação dos juros no Brasil e, isso merece prioridade de preocupação não apenas do governo federal, mas de toda a sociedade. O que poderia justificar tamanha discrepância? Segundo as análises tradicionais lideradas pelo mercado financeiro, essa taxa de juros é a necessária para evitar que a inflação dispare, pois existe um excesso de demanda que deve ser combatido com uma taxa de juros que desestimule o consumo e, embora não declarado, o investimento, pois ele é parte integrante da demanda.
Assim, seria necessária forte contenção do crescimento para ficar abaixo do famoso produto potencial, que é uma medida teórica que varia conforme o interesse maior ou menor de apertar o deslanche da economia.
Por essa corrente de pensamento, é preciso abortar o crescimento para um ritmo inferior a 4% ao ano, ou seja, estamos condenados a crescer bem menos que os emergentes, de 6,5%, segundo o FMI, embora se tenha potencial de crescimento acima de 5%.
O que importa é continuar crescendo, mas procurando manter o controle sobre os fatores ao alcance do País para minimizar o impacto inflacionário. É falsa a afirmativa de que o combate à inflação deva se dar encolhendo a economia via elevação da Selic. O tiro pode sair pela culatra, pois ao elevar a Selic, reduz a possibilidade de as empresas investirem, o que prejudica a ampliação necessária da oferta de bens e serviços.
2º Dogma. A Selic só poderá cair depois que caírem as despesas do governo federal: é comum avaliar a questão fiscal apenas pelo lado das despesas de custeio. A fragilidade dessas análises é: 1) só considerar as despesas do governo federal, ignorando que Estados e municípios respondem por metade da despesa do setor público; 2) não considerar como despesa os investimentos e os juros; 3) não considerar os reflexos que determinados tipos de despesas de custeio (transferências de renda) geram crescimento e arrecadação superior às despesas que foram usadas.
A Selic pode cair sim, e já deveria ter caído há muito tempo. Aliviaria parte substancial da despesa do setor público, reduziria a demanda pelo efeito riqueza, reduziria rapidamente a relação dívida/PIB, reduziria a bomba de sucção da especulação internacional propiciada pela Selic, reduziria o custo das reservas internacionais e não artificializaria o câmbio.
Embora fundamental nas despesas públicas a gestão eficiente, eficaz e efetiva, toda economia em despesas (custeio, investimento e juros) deve ser usada não para reduzir a despesa pública, mas rentabilizá-la para permitir a redução do elevado déficit social e de infraestrutura do País. Para isso, o aliado mais importante é o crescimento econômico via incorporação de amplas camadas da população ao mercado formal de trabalho, que é a meta perseguida pelo governo. É melhor deixar os dogmas no campo da fé religiosa.
MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV E CONSULTOR
domingo, junho 19, 2011
A derrota do fascismo no Peru
Mario Vargas Llosa – O Estado de S.Paulo
A vitória de Ollanta Humala no segundo turno das eleições presidenciais no Peru, no dia 5, salvou o país de uma ditadura que, amparada por uma maioria nas urnas, isentaria o regime de Alberto Fujimori e Vladimiro Montesinos (1990-2000) dos crimes e roubos praticados, como também das violações da Constituição e leis que marcaram esta década. E teria reintegrado os 77 civis e militares que, pelos delitos praticados nesses anos, estão presos ou sendo processados. Pela mais pacífica e civilizada das formas – um processo eleitoral – o fascismo teria ressuscitado no Peru.
“Fascismo” é uma palavra que tem sido usada levianamente pela esquerda, mais como um conjuro ou um insulto contra o adversário do que como um conceito político preciso, o que para muitos pode parecer um rótulo quase sem significado para indicar uma típica ditadura terceiro-mundista. Não foi isso, mas sim algo mais profundo, complexo e totalitário do que os golpes de Estado tradicionais, quando um caudilho mobiliza os quartéis, assume o poder, enche os bolsos e os dos seus colaboradores, até que, repelido pelo país explorado até à ruína, acaba fugindo.
O regime de Fujimori e Montesinos – dá vergonha dizer – foi popular. Contou com a solidariedade da classe empresarial por causa da sua política de livre mercado e pela prosperidade observada com o aumento dos preços das matérias primas, e também de amplos setores da classe média por causa dos golpes infligidos ao Sendero Luminoso e ao Movimento Revolucionário Tupac Amaru, cujas ações terroristas viviam em meio à insegurança e o pânico. Os setores rurais e marginalizados foram conquistados mediante políticas assistencialistas de distribuição e dádivas. Aqueles que denunciavam os abusos eram perseguidos e intimidados, e sofreram todo o tipo de represálias.
Montesinos patrocinou o florescimento de uma “imprensa marrom” imunda, cuja razão de ser era lançar no opróbio seus oponentes por meio de escândalos fabricados. Os meios de comunicação foram subornados, extorquidos e neutralizados, de modo que o regime só contava com uma oposição na imprensa reduzida e em surdina, o necessário para alardear que respeitava a liberdade de crítica.
Jornalistas e proprietários de meios de comunicação eram convocados por Montesinos para o seu escuro gabinete no Serviço de Inteligência, onde ele não só pagava pela sua cumplicidade com grandes somas de dólares, mas também os filmava às escondidas para guardar provas da sua infâmia. Por ali passavam empresários, juízes, políticos, militares, jornalistas, representantes de todo espectro profissional e social. Todos saíam com seu presente embaixo do braço, corrompidos e contentes.
A Constituição e as leis foram adaptadas às necessidades do ditador, para que ele e seus cúmplices parlamentares pudessem reeleger-se com comodidade. A malandragem não tinha limite, tendo chegado a um nível sem precedentes na história da corrupção peruana.
Ou seja, resumindo, é isso que retornaria ao Peru com o voto dos peruanos, se Keiko Fujimori tivesse vencido esta eleição. Ou seja, o fascismo do século 21. Um fascismo que não é mais representado nas suásticas, na saudação imperial, no passo de ganso e um caudilho histérico vomitando insultos racistas do alto de uma tribuna. Mas foi o que representou exatamente, no Peru de 1990 a 2000, o governo de Fujimori. Uma quadrilha de bárbaros vorazes que, aliados a empresários sem moral, jornalistas canalhas, pistoleiros e assassinos, e a ignorância de setores da sociedade, instalou um regime de intimidação e corrupção, que, fingindo assegurar a paz, eternizou-se no poder.
O triunfo de Humala mostrou que ainda restava no Peru uma maioria não corrompida por tantos anos de iniquidade e perversão dos valores cívicos. O fato de essa maioria ter sido de apenas três pontos porcentuais é assustador, pois indica que as bases de sustentação da democracia são muito débeis e há no país quase uma metade de eleitores que prefere viver sob uma tirania do que em liberdade. Uma das grandes tarefas que o governo Humala tem pela frente é a regeneração moral e política de uma nação que o terrorismo e a ditadura levaram a uma tal desorientação ideológica a ponto de boa parte dos eleitores ter saudade de um regime autoritário.
