sábado, abril 30, 2011

Lula, Dilma e o futuro do Brasil


Emir Sader

Os brasileiros foram decidindo, ao longo dos últimos anos, o tipo de país que queremos. Lula tornou-se o presidente de todos os brasileiros, ancorado em um modelo econômico e social de democratização do país. Reformulou o modelo econômico e o acoplou indissoluvelmente a políticas sociais de distribuição de renda, de criação de emprego e de resgate da massa mais pobre do país. Dilma pretende consolidar essa hegemonia também no plano político.

Mas a questão essencial, aberta, sobre o futuro do Brasil, não se dará nesses planos: o modelo econômico, submetido a difíceis e inevitáveis readequações, será esse, com aprofundamento e extensão das politicas sociais. A possibilidade do governo consolidar sua maioria e de se intensificar e estender a sangria da oposição, é muito grande.

A questão fundamental que decidirá o futuro do Brasil se dá no plano dos valores. Nosso país foi profundamente transformado em décadas recentes. Esgotado o impulso democrático pela frustração de termos um governo que democratizasse o país não apenas no plano político e institucional, mas também nas profundas estruturas injustas e monopólicas geradas e/ou consolidadas na ditadura, sofremos a ofensiva neoliberal dos governos Collor, Itamar e FHC, que não apenas transformaram o Estado e a sociedade brasileiros, mas também os valores predominantes no país.

O resgate no plano da economia e das relações sociais que o governo Lula logrou - e a que o governo Dilma dá continuidade – não afetou os valores predominantes instalados na década anterior. O justo atendimento das necessidades de acesso aos bens e serviços básicos de consumo da massa mais pobre da população foi acompanhada, pela retomada da expansão econômica, pela continuidade e a extensão dos estilos de consumo e dos valores correspondentes gerados no período anterior.

Que valores são esses? Eles se fundamentam na concepção neoliberal da centralidade do mercado em detrimento dos direitos, do consumidor em detrimento do cidadão, da competição em detrimento do justo atendimento das necessidades de todos. É o chamado “modo de vida norteamericano”, que se difundiu com a globalização e com a hegemonia mundial que os EUA conquistaram no final da guerra fria, com o fim do mundo bipolar e sua ascensão a única potencia global.

Trata-se de uma visão do mundo não centrada nos direitos, na justiça, na igualdade, mas na competição entre todos no mercado, esse espaço profundamente desigual e injusto, que não reconhece direitos, que multiplica incessantemente a concentração de riqueza e a marginalização da grande maioria.

A extensão do acesso ao consumo para todos e o monopólio dos meios de comunicação – concentrados em empresas financiadas pelos grandes monopólios privados – favoreceram que as transformações econômicas e sociais não tivessem desdobramentos no plano da ideologia, dos valores, no plano cultural e educativo. No momento em que a ascensão social das camadas pobres da população ganha uma dimensão extraordinária, o tema dos valores que essas novas camadas que conseguem, pela primeira vez, ter acesso a bens fundamentais, fica em aberto que valores serão assumidos por esses setores, majoritários na sociedade brasileira.

Não por acaso setores opositores, em meio a uma profunda crise de identidade, tentam apontar para essas camadas sociais ascendentes como seu objetivo, para buscar novas bases sociais de apoio. E o próprio governo tem consciência que na disputa sobre os valores desses setores ascendentes se joga o futuro da sociedade brasileira.

Há várias questões pendentes, preocupantes, com que o governo Dilma se enfrenta. As readequações da política econômica não conseguiram ainda dar conta da extensão dos problemas a enfrentar: taxas de juros altas e em processo de elevação, desindustrialização, riscos inflacionários, insatisfação com o aumento do salario mínimo – para citar apenas alguns.

Da mesma forma que as condições em que se dão obras do PAC revela como a acelerada busca dos objetivos do plano não levou devidamente em consideração as condições a que as empreiteiras submetem as dezenas de milhares de trabalhadores das obras mais importantes do governo federal. Jirau, Santo Antonio, Belo Monte – são temas que estão longe de ter sido devidamente equacionados.

As mudanças, mesmo se de nuance, na politica externa, suscitam perguntas sobre se a equilibrada formulação de perseguir o respeito aos direitos humanos sem distinção do país, se reflete na realidade, quando inseridas em um mundo extremamente assimétrico, em que, por exemplo, o Irã é denunciado, enquanto os EUA – por Guantánamo – e Israel – pela Palestina – não são tratados da mesma forma. Em que a Líbia é bombardeada, enquanto se trata de maneira diferenciada a países em que se dá o mesmo tipo de movimento opositor, como o Iémen e o Bahrein, para citar apenas alguns casos. Se iniciativas que impeçam que se trate, objetivamente, de dois pesos, duas medidas, não forem tomadas, o equilíbrio que se busca não se refletirá no conflitivo e desequilibrado marco de relações internacionais.

Mas a questão estrategicamente central - mencionada anteriormente - é a questão das ideias, dos valores, da cultura, das formas de sociabilidade. Nisso, as dificuldades na politica cultural (retrocessos, isolamento politico, ausência de propostas, falta de consciência da dimensão da politica cultural no Brasil contemporâneo), na educativa - com a indispensável e estreita articulação entre politicas educativas e culturais - e o seu desdobramento fundamental nas politicas de comunicação, são os elementos chave. Com a integração das políticas sociais – do Bolsa Família às praças do PAC -, das politicas de direitos – dos direitos humanos aos das mulheres e de todos os setores ainda postergados no plano da cidadania plena – deveria ir se constituindo uma estratégica ampla e global para promover e favorecer formas solidárias e humanistas de sociabilidade. Para que estejamos a favor do governo não apenas porque nossa situação individual está melhor, mas porque o principal problema que o Brasil arrasta ao longo do tempo – a desigualdade, a injustiça social, a marginalização das camadas mais pobres – tem tido respostas positivas e sua superação é o principal objetivo do governo.

Foi criada no Brasil uma nova maioria social e politica, que elegeu, reelegeu Lula e elegeu Dilma. Trata-se agora de consolidar essa nova maioria no plano das ideias, dos valores, da ideologia, da cultura. Esse o maior e decisivo desafio, que vai definir a fisionomia do Brasil da primeira metade do século XXI.

Combate à inflação


O cenário externo será o fio condutor da inflação e do câmbio no mundo. Fechar os olhos para isso, pode constituir grave erro de política econômica. A melhor proteção contra as ameaças externas é o fortalecimento do mercado interno, especialmente pelo estímulo na renda para a base da pirâmide social e nos investimentos, e reduções de custos para as empresas. Assim, preocupam análises que para combater a escalada inflacionária pedem mais elevação da Selic, pouco se preocupam com a valorização cambial, e querem forte contração fiscal. No fundo, pregam a derrubada do crescimento econômico para reduzir a inflação. O artigo é de Amir Khair.

Amir Khair (*)

Desde o último quadrimestre do ano passado a inflação foi crescendo e passou a ser o foco das críticas ao governo e, particularmente ao Banco Central (BC), por parte do mercado financeiro, que defendia o aumento da Selic para combater a escalada inflacionária. Como ela não foi elevada até o final do ano, as críticas foram subindo de tom e argumentava-se que a razão disso era política, para não prejudicar a candidata à presidência Dilma Rousseff.

Mesmo após a vitória eleitoral, na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em 08/12, a decisão de não elevar a Selic, foi:“Nesse contexto, avaliando a conjuntura macroeconômica e as perspectivas para a inflação, o Copom decidiu, por unanimidade, manter a taxa Selic em 10,75% a.a., sem viés. Diante de um cenário prospectivo menos favorável do que o observado na última reunião, mas tendo em vista que, devido às condições de crédito e liquidez, o Banco Central introduziu recentemente medidas macroprudenciais, prevaleceu o entendimento entre os membros do Comitê de que será necessário tempo adicional para melhor aferir os efeitos dessas iniciativas sobre as condições monetárias. Nesse sentido, o Comitê entendeu não ser oportuno reavaliar a estratégia de política monetária nesta reunião e irá acompanhar atentamente a evolução do cenário macroeconômico até sua próxima reunião, para então definir os próximos passos na sua estratégia de política monetária.”

Foi a primeira vez que ocorreu a novidade de usar as medidas macroprudenciais, lançadas em 6/dez, em vez da elevação da Selic, que foi o que comandou a política monetária de FHC e Lula. Essa decisão pode ter sido influenciada pelo desejo da presidente recém eleita de baixar as taxas de juros no Brasil.

Ocorre que num mundo globalizado o processo inflacionário atinge a todos. Desde dez/2008 os juros básicos nos Estados Unidos estão próximos a zero e o Banco Central americano (Fed) no auge da crise, recomprou US$ 1,7 trilhões em títulos privados para ativar o crédito e o consumo. Como até ago/2010 a economia quase não reagiu, o Fed decidiu recomprar esses títulos e mais US$ 600 bilhões até junho deste ano.

Em consequência dessa forte injeção de liquidez, a partir de setembro do ano passado, ocorreu forte subida nos preços dos alimentos e commodities. Isso elevou a inflação em todos os países, especialmente nos emergentes, onde os alimentos têm peso significativo na composição da inflação. Segundo o FMI, cresceram cerca de 30% nos últimos seis meses de 2010. Como a nova injeção dos US$ 600 bilhões só vai terminar em junho deste ano é provável que continuem subindo os preços dos alimentos e commodities para preservar seus valores em dólares.

Este processo nos atingiu duramente e gerou intensa discussão sobre que políticas se deveriam adotar para brecar a inflação.

Posições em debate
Duas posições estão em debate. Uma, liderada pelo mercado financeiro, atribui importância maior ao que considera haver um excesso de demanda na economia e defende a elevação da Selic, deixar o câmbio flutuar, para reduzir os preços dos produtos importados (âncora cambial), e conter o crescimento econômico através de forte contração fiscal para a redução da demanda.

A outra, na qual me incluo, atribui peso maior à inflação importada, que já preocupa todos os países, a redução da Selic para a contração fiscal por reduzir as despesas com juros do governo, o uso de medidas macroprudenciais para elevar o valor das prestações nas compras, e o controle cambial para não prejudicar a competitividade das empresas e não elevar o rombo das contas externas.

Fatores externos
É bom recordar que em junho, julho e agosto do ano passado a inflação foi zero, devido à queda de 1,89% no preço dos alimentos. No último quadrimestre de 2010 o IPCA atingiu a média mensal de 0,66%, os alimentos 1,63% e os demais itens 0,37%. Caso os alimentos tivessem acompanhado a inflação média dos demais itens, a inflação anualizada seria de 4,54%, portanto, no centro da meta prevista para este ano.

É interessante comparar a inflação média mensal do 3º quadrimestre com a do último quadrimestre de 2010 das commodities (que inclui alguns alimentos) e sua repercussão sobre os preços no atacado e destes, com defasagem, para o varejo. Conforme quadro à esquerda (publicado acima), na coluna “4º quadrim”, a média mensal de inflação das commodities foi de 3,82% (petróleo e derivados: 4,00%, matérias rimas: 2,96%, carnes: 1,88 e grãos, oleaginosas e frutas: 4,98%). O quadro à direita na coluna “4º quadrim”, mostra o impacto das commodities sobre os preços por atacado IPA (1,24%) e os índices gerais de preço (IGP-DI: 1,02% e IGP-M: 1,07%), onde o preço por atacado tem peso de 60% e sobre a inflação ao consumidor (INPC, IPC e IPCA) no entorno de 0,7%, ainda não suficientemente contaminada.

A contaminação sobre a inflação ao consumo ocorreu de forma mais intensa neste início de ano, quando o IPCA médio do primeiro trimestre atingiu 0,81% contra 0,66% do último quadrimestre de 2010.

O mercado financeiro, interessado em elevar a Selic, desconsiderou isso e vem pressionando o Banco Central (BC) para novas elevações, usando para isso o boletim Focus – sua principal arma - com previsões de inflação cada vez maiores a cada semana de publicação deste boletim, cujos dados são do mercado financeiro!

Está surtindo efeito essa pressão, pois o Copom, temendo as críticas de que perdeu o controle da inflação, voltou a elevar a Selic pela terceira vez neste ano e deverá continuar a elevá-la conforme divulgado dia 27/4 na sua última ata: “O Copom entende, de forma unânime que, diante das incertezas quanto ao grau de persistência das pressões inflacionárias recentes, e da complexidade que envolve hoje o ambiente internacional, o ajuste total da taxa básica de juros deve ser, a partir desta reunião, suficientemente prolongado.” O grotesco é que a Selic já é o triplo (!) do país que vem em segundo lugar no ranking das mais altas taxas básicas de juros, a Turquia.

