O objetivo deste blog é discutir um projeto de desenvolvimento nacional para o Brasil. Esse projeto não brotará naturalmente das forças de mercado e sim de um engajamento político que direcionará os recursos do país na criação de uma nação soberana, desenvolvida e com justiça social.
segunda-feira, junho 06, 2011
Nova crise em marcha?
Amir Khair - O Estado de São Paulo
Duas pontas isoladas de icebergs podem indicar uma nova etapa da crise de 2008. São elas: reestruturação da dívida grega e limite de endividamento dos Estados Unidos. Ambas são provenientes do desarranjo financeiro ocorrido na crise, que se refletiu em graves problemas fiscais nesses países. São importantes pela capacidade que tem a Grécia de contaminar o Banco Central Europeu (BCE) e as expectativas na Europa, e os EUA pela sua expressão global.
Grécia. Poderá ser a primeira a deflagrar problemas no sistema financeiro na Europa, especialmente no sistema bancário da Alemanha e França, e pode agravar a fuga ao risco em outros países europeus que estão em situação frágil sob o aspecto fiscal. O endurecimento do BCE para qualquer tentativa de reestruturação da dívida grega só tende a agravar a situação fiscal, de crescimento econômico e tensão social nesse país.
A explicação para esse endurecimento está no estrago de um efeito dominó sobre o sistema financeiro europeu caso algum banco vá à falência. Sobre isso, o Estado (29/maio) traz matéria publicada dia 25 na revista alemã Der Spiegel, que expõe a grave situação em que se encontra o BCE e todo o sistema financeiro europeu. Em consequência da crise financeira, os bancos centrais da Irlanda, Portugal, Espanha e Grécia assumiram riscos de valores mobiliários como garantia de centenas de bilhões de euros das instituições financeiras de seus países, para evitar que estas entrassem em colapso.
Esses riscos são incorporados ao balanço patrimonial do BCE, pois os bancos centrais dos países do euro não são autônomos, mas parte do sistema do BCE. Assim, quando um banco pede concordata, os países do euro precisam arcar juntos com o prejuízo segundo sua participação no capital do BCE. O banco central alemão, com participação de 27%, seria o mais afetado.
O mais grave é que ninguém sabe ao certo a dimensão do risco ao qual estão expostos os bancos centrais dos países mais afetados pela crise.
Há exatamente um ano, afirmei no artigo "Crise em marcha", no Estado, que a única forma de tirar a Grécia do buraco era uma reestruturação da dívida com repartição das perdas com os bancos credores, pois a "solução" dessa dívida via aperto fiscal seria enganosa. Reduz despesas, mas faz recessão e, com isso, reduz a arrecadação, aumenta a inadimplência dos contribuintes e a demanda social, pressionando o governo. Forma-se um verdadeiro "sanduíche" fiscal: menos receita e mais pressão social, cujo resultado final é uma piora na situação fiscal com deterioração social e instabilidade política.
Como os déficits fiscais em 2010 superaram as metas, novo socorro financeiro está sendo discutido, mas sem reestruturação, com alongamento de prazos, e o calote será inevitável e maior mais a frente. O mesmo poderá ocorrer com Portugal, Espanha e Itália, que apresentam déficits fiscais e dívidas elevadas. Como existe forte relação entre os sistemas financeiros de Europa e Estados Unidos, esse país será afetado.
EUA. Em 16/5, foi atingido o teto de endividamento público de US$ 14,294 trilhões e o Departamento do Tesouro planeja anunciar que vai parar de emitir e reinvestir títulos do governo em fundos de pensão públicos, parte das medidas para adiar a moratória até 2/8, para a Casa Branca e líderes do Congresso chegarem a um acordo de redução do déficit, para votar a elevação desse teto.
A disputa entre republicanos e democratas pode fornecer o combustível necessário para começar a pôr em dúvida a capacidade de o país honrar o pagamento aos credores espalhados por todo o mundo, especialmente países que acumularam fortes reservas ligadas ao dólar, como China, Japão, Alemanha e Brasil. Para agravar esse quadro, a dívida pública de 62,2% do PIB antes da crise, em 2007, beira a 100% neste ano, segundo o FMI e o déficit fiscal, de 2,7% do PIB em 2007, está ao redor de 11%.
A tentativa de ativar a economia via elevação da liquidez é outro motivo de preocupação. De 2004 a 2008, a base monetária girava em torno de US$ 800 bilhões. Agora, triplicou para US$ 2,4 trilhões. Apesar disso, os empréstimos bancários ficaram estagnados desde o final de 2008 em US$ 9 trilhões, evidenciando o deslocamento dessa elevação da liquidez para fora dos EUA.
É possível que as agências de classificação de risco, que dormiram no ponto na crise, não tenham o mesmo comportamento agora. O primeiro passo foi dado pela Standard & Poor’s, que rebaixou de "estável" para "negativa" a perspectiva de rating de crédito soberano de longo prazo dos EUA. Com isso, sinalizou que poderá piorar a nota da dívida americana. As razões para a decisão foram o persistente déficit orçamentário e o elevado endividamento.
Segundo a agência, dois anos após a eclosão da crise financeira, o governo de Barack Obama não chegou a um acordo sobre como reverter a deterioração fiscal, nem aponta soluções para as pressões fiscais de longo prazo.
O dólar já vem de longo processo de perda de valor perante outras moedas e commodities, e isso expressa a doença que se abate lentamente sobre a economia americana. As análises sobre as perspectivas oscilam a cada dia ao sabor de dados sobre pedidos de desemprego, construção de novas moradias, produção industrial, inflação, etc. Fato é que a reação aos fortes estímulos dados desde 2008 produziram efeitos pífios, e os déficits fiscais e a dívida sobem de forma ameaçadora.
Para agravar esse quadro, a elevação dos preços do petróleo e outras commodities subtraem o poder aquisitivo dos americanos, com reflexos negativos sobre o consumo, que representa 70% do PIB do país. Isso afeta o crescimento, a arrecadação e eleva o déficit fiscal.
Parecem esgotados os instrumentos monetários para tirar o país da crise. A forte injeção de dólares feita pelo Fed (o banco central americano) e os juros negativos não conseguiram estimular o consumo. É incerto se terminará em junho a escalada da injeção de US$ 600 bilhões. Essa elevação da liquidez já dá sinais de problemas com a inflação, que começa a aparecer no front de preocupações do Fed. E nada mais potente para retirar o poder aquisitivo do americano do que a inflação.
A forma que seria possível para romper com esse agravamento é a ampliação das exportações e contenção das importações, para gerar empregos suficientes para tirar da letargia o mercado interno. Mas não é isso que vem ocorrendo no nível necessário, pois a disputa no mercado internacional cresceu fortemente como consequência da crise de 2008, e a disputa com a China e demais países de forte poder exportador não vai facilitar aos produtos made in USA.
Face a esse quadro, o melhor é apostar as fichas da saúde econômica e financeira do Brasil naquilo em que somos bons: alto potencial de mercado interno inexplorado e posição estratégica em commodities e alimentos. Assim, é bom descartar as políticas do pé no freio, que podem fragilizar o País à nova crise externa em marcha, para não repetir a recessão de 2009.
MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV E CONSULTOR
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