Campanha suja. Um traço particularmente triste desta campanha eleitoral foi a preferência pela opção da ditadura por parte da chamada classe A, ou seja, a camada mais próspera e mais educada do Peru, aquela que passou por excelentes escolas, onde se ensina o inglês, que envia seus filhos para estudar nos EUA, essa “elite” convencida de que a cultura cabe em duas palavras: uísque e Miami. Aterrorizada com as mentiras fabricadas pelos jornais, rádios e canais de TV que lançaram uma campanha de intoxicação, calúnias e infâmias indescritíveis para impedir o avanço do candidato do bloco progressista “Gana Perú”, que incluiu, é claro, despedidas e ameaças a jornalistas mais independentes e capazes. E o fato de esses jornalistas, não terem se deixado amedrontar, resistirem às ameaças e lutado, abrindo brechas nos meios de comunicação onde o adversário pudesse se expressar, foi um dos fatos mais dignos da campanha eleitoral.
Assim como foi um dos mais indignos o papel desempenhado pelo arcebispo de Lima, o cardeal Cipriani, da Opus Dei, um dos pilares da ditadura de Fujimori, que me honrou fazendo ler, na missa do domingo, um panfleto em que me atacou por tê-lo denunciado de calar quando Fujimori fez esterilizar cerca de 300 mil camponesas, sendo que muitas delas morreram nessa infame operação.
E agora, o que deve suceder? Leio no El Comercio, jornal do grupo que superou todas as formas de infâmia em sua campanha contra Humala, um editorial escrito com moderação e, até diria, com entusiasmo, sobre a política econômica que o novo presidente deseja implementar.
O que sucedeu para que todos se tornassem “humalistas” tão rápido? O novo presidente somente repetiu o que disse ao longo da sua campanha: que respeitaria as empresas e as políticas de mercado, que o seu modelo não era a Venezuela, mas o Brasil, pois sabia muito bem que o desenvolvimento deve continuar para a luta contra a pobreza e a exclusão ser eficaz. Naturalmente, é preferível que os nostálgicos da ditadura escondam agora os dentes e ronronem carinhosos na porta do novo governo. Mas não devemos levá-los a sério. Sua visão é minúscula, mesquinha e interesseira, como demonstraram nos últimos meses. E, sobretudo, não devemos acreditar neles quando falam de liberdade e democracia, palavras às quais recorrem quando se sentem ameaçados. O sistema da livre empresa e livre mercado vale mais do que eles e por isso o novo governo deve manter esse sistema e aperfeiçoá-lo, abrindo-o a novos empresários, que entendam enfim, e para sempre, que a liberdade econômica não pode ser separada da liberdade política e da liberdade social, que a igualdade de oportunidades é um princípio irrenunciável em todo sistema genuinamente democrático. Se o governo de Humala compreender isso e atuar coerentemente teremos, finalmente, como no Chile, Uruguai, e Brasil, uma esquerda autenticamente democrática e liberal. E o Peru não estará mais sujeito ao risco que correu nos últimos meses, de novamente ficar atolado no atraso e na barbárie de uma ditadura. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
sexta-feira, junho 10, 2011
Chega de danos
Amir Khair - O Estado de S.Paulo
O Brasil ainda não se livrou do veneno que o impede de ter uma economia saudável e de crescer de forma sustentada, com baixa inflação, contas internas e externas equilibradas e forte distribuição de renda. Esse veneno é a Selic, a mais alta taxa básica real de juros do mundo há anos, que deteriora nossos fundamentos macroeconômicos. O mercado financeiro diz ser ela necessária para controlar a inflação. Mas, além de não conseguir isso, cria problemas fiscais, cambiais e desestimula investimentos. Essa jabuticaba brasileira passou a criar mais danos após a crise de 2008.
Tsunami de dólares. Para sair da crise de 2008, os bancos centrais dos países desenvolvidos injetaram trilhões de dólares, euros e ienes para socorrer seus sistemas financeiros, entupidos de títulos pobres. Assumiram dívidas e déficits fiscais elevados, a serem pagos pela população via aperto fiscal. Foram cortados direitos e salários, o consumo despencou, cresceram o desemprego, a tensão social e a instabilidade política.
Os emergentes não tinham títulos podres, estavam crescendo, enfrentaram bem a crise e fortaleceram sua posição no mercado global, sem grandes sacrifícios às suas populações, mantendo taxas de juros reais próximas de zero. O Brasil, porém, buscou retomar o crescimento, mas manteve a Selic alta, o que acelerou a desindustrialização, elevou déficits fiscais e agravou o rombo nas contas externas.
Há fortes indícios de que os desenvolvidos, sem perspectivas de ampliar o consumo interno, continuarão a elevar a liquidez, desvalorizando suas moedas para aumentar seu poder competitivo nas exportações e, assim, gerar empregos.
Diante dessa avalanche de liquidez, à procura de ganhos com juros mundo afora, o Brasil é o preferido. Não adianta o governo reclamar dos EUA pela emissão de dólares, nem da China por manter sua moeda acompanhando a desvalorização do dólar. Nem esperar que, elevando o IOF para 6%, irá deter essa avalanche de dólares. Há várias portas de escape usadas pelos especuladores internacionais, como as megaentradas artificiais de Investimentos Estrangeiros Diretos, que não têm IOF. No primeiro quadrimestre, cresceram 135% sobre o igual período de 2010.
Os danos da política de atração dessa liquidez pela Selic são muitos, não cabem no espaço deste artigo. Eis alguns.
1) O custo de todos os programas governamentais para a população de baixa renda é de 1,1% do PIB. Com juros, que beneficiam as camadas de renda média e alta, o custo é de 5,6% do PIB. É uma distribuição de renda às avessas.
2) O Banco Central, ao elevar a Selic, atrai mais ainda a liquidez externa, que eleva a oferta de empréstimos, estimulando o consumo. Depois reclama que a invasão de liquidez prejudica a inflação (???).
3) Pagamos 5,6% do PIB de juros, ante uma média internacional de 1,8%. Jogam-se fora 3,8% do PIB, que poderia ser usado para elevação dos investimentos, redução da carga tributária, ampliação dos programas de renda e melhora na área social.
4) A supervalorização cambial, devido à Selic, cria um rombo externo desde 2008 e pode atingir, neste ano, US$ 60 bilhões!
5) O diferencial entre juros internos e externos custou cerca de R$ 50 bilhões em 2010 para manter as reservas internacionais do País. Neste ano, poderão ser R$ 60 bilhões!
6) Inibe investir com risco na produção, quando a Selic dá bons ganhos sem risco, com liquidez imediata.
7) Com supervalorização cambial, tudo lá fora ficou mais barato (Importação de produto acabado dispara, Estado, 5/6). Daí o boom das importações e do turismo externo. Para piorar a competitividade, o alto custo Brasil.