Limites de atuação
Diante desses fatos surge a questão: o que fazer para conter essa escalada inflacionária.

Em primeiro lugar é reconhecer o que não depende de ação do governo. É o caso da inflação proveniente do exterior nas commodities e alimentos. Só são passíveis de intervenção, com a continuação da valorização do real, que já atingiu níveis preocupantes para a indústria e sangrou as contas externas.

Também não depende de ações do governo, a inflação dos preços administrados, que pesam 30% na composição do IPCA. Eles são insensíveis às condições de oferta e de demanda porque são estabelecidos por contrato, por órgão público ou agências reguladoras: serviços telefônicos, derivados de petróleo (gasolina, gás de cozinha, óleo para motores), eletricidade, planos de saúde, taxa de água e esgoto, IPVA, IPTU e tarifas de transporte público. Só em pequena parte pode atuar o governo federal, como no caso dos combustíveis. No momento o governo resiste em elevar o preço da gasolina, mas a última ata do Copom considera que haverá aumento de 2,2% neste ano.

Excluindo a inflação importada e os preços administrados sobram cerca de 30% de componentes sobre os quais o governo pode agir para tentar segurar a inflação, o que evidencia as limitações das autoridades para um combate amplo à inflação. Tendo isso presente, é importante considerar os principais fatores que estão influenciando a inflação.

Fatores que influenciam a inflação
Elevam a inflação especialmente os preços de alimentos, commodities e, em parte, o petróleo, que repercute a inflação importada, os preços dos serviços (que não sofrem concorrência externa), a indexação de alguns contratos que se baseiam na inflação ocorrida no passado, e dificuldades para a contratação de mão de obra devido ao desemprego ter atingido níveis considerados baixos. Olhando para 2012 há a elevação do salário mínimo, que por lei deverá subir entre 13% e 14% injetando recursos que irão aumentar o consumo das famílias da base da pirâmide social e, consequentemente, a demanda.

Reduz a inflação a safra recorde prevista de produtos agrícolas, um abrandamento do consumo das famílias devido à perda inflacionária de seus rendimentos, o maior comprometimento de sua renda disponível em função de compras feitas no passado, especialmente com prestações de imóveis, automóveis e eletrodomésticos e a valorização do real reduzindo os preços dos produtos importados, o que serve para a contenção dos reajustes dos preços internos.

Vale destacar, também, as perspectivas da oferta e da procura. No ano passado, a Formação Bruta de Capital Fixo, que representa os investimentos na economia, cresceu 21,8% e o consumo 6,1%. Esse crescimento dos investimentos acima do consumo já vem ocorrendo há tempos. Nos últimos sete anos (2004 a 2010) em termos médios anuais os investimentos cresceram 7,0% e o consumo 4,4%. Isso significa que a capacidade de produção vem crescendo acima do consumo, o que é um bom sinal para as perspectivas inflacionárias. Fora isso, o governo através de medidas macroprudenciais encareceu o crédito, especialmente para compras superiores a 24 meses, enxugou cerca de R$ 80 bilhões em depósitos compulsórios dos bancos e cortou R$ 50 bilhões do orçamento.

Para surpresa de muitos, pelas Contas Nacionais, que registram a evolução do PIB, os gastos do governo vêm crescendo em níveis abaixo do crescimento do PIB em todos os anos, à exceção de 2009, quando evoluíram 3,9% para conter a queda do PIB que chegou a 0,6%. Na média anual entre 2003 a 2010, o PIB cresceu 4,0%, o consumo das famílias 4,4%, os investimentos 6,7% e os gastos do governo 3,2%. Em 2010 os gastos do governo cresceram 3,3% e o PIB 7,5%.

Combate eficaz
Conforme tratado em artigo anterior o máximo de redução de despesas do governo federal tem baixo efeito sobre a demanda, pois: a) pelas Contas Nacionais os gastos do governo são 21% da demanda, dos quais 57% são de Estados e Municípios; b) dos 43% do governo federal, apenas 20%, inclusos aí os investimentos, são passíveis de gestão devido às amarrações legais do orçamento e; c) caso se consiga reduzir 20% via gestão, se teria uma redução de apenas 0,36% (!) da demanda (21% x 43% x 20% x 20%).

Diante deste quadro, caso se atribua à demanda (consumo das famílias, gastos do governo e investimentos) o crescimento da inflação, o mais acertado seria reduzir o ritmo de crescimento do consumo das famílias, já que os investimentos constituem o alimento para o crescimento da oferta futura, ou seja, o antídoto da inflação, e a possível redução de gastos do governo é pequena. Mas caso fosse o caso de atenuar o crescimento do consumo, o melhor caminho seria encarecer o crédito, especialmente para compras com prazos mais longos. Isso tem a vantagem de elevar as prestações e, principalmente, proteger o consumidor de riscos de inadimplência. O governo fez isso a partir de 6/dez com as medidas macroprudenciais, com bons resultados. Se necessário pode elevar mais ainda o valor das prestações para prazos inferiores a 24 meses. Basta querer.

A outra componente do consumo é a massa salarial que vem evoluindo devido às políticas que incorporaram enorme contingente de trabalhadores ao mercado de trabalho, estimulados pelas elevações do salário mínimo e de programas sociais como o Bolsa Família. Este componente deve ser preservado e estimulado, pois a geração de empregos induz o aumento da produção, dos investimentos e da economia. O importante é que o consumo evolua mais naturalmente com a massa salarial, do que pelo estímulo exagerado do crédito como ocorreu nos últimos anos.

Mas não creio que seja a demanda a responsável pela elevação da inflação. O fator externo tem feito a inflação saltar em todos os países, muitos dos quais já ultrapassaram o piso superior de suas metas de inflação. Até países como a China, onde o governo tem um controle mais rígido da economia, já atingiu 5,4% e provavelmente irá crescer ainda mais neste ano. Os Estados Unidos, ainda sob o efeito da crise, já bateu nos 2,7% e há previsões de que atinja 4,5% no final do ano. O Banco Central Europeu preocupado com a inflação na zona do euro, que caminha para 3%, já começou a elevar os juros, apesar da série crise fiscal e social em vários países da zona.

Fato é que estamos ao sabor dos humores externos da política monetária dos Estados Unidos, da crise na Europa, da indefinição do futuro do Japão face às conseqüências do terremoto e da insegurança do sistema de geração de energia nuclear, e da conflagração do norte da África e no Oriente Médio.

Enquanto não for enxugada a elevada liquidez internacional, os preços de alimentos, commodities e petróleo continuarão elevados e, com propensão a subir puxados pelo crescente consumo asiático e de outros países emergentes.

É de se destacar que, além dos riscos à segurança alimentar e energética, as altas nos preços dos alimentos, commodities e do petróleo comprometem o crescimento econômico mundial, pois reduzem a disponibilidade para o consumo de outros bens e serviços, reduzindo a arrecadação dos governos. Isso é particularmente importante no caso dos Estados Unidos, pois começam a surgir dúvidas sobre sua capacidade de pagar sua dívida de US$ 14,3 trilhões, tendo sido rebaixada sua classificação de risco pela Standard & Poor’s. Os Estados Unidos têm o maior déficit fiscal do mundo, como parcela do PIB (10,8% neste ano), e a segunda maior necessidade de financiamento, superada só pela do Japão.”

Da mesma forma que até 2008 não se encarou os riscos da crise da bolha imobiliária nos Estados Unidos, há uma tendência a minimizar a ascensão dos déficits fiscais e das dívidas nos Estados Unidos, Europa e Japão. Em 2007, antes da crise, a dívida dos países ricos era de US$ 26 trilhões ou 47% do PIB global. Atualmente é de US$ 42 trilhões, ou 61% do PIB global e a tendência é crescer ainda mais. Essa pode ser uma das principais ameaças à recuperação da economia mundial.

O cenário externo será sem dúvida o fio condutor da inflação e do câmbio no mundo, e fechar os olhos para isso, pode constituir grave erro de política econômica. Portanto, a melhor proteção contra as ameaças externas é o fortalecimento do mercado interno, especialmente pelo estímulo na renda para a base da pirâmide social e nos investimentos, e reduções de custos para as empresas. Assim, preocupam análises que para combater a escalada inflacionária pedem mais elevação da Selic, pouco se preocupam com a valorização cambial, e querem forte contração fiscal. No fundo, pregam a derrubada do crescimento econômico para reduzir a inflação.

O que poderia justificar um efeito favorável da Selic para a contenção inflacionária seria sua função de favorecer a âncora cambial, barateando as importações e ajudando a abrandar o efeito externo dos preços das commodities que importamos, mas isso tem efeitos colaterais adversos: redução da competitividade das empresas, forte elevação dos rombos nas contas externas e crescente custo de carregamento das reservas internacionais.

A consequência dessa irresponsabilidade cambial é a crescente transferência de indústrias brasileiras para o exterior, por meio de investimentos em novas fábricas ou aquisição de empresas já em operação.

É necessário separar o joio do trigo no ataque à inflação, reconhecer nossas limitações e inovar com medidas macroprudenciais o que não se consegue com os males causados pela elevada Selic. Tenho dúvidas se o governo irá enfrentar o mercado financeiro. Por enquanto se submete a ele, o que contraria um desenvolvimento sustentável com distribuição de renda.

(*) Mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor

sexta-feira, abril 29, 2011

Beto Guedes - Sal da Terra

Para presidente do BID, Brasil será primeiro mundo em uma década

Na avaliação de Luis Alberto Moreno, País tem muito a contribuir para um novo pensamento econômico em âmbito mundial


O Brasil pode se tornar um País de primeiro mundo em cerca de dez anos, se mantiver a atual trajetória de crescimento sustentado, segundo projeção feita nesta sexta-feira pelo presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o colombiano Luis Alberto Moreno.

Em entrevista exclusiva ao iG durante o World Economic Forum on Latin America, no Rio de Janeiro, Moreno disse não haver dúvida que este é um grande momento para o Brasil aos olhos do mundo. O grande desafio, segundo o presidente do BID, é melhorar a qualidade da educação para que os jovens possam ter uma melhor inserção no mercado de trabalho e investir em desenvolvimento tecnológico.

“Com mais investimentos em educação será possível elevar de forma substancial a renda per capita para algo acima de US$ 12 mil em até dez anos e isso colocará o país em outro patamar no mundo, com perfil de um país de primeiro mundo”, disse o executivo.

“Temos no Brasil um bônus demográfico, classe média ascendente, um mercado doméstico aquecido e em expansão. Temos aqui todas as coisas de que o mundo necessita, mas é necessário qualificar melhor a mão de obra para aproveitar as oportunidades que estão surgindo e que devem impulsionar mais o crescimento”, acrescentou Moreno.

Pensamento econômico

Na avaliação do presidente do BID, O Brasil tem muito a contribuir para um novo pensamento econômico em âmbito mundial. De acordo com Moreno, os países desenvolvidos, que durante muitos anos deram lições dizendo ao Brasil o que deveria ser feito, agora têm de recorrer à experiência do País.

“O Brasil adotou medidas no passado que garantiram a solidez do sistema financeiro durante a crise”, disse Moreno. “Em 25 anos a América Latina teve 31 crises financeiras. Aqui estão todas as lições. Portanto não há dúvida de que o Brasil, como a maior economia da região, tem muito a contribuir com um novo pensamento econômico como a voz da América Latina”, afirmou.

Moreno ressaltou que o atual momento vivido pelo Brasil foi gerado pelo que classificou de “uma revolução silenciosa” que passa por eleições diretas, fortalecimento da democracia e políticas de desenvolvimento inovadoras como o Bolsa Família. “Esses fatores, somados ao aprendizado que se obteve com as crises financeiras, as boas e as más lições, possibilitou esse ambiente positivo”, disse.

Infraestrutura

Outro desafio, segundo o presidente do BID, são os investimentos em infraestrutura para poder suportar os eventos esportivos como a Copa do Mundo em 2014 e os Jogos Olímpicos em 2016. “Esses investimentos vão gerar muitos empregos e elevar a renda da população, mas isso depende dos investimentos agora. E o Brasil vencendo esses desafios poderá encarar novas demandas com muito mais preparo”, destacou.

A previsão do BID é investir cerca de US$ 12 bilhões nos próximos quatro anos em projetos em parceria com o governo federal e em âmbito estadual, principalmente na região Nordeste. “Temos muitas prioridades no Rio de Janeiro devido à Copa do Mundo e Olimpíadas com projetos de despoluição da Baía de Guanabara, na área de transportes como melhoria da estrutura viária e expansão de linhas do metrô, projetos sociais nas favelas para melhorar as condições de vida da população, principalmente na área de saneamento”, afirmou o executivo da instituição internancional.

Inflação

Para Moreno, o avanço da inflação não deverá comprometer a trajetória de crescimento do Brasil no longo prazo. “Tenho grande respeito pelo governo Dilma, que tem um perfil muito técnico e demonstra muita solidez para que o País possa avançar com muito êxito”, disse.

De acordo com o presidente do BID, as demandas sociais exigem inflação baixa e a luta para combater a forte elevação de preços será durante muito tempo um tema central. “A economia tem muitas variáveis que tornam difícil a tarefa de receitar um remédio correto para controlar a inflação. Não há uma fórmula pronta”, avaliou Moreno. “O que é necessário fazer é um ajuste fino definido ao longo do caminho. Tenho certeza de que o governo do Brasil tem consciência disso e de que as medidas adotadas até aqui são as mais corretas para o atual momento”, acrescentou o presidente do BID

quarta-feira, abril 27, 2011

Os discursos dos outroras donos do poder


Por Lucas C. Vaz Costa

Fonte blog Umas Idéias Minhas, em 24/04/11

Havia se tornado rotina assistir aos belos pronunciamentos dos próceres do PSDB. São muito bem elaborados, em geral. Isso porque, quase sempre, tem em comum entre si o fato de desdizerem completamente aquilo que foi a prática horrorosa deste partido ao longo dos oito anos de triste memória em que Fernando Henrique Cardoso foi presidente do Brasil.

Houve várias ocasiões em que Lula foi posto diante do que seriam contradições entre as ações de seu governo e os discursos radicais outrora proferidos pelo Partido dos Trabalhadores. Isso foi repetido de forma tão exaustiva que virou consenso entre a mídia prevalente que o governo Lula nada mais seria do que a continuação da era FHC. A diferença seria tão somente a sorte do petista, que teria governado em um contexto internacional de uma economia mais favorável. Como se de fato a crise econômica mundial fosse uma “marolinha” – vejam que assim sendo, eles aceitaram a tese de Lula!

O que víamos até agora era a contradição entre o discurso atual do PSDB e seu passado enquanto governo. No governo foram horríveis, mas no discurso eles são bons. No papel, afinal de contas, este partido é social-democrata. Logo é programaticamente preocupado com a questão social. Um surto de humanismo tomou conta do PSDB quando de sua saída do governo, em descompasso com sua Realpolitik de submissão incondicional ao que seria o Renascimento de fins do séc. XX, a Globalização Neoliberal, sustentada por uma poderosíssima campanha publicitária internacional. Eles esqueceram – ou quiseram nos fazer esquecer – da submissão de seu governo ao FMI. Quem governava o Brasil eram as metas impostas para que pudéssemos pagar o que devíamos. Traduzindo para o nosso dia-a-dia, adeus política social na Era FHC. Bem-estar social foi um luxo suprimido até mesmo da classe-média.

Essa contradição entre prática e discurso era o que podíamos assistir até agora. Mas há uma tênue névoa de mudança no ar. Aparentemente, estamos diante de uma nova fase discursiva do PSDB, diante do momento em que eles parecem sair do casulo e assumir aquilo que eles verdadeiramente sempre foram.

Recentemente, FHC se manifestou no sentido de que o PSDB deve esquecer os pobres, viciados nas políticas sociais do PT, e partir para a conquista eleitoral da classe-média. Classe-média que ele, aliás, tanto espezinhou quando de sua estadia no Palácio da Alvorada. Quem não lembra do arrocho salarial, da desvalorização do funcionalismo público, das privatizações selvagens? Só o PSDB não lembra e insiste em querer fazer o Brasil esquecer.

O aumento da classe-média é uma realidade proporcionada pelas políticas do governo Lula. Como disse FHC em uma entrevista ano passado, o país sempre se preocupou muito em produzir riqueza, mas sempre produziu pouco bem-estar. Finalmente tivemos um governo que se preocupou em produzir algum bem-estar: estão aí os números demonstrando o crescimento da classe-média. Com Fernando Henrique, nem riqueza nem bem-estar.

É irônico que FHC entenda que deve buscar votos nas fileiras beneficiadas pelas políticas do Partido dos Trabalhadores. Aparentemente não tem sentido. Mas vejamos.

Ele demonstra pouco apreço pela capacidade reflexiva do pobre, incapaz, segundo ele, de ver além da própria barriga. Ao mesmo tempo aposta no medo da classe-média de perder as suas conquistas. Tradicionalmente o discurso do PSDB é o do medo (vide Regina Duarte em 2002). FHC acredita que a chave para a retomada de poder está no confronto, na exploração do preconceito. A cartada final para ele seria o uso do conflito. A eleição passada foi uma amostra disso.

Ainda é freqüente que se vejam manifestações de paulistanos contra os nordestinos. A mídia prevalente exibiu, orgulhosamente, gráficos com o norte do país “Vermelho-Dilma” e o sul “Azul-Serra”. É a teoria do racha. FHC, como grande cientista social, afinal de contas, é dado a criar teorias. O PSDB tenta uma nova estratégia, a de dizer a verdade. Maquiar a verdade é bonito, mas tem sido pouco efetivo eleitoralmente. O partido albergue do elitismo finalmente se assume elitista. A nova aposta é o racha entre pobres e os de classe-média acima na pirâmide social. No fundo no fundo, é o mesmo de sempre: o PSDB aposta no medo.

A classe-média cresceu. Veio de algum lugar. Muitos cidadãos classe-média de hoje eram pobres ontem. Se eram pobres, aos olhos de FHC, tem uma capacidade de análise de segunda categoria. Podem cair na sua lábia, não entender que fazem parte da mudança proporcionada pelo Partido dos Trabalhadores, e aceitar o chamado para o conflito. Podem ter medo de não poderem mais contratar o porteiro do seu condomínio, a empregada doméstica para cuidar de sua casa e de suas crianças, de não ter mais condições de andar de carro próprio – confortos que adquiriram recentemente. Outras “Regina Duarte” virão, com certeza, concretas ou metafóricas. Estejamos certos disso.

A filosofia por trás da mudança é a da Direita Política. O discurso ficou feio porque sempre evoca o medo, o ódio e a intransigência. Adeus social-democracia. Nem no discurso os tucanos são mais social-democratas. Seria o fim dos belos pronunciamentos?

*Lucas C. Vaz Costa, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará.

terça-feira, abril 26, 2011

Enfrentar inflação e câmbio


Amir Khair[1]

Os dois principais desafios do governo são o controle da inflação e tentar segurar o processo em curso da valorização do real. Parte-se do pressuposto, que para isso não irá derrubar o crescimento econômico, como afirmou a Presidente.

Inflação e câmbio mantêm forte dependência da economia global. As elevações de preços de alimentos e commodities, que vem ocorrendo desde setembro de 2010, atingiram todos os países e são componentes importantes da inflação. Existe, portanto, um risco real de inflação neste ano no Brasil. Quanto ao câmbio o Brasil tem contra si a elevação da liquidez internacional e a alta taxa Selic que atrai os especuladores estrangeiros pelos elevados ganhos que propicia e sem riscos.

A Folha de São Paulo (11/4) mostrou que diversos países já ultrapassaram o teto de inflação para este ano; entre outros: Reino Unido, Israel, Coreia do Sul, Nova Zelândia, Indonésia e Sérvia. Até países europeus e os Estados Unidos com baixos crescimentos econômicos já ultrapassaram o teto de 2% considerado aceitável pelos seus bancos centrais. Quanto ao câmbio, para se defenderem da elevada liquidez internacional, os países emergentes estão usando políticas de controle de entrada de capitais para evitar a valorização de suas moedas, que tira a competitividade de suas empresas e ameaça suas contas externas.

O que estranha é ver análises no Brasil minimizarem essa realidade internacional e atribuírem esses problemas ao governo. Criticam a leniência do Banco Central (BC) e duvidam do esforço fiscal do governo federal. Como solução para a inflação e câmbio defendem a redução da demanda, através de contenção das despesas de custeio (que não envolvem juros e investimentos) do governo federal e a elevação da Selic.

Não creio que a solução seja essa, pois: a) os gastos do governo constituem 21% da demanda; b) 43% dos gastos do governo, exclusive previdência social, são federais; c) apenas 20% deles, inclusos aí os investimentos, são passíveis de gestão devido às amarrações legais e; d) caso se consiga reduzir 20% via gestão, se teria uma redução de apenas 0,36% (!) da demanda (21% x 43% x 20% x 20%).

Por outro lado a despesa que poderia ser reduzida, e muito, é o juro, que atingiu em 2010 R$ 195 bilhões, ou 5,3% da demanda. O impacto sobre a demanda é 15 (!) vezes maior do que a passível de ser feita pelo governo federal. Assim, para reduzir a demanda do governo, o melhor é reduzir a Selic.

Quanto à Selic, a experiência de 2010 revelou que apesar de elevar de 8,75% para 10,75%, a taxa de juros ao consumidor caiu dois pontos. Além disso, já é de longe a maior taxa básica de juros, o triplo do segundo colocado a Turquia. Sua elevação causa efeitos contraditórios: a) eleva a demanda do governo causando mais inflação e; b) atrai mais dólares, o que barateia as importações funcionando como âncora cambial. Mas elevar a Selic aumenta o déficit fiscal, valoriza mais ainda o real e prejudica a competitividade de nossas empresas e as contas externas. É um tiro no pé.

Vamos tratar esses dois desafios numa visão de médio e longo prazo, pois para este ano e até meados do próximo provavelmente continuaremos tendo pressões inflacionárias e valorização cambial vindas de fora, como nos demais países. Nota-se, no entanto, que a demanda já dá sinais de acomodação, pois: a) a inflação está reduzindo o poder aquisitivo das camadas de menor renda; b) as medidas macroprudenciais encareceram o crédito e; c) há nível crescente de endividamento dos consumidores, com elevação da inadimplência.

A favor da contenção dos preços dos alimentos temos previsões recordes de safra neste ano, mas há perspectivas de demanda em elevação, especialmente na China e Índia, o que pode ocasionar efeito contrário. Em termos globais prevê-se (caso não surjam novas surpresas) crescimento econômico de 4% no mundo, puxado pelos emergentes com 6%. Isso significa elevação de preços das commodities, que devem continuar impactando a inflação neste ano. Por outro lado a conflagração no norte da África e Oriente Médio e as catástrofes no Japão podem causar elevação ainda maior nos preços do petróleo, reduzindo o crescimento econômico e rebaixando os preços das commodities. Em síntese, temos muitas indefinições com impactos variáveis na inflação.

Diante disso é importante focar a política econômica principalmente no médio e longo prazo. Nesse sentido defendo a continuidade do crescimento econômico, com inflação sob controle pelo uso adequado do crédito, e controle na entrada de capitais especulativos externos para permitir câmbio em nível adequado para melhorar as contas externas. Vejamos a seguir cada uma dessas questões.

1. Manter o desenvolvimento econômico

De 2004 a 2010, apesar da crise internacional, crescemos em média 4,81% ao ano. O projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do governo federal prevê 4,5% este ano. Para 2012, 5,0% e para 2013 e 2014, 5,5%. São níveis compatíveis com a evolução que vem ocorrendo desde 2004 e abaixo do nível de 6% previsto para este ano nos países emergentes. Têm-se dois caminhos a perseguir para isso: a) crescer as exportações e; b) desenvolver o mercado interno.

O caminho da exportação é o mais difícil, pois fora as commodities e alimentos em que temos competitividade, os demais bens sofrem cada vez mais dificuldades para serem exportados devido ao câmbio valorizado e a disputa cada vez mais acirrada da China para expansão de suas vendas, juntamente com os Estados Unidos, Europa e Japão, cujo consumo interno não apresenta boas perspectivas, e é urgente reduzir os elevados níveis de desemprego que causam fortes desgastes políticos nesses países. Assim, a expansão da economia deve se apoiar, preferencialmente no mercado interno, e para isso, continuar o estímulo às camadas de menor renda e aos investimentos que devem sustentar a elevação da oferta de bens e serviços para atender a incorporação de novos consumidores.

Os fios condutores desse processo que já demonstraram resultados são o crescimento do salário mínimo acompanhando a evolução da economia e o fortalecimento de programas de renda como o Bolsa Família.

Essas políticas vão na direção de explorar o potencial de consumo existente, como pode ser constatado durante o governo anterior. Segundo o Estado (23/3), “31 milhões subiram de classe social em 2010 e o formato da distribuição de renda deixou de ser uma pirâmide e se tornou um losango.” É através da perspectiva de crescimento do consumo que as empresas procuram ampliar seus investimentos e aumentar a oferta de bens e serviços.