Diante de todos esses danos, é lamentável a decisão do Copom de continuar aumentando a Selic, conforme o desejo do mercado financeiro. Mais danos virão. Segundo a corretora Cruzeiro do Sul, a taxa real de juros avançou para 6,8% ao ano, mais do que quatro vezes o 2.º colocado, o Chile, com 1,5%. A taxa média de juros de 40 países pesquisados está negativa em 0,9%.
Chega de danos! Vamos baixar a Selic ao nível internacional e combater a inflação por mais limitação do crédito ao consumo, via maior exigência de capital e de depósito compulsório ao sistema financeiro.
MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV E CONSULTOR
quinta-feira, junho 09, 2011
A nova desindustrialização
Marcio Pochmann
VALOR
A estrutura da economia mundial se altera rapidamente desde a virada do século XX. Países asiáticos assumem cada vez maior participação relativa na produção global. Sem contabilizar o Japão, o conjunto das economias asiáticas responde por quase 43% da produção global, enquanto em 1973 representava apenas 16,4%.
Em contrapartida, nações como os Estados Unidos e a Inglaterra, que juntas respondiam por 26,3% do produto global em 1973, representam atualmente 21,5%. Essa inversão no sentido da composição da produção mundial sinaliza a conformação de uma nova Divisão Internacional do Trabalho assentada no movimento combinado e desigual da desindustrialização do velho centro manufatureiro global com a industrialização acelerada de países periféricos, sobretudo asiáticos.
O curso atual do enfraquecimento das antigas economias manufatureiras está longe de expressar a desindustrialização regressiva verificada no século 19, quando o avanço na internalização das bases do capitalismo industrial inicialmente na Inglaterra e, posteriormente, nos Estados Unidos e outros poucos países, foi acompanhada pelo retrocesso na base produtiva artesanal existente em outras regiões. Em 1913, por exemplo, a Ásia sem o Japão respondia por 22,3% da produção global, contra 56,4% em 1820.
Enquanto Europa se desindustrializa, os países periféricos vivem movimento acelerado de industrialização
A Inglaterra e os Estados Unidos, que, por outro lado, representavam juntos somente 7% da produção mundial de 1820, passaram a responder por 27,1% no ano de 1913. Em grande medida, o ciclo de industrialização original e retardatária na Inglaterra e nos Estados Unidos, respectivamente, se fortaleceu na medida em que a globalização liberal do século XIX destravou o livre comércio e, com isso, ocasionou o esvaziamento da base produtiva artesanal em antigas regiões com elevados excedentes exportadores.
Em síntese, o século XIX possibilitou que o avanço do capitalismo industrial em alguns poucos países ocorresse simultaneamente ao esvaziamento da desindustrialização da produção artesanal até então existente. A Índia, por exemplo, que era a grande exportadora de produtos têxteis no início do século XIX (sedas e artesanato), conviveu com a destruição de sua base produtiva diante do comércio livre com a Inglaterra produtora e exportadora de manufaturados têxteis oriundos da mecanização (tear mecânico), da logística ferroviária e da reorganização do trabalho industrial.
Assim, no final do século XIX, três quartos do consumo têxtil indiano eram abastecidos por importações inglesas. Em compensação, o artesanato foi sendo substituído pela produção de algodão, juta e índigo. A especialização da produção de mercadorias primárias não se mostrou suficiente nem mesmo para oferecer segurança alimentar, considerando-se problemas de fome constatados na Índia.
A Inglaterra exportava manufatura e importava matéria-prima e alimentos dos países sem indústria moderna. Dessa forma, a Índia, que abandonou sua produção local para atender ao consumo interno por meio da importação da Inglaterra, não tinha a garantia de que os ingleses fariam a mesma coisa. Ou seja, a Inglaterra vendia manufatura para a Índia, mas não importava o trigo e outras culturas de subsistência da própria Índia, pois as adquiria dos Estados Unidos.
Também para os chineses, a liberação dos entraves ao comércio externo, como o Tratado de Nanquim, em 1842, encerrou a "Guerra do Ópio" em favor dos ingleses. Com o ingresso do ópio na China, seus efeitos se mostraram desastrosos sobre a estrutura produtiva total. O mesmo poder-se-ia dizer a respeito da situação do Ceilão, que, ao aceitar os pressupostos da globalização liberal do século XIX, perdeu a sua base produtiva artesanal em favor da dependência das importações manufaturadas em troca da exportação de chás.
Pela globalização neoliberal da virada do século XX, o antigo centro produtivo mundial tornou-se crescentemente oco, com o esvaziamento do parque manufatureiro. Indústrias centenárias como siderurgia, têxtil e vestuário, estaleiros, entre outras, são esvaziadas por força da pujança da produção manufaturada dos países que rapidamente se industrializam. A defesa da liberalização comercial nos dias de hoje parte do pressuposto de que o setor terciário (serviços) poderia ocupar mais satisfatoriamente o espaço vazio deixado pela desindustrialização. Ainda que o avanço da tecnologia nos serviços possa ajudar a minorar os problemas das finanças desindustrializantes, o comércio mundial assentado nos bens manufaturados tende a reorganizar a produção global em poucas localidades, sobretudo na Ásia.
A relação entre países deficitários e superavitários no comércio global não revela necessariamente a força da nova Divisão Internacional do Trabalho. Tal como no século XIX, o Brasil cresceu sua participação relativa na produção global à taxa média anual de 0,6%, passando de 0,4% para 0,7% entre 1820 e 1913, enquanto a sociedade agrária era atrasada e exportava bens primários. No período de sua industrialização, o peso crescente da manufatura permitiu que a presença brasileira na produção global crescesse 2,5% ao ano (de 0,75%, em 1930, para 2,6%, em 1980). O dinamismo do seu mercado interno e a modernização da sociedade foram seus principais trunfos. Na virada do século XX, a aceitação da globalização neoliberal fez com que a sua base manufatureira regredisse, reduzindo a participação relativa na produção global não fosse o aumento da exportação primária. Na década de 2000, o peso relativo do Brasil no produto industrial mundial foi de apenas 1,9%, ante 2,9% da década de 1980.
Sem ter passado pela velha desindustrialização do século XIX, o Brasil não está condenado a ter que participar da nova desindustrialização. O cenário atual de moeda nacional valorizada, combinada com taxas de juros elevadas, faz avançar a reprimarização da pauta exportadora e a geração interna de manufatura com alto conteúdo importado. Com taxa de investimento inferior a 20% do produto, prevalece a contenção da inovação tecnológica, geralmente suprida pelas compras externas. Os esforços em educação seguem importantes, ainda que doutores e mestres em profusão sigam mais ativos na docência do que na pesquisa aplicada no sistema produtivo.
A negativa à nova desindustrialização requer reafirmar a macroeconomia do desenvolvimento sustentada pelo maior valor agregado industrial e conhecimento. A impulsão dos investimentos é estratégica, seja pela agregação de valor às cadeias produtivas e às exportações, seja pela ampliação da inovação tecnológica e educacional exigida. Assim, o novo desenvolvimento brasileiro pode convergir com as estruturas produtiva e ocupacional de qualidade, capazes de romper com o atraso secular da condição subordinada do Brasil no mundo.
Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Escreve mensalmente às quintas-feiras.
quarta-feira, junho 08, 2011
A vitória do lulismo
A eleição peruana que deu a vitória a Ollanta Humala é, em vários sentidos, paradigmática. Primeiro porque demonstra como a direita latino-americana é uma espécie de movimento que sempre volta ao mesmo lugar.
Contra uma candidatura que julgam desfavorável aos “mercados” e disposta a questionar um modelo econômico marcado por crescimento com concentração de renda e desigualdade, a velha tríade empresários/igreja/setores hegemônicos da mídia se dispôs a sustentar qualquer um.
No caso peruano, “qualquer um” era Keiko Fujimori, a representante orgânica de uma das épocas mais sombrias da história recente da América Latina. Filha de um ex-presidente preso por violações brutais contra os direitos humanos, golpe de estado e ações como a esterilização forçada de cerca de 250 mil mulheres indígenas pobres.
Essa mesma tríade nunca teve problemas em apoiar ditadores, caudilhos, desde que sentisse que as peças do poder estavam mudando de lugar. Isto a ponto de um dos raros verdadeiros liberais do continente, o escritor Mario Vargas Llosa, escandalizar-se com a ausência de cerimônia no apoio de outros ditos liberais a um projeto político que significava o coroamento da mistura entre autoritarismo político e ações econômicas liberais impostas com a força de choques elétricos. Mistura tipicamente latino-americana, já louvada por Milton Friedman em carta de elogio a Pinochet.
Por outro lado, a vitória de Humala demonstra a força de exportação do lulismo e os limites do chavismo como referência para a esquerda latino-americana. Enquanto vestiu o figurino chavista, Humala perdeu.
Quando usou a receituário do lulismo, ganhou.
De fato, Lula consolidou a imagem de uma certa “esquerda bipolar” que visa usar o Estado para dar conta dos interesses do setor financeiro e do empresariado, enquanto cria amplos sistemas de assistência social capazes de minorar a pobreza.
Uma esquerda que se esmera em jogar em dois tabuleiros na esperança de diminuir os conflitos políticos, ao contrário do que ocorreu na Venezuela, no Equador e na Bolívia. Foi esta a via que escolheram Mauricio Funes (El Salvador), Fernando Lugo (Paraguai) e José Mujica (Uruguai): figuras de um tipo de Internacional Lulista em formação.
Tal lógica bipolar tem limites, já que a modificação dos processos estruturais de produção da desigualdade econômica (como baixos impostos para ricos, ausência de mecanismo de limitação do consumo conspícuo e de investimento estatal em saúde e educação) são evitados por coalizões governamentais heterodoxas. Mas parece que ela mudou completamente o cenário político latino-americano.
VLADIMIR SAFATLE - Folha
segunda-feira, junho 06, 2011
Nova crise em marcha?
Amir Khair - O Estado de São Paulo
Duas pontas isoladas de icebergs podem indicar uma nova etapa da crise de 2008. São elas: reestruturação da dívida grega e limite de endividamento dos Estados Unidos. Ambas são provenientes do desarranjo financeiro ocorrido na crise, que se refletiu em graves problemas fiscais nesses países. São importantes pela capacidade que tem a Grécia de contaminar o Banco Central Europeu (BCE) e as expectativas na Europa, e os EUA pela sua expressão global.
Grécia. Poderá ser a primeira a deflagrar problemas no sistema financeiro na Europa, especialmente no sistema bancário da Alemanha e França, e pode agravar a fuga ao risco em outros países europeus que estão em situação frágil sob o aspecto fiscal. O endurecimento do BCE para qualquer tentativa de reestruturação da dívida grega só tende a agravar a situação fiscal, de crescimento econômico e tensão social nesse país.
A explicação para esse endurecimento está no estrago de um efeito dominó sobre o sistema financeiro europeu caso algum banco vá à falência. Sobre isso, o Estado (29/maio) traz matéria publicada dia 25 na revista alemã Der Spiegel, que expõe a grave situação em que se encontra o BCE e todo o sistema financeiro europeu. Em consequência da crise financeira, os bancos centrais da Irlanda, Portugal, Espanha e Grécia assumiram riscos de valores mobiliários como garantia de centenas de bilhões de euros das instituições financeiras de seus países, para evitar que estas entrassem em colapso.
Esses riscos são incorporados ao balanço patrimonial do BCE, pois os bancos centrais dos países do euro não são autônomos, mas parte do sistema do BCE. Assim, quando um banco pede concordata, os países do euro precisam arcar juntos com o prejuízo segundo sua participação no capital do BCE. O banco central alemão, com participação de 27%, seria o mais afetado.
O mais grave é que ninguém sabe ao certo a dimensão do risco ao qual estão expostos os bancos centrais dos países mais afetados pela crise.
Há exatamente um ano, afirmei no artigo "Crise em marcha", no Estado, que a única forma de tirar a Grécia do buraco era uma reestruturação da dívida com repartição das perdas com os bancos credores, pois a "solução" dessa dívida via aperto fiscal seria enganosa. Reduz despesas, mas faz recessão e, com isso, reduz a arrecadação, aumenta a inadimplência dos contribuintes e a demanda social, pressionando o governo. Forma-se um verdadeiro "sanduíche" fiscal: menos receita e mais pressão social, cujo resultado final é uma piora na situação fiscal com deterioração social e instabilidade política.
Como os déficits fiscais em 2010 superaram as metas, novo socorro financeiro está sendo discutido, mas sem reestruturação, com alongamento de prazos, e o calote será inevitável e maior mais a frente. O mesmo poderá ocorrer com Portugal, Espanha e Itália, que apresentam déficits fiscais e dívidas elevadas. Como existe forte relação entre os sistemas financeiros de Europa e Estados Unidos, esse país será afetado.
EUA. Em 16/5, foi atingido o teto de endividamento público de US$ 14,294 trilhões e o Departamento do Tesouro planeja anunciar que vai parar de emitir e reinvestir títulos do governo em fundos de pensão públicos, parte das medidas para adiar a moratória até 2/8, para a Casa Branca e líderes do Congresso chegarem a um acordo de redução do déficit, para votar a elevação desse teto.