2. Inflação

Para combater a inflação é fundamental: a) investir na produção para elevar a oferta e; b) desenvolver políticas que permitam a redução de custos das empresas afetadas pela carga tributária, juros siderais, precariedade na infraestrutura e na logística e sujeitas ao cipoal burocrático. Elevar a oferta e reduzir custos é fundamental no combate estrutural à inflação.

A redução da carga tributária (arrecadação dividida pelo PIB) passa pela redução dos juros do setor público devido à elevada Selic. Desde 2005 a carga tributária está estacionada em 33,6% do PIB. Mas o setor público só pode usar 27,6% do PIB, pois deve pagar antes os juros que representaram nesse período 6,0% do PIB.

Nos países da Organização para o Desenvolvimento Econômico (OCDE) que reúne a Europa, mais Estados Unidos Canadá e Japão, bem como nos países da América Latina e Caribe a conta de juros é da ordem de 1,8% do PIB. Reduzindo a Selic ao nível dos países emergentes de 6% é possível conseguir esse nível de juros em cerca de três anos. Isso permitiria: a) desonerações tributárias às empresas e bens de consumo popular e; b) ampliar investimentos em infraestrutura e logística. A resultante é elevação da oferta e custos menores, com redução da inflação.

Quanto à infraestrutura e logística, o governo procura reduzir os gargalos e custos que oneram os preços dos produtos, através do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), que apesar dos atrasos em sua execução, parece ter atravessado vários entraves e dá mostras de adquirir maior velocidade de implantação. Vale destacar que o setor privado, independentemente do governo, tem feito investimentos para redução de custos de transporte, armazenagem e portuários. Isso vai contribuir para ampliar a produção e competitividade das empresas, com resultados concretos para a redução da inflação.

3. Câmbio

Desde dez/2008 os juros básicos nos Estados Unidos estão próximos a zero e o Banco Central americano (Fed) no auge da crise, recomprou US$ 1,7 trilhões em títulos privados para ativar o crédito e o consumo. Como até ago/2010 a economia quase não reagiu, o Fed decidiu recomprar esses títulos e mais US$ 600 bilhões até junho deste ano.

O que afetará o câmbio a nível internacional é quando o Fed decidir iniciar o enxugamento desses US$ 2,3 trilhões. Numa posição estão os que acham que a economia ainda não recuperou e na outra, os que se preocupam com a inflação, que já atingiu 2,7% e pode terminar neste ano em torno dos 4,5%.

Além dos Estados Unidos, Europa e Japão também ampliaram a liquidez de suas economias para sair da crise. Isso gerou forte pressão para valorizar as moedas dos países emergentes. Para tentar conter essa valorização, os emergentes estão adotando o controle de ingresso de capitais sob as mais variadas formas. O caso brasileiro é mais grave, pois a Selic elevada constitui o destino preferido dos especuladores internacionais. A solução para evitar a enxurrada de dólares passa principalmente pela redução da Selic para o nível internacional.

Enquanto isso não ocorre o governo deve continuar fechando todas as brechas de entradas especulativas atraídas pela Selic. Não foi fechada ainda a falsa entrada de investimento direto de estrangeiros (IED), que em vez de ir para a produção vai para as aplicações em títulos federais, pois não há controle por parte do BC sobre o IED. A melhor forma deste controle é via cronograma físico financeiro das aplicações. A legislação garante a fiscalização do BC. A burla seria fortemente tributada pelo IOF, além da imposição de multas.

Outra forma importante de restrição à entrada de dólares especulativos é através da quarentena. A esse respeito vale destacar a proposta feita em artigo do dia 6/11/2010 no Estado, pelo professor José Luiz Conrado Vieira, estudioso da legislação cambial brasileira. Ele sugeriu, baseado em soluções já adotadas no País, que os novos capitais que se destinassem ao Brasil teriam que efetuar depósito obrigatório no BC de 30% a 50%, não remunerado e com prazos adequados. Isso seria de “fácil operacionalização, não exigiria ações de esterilização monetária nem traria riscos relevantes de exposição cambial ao BC, visto que os recursos ficariam no exterior em conta da autoridade e seriam devolvidos, ao final, na mesma moeda. Ademais, os rendimentos da sua aplicação pelo BC ajudariam a mitigar um pouco, indiretamente, o custo de manutenção das reservas.”

Mas não é só. O que importa, sobretudo, é reduzir/eliminar as posições “vendidas” dos bancos em dólares. Elas constituem a materialização das apostas dos bancos na apreciação do real e para isso o BC deve fazer exigências duras de elevação de capital sobre os bancos que atuam com posições “vendidas”.

Nessa questão o governo está caminhando a passos lentos e há dúvidas se não está prevalecendo posições de deixar o câmbio valorizar para tentar segurar a inflação. A elevação da Selic nessa última reunião do Copom pode ser um indicativo nessa direção. Nesse caso o governo estaria priorizando o combate à inflação recorrendo à valorização cambial com danos crescentes à competitividade das empresas e elevação do rombo nas contas externas.

Vamos aguardar os próximos passos do governo e, principalmente, o desenrolar dos impactos externos de inflação e câmbio. O importante é manter o crescimento econômico, reduzir a Selic e atacar os fatores que oneram os custos das empresas.

"O dólar tem os dias contados" diz jornalista suiça


Li agora e achei interessantíssima a matéria publicada pelo site Swissinfo com a jornalista de economia Myret Zaki. Ela apresenta uma visão que, aqui, é muito raro encontrar quem tenha coragem de sustentar. E que é indispensável para entender os movimentos da economia, porque os analista, em geral, continuam sustentando o discurso que a crise de 2008 demonstrou ser insustentável.

As evidências, porém, são muito forte e, por isso, vão começando a surgir as vozes que dizem, como na fábula, o que não se quer ver: o rei está nu.

Transcrevo alguns trechos da matéria e da entrevista de Zaki.

“A moeda americana se transformou na maior bolha especulativa da História e está condenada a uma forte queda. Os ataques contra o euro são apenas uma cortina de fumaça para esconder a falência da economia americana, defende a jornalista suíça Myret Zaki em seu último livro.

“A queda do dólar se prepara. É inevitável. O principal risco no mundo atualmente é uma crise da dívida pública americana. A maior economia mundial não passa de uma grande ilusão. Para produzir 14 trilhões de renda nacional (PIB), os Estados Unidos geraram uma dívida de mais de 50 trilhões que custa 4 trilhões de juros por ano.”

O tom está dado. Ao longo das 223 páginas de seu novo livro, a jornalista Myret Zaki faz uma acusação impiedosa contra o dólar e a economia americana, que considera “tecnicamente falida”.

A jornalista se tornou, nos últimos anos, uma das mais famosas escritoras de economia da Suíça. Em seus últimos livros, ela aborda a situação desastrosa do banco suíço UBS nos Estados Unidos e a guerra comercial no mercado da evasão fiscal. Na entrevista a seguir, Myret Zaki defende a tese de que o ataque contra o euro é para desviar a atenção sobre a gravidade do caso americano.

Swissinfo.ch: A Senhora diz que o crash da dívida americana e o fim do dólar como lastro internacional será o grande acontecimento do século XXI. Não seria um catastrofismo meio exagerado?

Myrette Zaki: Eu entendo que isso possa parecer alarmista, já que os sinais de uma crise tão violenta ainda não são tangíveis. No entanto, estou me baseando em critérios altamente racionais e factuais. Há cada vez mais autores americanos estimando que a deriva da política monetária dos Estados Unidos conduzirá inevitavelmente a tal cenário. É simplesmente impossível que aconteça o contrário.

swissinfo.ch: No entanto, esta constatação não é, de forma alguma, compartilhada pela maioria dos economistas. Por quê?
MZ: É verdade. Existe uma espécie de conspiração do silêncio, pois há muitos interesses em jogo ligados ao dólar. A gigantesca indústria de asset management (investimento) e dos hedge funds (fundos especulativos) está baseada no dólar. Há também interesses políticos óbvios. Se o dólar não mantiver seu estatuto de moeda lastro, as agências de notações tirariam rapidamente a nota máxima da dívida americana. A partir daí começaria um ciclo vicioso que revelaria a realidade da economia americana. Estão tentando manter as aparências a todo custo, mesmo se o verniz não corresponde mais à realidade.

swissinfo.ch: Não é a primeira vez que se anuncia o fim do dólar. O que mudou em 2011?

MZ: O fim do dólar é realmente anunciado desde os anos 70. Mas nunca tivemos tantos fatores reunidos para se prever o pior como agora. O montante da dívida dos EUA atingiu um recorde absoluto, o dólar nunca esteve tão baixo em relação ao franco suíço e as emissões de novas dívidas americanas são compradas principalmente pelo próprio banco central dos EUA.

Há também críticas sem precedentes de outros bancos centrais, que criam uma frente hostil à política monetária americana. O Japão, que é credor dos Estados Unidos em um trilhão de dólares, poderia reivindicar uma parte desta liquidez para sua reconstrução. E o regime dos petrodólares não é mais garantido pela Arábia Saudita.

swissinfo.ch: Mais do que o fim do dólar, a Senhora anuncia a queda da superpotência econômica dos EUA. Mas os Estados Unidos não são grandes demais para falir?

MZ: Todo mundo tem interesse que os Estados Unidos continuem se mantendo e a mentira deve continuar por um tempo. Mas, não indefinidamente. Ninguém poderá salvar os americanos em última instância. São eles quem terão que arcar com o custo da falência. Um período muito longo de austeridade se anuncia. Ele já começou. Quarenta e cinco milhões de americanos perderam suas casas, 20% da população sairam do circuito econômico e não consomem mais, sem contar que um terço dos estados dos EUA estão praticamente falidos. Ninguém mais investe capital no país. Tudo depende exclusivamente da dívida (americana).

Fonte:http://www.tijolaco.com/

segunda-feira, abril 25, 2011

O império de Washington subiu no telhado



“Em mundo multipolar de novas potências, com Pequim, Nova Delhi, Moscou, Ancara e Brasília”…

O ‘império’ dos EUA, de autocratas, aristocratas e ditadores militares, subiu no telhado

24/4/2011, Alfred W. McCoy e Brett Reilly, no TomDispatch

Tradução do Coletivo da Vila Vudu

Num dos mais bem-vindos movimentos das forças da história, a justaposição de dois extraordinários eventos deixou a nu a arquitetura do poder global dos EUA, e todos afinal podem vê-la. Em novembro do ano passado, WikiLeaks fez chover sobre o mundo quantidades diluvianas de telegramas diplomáticos, recheados dos mais abusivos comentários formulados por diplomatas dos EUA sobre governantes de todo o planeta, da Argentina ao Zimbabwe, e estampados nas primeiras páginas dos jornais. Em seguida, poucas semanas depois, o Oriente Médio explodiu em manifestações pró-democracia e contra ditadores, muitos dos quais aliados íntimos dos EUA, alianças sobre as quais os telegramas publicados por WikiLeaks não deixam dúvidas.

De repente, viu-se o esqueleto da ordem mundial construída pelos EUA e que depende significativamente de líderes nacionais que são “elites subordinadas” fiéis a Washington, mas que, de fato, não passam de bando sortido de autocratas, aristocratas e militares ditadores. Quando se viram os aliados, viu-se também a lógica mais ampla, que quem não visse jamais conseguiria explicar, que preside todas as decisões de política exterior dos EUA ao longo de meio século.

Por que a CIA se arriscaria, em 1965, no auge da Guerra Fria, em operações como derrubar líder prestigiado como Sukarno na Indonésia, ou por que encorajaria o assassinato do católico Ngo Dinh Diem em Saigon em 1963? A resposta – à qual afinal se chega agora, graças às publicações de WikiLeaks e ao “despertar árabe” – é que nos dois casos tratava-se de subordinados selecionados por Washington, os quais, de repente, se insubordinaram e tornaram-se descartáveis.

Por que, meio século depois, Washington trairia todos os seus princípios democráticos declarados e apoiaria o presidente do Egito Hosni Mubarak contra milhões de egípcios nas ruas, só para, quando já não havia como mantê-lo no comando, indicar para substituí-lo, pelo menos no primeiro momento, o seu chefe de segurança Omar Suleiman, conhecido como chefe dos serviços de tortura que eram arrendados aos serviços de tortura de Washington? A resposta é que os dois eram também subordinados selecionados por Washington, que serviam bem aos interesses dos EUA em estado considerado chave no Oriente Médio.