A disputa entre republicanos e democratas pode fornecer o combustível necessário para começar a pôr em dúvida a capacidade de o país honrar o pagamento aos credores espalhados por todo o mundo, especialmente países que acumularam fortes reservas ligadas ao dólar, como China, Japão, Alemanha e Brasil. Para agravar esse quadro, a dívida pública de 62,2% do PIB antes da crise, em 2007, beira a 100% neste ano, segundo o FMI e o déficit fiscal, de 2,7% do PIB em 2007, está ao redor de 11%.
A tentativa de ativar a economia via elevação da liquidez é outro motivo de preocupação. De 2004 a 2008, a base monetária girava em torno de US$ 800 bilhões. Agora, triplicou para US$ 2,4 trilhões. Apesar disso, os empréstimos bancários ficaram estagnados desde o final de 2008 em US$ 9 trilhões, evidenciando o deslocamento dessa elevação da liquidez para fora dos EUA.
É possível que as agências de classificação de risco, que dormiram no ponto na crise, não tenham o mesmo comportamento agora. O primeiro passo foi dado pela Standard & Poor’s, que rebaixou de "estável" para "negativa" a perspectiva de rating de crédito soberano de longo prazo dos EUA. Com isso, sinalizou que poderá piorar a nota da dívida americana. As razões para a decisão foram o persistente déficit orçamentário e o elevado endividamento.
Segundo a agência, dois anos após a eclosão da crise financeira, o governo de Barack Obama não chegou a um acordo sobre como reverter a deterioração fiscal, nem aponta soluções para as pressões fiscais de longo prazo.
O dólar já vem de longo processo de perda de valor perante outras moedas e commodities, e isso expressa a doença que se abate lentamente sobre a economia americana. As análises sobre as perspectivas oscilam a cada dia ao sabor de dados sobre pedidos de desemprego, construção de novas moradias, produção industrial, inflação, etc. Fato é que a reação aos fortes estímulos dados desde 2008 produziram efeitos pífios, e os déficits fiscais e a dívida sobem de forma ameaçadora.
Para agravar esse quadro, a elevação dos preços do petróleo e outras commodities subtraem o poder aquisitivo dos americanos, com reflexos negativos sobre o consumo, que representa 70% do PIB do país. Isso afeta o crescimento, a arrecadação e eleva o déficit fiscal.
Parecem esgotados os instrumentos monetários para tirar o país da crise. A forte injeção de dólares feita pelo Fed (o banco central americano) e os juros negativos não conseguiram estimular o consumo. É incerto se terminará em junho a escalada da injeção de US$ 600 bilhões. Essa elevação da liquidez já dá sinais de problemas com a inflação, que começa a aparecer no front de preocupações do Fed. E nada mais potente para retirar o poder aquisitivo do americano do que a inflação.
A forma que seria possível para romper com esse agravamento é a ampliação das exportações e contenção das importações, para gerar empregos suficientes para tirar da letargia o mercado interno. Mas não é isso que vem ocorrendo no nível necessário, pois a disputa no mercado internacional cresceu fortemente como consequência da crise de 2008, e a disputa com a China e demais países de forte poder exportador não vai facilitar aos produtos made in USA.
Face a esse quadro, o melhor é apostar as fichas da saúde econômica e financeira do Brasil naquilo em que somos bons: alto potencial de mercado interno inexplorado e posição estratégica em commodities e alimentos. Assim, é bom descartar as políticas do pé no freio, que podem fragilizar o País à nova crise externa em marcha, para não repetir a recessão de 2009.
MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV E CONSULTOR
domingo, junho 05, 2011
Novo estudo mostra como a Inquisição usou o terror para manter o controle social
Marcos Guterman – O Estado de S.Paulo
A Inquisição foi o triunfo da organização burocrática para o estabelecimento de uma atmosfera de terror que tinha como objetivo manter a sociedade sob controle político e ideológico feroz, em quatro continentes. Estabeleceu a culpa como algo inescapável, e quem ousasse resistir a isso enlouquecia em sessões de tortura ou ardia nas fogueiras “purificadoras”. Sobretudo, estabeleceu que o real não existia mais, senão como elaboração das autoridades eclesiásticas. Na visão do historiador britânico Toby Green, autor de Inquisição – O Reino do Terror (Objetiva), que acaba de sair no Brasil, os inquisidores seriam, nesse sentido, a “primeira semente” dos regimes de extrema direita que assombrariam o século 20. “A instituição da Inquisição implicava uma ideia nova de Estado e poder político”, disse Green em entrevista ao Sabático.
O livro de Green mostra que a função da autoridade, nesse contexto, é a de determinar a racionalidade dessa ficção construída pelo terror. Nada pode contrariar o ditado pela autoridade, por motivos óbvios: a contestação fere a tão desejada lógica. A autoridade se legitima por “conhecer” o subterrâneo, as mensagens subjacentes, o sistema invisível – e, portanto, é a única capaz de legislar. O desejo da autoridade deve ser interpretado como a verdade.
O interrogatório da Inquisição fazia o interrogado admitir a culpa sobre algo que ele muitas vezes nem imaginava o que fosse. O contexto do processo era inteiramente mantido em segredo, para que ao réu não restasse alternativa senão admitir como fato não a realidade, mas o que a autoridade inquisitorial afirmava ser a realidade. Tudo era elaborado para que houvesse a confissão “espontânea” – e a responsabilidade pela tortura era do torturado, porque resistiu à confissão.
O terror da perspectiva do suplício era um dos pilares do sistema. O outro era a onipresença da Inquisição, graças ao estímulo à delação, justamente o fator que gerava energia para o trabalho dos inquisidores – o ônus da prova cabia sempre ao acusado, e o réu era obrigado a apresentar testemunhas de sua inocência, enquanto o delator podia manter-se anônimo. Denunciar supostos hereges não era um direito, mas uma obrigação religiosa, que constava em “editais da fé”. Era, portanto, um sistema que se autoalimentava e que criou toda uma mise-en-scène, os “autos de fé”, para impressionar a arraia-miúda e legitimar sua ação. Não restava ao réu nenhuma alternativa senão admitir sua “culpa”, e então o circuito se fechava, conferindo a lógica perfeita ao discurso inquisitorial.
O interesse de Green, diante dessas constatações, é mostrar o aspecto que ele chama de “psicológico” da perseguição inquisitorial. É esse o trunfo que o britânico diz ter em sua abordagem, porque, segundo ele, a historiografia tradicional sobre o tema se centra na instituição da Inquisição e na tortura, enquanto o lado emocional “fica relegado pelos historiadores aos romancistas”.
De fato, a historiografia da Inquisição, grosso modo, está preocupada com as relações de poder e com o modelo legal aplicado aos réus dos processos. A reconstrução da mentalidade da época induziu Green a sugerir que “a Inquisição havia construído uma sociedade cada vez mais neurótica”, por causa da “repressão de instintos”. Questionado sobre se essa visão freudiana – isto é, um modelo teórico com a enorme carga de modernidade racional do início do século 20, fruto do “desencantamento do mundo” – não seria anacrônica para esquadrinhar um momento da história em que a religião era o centro do poder, Green rebate em duas frentes. Primeiro, argumenta que os óculos de Freud são “recursos legítimos para enxergar não somente o que aconteceu, mas por que aconteceu”, na medida em que identifica a reação da mente à repressão; segundo, ele contesta que a religião fosse central na Inquisição.