Em todo o Grande Oriente Médio, da Tunísia e Egito ao Bahrain e Iêmen, manifestantes democráticos, nas ruas ameaçam varrer do mapa todas as elites subordinadas, consideradas crucialmente necessárias para manter o poder dos EUA. Sempre foi assim: todos os impérios modernos dependeram de delegados que traduzissem o poder global em termos de controles locais. Mas, quando aquelas elites locais começaram a dar sinais de interesse em implantar agendas próprias, o colapso dos impérios começou a aparecer nas cartas.

Assim como as “revoluções de veludo” que varreram o leste europeu em 1989 tocaram as trombetas do fim do império soviético, assim também as “revoluções do jasmim” que se espalham pelo Oriente Médio podem bem estar sinalizando o começo do fim do poder global dos EUA.

Militares no comando

Para entender a importância das elites locais, é preciso considerar os primeiros dias da Guerra Fria, quando uma Casa Branca desesperada procurava alguma coisa, qualquer coisa, que tivesse qualquer mínima chance de deter o que Washington via como sentimento pró-comunistas e antiamericano no mundo. Em dezembro de 1954, o Conselho de Segurança Nacional reuniu-se na Casa Branca e traçou uma estratégia para domar todas as forças nacionalistas mais poderosas que se constituíam, naquele momento, em todo o mundo.

Na Ásia e na África, meia dúzia de impérios europeus que até então haviam garantido a estabilidade da ordem global por mais de um século estavam-se pulverizando, dando origem a cem novas nações, muitas das quais – do ponto de vista de Washington – suscetíveis de serem cooptadas pela “subversão comunista”. Na América Latina, o problema era o avanço da oposição de esquerda, entre as massas urbanas que não paravam de crescer e entre os camponeses sem terra.

Depois de examinar as “ameaças” que se formavam contra os EUA na América Latina, o influente Secretário do Tesouro George Humphrey declarou aos seus colegas do Conselho de Segurança Nacional que todos parassem “de falar tanto em democracia” e cuidassem, imediatamente, de “apoiar ditaduras de direita que tivessem políticas pró-EUA”. Foi quando, em momento de brilhante insight estratégico, Dwight Eisenhower interrompeu, para observar que Humphrey dizia, de fato, que todos passassem a raciocinar em temos de “Tudo bem, se for o nosso filho da puta”.

É momento histórico para nunca esquecer, porque o presidente dos EUA acabava de articular, com clareza cristalina, o princípio constitutivo do sistema de dominação global que Washington implementaria daquele dia em diante e pelos 50 anos seguintes: trocar qualquer princípio democrático por uma dura realpolitik de apoiar qualquer líder que apoiasse os EUA. E assim se construiu uma rede planetária de líderes nacionais (muitas vezes também nacionalistas) dispostos a por as necessidades de Washington acima de qualquer necessidade local.

Durante a Guerra Fria, os EUA favoreceram ditadores militares na América Latina, ditadores aristocráticos no Oriente Médio e uma mistura de democratas e ditadores na Ásia. Em 1958, golpes militares na Tailândia e no Iraque repentinamente viraram os holofotes para os militares do Terceiro Mundo, exibindo-os como forças às quais os EUA poderiam recorrer e com as quais poderiam contar. Foi quando o governo Eisenhower decidiu trazer líderes militares estrangeiros para treiná-los nos EUA e, assim, facilitar “o gerenciamento” das forças de mudança geradas pelo desenvolvimento daquelas nações emergentes. Dali em diante, Washington faria jorrar ajuda militar para cultivar os exércitos dos aliados e possíveis aliados em todo o planeta, ao mesmo tempo em que “missões de treinamento” seriam usadas para construir laços cruciais entre militares dos EUA e oficiais dos exércitos em todo o mundo; e, onde as elites subordinadas não parecessem suficientemente subordinadas, para ajudar a identificar líderes alternativos.

Nos casos em que presidentes civis se insubordinassem, entraria em ação a CIA, promovendo golpes que poriam no poder governos militares confiáveis – substituindo o primeiro-ministro do Irã Mohammad Mossadeq, que tentou nacionalizar o petróleo iraniano, pelo general Fazlollah Zahedi (então o jovem Xá) em 1953; o presidente Sukarno, pelo general Suharto na Indonésia na década seguinte; e, claro, o presidente Salvador Allende pelo general Augusto Pinochet no Chile em 1973, para citar apenas esses três casos.

Nos primeiros anos do século 21, a confiança de Washington nos militares nos seus estados-clientes só aumentou. Os EUA entregavam 1,3 bilhões de dólares ao ano ao Egito, como ajuda militar, e investiam só 250 milhões de dólares em programas de desenvolvimento econômico do país. Resultado disso, quando as manifestações populares sacudiram as bases do regime no Cairo em janeiro passado, os EUA imediatamente pensaram em uma “transição pacífica” com troca de generais. Nas palavras do New York Times, “investimento de 30 anos que rendeu bons dividendos, quando generais dos EUA e agentes de inteligência conheciam todos os nomes cogitados para formar um novo governo, amigos e colegas com os quais trabalharam e serviram”. “Transição pacífica”, no Egito, com apoio do exército, para manter a ditadura militar.

Em outros locais no Oriente Médio, Washington, desde os anos 1950s, sempre acompanhou a preferência britânica por aristocratas árabes, cultivando aliados como um Xá (no Irã), vários sultões (Abu Dhabi, Oman), vários emires (Bahrain, Kuwait, Qatar, Dubai), vários reis (Arábia Saudita, Jordânia, Marrocos). Em toda essa região vasta e volátil, do Marrocos ao Irã, Washington cortejou regimes monárquicos aos quais ofereceu alianças militares, sistemas de armas norte-americanos, apoio da CIA para a segurança local, paraíso seguro nos EUA para o dinheiro daquelas monarquias, e favores especiais às elites locais, entre as quais estudo e formação acadêmicas para os príncipes e nobres, com livre acesso às universidades norte-americanas ou escolas de formação de militares do Departamento de Defesa em todo o planeta.

Em 2005, a secretária de Estado Condoleezza Rice fez patético resumo de todo esse trabalho: “Há 60 anos, os EUA procuram a estabilidade à custa da democracia no Oriente Médio. Não conseguimos nem uma, nem outra”.

Mas, antes, funcionava…

Os EUA não são a primeira potência a construir poder imperial baseado em laços pessoais com líderes locais. Nos séculos 18 e 19, a Grã-Bretanha reinou sobre os oceanos (como os EUA depois reinariam nos céus), mas, em terra, como todos os impérios passados, tudo sempre dependeu de alianças locais que servissem de representantes locais, para o controle direto, local, das sociedades humanas, sempre mais voláteis que céus e mares. Não fosse assim, como, em 1900, uma nação insular, de apenas 40 milhões de almas, com exército de apenas 99 mil soldados, comandaria um império global de 400 milhões de seres humanos, quase um quarto de toda a humanidade?

De 1850 a 1950, a Grã-Bretanha controlou suas colônias formais mediante uma extraordinária rede de aliados locais – dos chefes das ilhas Fiji e sultões da Malásia a maharajas indianos e emires africanos. Simultaneamente, mediante elites subordinadas, os britânicos controlavam um “império informal” ainda mais amplo, que incluía imperadores (de Pequim a Istanbul), reis (de Bangkok ao Cairo) e presidentes (de Buenos Aires a Caracas). No auge, em 1880, o império informal britânico na América Latina, Oriente Médio e China era maior, em população, que as colônias formalmente ligadas à ‘metrópole’ na Índia e na África. Todo esse gigantesco império global, sobre cerca de metade de todos os seres humanos sobre o planeta, dependeu, sempre, de frágeis laços de cooperação com as elites locais.

Mas repentinamente, depois de 400 anos de ininterrupta expansão imperial, os cinco maiores impérios europeus de ultramar foram varridos do mapa, em apenas 25 anos de descolonização. Entre 1947 e 1974, os impérios belga, britânico, holandês, francês e português sumiram da Ásia e da África, dando lugar a uma centena de novas nações, das quais mais de 50 são hoje estados soberanos. À caça de explicação para mudança tão rápida e tão radical, muitos especialistas concordam com Ronald Robinson, historiador do império britânico, autor de famosíssima frase: “quando somem os seus governantes indígenas, os impérios morrem”.

Durante a Guerra Fria que coincidiu com essa era de rápida descolonização, as duas superpotências globais voltaram aos mesmos métodos e usaram com regularidade suas respectivas agências de espionagem para manipular os governos dos novos estados independentes. A KGB da URSS e suas agências delegadas, como a Stasi na Alemanha Oriental e a Securitate na Romênia forçaram uma uniformidade política entre os 14 estados satélites soviéticos na Europa do Leste e desafiaram os EUA, em todos os estados leais aos norte-americanos no Terceiro Mundo. Simultaneamente, a CIA monitorou de perto a lealdade de seus presidentes, autocratas e ditadores nos quatro continentes, com golpes, suborno e penetração nos serviços de segurança nacionais e, sempre que necessário, derrubaram governos inconvenientes.

Numa era de sentimento nacionalista, contudo, a lealdade das elites locais mostrou-se assunto mais complexo do que se esperava. Muitas daquelas elites eram arrastadas por lealdades conflitivas e muitas vezes por sentimentos arraigados de nacionalismo, o que obrigava os EUA a vigiá-las de perto. Aquelas elites eram tão criticamente importantes e qualquer insubordinação implicava questões tão amplas, que a CIA passou a trabalhar rotineiramente em operações clandestinas para ‘mantê-las em rota’, operações que geraram algumas das maiores crises da Guerra Fria.

Ante o crescimento da crise em seu sistema global de controle no mundo de depois da II Guerra Mundial, restaram poucas alternativas a Washington, além de trabalhar com fantoches locais os quais – mesmo que em posições mais fracas – ainda tentavam maximizar o que viam como interesse nacional de suas nações (tanto quanto viam como seu interesse mais diretamente pessoal). Mesmo no auge do poder global dos EUA, nos anos 1950s, quando a dominação norte-americana ainda não enfrentava desafios graves, Washington foi forçada a barganhar com alguns líderes locais, como, por exemplo, Raymond Magsaysay nas Filipinas, o ditador sul-coreano Syngman Rhee e com Ngo Dinh Diem no Vietnã do Sul.

Na Coreia do Sul, nos anos 1960s, por exemplo, o general Park Chung Hee, então presidente, condicionou o uso de tropas de seu país a bilhões de dólares para investimento – primeiro passo do que seria depois o “milagre” econômico sul-coreano. No processo, Washington pagou e obteve o que mais queria: 50 mil soldados e mercenários coreanos, para sua guerra no Vietnã, cada dia mais impopular.

No mundo pós-Guerra Fria

Depois de derrubado o Muro de Berlim em 1989, o que marcou o fim oficial da Guerra Fria, Moscou rapidamente perdeu seus estados-satélites, da Estônia ao Azerbaidjão, à medida que estados leais aos soviéticos saltavam do barco imperial que naufragava. Para Washington, que se sentiu “vitoriosa” e já se preparava para ocupar o lugar de “única superpotência” no planeta, começaria ali processo idêntico, mas um pouco mais lento.

Ao longo das duas décadas seguintes, a globalização gerou um sistema multipolar de potências emergentes em Pequim, Nova Delhi, Moscou, Ancara e Brasília – ao mesmo tempo em que um poder desnacionalizado e corporativo reduzia a dependência das economias em desenvolvimento, que deixavam cada dia mais de depender de um único estado, por mais ‘imperial’ que quisesse ser. Com sua capacidade para controlar elites pelo mundo cada dia menos efetiva, Washington teve, então de encarar a concorrência política e ideológica do fundamentalismo islâmico, dos sistemas de regulação da União Europeia, do capitalismo de Estado chinês e de uma onda crescente de nacionalismo econômico na América Latina.

Na medida em que o poder de influência dos EUA declinava, as tentativas de Washington para controlar suas elites subordinadas locais pelo mundo começaram a falhar, algumas vezes espetacularmente. O caso mais espetacular de fracasso desse tipo foi o golpe tentado para depor Hugo Chavez da Venezuela, fracasso, de fato, retumbante, em 2002. Outro caso, a tentativa de tirar da órbita soviética a Georgia do aliado Mikheil Saakashvili em 2008. E, isso, sem falar na nêmesis de Washington, Mahmoud Ahmadinejad, que enfrentou tentativa de golpe nas eleições de 2009 no Irã e lá continua, até hoje. Onde, antes, sempre bastaram os golpes da CIA ou muito dinheiro, foi necessário, no governo Bush, toda uma massiva invasão militar, com guerra, para tirar do posto um único adversário, ditador ex-aliado que, de repente, começara a criar problemas, Saddam Hussein. E mesmo assim, os EUA viram bloqueados seus planos para “troca de regime” na Síria e no Irã, quando esses dois estados contribuíram para criar uma guerrilha devastadora contra as forças dos EUA, dentro do Iraque.