“A Inquisição tinha mais a ver com o poder do Estado, secular, do que com as leis de religião, que muitas vezes não tinham muita relação com as próprias normas da Inquisição”, explicou Green na entrevista. Em sua visão, o poder da Inquisição crescia ou declinava segundo o poder de ação dos monarcas – quanto mais os reis precisavam de controle e de riqueza, mais a violência inquisitorial se expandia. Esse perfil ficou claro principalmente com a Inquisição espanhola, instalada em 1478 e que só foi desmontada em 1834.
Nesse longo período, criou-se um sistema de invenção de inimigos para mascarar o declínio acelerado dos impérios ibéricos – a historiadora Anita Novinsky, principal estudiosa da Inquisição no Brasil, considera o próprio estabelecimento dos tribunais eclesiásticos como o sintoma central dessa decadência, cuja culminância foi a limpeza étnica, fatal para o desenvolvimento intelectual e econômico português e espanhol. Na opinião de Green, que incorpora o modelo teórico de Novinsky, a Inquisição “revela as origens do racismo moderno, ao escolher o caminho da limpeza do sangue, que é uma temática de suma importância para compreender a história do Estado moderno”.
De fato, há historiadores consagrados, como Raul Hillberg, que sustentam existir uma relação ideológica entre os éditos católicos a respeito do tratamento dos judeus ao longo da Era Moderna e as diversas leis nazistas a propósito da “pureza do sangue ariano”. É difícil não se dobrar às evidências que mostram que, tanto em um caso como em outro, “pureza de sangue” queria dizer exatamente a mesma coisa: sangue sem traços judaicos. Também não é possível escapar da sugestão segundo a qual a ubiquidade do terror era o esteio da coesão social desejada no nazismo quanto na Inquisição. Os menores detalhes do cotidiano eram objeto de paranoia, porque poderiam ser interpretados como traição ao projeto de “aperfeiçoamento” social e religioso, a partir de leis propositalmente confusas e arbitrárias. Somente as “autoridades” eram capazes de fornecer a lógica necessária para dar diretrizes racionais em meio a esse caos. Aos demais, restava aceder e renunciar à capacidade de refletir sobre o mundo.
Mesmo correndo o risco do anacronismo, Green diz que vale a pena explorar essas semelhanças. Ele admite que Torquemada – o mais emblemático inquisidor ibérico – e Hitler não podem ser comparados, mas “um pode ser a semente do outro”. E o historiador não se contenta com os nazistas. Ele sugere que os ditadores Francisco Franco, na Espanha, e Antonio Salazar, em Portugal, refletiam, de certa maneira, as mesmas profundas divisões sociais que a Inquisição passou séculos tratando de controlar.
O domínio de Salazar e Franco, na visão de Green, respeita a mesma lógica dos inquisidores – era preciso alimentar um inimigo interno para justificar o arbítrio, em nome de uma visão distorcida do mundo. Green não escreve, mas está claro que é uma referência aos atropelos jurídicos da “guerra ao terror” empreendida pelos americanos, movidos por um governo que dividiu o mundo em “conosco” e “contra nós”. “É um processo que toda sociedade expansionista tem experimentado”, disse Green. “O que a Inquisição mostra, e também a “guerra ao terror”, é que a busca de inimigos externos sempre pode acabar numa caçada aos inimigos internos. Por essa razão é algo tão perigoso.”
sexta-feira, junho 03, 2011
Um projeto de país feito pelo povo brasileiro
O Brasil que cresce, que se desenvolve, que é capaz de produzir sondas e plataformas e de se tornar referência internacional na indústria naval deve ser o mesmo país que acolhe sua população pobre e que promove a inclusão social e o fim da miséria. Durante a cerimônia de batismo da Plataforma P-56 da Petrobras, nessa sexta-feira (3/6), em Angra dos Reis (RJ), a presidenta Dilma Rousseff lembrou do potencial de superação do povo brasileiro – que mostrou ser capaz de alavancar a indústria naval – e fez um chamamento para que essa mesma força e capacidade de crescimento sejam usados para acabar com a miséria no país.
A presidenta Dilma citou o Plano Brasil sem Miséria, lançado ontem em Brasília, como um fator de crescimento para o país. Afinal de contas, lembrou ela, os 28 milhões de brasileiros que saíram da pobreza no governo do presidente Lula foram diretamente responsáveis pelo crescimento econômico do Brasil, uma vez que se tornaram consumidores e geradores de riqueza.
“Nós provamos que é possível construir plataformas no Brasil; nós provamos que é possível construir sondas no Brasil; nós provamos que é possível construir os equipamentos e prestar o serviço que a Petrobras precisa para explorar o pré-sal. Assim como nós provamos isso, nós provamos também que esse país cresce quando cresce a população, quando ela tem trabalho, quando ela tem dignidade, tem autoestima e tem cabeça erguida para seguir em frente”, disse.
Em seu discurso, a presidenta falou que os R$ 78 bilhões investidos pela Petrobras no ano passado foram responsáveis pela geração de emprego, renda, comida na mesa do povo brasileiro, mais crianças nas escolas e de garantia de uma vida descente para milhões de cidadãos. Antes do aquecimento da indústria naval, lembrou a presidenta, grande parte desse dinheiro ia para fora.
Dilma Rousseff lembrou que a ideia de trazer para o país esses investimentos surgiu no governo do ex-presidente Lula, enquanto ela ainda era ministra. “Foi muito difícil”, continuou, “pois diziam que a gente não era capaz de produzir casco de navio, de montar plataformas e de construir e fornecer equipamentos para a Petrobras”. E o Brasil que não produzia sonda, navios e plataformas passou a produzir – comemorou.
“Hoje vocês podem olhar para tudo isso e dizer que nós conseguimos, fomos capazes e fizemos”, frisou.
A presidenta reiterou seu compromisso com a indústria naval e disse que o próximo passo é investir na indústria de navipeças, ou seja, “que aqui no Brasil se produza cada peça das plataformas”. Para isso, disse contar com a parceria dos empresários que certamente encontrarão no país um mercado de crescente demanda.
“O Brasil mudou e vai continuar mudando. Nós vamos continuar gerando muitos empregos, nós vamos continuar fazendo os programas que levaram esse país a um nível de desenvolvimento que é um exemplo para o mundo (…). Viva os trabalhadores da indústria naval!”, despediu-se.
COMENTÁRIO E & P
Como a política define a economia. Se fôssemos apenas nos mover de acordo com o mercado, como os neoliberais acreditam, essa plataforma teria sido feito provalvemente num país asiático. Foi a mudança de governo a partir de 2003 com a ascensão do Partido dos Trabalhadores que possibilitou a mudança de paradigma. Países que leram a cartilha de Smith escrita no século XVIII e ou de Ricardo no XIX, ficaram à deriva. Não se desenvolveram, não distribuiram renda e a população paga diariamente pela aposta errada da sua elite. A Inglaterra, os Estados Unidos, o Japão e a Europa que não é boba, implantaram projetos nacionais de desenvolvimento. Eles criaram o mercado de acordo com os interesses nacionais. O Brasil se desenvolveu mais quando a partir de 1930 partiu para a carreira solo e impôs um projeto de nação. Quando esse projeto entrou em colapso, primeiro por causa da crise da dívida externa e depois pela teologia neoliberal dos tucanos, o Brasil não cresceu. Virou um país famigerado, com aumento das desigualdades, da violência, do consumo de drogas. O FMI, Banco Mundial, OCDE, escolas estadunidenses de economia, pregaram que o Brasil não precisava de um projeto nacional, era só entrar na globalização, que a riqueza viria automaticamente, regidas pelas forças de mercado. Esses instituições adestraram economistas brasileiros em suas escolas, compraram a imprensa nacional que martelou e continua martelando as mesmas teorias fajutas, que não deram certo em lugar nenhum. A economia é forjada na política. Com o PSDB o Brasil conheceu o atraso, aderiu a teses econõmicas erradas e pagou um preço pesado por isso, principalmente a população de menor renda. Com o PT, o país cresce acima de 4% ao ano, cresce o nível de emprego, de renda e de igualdade. É esse projeto nacional que pode colocar o Brasil entre as economias mais desenvolvidas do mundo e seu povo com cada vez mais melhor qualidade de vida. O destino dos homens está na política.
Economia brasileira cresceu
PIB cresce 1,3% em relação ao trimestre anterior e chega a R$ 939,6 bilhões, diz IBGE
O IBGE divulgou nesta sexta-feira (3/6) os números do PIB brasileiro. Segundo o instituto, em relação ao quarto trimestre de 2010, o PIB a preços de mercado do primeiro trimestre de 2011 cresceu 1,3%, levando-se em consideração a série com ajuste sazonal. O maior destaque foi a agropecuária (crescimento de 3,3% no volume do valor adicionado), seguida da indústria (2,2%) e dos serviços (1,1%).
Na comparação com o primeiro trimestre de 2010, o PIB cresceu 4,2% e, dentre as atividades econômicas, destacou-se o aumento dos serviços (4,0%), seguidos pela indústria (3,5%) e pela agropecuária (3,1%).
No acumulado nos quatro trimestres terminados no primeiro trimestre de 2011 (12 meses), o crescimento foi de 6,2% em relação aos quatro trimestres imediatamente anteriores. O PIB em valores correntes alcançou R$ 939,6 bilhões no primeiro trimestre.
Na comparação com o 4º trimestre de 2010 (em que o PIB teve aumento de 1,3%), o crescimento da indústria foi de 2,2%, com destaque para o desempenho da indústria de transformação (2,8%). Construção civil (2,0%) e eletricidade e gás, água, esgoto e limpeza urbana (0,7%) também cresceram; já a extrativa mineral caiu 1,5%.
No setor de serviços (1,1%), as maiores elevações foram em comércio (1,9%) e transporte, armazenagem e correio (1,7%). Os serviços de informação tiveram crescimento de 1,1%, seguidos por administração, saúde e educação públicas (0,9%) e atividades imobiliárias e aluguel (0,2%). A atividade outros serviços registrou estabilidade no trimestre, enquanto intermediação financeira e seguros teve queda de 0,4%.
Em relação aos componentes da demanda interna, o destaque ficou com a formação bruta de capital fixo (FBCF ou investimento planejado), que voltou a acelerar e registrou expansão de 1,2% no primeiro trimestre de 2011 (depois de ter crescido 0,4% no trimestre imediatamente anterior).
Após apresentar crescimentos de 1,1%, 1,7% e 2,3%, respectivamente, nos últimos três trimestres de 2010, a despesa de consumo das famílias desacelerou e teve variação de 0,6% no primeiro trimestre de 2011. Já a despesa de consumo da administração pública cresceu 0,8%.
Presidente do BC, Alexandre Tombini, comentou os resultados do PIB
“O crescimento de 4,2% do PIB no primeiro trimestre deste ano, em relação ao primeiro trimestre de 2010, segundo os dados das Contas Nacionais divulgados hoje pelo IBGE, confirma que a economia brasileira se encontra em um ciclo sustentado de expansão, em ritmo mais condizente com o equilíbrio interno e externo.
A demanda doméstica continua sendo o grande suporte da economia, com o consumo das famílias registrando crescimento de 5,9%, em relação ao primeiro trimestre de 2010 (trigésima variação positiva consecutiva nessa base de comparação), desempenho que tem sido impulsionado pela expansão moderada do crédito às famílias, pela geração de empregos e de renda. A Formação Bruta de Capital Fixo, uma boa medida do investimento, cresceu 8,8% no primeiro trimestre, em relação ao primeiro trimestre de 2010, um desempenho robusto e que sugere que o empresariado nacional permanece confiante nas perspectivas para a economia brasileira neste e nos próximos anos.”
Do
http://blog.planalto.gov.br/pib-cresce-13-em-relacao-ao-trimestre-anterior-e-chega-a-r-9396-bilhoes-diz-ibge/
Michael Hudson: A servidão do século 21
Trichet Threatens Greece with Iron Heel
Europe’s New Road to Serfdom
por MICHAEL HUDSON*, no Counterpunch
Pouco depois de o Partido Socialista ter vencido as eleições nacionais no outono de 2009, ficou claro que as finanças do governo grego estavam destroçadas. Em maio de 2010, o presidente francês Nicolas Sarkozy liderou o ajuntamento de 120 bilhões de euros (180 bilhões de dólares) de governos europeus para subsidiar o sistema tributário não-progressivo que havia sido a causa original da dívida do governo [da Grécia] — o qual os bancos de Wall Street tinham ajudado a esconder usando o estilo contábil da Enron.
O sistema tributário operava como um sifão, coletando recursos do governo para pagar aos bancos alemães e franceses que estavam comprando papéis do governo grego (com o incentivo de crescentes juros). Os banqueiros agora estão querendo transformar esse papel informal em condição permanente para adiar os pagamentos da Grécia quando os papéis vencerem e estender a maturação da ajuda financeira de curto prazo sob a qual a Grécia agora opera. Os donos de papéis gregos vão faturar muito se o atual plano for bem sucedido. A [agência] Mooody rebaixou a nota do crédito da Grécia para status de “junk” em primeiro de junho (para Caal, de B1, que já era muito baixo), estimando uma chance de moratória de 50/50. O rebaixamento serve para apertar ainda mais o governo grego. Sem considerar o que as autoridades europeias farão, a Moody notou “a possibilidade crescente de que os apoiadores da Grécia (FMI, Banco Central europeu e Comissão Europeia, conhecidos como a “Troica”) vão, em algum momento, requerer a participação dos credores privados numa reestruturação da dívida, como pré-condição para futuro apoio financeiro”.