Do mesmo modo, apesar dos bilhões de dólares consumidos em ajuda externa, Washington ainda não conseguiu controlar o presidente que os próprios norte-americanos puseram no poder no Afeganistão, Hamid Karzai, que, em resposta memorável aos enviados norte-americanos que não lhe davam sossego, disse que “Se querem um fantoche para chamar de parceiro, nada feito. Se querem um parceiro, sim, podemos conversar.”

Depois, no final de 2010, WikiLeaks começou a publicar aqueles milhares de telegramas diplomáticos dos EUA que abrem via ampla, sem qualquer controle ou censura, para que se veja, ‘ao vivo’, o enfraquecimento do poder de Washington, que já não domina o sistema de poder delegado que construiu e no qual muito investiu durante 50 anos. Ao ler aqueles documentos, o jornalista israelense Aluf Benn do jornal Haaretz, viu “a queda do império americano, o declínio de uma superpotência que comandou o mundo com seu exército e supremacia econômica.” Nunca mais, escreveu ele “os embaixadores dos EUA serão recebidos nas capitais do planeta como ‘altos comissários’. São vistos hoje como o que hoje são: burocratas cansados, que consomem seus dias ouvindo tediosamente o que não querem ouvir, cada interlocutor empenhado em seu discurso próprio, sem jamais conseguirem convencer os interlocutores locais sobre quem é a superpotência e quem é o estado-cliente.”

É verdade. O que os documentos publicados por WikiLeaks mostram é um Departamento de Estado que labuta para manter um sistema global indisciplinável, de elites locais cada dia mais insubordinadas; um Departamento de Estado que usa de todos os meios – que se serve da mais pura intriga tentando recolher informação e inteligência, de gestos de amizade para tentar obter alguma solidariedade, de ameaças para obrigar a cooperar e que desperdiça bilhões de dólares para comprar uma influência que nunca é suficiente. No início de 2009, por exemplo, o Departamento de Estado instruiu suas embaixadas em todo o mundo a agir como polícia imperial para recolher informação sobre líderes locais, inclusive “endereços de e-mail, números de telefones e faxes, impressões digitais, fotos, DNA e imagens SCAN da íris”.

Não há evidência mais clara de que, como qualquer subgovernador de colônia periférica, o Departamento de Estado depende hoje de informação de algibeira para incriminar adversários, do que a ordem, do Departamento de Estado à embaixada do Bahrain, para que reunisse detalhes sórdidos sobre os príncipes coroados do reino, que os comprometessem aos olhos de uma sociedade islâmica. Textualmente: “O que sabemos que incrimine os príncipes? Algum deles bebe álcool? Usa drogas?”

Com arrogância de quem foi enviado do império até anteontem, os diplomatas dos EUA ainda se autoconsideram senhores de todo o poder e descartam “os turcos neo-otomanos que aparecem pelo Oriente Médio e os Bálcãs”. Ou supõem que conheçam todas as fraquezas das elites subordinadas, como, por exemplo, “a loura voluptuosa que presta serviços de enfermagem ao coronel Muammar Gaddafi”, ou o “medo pânico” que os golpes militares inspiram ao presidente do Paquistão Asif Ali Zardari, ou sobre os 52 milhões de dólares “de fundos roubados” na conta do vice-presidente Ahmad Zia Massoud, do Afeganistão.

Mas, à medida que sua influência declina, Washington está descobrindo que muitos de seus aliados selecionados a dedo nas elites locais ou se tornam cada vez menos controláveis ou cada vez mais irrelevantes, sobretudo no estratégico Oriente Médio. Em meados de 2009, por exemplo, o embaixador dos EUA na Tunísia relata que “o presidente Ben Ali… e seu governo perderam qualquer contato com o povo tunisiano” e dependem “da polícia para controlar o povo”, ao mesmo tempo em que “a corrupção cresce nos círculos mais íntimos do poder” e “aumentam os riscos de instabilidade do regime, para o longo prazo”. Pois mesmo assim, o enviado dos EUA só recomenda que Washington “desconsidere a crítica popular” e passe a confiar “na sinceridade das informações que se obtêm nos altos círculos” – exatamente a mesma política que não produziu reforma alguma, até que as ruas derrubaram o ditador, apenas 18 meses depois dessa informação ‘de inteligência’.

Assim também , no final de 2008, a embaixada dos EUA no Cairo temia que “a democracia egípcia e os esforços de defesa dos direitos humanos estão sendo sufocados”. Mas, como disse a própria embaixada, “nada parece sugerir que se venha a assistir a complicações para os interesses regionais dos EUA, no caso de os laços entre EUA e Egito virem a ser gravemente enfraquecidos”. Quando, poucos meses depois, Mubarak visitou Washington, a Embaixada do Cairo insistiu para que a Casa Branca “restaure o senso de calorosa amizade que tradicionalmente caracterizou a parceria EUA-Egito”. E por isso, em junho de 2009, apenas 18 meses antes de Mubarak ser derrubado, o presidente Obama saudou seu ditador tão útil como “aliado confiável, um pilar de estabilidade e bonança na Região”.

Enquanto a crise na praça Tahrir no Cairo só fazia crescer, um respeitado líder da oposição, Mohamed ElBaradei, reclamava amargamente que Washington “está empurrando todo o mundo árabe na direção da radicalização, com essa política inábil de apoiar a repressão”. Depois de 40 anos de domínio dos EUA, o Oriente Médio, disse ele, não passava de “um punhado de estados fracassados que nada acrescentam à humanidade ou à ciência” porque “as pessoas são ensinadas a não pensar nem agir e, consistentemente, recebem educação inferior.”

Dado que não há guerra global capaz de simplesmente varrer do mundo um império, o declínio de uma grande potência sempre é lento, doloroso processo de esgotamento. Além das duas guerras dos EUA no Iraque e no Afeganistão, que se aproximam de alguma coisa que mais parece derrota que vitória, o capital do império vê-se atacado por grave crise fiscal, a moeda do reino perde valor de troca, e aliados de muito tempo constroem laços econômicos e até militares com a rival China. A tudo isso, impossível não acrescentar a possível perda de leais delegados em todo o Oriente Médio.

Há mais de 50 anos, Washington aproveita-se de um sistema global de poder baseado em elites locais subordinadas. Esse sistema facilitou a expansão da influência norte-americana por todo o mundo, com surpreendente eficácia e (em termos relativos) satisfatória economia de forças. Hoje, esses aliados leais já mais se parecem império desconexo, ou estados abertamente insubordinados. Make no mistake, como gosta de dizer o presidente Obama, que ninguém se engane: o fim de meio século de laços do velho tipo, indica, claramente, que Washington subiu no telhado.

No Brasil a elite subordinada ou pseudo elite é representada pelo PSDB, em cujo governo fizeram tudo o que os Estados Unidos mandaram, privatização, entrega do SIVAM à Raytheon, abertura financeira e comercial, tirar sapatos, entre outras sabujices. Leiam o que o WikiLeaks escreveu sobre o assunto.

Diante do sub-do-sub, tucanos atacam Brasil e bajulam Washington
Telegrama de 29 de dezembro de 2009, do Consulado dos Estados Unidos em São Paulo, vazado pelo Wikileaks

241953 12/29/2009 16:53 09SAOPAULO667 Consulate Sao Paulo CONFIDENTIAL

C O N F I D E N T I A L SAO PAULO 000667 SIPDIS AMEMBASSY BRASILIA PASS TO AMCONSUL RECIFE E.O. 12958: DECL: 2019/12/29 TAGS: PGOV, PREL, ECON, EFIN, BR SUBJECT: SAO PAULO LEADERS OUTLINE CONCERNS WITH GOB TO WHA A/S VALENZUELA CLASSIFIED BY: Thomas J. White, Consul General; REASON: 1.4(B), (D) 1. (C) SUMMARY:

Na perna final de sua visita de uma semana ao Cone Sul, o secretário-assistente para o Hemisfério Ocidental, Arturo Valenzuela, se encontrou com importantes observadores políticos e econômicos em São Paulo, que expressaram preocupação com a política externa do Brasil, com gastos públicos e com manobras políticas às vésperas da eleição de outubro de 2010. Em um encontro privado subsequente com A/S Valenzuela, o governador de São Paulo e líder da corrida presidencial José Serra alertou que a corrupção e a radicalização estavam crescendo no governista Partido dos Trabalhadores (PT) e sugeriu que como presidente ele deixaria a política externa mais sintonizada com os Estados Unidos. END SUMMARY.

Sao Paulo Political and Economic Observers

2. (C) Concluindo sua visita à região com uma escala em São Paulo no Sábado, 18 de Dezembro, A/S Valenzuela participou de um almoço oferecido pelo Cônsul Geral com ChargC) e nove importantes especialistas políticos e econômicos, inclusive o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Lafer, o ex-embaixador brasileiro nos Estados Unidos Rubens Barbosa e o ex-ministro da Ciência e Tecnologia José Goldemberg. A/S Valenzuela fez um balanço de sua visita e enfatizou a alta prioridade do USG [United States Government] nas relações bilaterais/ Ele identificou cooperação com o Brasil em questões regionais, inclusive Honduras, como sendo de importância crítica.

3. (C) Todos os convidados brasileiros criticaram a política externa do governo Lula, demonstraram preocupação com a crescente radicalização do governista Partido dos Trabalhadores (PT) e enfatizaram a deterioração das contas públicas. Ex FM Lafer descreveu a posição do Brasil em relação ao Irã como “o pior erro” da política externa de Lula, enquanto o embaixador Barbosa citou o papel do Brasil em Honduras como um fracasso importante. Todos concordaram que o GOB [Government of Brazil] está focalizando questões internacionais (Irã, o conflito israelo-palestino, Honduras, etc.) nos quais o Brasil tem poucos interesses nacionais e pequena influência, ao custo de ignorar questões mais próximas de casa, inclusive relações com o Mercosul.

4. (C) Vice-presidente do Centro Brasileiro para Relações Internacionais (CEBRI) Roberto Teixeira da Costa e professor Goldemberg particularmente questionaram o interesse do GOB no Irã, dada a falta de perspectivas comerciais e a improbabilidade de cooperação nuclear civil. [NOTA: Numa conversa paralela com o ChargC), Goldemberg, que é um renomado cientista nuclear, disse que o Brasil não tem nada a oferecer ao Irã em questões de combustível nuclear e que o Irã está bem adiante do Brasil em capacidade centrífuga. Além disso, ele disse que aprovava as recentes declarações da secretária Clinton sobre países que trabalham em proximidade com o Irã e que o GOB deveria levar as declarações a sério. FIM DA NOTA] A/S Valenzuela enfatizou que um crescentemente isolado Irã está em busca de oportunidades como as oferecidas pelo governo Lula para tentar encobrir sua falta de cooperação e impopularidade com a comunidade internacional.

5. (C) Domesticamente, os participantes brasileiros descreveram a estratégia do PT em tornar as eleições nacionais vindouras em um plebiscito sobre o governo Lula como superior ao governo Cardoso e enfatizaram a intenção do partido de fazer uma campanha agressiva. Tomando este rumo, eles argumentaram, [o PT] poderia descrever José Serra como candidato de Cardoso, ajudando a transferir alguma popularidade de Lula para Dilma Rousseff, que nunca disputou um cargo eletivo antes e tem demonstrado pouco carisma como candidata até agora. O ombudsman da Folha de S. Paulo Carlos Eduardo Lins da Silva destacou a força financeira sem precedentes do PT para fazer campanha depois de oito anos no governo, enquanto o cientista político Bolivar Lamounier disse que um PT crescentemente radicalizado provavelmente faria uma campanha muito negativa contra a oposição. Lins da Silva acrescentou que, se o PT perder as eleições presidenciais de 2010, poderia usar sua nova riqueza para fazer uma oposição muito problemática.

6. (C) Na economia, Teixeira da Costa disse que as percepções públicas sobre o Brasil estavam demasiadamente otimistas e que os mercados poderiam entrar em queda rapidamente se a situação internacional se deteriorasse ainda mais. Ricardo Sennes, diretor de assuntos internacionais da firma de consultoria Prospectiva, ecoou a avaliação, dizendo que as contas públicas do GOB estavam sob crescente ameaça e que a economia brasileira continuava não competitiva no longo prazo, devido à fraca infraestrutura, alta carga de impostos e políticas trabalhistas rígidas. Todos concordaram, no entanto, que a forte performance do Brasil nos últimos oito anos e a atual recuperação da crise global ajudam a campanha de Dilma Rousseff. Sobre o recente envolvimento destacado do Brasil na Conferência do Clima de Copenhague (COP-15), Professor Goldemberg disse que a performance do presidente Lula foi medíocre, e que os titubeios do GOB deixaram a percepção de que o Brasil decidiu suas posições nas últimas duas semanas. De outra parte, ele elogiou a apresentação da secretária Clinton e disse que que os países mais importantes deveriam se reunir em pequenos grupos (versus o G-77) para obter progresso em questões como financiamento e monitoramento.

SP Governor and Presidential Front-runner Jose Serra

7. (C) Em um encontro de 90 minutos um-a-um no palácio do governador, José Serra expressou um número das mesmas preocupações quanto à corrente política nacional, a crescente corrupção, gastos públicos e política externa. Serra disse ao A/S Valenzuela que o governista Partido dos Trabalhadores (PT) está fazendo de tudo para construir uma plataforma de poder de longo prazo enquanto estiver no governo. Serra disse que o Brasil está atingindo níveis de corrupação nunca vistos antes e que o PT e sua coalizão de aliados estão usando crescentes gastos públicos para construir uma máquina política para as eleições de 2010. Diante de tais tentativas, e o que ele descreveu como fraco aparato de seu próprio partido PSDB, Serra não estava firmemente confiante de que poderia vencer a presidência em outubro de 2010.

8. (C) Para além da política doméstica, Serra criticou a política externa do governo Lula e indicou que ele levaria o Brasil para uma direção mais internacionalista se eleito presidente. Serra citou Honduras especificamente como fracasso do governo Lula, culpando a posição do GOB e o presidente hondurenho Zelaya por impedir uma resolução. De outra parte, ele destacou seu envolvimento com o Governo da Califórnia em questões ambientais como um exemplo de oportunidade para trabalhar juntos em questões difíceis. No entanto, reiterando sua posição pública sobre biocombustíveis, Serra criticou as tarifas dos Estados Unidos sobre etanol importado do Brasil como economicamente ilógicas.

9. (C) Numa referência ao crescente populismo na região, Serra disse que achava a presidente argentina Cristina Kirchner “cordial e inteligente” e sugeriu que se o USG tem preocupações com as políticas populistas de Kirchner, a candidata presidencial do PT Dilma Rousseff deveria causar maior preocupação. Ele também alertou que as referências do USG a uma “relação especial” com o presidente Lula não soavam bem em todos os segmentos do Brasil e poderiam ser manipuladas pelo PT. [COMENTÁRIO: Além da Argentina, Serra parecia geralmente desinformado sobre recentes acontecimentos no Cone Sul, inclusive sobre a situação política do presidente paraguaio Lugo, e parecia primariamente imerso na política doméstica do Brasil. FIM DO COMENTÁRIO]. Finalmente, Serra disse que estava trabalhando em vários artigos de opinião que articulariam publicamente suas críticas à política externa do governo Lula nos próximos meses.

10. (U) WHA A/S Valenzuela has cleared this cable. White

Amorim: como os BRICS tomaram conta do pedaço


Ser radical é tomar as coisas

Celso Amorim


Os líderes (no caso do Brasil, a líder) dos cinco países emergentes que, com a adesão da África do Sul, hoje compõem os BRICS reuniram-se em Sanya, na China, em 14 de abril último. A entrada da África do Sul é bem-vinda por trazer a África para esse grupo, cuja crescente importância no cenário internacional já não é mais contestada. Evidentemente, os pessimistas profissionais continuam a apontar diferenças de interesses entre os membros dos BRICS, traduzindo, em verdade, seu desconforto com a criação desse grande espaço de cooperação entre países até há pouco considerados subdesenvolvidos.


O mundo assiste à ascensão dos BRICS com um misto de esperança (de dividir encargos) e temor (de compartilhar decisões). Com o surgimento dos BRICS, chega ao fim a época em que -duas ou três potências ocidentais, membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, podiam reunir-se numa sala e sair de lá falando em nome da “comunidade internacional”.


Tive oportunidade de participar dos primeiros movimentos que deram origem ao nascimento dos BRIC (então sem o “S”). Ou para usar uma terminologia que tomo emprestada da filosofia, da passagem dos BRIC de uma realidade “em si”, identificada pelo analista de mercado Jim O’Neill, para uma realidade “para si”. Foram necessários quatro ou cinco anos para que esses países assumissem sua identidade como grupo. O primeiro passo nesse sentido foi o convite do ministro do Exterior russo, Sergei Lavrov, para que os chanceleres dos quatro países se reunissem à margem da Assembleia Geral da ONU. Foi um encontro pouco estruturado. Interação mesmo, se é que houve, ficou restrita ao ministro russo e a mim.


No ano seguinte, tomei a iniciativa de convidar meus colegas para um almoço de trabalho na residência oficial da nossa representante permanente junto à ONU, Maria Luiza Viotti. Foi durante esse encontro que se tomou a decisão, inicialmente vista com certa reserva pela China, de convocar reunião a ser realizada em um dos países – e não como mero apêndice da pesada agenda dos ministros durante a Assembleia Geral. Assim, em maio de 2008, realizou-se a primeira reunião formal dos BRIC, na fria cidade russa de Ekaterinbrugo, no limite da Europa com a Ásia, com direito a declaração final e tudo o mais, ainda em nível de ministros. No ano seguinte, teve lugar, também na Rússia, a primeira cúpula de líderes. Antes disso, houve a tentativa, que acabou limitada a uma foto, de um encontro dos quatro, à margem da reunião do G-8 com alguns países em desenvolvimento, no Japão. Em 2010, ocorreu a Cúpula de Brasília, que quase não mereceu -atenção da mídia -brasileira, mas que motivou um documentário da tevê franco-alemã, a ARTE. E agora tivemos a Cúpula de Sanya, na China


E o que se nota ao longo desse processo? Primeiro, obviamente, a consolidação do grupo. Quando o Brasil propôs sediar a reunião do ano passado, a oferta foi aceita quase como um gesto de cortesia para com o presidente Lula, já que se tratava do final do seu mandato. Agora, sem que nada equivalente esteja ocorrendo, já se fixou a próxima cúpula para o ano que vem na Índia. Em suma, os líderes dos BRICS já não têm dúvidas sobre a importância de se reunir para discutir a cooperação entre eles e temas de interesse global, das finanças ao comércio, da energia à mudança do clima. Mais significativo, vencendo uma inibição que se fazia notar, sobretudo da parte da China, não hesitaram em tratar de questões relativas à paz e segurança internacionais. Em relação à Líbia, reafirmaram o desejo de encontrar uma solução “por meios pacíficos e pelo diálogo”. De forma mais geral, referindo-se ao Oriente Médio e à África, reafirmaram que o uso da força deve ser evitado. Como assinalou o comentarista do Financial Times, Gideon Rachman (embora eu discorde de sua análise das motivações), a intervenção anglo-franco-norte-americana na Líbia talvez seja o último hurrah! do que ele chama de intervencionismo liberal. Lembrando que Brasil, Índia, Rússia e China se abstiveram da resolução que autorizou “todas as medidas necessárias” para o estabelecimento da zona de exclusão aérea e a proteção da população civil, Rachman afirma que esses países, “as potências econômicas em ascensão”, são céticas sobre tal conceito. Aliás, se o Conselho voltar a reunir-se sobre o tema, é muito provável que a África do Sul, recém-ingressada nos BRICS e tendo de levar em conta posições mais recentes da União Africana, acompanhe seus novos companheiros de grupo. Isso deixaria a coalizão que apoiou o uso da força dependente de um único voto para qualquer nova ação que deseje tomar.


Bem… quais as consequências disso tudo? É que, com reforma ou sem reforma do Conselho de Segurança, já não será mais possível, por muito tempo, que um grupo de potências ocidentais decrete qual é a vontade da comunidade internacional. Da mesma forma que já não é possível para o G-7 (o G-8, do ponto de vista econômico, é uma ficção) ditar as regras que depois restaria ao FMI, ao Banco Mundial ou à OMC implementar. É evidente que, enquanto o Conselho da ONU não for efetivamente reformado, tudo será mais complicado e as grandes potências que emergiram vitoriosas da Segunda Guerra Mundial, especialmente os Estados Unidos, continuarão a barganhar apoios de Rússia e China, mediante concessões casuísticas, como fizeram por ocasião da adoção de sanções contra o Irã. Mas a tarefa será cada vez mais difícil. O surgimento dos BRICS no formato atual constitui uma verdadeira revolução no equilíbrio mundial, que se torna mais multipolar e mais democrático. Às vezes, as revoluções (refiro-me às verdadeiras, é claro) exigem tempo para se institucionalizarem. Mas isso acaba, inevitavelmente, ocorrendo.

Fonte: Carta Capital

Delfim Netto: Ambição incontrolável



por Delfim Netto, na CartaCapital, 27.04.2011

Um número crescente de leitores de jornais e revistas voltou a comentar as ideias e discutir os argumentos de artigos e análises que tratam de política econômica. Isso no momento em que se trava uma discussão bastante nervosa em torno das taxas de inflação.

Há opiniões de gente do governo (e também de fora) que o momento não é propício a uma ampla discussão pública do problema, porque isso poderia deteriorar ainda mais as expectativas inflacionárias.

Concorda que essa é uma preocupação importante, mas a ampliação do debate hoje é necessária para que não prevaleça o pensamento único imposto à imprensa por grupos restritos que se julgam portadores de uma ciência econômica que, na verdade, não existe.

“Cientificamente”, os vastos recursos do sistema financeiro influem decisivamente na construção das expectativas de inflação.

São elas que dão o suporte necessário à elevação das taxas de juros.

Nosso papel é insistir em questionar esse mecanismo de criação das expectativas que o Banco Central acaba sancionando. No final, oficializa a estimativa de inflação que é do próprio sistema financeiro. Quando criticamos esse mecanismo, não estamos dizendo que a taxa de juros não é um instrumento válido para combater a inflação, mas sim que este é um processo perverso que pode pôr em xeque a própria democracia: quem controla a mídia acaba impondo a sua vontade.

Vivemos um período relativamente longo (nos anos que antecederam a eleição de Lula) em que o debate econômico estava interditado. Com a “virada de agenda” em favor do crescimento com inclusão social, parece ter renascido o interesse em discutir a política econômica de forma ampla, sem restrições.

Não há nenhuma razão para acreditar que a utilização da taxa de juros não possa ser acompanhada de medidas macroprudenciais no combate à inflação. Em um mundo ideal, em que tudo caminha bem, sem atritos ou restrições de qualquer natureza, a taxa de juros era uma coisa fantástica: bastava apertar um botão e ela subia, colocando a inflação no nível que o Banco Central desejava. Hoje, ninguém mais acredita que os bancos centrais saibam como controlar a inflação ou defende a ideia de que só existia um instrumento para fazê-lo. Nem mesmo os economistas do FMI manifestam essa crença.

Seguramente, o que se espera é que os Bancos Centrais prestem atenção em pelo menos três coisas:

1. A higidez do sistema financeiro, no que o nosso Banco Central foi mestre.

2. O controle da inflação, sobre o que tenho minhas dúvidas.

3. A utilização de medidas macroprudenciais.

No mundo real onde vivemos, cheio de complicações, é preciso observar primeiro se a elevação da taxa de inflação no Brasil é simplesmente produto de um excesso de demanda interna ou se ela é mais a consequência de um descompasso entre procura e oferta na estrutura interna do setor serviços.

Por mais que se queiram ignorar os fatos, a verdade crua é que o nível da taxa de juros brasileira propicia uma arbitragem que é incontrolável.

O governo está usando alguns instrumentos para reduzir o ritmo da sobrevalorização que ela permite. Mas não devemos ter dúvida, mantendo-se as oportunidades de arbitragem, a valorização não para. P que singifica que setores que produzem e precisam exportar vão continuar sofrendo imensos prejuízos.

As consequências são terríveis para a nossa indústria e logo também poderão infligir danos à agropecuária. Por enquanto, o campo se defende porque os preços externos dos alimentos estão nas alturas. Até quando vão continuar assim é impossível prever. O agronegócio poderá sentir menos que os demais setores os efeitos da variação cambial, porque o dólar terá de se ajustar no momento em que os preços agrícolas caírem. Mas ainda deve demorar um pouco.