A condicionalidade para o novo e “reformado” pacote de empréstimos é que a Grécia precisa iniciar uma guerra de classes, aumentando os impostos e cortando os gastos sociais — até mesmo as pensões do setor privado — e vender terras públicas, pontos turísticos, portos, instalações de distribuição e tratamento de água e esgoto. Isso vai aumentar o custo de vida e de fazer negócios, erodindo a já limitada competitividade exportadora da Grécia. Os banqueiros descrevem isso como “resgate” das finanças gregas.
O que realmente foi resgatado um ano atrás, em maio de 2010, foram os bancos franceses, que tinham 32 bilhões de euros em papéis gregos, os bancos alemães com 23 bilhões de euros e outros investidores estrangeiros. O problema era como fazer os gregos concordarem com isso. O recém-eleito primeiro-ministro George Papandreou parecia capaz de fazer o convencimento da mesma forma que os partidos neoliberais Democrata Sociais e Trabalhistas tinham feito em toda a Europa — privatizando a infraestrutura básica e prometendo futura arrecadação para pagar os banqueiros.
Nunca tinha havido uma oportunidade melhor para puxar o tapete financeiro, agarrar propriedades e apertar os parafusos fiscais. Os banqueiros, de sua parte, estavam dispostos a fazer empréstimos para financiar as compras de cassinos, empresas telefônicas, portos e infraestrutura de transportes ou oportunidades em monopólios similares. E para a própria classe rica da Grécia, o pacote de empréstimos da União Europeia permitiria ao país continuar na Eurozona por tempo suficientemente longo para que essa elite tirasse o dinheiro do país antes que a Grécia fosse forçada a substituir o euro pela drachma, para em seguida desvalorizá-la. Até a mudança de moeda, a Grécia deveria seguir as políticas do Báltico e da Irlanda de “desvalorização interna”, ou seja, redução dos salários e cortes de gastos (exceto nos pagamentos devidos ao sistema financeiro), promovendo o desemprego e, assim, rebaixando o nível salarial.
O que na verdade é desvalorizado em programas de austeridade ou de depreciação da moeda é o valor do trabalho. Este é o principal custo doméstico, já que existe um preço comum no mundo para combustíveis e minerais, bens de consumo, comida e mesmo crédito. Se os salários não puderem ser reduzidos por “desvalorização interna” (desemprego começando pelo setor público, levando à queda geral dos salários), a depreciação da moeda seria o segundo truque. E é assim que a guerra dos credores da Europa contra os países devedores se transforma em uma guerra de classes. Mas, para impor tal reforma neoliberal, pressão externa é necessária para driblar Parlamentos eleitos democraticamente. Nem todos os eleitores de um país agem de forma tão passiva contra seus próprios interesses como os da Letônia e Irlanda.
A maior parte da população grega reconhece o que está acontecendo com o desenrolar deste cenário no último ano. “O Papandreou admitiu que nós não tínhamos voz nas medidas econômicas atiradas em nossa direção”, disse o esquerdista Manolis Glezos. “Elas foram decididas pela UE e pelo FMI. Estamos agora sob supervisão estrangeira e isso levanta questões sobre nossa independência econômica, militar e política”. Na direita do espectro político, o líder conservador Antonis Samaras disse em 27 de maio, quando as negociações da troica europeia aceleraram: “Não concordamos com uma política que mata a economia e destrói a sociedade… Só tem uma saída para a Grécia, a renegociação do resgate [UE/FMI]“.
Mas os credores da UE escalaram: rejeitar o acordo, eles ameaçaram, resultaria em saque de fundos, causando colapso bancário e anarquia econômica.
Os gregos se negaram a se render quietamente. As greves se espalharam a partir dos sindicatos do setor público para se tornar um movimento nacional “Não Vamos Pagar”, quando gregos se negaram a pagar pedágios e outras tarifas de acesso a bens públicos. A polícia e outros se negaram a forçá-los a pagar. O emergente consenso populista levou o primeiro-ministro de Luxemburgo Jean-Claude Juncker a fazer ameaças similares às que o britânico Gordon Brown tinha feito contra a Islândia: se a Grécia não se ajoelhasse diante dos ministros das finanças europeus, eles bloqueariam a parcela prevista para junho do pacote de empréstimos do FMI. Isso bloquearia os pagamentos do governo grego aos banqueiros estrangeiros e aos fundos de rapina que tem comprado papéis da dívida grega com grandes descontos.
Para muitos gregos, essa ameaça dos ministros das finanças equivale a um tiro no pé. Se não houver dinheiro para pagar, os acionistas estrangeiros vão sofrer — desde que se coloque a economia da Grécia em primeiro lugar. Mas este é um grande “se”. O socialista Papandreou copiou o social democrata Sigurdardottir, da Islândia, que pediu “consenso” na obediência aos ministros da UE. “Os partidos de oposição rejeitam o mais recente pacote de austeridade de Papandreou já que o aperto de cintos acordado em troca dos 110 bilhões de euros (155 bilhões de dólares) está enforcando a economia”.
Em questão está se a Grécia, Irlanda, Espanha, Portugal e o resto da Europa vão recuar das reformas democráticas e se mover na direção da oligarquia financeira. O objetivo financeiro é driblar os parlamentos em busca de um “consenso” para colocar os interesses dos credores estrangeiros acima da economia como um todo. Isso exige que os parlamentos entreguem seus poderes de definir políticas. A própria definição de “livre mercado” está se transformando em “planejamento centralizado” — nas mãos de banqueiros dos bancos centrais. Essa é a nova estrada para a servidão às quais os “livres mercados” financializados vão levar: mercados livres para os privatistas cobrarem preços monopolizados por serviços básicos, às custas do fim da regulamentação de preços e da legislação anti-truste, “livre” de limites de crédito para proteger devedores e, acima de tudo, livre da interferência de parlamentos eleitos. A entrega de monopólios em transportes, comunicações, loterias e na própria terra, tirando tudo isso do domínio público, é a alternativa à servidão, não a estrada para a dependência ou o neofeudalismo financeiro que desponta como realidade futura. Tal é a filosofia econômica de nossa era.
*Michael Hudson is a former Wall Street economist. A Distinguished Research Professor at University of Missouri, Kansas City (UMKC), he is the author of many books, including Super Imperialism: The Economic Strategy of American Empire (new ed., Pluto Press, 2002) and Trade, Development and Foreign Debt: A History of Theories of Polarization v. Convergence in the World Economy. He can be reached via his website, mh@michael-hudson.com
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