Já há, contudo, alguns sinais de mudança na atitude dos organismos internacionais, indicando a possibilidade de se estabelecerem controles sobre o movimento de capitais. Há pouco mais de duas semanas, o FMI admitiu que, em “circunstâncias específicas”, o controle do fluxo de capitais pode vir a ser uma das ferramentas da política econômica dos países que estão sofrendo por causa da supervalorização de suas moedas.

Esses países não devem continuar a ser obrigados a assistir passivamente à erosão de sua base industrial sujeita à competição desleal de países mais espertos.

quarta-feira, abril 20, 2011

Provável capa de Veja dessa semana se o pego no teste do bafômetro não fosse o Aécio

Acabou o tempo do pensamento único na economia



Reportagem de capa: Não há uma agenda formal, o debate apenas se inicia, mas é certo que um novo consenso econômico vai surgindo das cinzas da crise.

Alex Ribeiro | VALOR
De Bretton Woods e Washington



Hotel Mount Washington, em Bretton Woods: ali, no mesmo ambiente da histórica conferência de julho de 1944, economistas reuniram-se este ano, a convite de George Soros, para discutir uma nova agenda financeira internacional

Os economistas têm trabalhado um bocado ultimamente. Em março, o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, deixou o Rio, num domingo de Carnaval, para, ainda com barba por fazer, abrir um seminário na manhã seguinte em Washington. Alguns dos melhores cérebros do mundo, incluindo os prêmios Nobel Robert Solow, George Akerlof e Joseph Stiglitz, reuniram-se num auditório do FMI para discutir um novo Consenso de Washington depois da grande crise mundial.

Um mês depois, o megainvestidor George Soros trouxe gente de primeira linha, como Paul Volcker, Kenneth Rogoff e Amartya Sen, ao hotel que sediou o encontro original de Bretton Woods para, inspirados pela presença quase física do economista John Maynard Keynes, encontrar um novo Bretton Woods. O presidente do regulador financeiro da Inglaterra, Adair Lord Turner, disse, brincando, que os organizadores do evento sabiam pouco sobre a importância que Keynes dava ao lazer. Num domingo, os trabalhos começaram às 7 da manhã e terminaram às 11 da noite.

Os governos tocaram a vida adiante, entre Washington e Bretton Woods. Os republicanos forçaram o presidente Barack Obama a aceitar um ajuste orçamentário de US$ 38 bilhões, colocando fim à temporada de estímulos fiscais. A Turquia baixou os juros, para evitar a valorização do câmbio, em vez de aumentá-los, para combater as crescente pressões inflacionárias. O Brasil fez de tudo um pouco contra a alta de preços, a apreciação do real e o surgimento de bolhas financeiras. O Banco Central Europeu agiu como sempre: aumentou a taxa básica para lidar com riscos inflacionários que para muitos são miragem.

No auge da crise econômica, parecia estabelecida a volta definitiva ao keynesianismo, com o resgate do papel do Estado para estimular a economia, regular o sistema financeiro e controlar os fluxos desestabilizadores de capitais. Estava morto o velho Consenso de Washington, com sua fé em que os mercados encontrariam equilíbrio automaticamente, defesa da desregulamentação financeira e apologia da abertura das contas de capitais.

O Brasil aparece na vanguarda da nova política econômica, para conter a inflação, evitar bolhas e segurar a valorização do real

O debate entre os economistas ainda está no começo e, para alguns deles, como o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, é bastante confuso. Mas as indicações são de que teremos algo no meio: o keynesianismo não será tão intervencionista como o dos anos 1950, e o novo Consenso de Washington, se de fato surgir um, será definitivamente menos liberal. “Precisamos de uma nova forma de globalização, uma globalização mais justa, com face mais humana”, disse há alguns dias Strauss-Kahn, numa frase improvável de ser ouvida nas instituições de Bretton Woods de 1980 para cá. “Embora o mercado deva permanecer no centro do palco, a mão invisível não deve se tornar o punho cerrado invisível.”

Olivier Blanchard, economista-chefe do FMI, preferiu, em entrevista ao Valor, não dar nome ao novo pensamento econômico em gestação. Mas indicou que o “novo keynesianismo”, corrente da qual muitos acreditam que ele mesmo faça parte, parece estar vivo. É uma escola de pensamento que junta as duas partes: o novo keynesiano acredita nos mercados, mas acha que eles às vezes funcionam muito mal e o governo deve intervir.

Um personagem que está na cabine de comando da política econômica brasileira acha que há “muita espuma” em torno da discussão sobre o novo pensamento econômico. “Está sendo superestimado. Estamos fazendo no Brasil exatamente as mesmas coisas que sempre fizemos, mas apenas adaptadas ao novo ambiente econômico.”

Sobre política fiscal, Robert Solow, autor da teoria sobre crescimento que se tornou padrão nos manuais de economia, fez uma exposição definitiva durante o seminário do FMI. No período que foi conhecido como Grande Moderação, os economistas passaram a crer que os juros eram instrumento suficiente para lidar com recessões e superaquecimentos da economia. A crise lembrou a todos, disse Solow, que a política monetária às vezes pode chegar ao limite e será necessário lançar mão da política fiscal.

“Estamos fazendo no Brasil exatamente as mesmas coisas que sempre fizemos, mas apenas adaptadas ao novo ambiente econômico”, afirma alta fonte do governo (na foto, reunião do Comitê de Política Monetária)

Os governos, porém, usaram a política fiscal de forma mais ou menos instintiva, sem saber exatamente como um dado corte de impostos ou aumento de gastos afeta a economia. “Precisamos fazer política fiscal certo”, disse Solow. Para tanto, é necessário calcular o multiplicador fiscal, que diz justamente quanto os cortes de impostos ou aumento de gastos estimulam a demanda. A questão, afirma, é que existem vários multiplicadores, de acordo com o estado da economia e a ideologia de cada um.

“Os que desaprovam a política fiscal discricionária tendem a encontrar multiplicadores pequenos”, disse Solow. “Os que aprovam o uso da política fiscal discricionária acham multiplicadores grandes.”

Esse é mais ou menos o dilema que os Estados Unidos vivem agora. O Partido Republicano venceu as eleições legislativas do ano passado com o discurso de que os fortes gastos públicos são a principal causa do desemprego. Por esse raciocínio, empresas e consumidores estariam jogando a demanda para baixo porque estão assustados com a crescente dívida pública. A Inglaterra foi pelo mesmo caminho, com os conservadores.

No seminário em Bretton Woods, Larry Summers, ex-assessor econômico de Obama, ironizou a noção de que, nas condições atuais, um corte de gastos poderia ter efeito expansionista. “Se isso for verdade, comprometo-me a rever tudo o que pensei até hoje”, afirmou. “E, para dizer que farei isso, é porque estou bastante convencido de que tenho razão”, emendou, fazendo humor com sua reputação de arrogante.

Em outras circuntâncias, porém, o ajuste fiscal pode ser a melhor saída para combater recessões, reconheceu Summers. Questionado se não era uma inconsistência ele defender expansão fiscal agora para os países desenvolvidos depois de ter pregado ajuste fiscal aos países que quebraram entre 1997 e 1998, Summers disse que são duas situações diferentes. Os Estados Unidos conseguem se endividar na sua própria moeda, enquanto os países emergentes de então estavam sem financiamento.

O economista Richard Koo, da Nomura Securities, disse ao Valor, em Bretton Woods, que os Estados Unidos correm o risco de voltar à recessão porque estão fazendo o ajuste muito cedo. Segundo ele, o setor privado segue pagando dívidas, e seria temerário tirar o estímulo do governo agora. “Cometemos esse erro no Japão”, afirma Koo. “Os americanos acham que não têm nada a aprender conosco.”

“Embora o mercado deva permanecer no centro do palco, a mão invisível não deve se tornar o punho cerrado invisível”, diz Strauss-Kahn

Blanchard, do FMI, despertou polêmica ao propor que os bancos centrais usem mais de um instrumento para atingir mais de uma meta. Até a crise, afirma, eles basicamente usavam uma ferramenta, a taxa de juros, para atingir um objetivo, inflação baixa. Durante a Grande Moderação, economias avançadas deixaram os juros baixos porque a inflação estava sob controle, mas acabaram alimentando bolhas, como as dos mercados imobiliários americano e espanhol.

Agora, prega Blanchard, os bancos centrais devem prestar atenção não apenas na inflação, mas também na estabilidade financeira, no chamado hiato do produto e desemprego e até mesmo na taxa de câmbio. Para chegar lá, devem usar vários instrumentos além dos juros, incluindo medidas prudenciais, intervenções cambiais esterilizadas e controles cambiais.

No debate do FMI, a ideia de ter várias metas despertou reações negativas, sobretudo entre economistas da América Latina e Alemanha, que têm um passado traumático de hiperinflação. Os latino-americanos defenderam, de forma geral, a eficácia do regime de metas para os bancos centrais ganharem credibilidade. Expressaram o receio de perda de foco no mais importante, a inflação, caso sejam adotados múltiplos alvos.

Robert Solow:
a crise lembrou a todos que a política monetária pode chegar ao limite
e então será necessário lançar mão da política fiscal

Um alemão, Otmar Issing, defendeu o sistema de dois pilares do BCE, que ele mesmo ajudou a construir, com características de meta de inflação e do velho monetarismo. O BCE acompanha a evolução de agregados monetários e crédito para identificar tanto pressões inflacionárias quanto bolhas financeiras. “Nao é elegante”, ironizou Issing, referindo-se às críticas ao sistema do BCE feitas por quem defende a simplicidade do regime puro de metas de inflação.

Em meio a esse debate acadêmico está o Brasil, que, para muitos, aparece na vanguarda da nova política econômica. Usa vários instrumentos para atingir várias metas. O Brasil já subiu compulsórios, taxou e restringiu o prazo do crédito, anunciou uma consolidação fiscal e impôs controles de capitais, como impostos na entrada de investimentos estrangeiros e limites na posição de câmbio dos bancos. Todo esse esforço é para conter a inflação, evitar o surgimento de bolhas financeiras e segurar a crescente valorização da taxa de câmbio.

No Banco Central (BC), porém, a versão é de que estão apenas fazendo o que sempre fizeram. “O BC sempre teve dois mandatos, a inflação e a estabilidade financeira”, afirma uma fonte. “Não temos e não gostamos de meta para a taxa de câmbio, pois a flutuação prestou um grande serviço para o Brasil.”

De 2002 para cá, afirma outra fonte, o BC alterou o compulsório 62 vezes, e as medidas prudenciais são prática do dia-a-dia. O ajuste fiscal que o governo fez neste começo de ano já estava nas contas do BC desde fins de 2009, porque é sempre esperada uma consolidação fiscal depois de um ano eleitoral. O BC anunciou em fins de 2003 o seu programa de intervenções no mercado de câmbio, com o objetivo de acumular reservas e reduzir a volatilidade cambial. O Brasil colocou e retirou o IOF sobre capitais estrangeiros várias vezes nos últimos anos.

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Obviamente, nada disso é neutro para a política monetária. O compulsório lida com riscos excessivos do sistema financeiro, mas também afeta a demanda agregada, depois que o crédito subiu de 25% para 50% do PIB. Os fluxos de capitais são um dos fatores que levam ao superaquecimento da economia, e os controles atenuam essa fonte de pressão. Ajustes fiscais tiram a sobrecarga da política monetária. Esse conjunto de medidas deixa o mercado financeiro um pouco confuso. A pergunta mais frequente: o BC está usando outros instrumentos porque não quer subir juros?

A questão é legítima, levando-se em consideração que a Turquia, por exemplo, baixou os juros para conter a valorização do câmbio – e lançou mão de compulsórios para conter a inflação. Estudo do FMI mostra que apenas um terço dos países fez a lição macroeconômica de casa antes de lançar mão de controles de capitais. Os asiáticos estão com taxas de juros negativas, apesar do claro superaquecimento em várias economias. A China prefere apertar compulsórios. “Temos vários instrumentos, por isso podemos atingir vários objetivos”, disse ao Valor Yu Yongding, ex-diretor do BC chinês. “O governo está dando ênfase agora para o controle da inflação.”

Uma fonte do BC afirma que, no caso do Brasil, não há substituição de juros por outros instrumentos. O BC, Fazenda, Presidência da República tomam decisões sobre regulação financeira, orçamento e controles cambiais, de olho em diferentes objetivos. O Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne para tratar apenas de inflação, levando em conta os impactos apenas na inflação das demais medidas tomadas pelo governo. “A taxa de juros continua a ser o instrumento clássico para colocar a inflação na meta”, afirma a fonte.